A PRINCESA
JUDIA – 14 JAN 2017
(Conto original
de Sylvia Rothschild, publicado em 1968 na coletânea MORE WORLD OVER STORIES,
tradução, adaptação e versão poética de WILLIAM LAGOS
A PRINCESA JUDIA I
Cada semana, a mãe se atarefava,
limpando a casa, preparando a
refeição,
tendo o máximo cuidado na
ocasião,
vendo que o Sábado já se
aproximava.
Depois que o pai chegava, ele
contava
que no Egito haviam
sofrido escravidão,
sendo essa a festa da final
libertação:
cada criança, com respeito, o
escutava.
Mas certo dia, uma criança
pequenina
pediu à mãe uma história
diferente:
“que ninguém escutou antes de
mim!...”
Entre sorrisos, a mãe disse à
menina:
“Pois esta história vai deixá-la
bem contente!”
Com todo o amor, ela a narrou
assim.
A PRINCESA JUDIA II
Houve um tempo em que o povo de
Israel
possuía um rei e era
independente;
seus inimigos vencera e era
potente,
naquela terra em que “manava
leite e mel”.
A esposa de um dos reis, bela
Raquel,
estava grávida e esperava, já
impaciente,
trazer ao mundo uma criança
inteligente,
que à dinastia aportasse outro
laurel.
E no devido tempo, deu à luz
uma menina saudável e perfeita...
Pediu a mãe: “Que Jeová lhe dê
beleza!”
“Que seja sábia! A inteligência mais reluz!”
falou o rei. “Só de beleza não é feita
uma princesa real em sua
nobreza!”
A PRINCESA JUDIA III
“Que também seja cheia de
bondade,”
rezou a avó, “pois de nada
servirão
beleza e inteligência quando são
limitadas por orgulho e por
maldade!”
Sendo as três preces de real
sinceridade,
Deus Jeová estendeu dos céus a
mão
e dos três dons lhe concedeu a
proteção:
melhores dotes não possui a
humanidade!
E desta forma, cresceu a
princesinha,
de formosura dotada sem igual
e aos doze anos, já sabia mais
que cada sábio que o reino então
continha,
demonstrando gentileza fraternal
aos nobres, aos humildes e aos
demais!
A PRINCESA JUDIA IV
De fato, gentil sendo com a
nobreza
e de igual forma com toda a
burguesia,
sempre era aos pobres que dava
mais valia
e os auxiliava sempre, com
presteza!
Mas era sábia também. Qualquer vileza
de quem somente a explorar queria
identificava em seguida e
repreendia
os falsos pobres, com a máxima
certeza!
Um certo dia, lhe prepararam
homenagem
durante um baile a ela dedicado,
mas a Princesa se atrasou, tendo
o cuidado
de conferir se a sua criadagem
estava a distribuir corretamente
as “cestas básicas” que dava à
pobre gente...
A PRINCESA JUDIA V
Embarcou em sua carruagem
apressada,
mas no caminho encontrou certa
mendiga
ao seu veículo impedindo que
prossiga,
sem que o cocheiro se animasse a
fazer nada.
Pois certamente não a queria
atropelada!...
Então a Princesa mandou parar o
auriga,
para a mendiga escutar, com voz
amiga,
que lhe dizia sofrer fome
demasiada...
“Bem, então, vá ao castelo... Nos
portões
são atendidos os verdadeiros
suplicantes:
os meus criados não lhes negam
refeições...”
“Senhora, preciso mesmo é de
dinheiro;
caminhar eu não consigo como
dantes...”
“Se é merecedora, a atenderei,”
falou ligeiro
A PRINCESA JUDIA VI
“Mas agora eu vou à praça
principal,
estou atrasada e o povo ali me
espera...
Vá ao castelo amanhã... Em sendo
vera
a sua necessidade, repararei seu
mal!...”
E com um gesto de pressa natural,
a que o cocheiro de imediato
obedecera,
veloz partiram, que a pedinte já
esquecera,
o atraso sendo sua preocupação
real.
Porém pela janela viu um corisco
e a mulher dali se evaporara!
Seria uma bruxa que agora me atacou?
Por que temer deveria qualquer risco?
Pois nem ao menos neguei-lhe seu pedido!
Amanhã, se aparecer, será atendido!...
A PRINCESA JUDIA VII
Mas quando no local chegou a
carruagem
e abertas foram as portas à
Princesa,
ela sumira, inexplicável tal
surpresa!...
E por mais que investigassem sua
passagem,
muitas buscas sendo feitas com
coragem,
pela cidade e por toda a redondeza,
fez-se o mistério insolúvel, com
certeza,
o povo inteiro lastimando essa
voragem!...
