FALL-OUT & PLUS – William Lagos
Originais a partir de 20/12/2007, completados entre 30/1 e 8/2/2017.
(LA DAME AU ARC-EN-CIEL, TÊMPERA DE jAIME IXCHEL)
FALL-OUT I – 20 DEZ 2007
A bomba cairá, cedo ou mais tarde:
as instruções se encontram na Internet
e a radiação descerá, como um confete;
quando não mata, a queimadura arde,
em dor terrível: primeiro faz-te cego,
depois te paralisa e te desmancha
por dentro, em veneno que se arrancha
dentro de ti e não te dá sossego,
durante a morte lenta... tal como faz amor,
que não te mata logo, contudo paralisa
a tua razão, te cega e te condena
a definhar aos poucos... seu pavor,
a escorrer dos ossos... e repisa
suas exigências, enquanto te envenena.
FALL-OUT II – 30 JAN 17
Nestes dez anos ainda não caiu
e Edward Teller foi desacreditado,
na afirmação de deixar contaminado
o mundo inteiro por radiação que produziu,
a qual se espalha ao derredor em calafrio,
natalidade suprimida pelo alado
veneno que em toda a Terra distribuiu
o festival hidrogênico espalhado...
Amor, porém... esse explodiu em mim
mais de uma vez... e igualmente definhou,
algumas vezes após ser consumado;
com mais frequência a se espiar, assim,
esse rito zombeteiro que mostrou
cada olhar só de longe contemplado...
FALL-OUT III
Contudo penso nesse doido Kim Jong-Un,
a dominar sobre a Coreia do Norte,
um ditador com poder de grande porte,
mas incapaz de perdoar a qualquer um!...
Inimigos já não tem, porque nenhum
sobreviveu após cair-lhe a sorte
de ser o próximo destinado para o corte:
decerto hoje chegará o fim de algum!...
Pelo poder é que conserva amor,
talvez mesmo afetado de impotência,
que explode mísseis qual ejaculação,
tubos eretos do máximo vigor,
mas sem de fato ter atômica cadência,
no fogo e fumo de tal masturbação.
FALL-OUT IV
Implica mais é com o governo americano:
esse país muito rancor já cultivou,
que o xainxá, seu aliado, abandonou
por inimigos no atual povo iraniano.
Caso tivessem apoiado o soberano
contra a revolta que ali se provocou,
seriam amigos, mas agora prosperou
o firme ódio de tal povo muçulmano.
Têm a mania de implantar republicano
governo e mais seu presidencialismo,
que tão somente em sua terra prosperou;
fosse a Alemanha um reino, nunca o insano
nazismo expandiria o seu modismo
depois que a ditadura se instalou!...
FALL-OUT V
Esse fall-out do
Presidencialismo
é muito mais que a bomba pernicioso;
o Republicanismo é poderoso
só temperado por Parlamentarismo.
Foi da América que brotou esse truísmo,
a transformar o presidente mais bondoso
num ditador, por seu poder cioso,
num arremedo de Republicanismo!
É assim do norte que nos desce a radiação,
contaminando dezenas de países:
que fossem reinos não podiam suportar!
Mas quanta gente morreu por tal razão,
governada por homens sem raízes,
que outro ambicioso procura derrubar!
FALL-OUT VI
Pois são frequentes tais revoluções
sob o pretexto de serem esquerdistas,
restauradores se afirmando direitistas,
uns e outros com iguais motivações,
porque é o Poder que ativa as ambições,
sob a farsa de proclamas populistas,
seus eleitores esquecidos nas conquistas
desse poder de tão douradas ilusões!
Pois morte lenta atingirá a democracia,
envenenada por amor tão ciumento,
sem às promessa de antanho dar alento,
que no trono presidencial demonstraria,
mais do que tudo, suas ocultas intenções
por tal poder que só corrompe os corações!
RÓTULAS I – 20 dez 2007
Vou transformar meus meniscos em moedas
para comprar o amor que não foi dado
como gratuito dom, nem derramado
sobre meu cenho, por mais que me
concedas
que precisas de mim, mesmo que quedas
as tuas emoções persistam; descuidado,
transformarei meus ossos em recado,
que lançarei ao vento em que segredas...
e jogarei às nuvens meus pulmões,
para transportes de idêntico momento
ao que foi nos mistérios murmurado...
nessas joelheiras de minhas ilusões,
onde escondi, no mais estranho alento,
o antigo sentimento inconfessado.
RÓTULAS II – 31 JAN 2017
“Ora, direis...” – um amor inconfessado,
mantido apenas nos alvéolos do pulmão,
dentro da válvula mitral do coração,
mas que ainda assim – precisa ser
comprado!
“Ora, direis...” – um amor que não foi
dado,
mas diluído empós conversação,
disfarçado ao relatar desilusão,
estranho amor que jamais foi recusado,
sem ser jamais solicitado assim,
pela falta da premência mais potente,
pela suspeita de se mostrar indiferente
esse outro coração, qual querubim,
sob a armadura as asas escondidas,
sob os conselhos esperanças mal
contidas!
RÓTULAS III
Amor que seja de inocente rotulado,
preço de ossos para angariar dinheiro,
perdida doação sem companheiro
que se disponha a tê-los enxertado!
Amor que se limita a ser cambiado
por meia dúzia de sussurros de permeio,
pelo suflar do vento sem receio...
E se esse rogo for por outrem escutado?
De fato, o foi – mas não soube
compreender
e outro amor aceitou, condescendente,
sabendo bem que levariam a nada,
tantos sonetos, corações a remexer,
na inquietação que medra tão frequente
em outra alma que nem fora desejada!
RÓTULAS IV
Amor apenas de joelhos murmurado,
em tola imploração à divindade
que só lastima o ardor da humanidade,
que só se prostra quando algo tem
buscado!
Tanto amor que na atmosfera está
espalhado,
gratuitamente, pelos ares da cidade,
tanto amor recusado sem piedade,
por cada gesto de desdém manchado!
Por que daria ouvidos a Senhora
ou qualquer santo, pelo preço
perturbado,
a essa prece de amor desamparado?
Alguma vela... Ou dúzias, nessa hora,
seria o pago por tal amor buscado,
que conquistar não pôde quem namora!
RÓTULAS V
Favor quem sabe comprar se poderia
pelas moedas na caixinha das ofertas,
famintas fendas nas tampas abertas,
por doações de quem aos santos
pediria!...
Que triste amor, esse amor de fancaria,
rogado assim, nessas visões incertas,
suas lástimas a bradar por descobertas
dos artifícios com que amor
conquistaria!
Muito melhor estender então os braços
e catar esse amor solto no vento,
por corações abandonado em desalento!
Por fio sutil ligado a tais abraços,
mesmo sem ser ao rosto que esperavas,
mas que talvez dê mais amor do que
buscavas!
RÓTULAS VI
Acertado é quando a gente se conforma
com esse amor que a nós destino dá,
antes que este, por sua vez, se vá
e a solidão de novo seja a norma!
Esse amor breve aos poucos se transforma
em algo sólido, que nos apoiará,
algo concreto em que ilusão não há,
não amor-sombra, mas amor de forma!
Contudo, mesmo dando este conselho,
eu continuo a lançar os meus apelos
a cada nuvem que pelo céu perpassa!...
E como Zeus, nesse aforisma velho,
tornou a nuvem em Juno, em seus
desvelos,
desse vento inconstante bebo a graça!...
(*)
(*) Íxion, um homem acolhido por Zeus,
tentou conquistar sua esposa Juno ou Hera;
por pirraça, Zeus criou de uma nuvem uma
sósia para a deusa, enganando o insolente.