Mas a Princesa encontrou-se, de
repente,
envolta em trapos, perante o
Paraíso,
em vão batendo à porta para
entrar...
Então um Arcanjo, de beleza
surpreendente,
veio explicar-lhe, com seriedade
e siso,
que seu pecado não a deixava
penetrar!
A PRINCESA JUDIA VIII
“Mas que pecado? Eu sempre fiz o bem!”
“Você não quis ajudar certa
mendiga...”
“Eu só falei, é preciso que lhe
diga:
Venha amanhã até o castelo mais além!”
“O amanhã não é direito de
ninguém;
quem sua carruagem impediu então
que siga,
faleceu naquela noite, cara
amiga!”
“Deixe que eu volte e a ajudarei
também!”
“Não, minha filha, o dia que
passou
não pode nunca ser recuperado,
sua punição terá de suportar...”
“E todo o bem que fiz...?” O anjo pensou:
“Tudo junto não redime esse
pecado...”
“Só por um erro vai então me
condenar?”
A PRINCESA JUDIA IX
“Princesa, três dons divinos
recebeu:
Beleza, Sabedoria e Caridade,
comparar-se não pode, é bem
verdade
com aqueles a quem Deus bem menos
deu.”
“Já que dotes tão valiosos
concedeu,
de você esperava Deus, na
realidade,
muito mais que do comum da
humanidade:
foi sua impaciência que a
comprometeu!...”
“Meu bom Arcanjo, reconheço estar
errada,
mas foi de fato tão só um pequeno
engano,
por que então devo ficar aqui
perdida?”
“Por que da Terra eu fui
arrebatada,
para sofrer neste lugar profano,
sem no reino dos céus ser
recebida?”
A PRINCESA JUDIA X
Disse-lhe o anjo: “Já comete um
novo erro,
tudo é sagrado ao redor do
Paraíso,
só lhe parece um castigo a seu
aviso,
porém sou justo quando os portões
lhe cerro!”
“Meu coração, contudo, lhe
descerro:
vou retornar ao sacro chão que
piso.
Espere até amanhã... O seu
caminho aliso,
após consulta dos papiros que ali
encerro...”
Assim o Arcanjo retornou pelo
portão,
deixando a princesinha a lastimar
uma só falta que a pudera
condenar;
sem ressentir-se no seu coração,
porém chorando de arrependimento,
em verdadeiro e puro
sentimento!...
A PRINCESA JUDIA XI
Ela esperou. Quiçá por uma hora.
Talvez um dia. Ou um ano.
Ninguém sabe
do tempo a extensão que nos céus
cabe,
mas contrição ela sentiu sem mais
demora.
Tornou o Arcanjo, acompanhado
agora
de outra criatura, sem que
palavra gabe
a sua beleza... “Que seu castigo acabe
eu supliquei. Não mais ficará fora.”
“Eis a mendiga a quem auxílio
recusou,
logo transposta para o Paraíso,
tendo sofrido demais durante a
vida,
que certamente aquela falta lhe
perdoou.
Porém precisa, mesmo tendo tanto
siso,
muito estudar para aqui ser
recolhida...”
A PRINCESA JUDIA XII
Assim a Princesa pôde o véu
transpor,
pelos dois belos anjos amparada;
certa mansão já lhe fôra
destinada,
em que a Torá estudaria com
ardor...
E foi aos poucos merecendo tal
louvor
da hierarquia celestial
observada,
que em outro anjo seria
transformada...
Porém pediu, em vez disso, outro
favor.
“Quero voltar à Terra e ver meus
pais
e todo o povo que tanto amei em
vida...”
“Seus genitores lá não se
encontram mais,
“em outra parte do Paraíso os pode
achar
e hoje mesmo será por eles
recebida:
é seu irmão que hoje reina em seu
lugar.”
A PRINCESA JUDIA XIII
Assim a Princesa, em anjo
transformada,
com seus pais encontrou-se
novamente;
depois ao Arcanjo retornou, ainda
impaciente:
“Não sei se a gente de Israel
está amparada...”
“Por seu irmão é com justiça
governada.”
“Mas eu queria poder vê-los,
simplesmente,
a paz de Jeová para afirmar
constantemente,
ou tanto estudo não lhes servirá
de nada?”
E novamente o bom Arcanjo
meditou.
“Vou indagar o que feito possa
ser...”
Estudando a Santa Lei, ela
aguardou.
E finalmente, veio o Arcanjo e
lhe narrou
a decisão, com celestial prazer:
“Mais uma bênção Jeová lhe
derramou!...”
A PRINCESA JUDIA XIV
“Você tornou-se verdadeiro anjo
de luz,
que a paz de Jeová assim
proclama;
poderá retornar, toda a semana,
nas sextas-feiras, quando o Sol
já não reluz.”
“A voz de Deus que seu povo tão
seduz.
como Shabbat Shalom então proclama. (*)
em cada lar a que a família
irmana
o brilho puro dos candelabros
nus...”
(*) A Paz do Sábado.
“E como é um anjo, assim pode
visitar
todos os lares de Israel numa só
noite,
contudo apenas os pode contemplar
“pelas janelas, sua voz a
sussurrar
o Shabbat Shalom em breve acoite,
tal qual se o vento ali fosse
assoprar...”
A PRINCESA JUDIA XV
E de algum modo, foi dado a
conhecer
que às sextas-feiras um anjo
chegaria
e a todos os lares da terra então
traria
a paz de Deus, que mal se pode
conceber.
Entre o reflexo das velas a
aparecer
sua face apenas ali se
entreveria,
mas do Sábado a bênção escutaria
qualquer ouvido que a quisesse
receber.
Os homens duvidaram, mas
senhoras,
tendo seus filhos a seu redor
reunidos,
casas inteiras lavaram e
limparam,
as refeições especiais sem mais
demoras
prepararam, para que fossem
recebidos
anjos dos céus, que confiantes
esperaram.
A PRINCESA JUDIA XVI
E ao pôr do sol, quando o Sábado
iniciava,
de janela em janela, a sua
Princesa
veio espiar, na maior delicadeza,
a conferir o quanto ali se
preparava.
De algumas casas a beleza
admirava
e o seu riso de alegria, com
certeza,
se escutava como a brisa em
gentileza
e seu reflexo nas janelas se
estampava.
Mas mesmo na mais pobre
residência,
se preparassem, humildes, seu
jantar,
algumas velas, só de sebo, a
rebrilhar,
lá estava ela, permeio a
incandescência,
o Shabbat Shalom a sussurrar,
ao mesmo tempo, em rico e em
pobre lar...
A PRINCESA JUDIA XVII
E nas piores situações, esse
preparo,
ainda que fosse de uma só côdea
de pão,
qualquer angústia aliviava ao
coração
dos solitários e doentes sem
reparo.
Enquanto o Reino de Israel teve
seu raro
período de esplendor, com
Salomão,
em cada casa havia suntuosa
refeição,
para do anjo aguardar seu rosto
caro.
E quando o reino, enfim, foi
dividido
e a seguir por inimigos
conquistado,
em cada acampamento escravizado,
não era o dia de Sábado
esquecido,
e mesmo à luz de pálida fogueira,
Shabbat Shalom pelo vento ali se esgueira.
A PRINCESA JUDIA XVIII
E quando o povo de Israel foi
dispersado
pelos cem cantos do Imperial solo
Romano,
aquele som – talvez em sonho
insano –
por cada triste escravo era
aguardado...
Até hoje, em cada lar é
consagrado
o pão asmo, até no solo mais
profano,
pelo povo judeu, ano após ano,
nesse rito secular
sacramentado...
E os velhos e os doentes ainda
esperam
e as crianças também, com
entusiasmo,
a procurar seu reflexo nas
vidraças...
Talvez os zéfiros tais palavras
geram:
Shabbat Shalom a despertar o pasmo,
qual voz suave a transmitir-lhe
as graças!
A PRINCESA JUDIA XIX
Dizem que um dia os anjos
perguntaram
à princesinha que em anjo se
tornara,
se a saudade nunca despertara
do palácio e dos servos que a
ajudaram.
Mas respondeu: “Muito mais sei
que me amaram
essas pessoas que jamais
desapontara
e que outra vida nunca
desejara...”
E de alegria e orgulho santo
alguns choraram.
Fôra a mais bela, mais sábia e
mais bondosa
princesa que jamais pisou na
Terra;
e de algum modo a sua presença se
concebe,
após preparação tão cuidadosa,
que a fé do povo e a devoção
encerra
e que ao crepúsculo das sextas se
percebe!
A PRINCESA JUDIA XX
E quando a mãe a meiga história
terminou,
um ruído se escutou, vindo de
fora...
Quem sabe o pai apressado nessa
hora?
Ou alguma folha que o vento ali
assoprou?
Talvez um gato que no porão se
espreguiçou
ou algum esquilo correndo sem
demora...
Mas as crianças, tão crentes como
outrora,
não duvidaram do que se passou...
“Não foi um carro de que vimos o
reflexo,
mas realmente um belo rosto nos
sorriu!...”
e de sua voz o vento trouxe o
nexo:
Shabbat Shalom! – Cada qual então ouviu
e se abraçaram em carinhoso
amplexo,
quando a Princesa para os céus
então partiu.
Recanto das Letras
> Autores > William Lagos
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