POBRE
É A MENSAGEM I – 22 dez 2007
A
estrela luzia, argentemente,
nos
céus da Palestina; e, sobre a gruta,
uma
canção angelical se escuta,
de
toda voz humana diferente...
A
melodia inspira a pobre gente
de
seus rebanhos a fazer permuta;
e
a luz desperta o ideal na mente arguta
dos
astrólogos, chamados "Reis do Oriente".
Uns
e outros já foram decantados
durante
mil natais, em versos nobres,
cuja
lembrança da memória tiro...
Fico
a pensar nos poemas relembrados...
E os
meus, ao comparar, vejo tão pobres,
que
a mim me resta apenas um suspiro...
POBRE
É A MENSAGEM II – 1º FEV 2017
Na
verdade, evito essa temática,
pois
nela nada mais resta a ser dito;
meus
versos lanço, qual ovelhas, no infinito,
sempre
à busca de ideia mais enfática,
nessa
certeza amplamente matemática
que
a manjedoura que na mente eu fito
já
de há muito está vazia e foi-se o grito
das
mães dos Inocentes – cruel prática!
Por
que falar então nesse Natal,
acompanhado
por boi e por jumento,
que
mãe e filho transportou até o Egito,
quando
agora se aproxima o Carnaval
e
sou forçado aos tambores ser atento
e
do Rei Momo escutar o riso aflito!...
POBRE
É A MENSAGEM III
“Adeus
à carne” – assim traduzem Carnaval,
na
Quaresma proibida antigamente,
quando
a força da Igreja era potente
e
apoiada pelo braço temporal.
Era
o peixe, então, o alimento natural,
que
é muito mais saudável, realmente;
não
era o alívio do gado permanente,
mas
da morte um adiamento mais formal.
Quem
é que pensa nessas coisas, afinal?
Deve
haver gente que acredite proibido
praticar
sexo no período quaresmal!
“Adeus
à Carne”, interpretação diversa,
no
Carnaval sendo tudo permitido,
perdão
do padre a receber após conversa!
POBRE
É A MENSAGEM IV
Mas
para mim, o Carnaval é diferente:
acredito
ser a Festa do Suor,
gente
pulando desde o Sol se pôr,
até
a alvorada ser mais iminente!...
Não
participo desse pular urgente,
que
facilmente desfaz-se meu vigor
tão
logo encontre excesso de calor:
vinte
graus acho excessivo, boa gente!
Mas
vejo o povo a pular o dia inteiro,
nos
dias que correm, até mesmo de manhã,
já
que as noites não parecem suficientes...
Fico
a pensar se ardor sobre, ligeiro,
para
ter sexo depois de tanto afã
ou
se o pular torna muitos impotentes!
POBRE
É A MENSAGEM V
Já
os Magos retornaram às suas terras,
por
um caminho diferente da jornada
inicial
até a terra consagrada
a
ser teatro de inumeráveis guerras...
Provavelmente
cruzaram sobre as serras
da
Cisjordânia, em caravana armada,
mesmo
no tempo dos romanos arriscada
essa
viagem que em imaginário encerras,
Os
presépios nos mostram três camelos
e
três astrólogos vestidos como reis,
que
certamente ainda possuíam algum ouro
para
o retorno, mas raramente os belos
camelos
eurasianos que, sabeis,
têm
duas corcovas a projetar do couro.
POBRE
É A MENSAGEM VI
O
que costumam mostrar são dromedários
de
uma corcova só – os saharianos.
Se
magos fossem, de fato, soberanos,
se
arriscariam aos perigos dos fadários?
Bem
certamente, sem serem perdulários,
se
fariam acompanhar por africanos,
haveria
sírios e mercenários turcomanos
ou
talvez curdos, a proteger tais emissários.
Bem
mais pobre que a minha então seria
de
um ataque de ladrões a narrativa,
mortos
os magos, sem nunca retornar
para
a longínqua e misteriosa moradia,
em
Babilônia, no Iran, na Índia altiva,
que
lenda alguma recordo mencionar!
POBRE
É A MENSAGEM VII
Morreu
Herodes, segundo as Escrituras,
por
vermes devorado – uma doença
chamada
Ftiríase, a qual, conforme a crença,
contraiu
por devorar carnes impuras,
costelas,
ensopados ou frituras
de
carne suína – em comilança intensa!
Alguns
alvitram afirmação mais densa,
sendo
o castigo por essas ordens duras
de
matar cada criança de Belém
de
dois anos para baixo e assim ferir
essa
ameaça a seu trono majestoso!...
Contudo
a história nos registrou, também,
que
o próprio Templo ele mandou reconstruir,
mais
aqueduto de caráter portentoso...
POBRE
É A MENSAGEM VIII
Caso
os Magos até Herodes retornassem
e
lhe informassem em qual local exato
a
Jesus podia encontrar, sem espalhafato,
os
Inocentes de morrer talvez poupassem!
Pois
estas mortes talvez mesmo decretassem,
consequente
a cometerem desacato
às
ordens desse rei, um simples fato
com
que a história amplamente transformassem!
O
número não se sabe exatamente
dessas
crianças que na ocasião morreram,
talvez
filhos dos pastores que acolheram
o
seu Messias que assinalou essa luzente
estrela
– que seus rebanhos descuidaram
por
espetáculo de tal modo surpreendente!
NOOSÍNCOLA
I – 22 DEZ 07
[habitante
do mundo do pensamento]
Não é momento para
amor revolto,
em longa
espera, sem que benefício
se
apodere de mim. É meu ofício
trabalhar
muito, em despertar envolto...
Nem sei o
que é dormir a sono solto
há milhares
de dias: panifício
dos que
dispõem de pouco malefício,
tal qual
em mim é sempre desenvolto.
Em meus
longos trabalhos e deveres,
os dons
do espírito e o querer sexual,
é que
sempre me limitam os prazeres:
preferindo
a ter honras, liberdade,
sem desejar
a fama ou por social
posição,
que é forragem da vaidade.
NOOSÍNCOLA
I – 2 FEV 17
Mas
quando durmo, visito com frequência
as mesmas
plagas de sonhos anteriores,
em que
reencontro meus amigos, meus amores,
que me
aguardaram, cheios de paciência;
nesses
sonhos sou comum, sem a potência
de
grandes reis, nem vastíssimos pendores;
apenas
voo, às vezes, não como os condores:
apóio os
pés e flutuo em sã consciência,
de cada
vez certa distância a percorrer,
para
outro impulso, um pouco mais adiante
e sempre
penso: “Desta vez, é de verdade!”
Nenhum
espanto percebo em outros ver,
que
ultrapasse nesse andar flutuante,
mas sem
achar mais voadores na cidade!...
NOOSÍNCOLA
III
Talvez os
sonhos sejam mais reais
do que
isto que chamam “quotidiano”;
não vejo
monstros ou problemas nesse afano,
só
dinossauros, mansinhos por demais!
Nunca me
vejo a praticar ato profano
ou
desonesto nesses pagos siderais;
são meus
encontros perfeitamente naturais,
afável
mostra-se cada ser humano.
Percorro,
às vezes, ruas solitárias
e por
elas caminho, sem temor,
as chaves
tendo de diversas moradias;
nelas
encontro preparadas camas várias,
em que me
deito, qual natural senhor,
para
sonhar com o mundo destes dias...
NOOSÍNCOLA
IV
Será que
sonho com esta realidade
e que
muito mais real meu sonho seja?
Mortos
encontro onde quer que esteja,
conversas
travo com naturalidade...
Somente
ao retornar a esta cidade
é que
percebo que essa boca que me beija
deste
lado de cá não mais se enseja:
somente
aqui o meu flutuar é falsidade...
Será que
habito nessa noosfera,
esse
círculo de pensamento mencionado
por
Teilhard de Chardin, que ilusão gera
deste
mundo em que estou e a solidez
tão
aparente do teclado digitado
seja tão
só um pensamento que se fez?
NOOSÍNCOLA
V
Que não
se diga que encontro ali “gurus”!
a
orientar-me nos desvãos do misticismo,
nem seja
eu que propague tal budismo,
ou que
ali veja Jesus Cristo sobre a cruz,
nem
erotismo apresentado em corpos nus;
longas
distâncias percorro e nelas cismo,
sem mesmo
crer em qualquer solipsismo,
pois tal
mundo não criei, tampouco a luz,
mas nele
escuto, farejo e sinto o gosto
dos
alimentos que me são servidos;
dores
percebo, caso houver um acidente,
sem
encontrar consolação para desgosto,
sem ter
agravos ainda mais sofridos
que os
deste mundo, em que desperto descontente!
NOOSÍNCOLA
VI
Mas que
me dizes tu? Também habitas
algum
mundo de cores e de sons,
sem
relembrar suas nuances e seus tons
quando
retornas às diuturnas ditas?
Será que
algures nesse mundo tu me fitas,
com
amizade ou amor nos olhos bons,
comigo a
partilhar dos mesmos dons
e em
ideais iguais aos meus ali palpitas?
Ou serás
dessas que os sonhos não recordam,
sempre
filtrados por onírica censura?
Porém
meus sonhos para ti ainda transbordam,
a cada
vez que em versos se derramam
e te
procuram, com mensagem pura
ou te
perturbam com as imagens que proclamam.
MOSTEIRO I – 23 DEZ 07
Vou perfurar minhas unhas com agulhas
e provocar aguda uma dor física:
sempre uma forma de esquecer a metafísica
e colocar os pés no chão, deixar as bulhas
que permeiam minhalma, tantas tulhas
de sentimentos tão contraditórios:
grãos de cereais em versos transitórios...
Bem lá no fundo, quando me vasculhas
podes bem ler a oculta podridão
que existe em cada mente, essa loucura
que nos leva a cometer os desatinos;
e, todavia, eu me voto à excursão
nos verdes prados da elegia pura.
em que dobram meus versos como sinos.
MOSTEIRO II – 2 FEV 2017
Vou segurar a gota que pingou
e inseri-la de volta na torneira,
sem que dos dedos me escorra, tão
ligeira
como algum sonho feliz que se sonhou.
Vou captar o vapor que evaporou
e introduzi-lo de volta na chaleira,
pelo bico ou pela tampa em que se
esgueira,
tal qual amor que jamais se completou.
Vou segurar o fogo que contemplo
e refazê-lo em carvão, em lenha ou gás,
nessa inversão de tantos postulados
e com fogo e com vapor erguer meu
templo,
em que tua angústia há de buscar a paz,
junto com tantos monges cogulados. (*)
(*) Cobertos com os capuzes dos hábitos.
MOSTEIRO III
Grossas cogulas cada rosto escondem
e só se escapa do burel a salmodia,
vozes soturnas em lenta litania,
vozes confiantes que num Te Deum estrondem,
vozes internas que os corações lhes
sondem
cada pecado a buscar que se escondia,
que no mosteiro pouca coisa se fazia,
só as breves tentações que o peito
rondem.
Mas é preciso confessar, senão,
como alguém outorgará absolvição?
Nessa mescla de orgulho e de humildade,
fugitivos do mundo, por inteiro,
erros caçando até o derradeiro,
em sua vaidosa busca da piedade!
MOSTEIRO IV
Mas no meu templo não será destarte:
foi erguido com água, gota a gota,
foi rebocado pela chuva mais secreta,
alicerçado em vapor que não se aparte.
Este é um mosteiro de místico descarte,
reunindo apenas o que a ninguém afeta,
das ilusões legítimas minha quota,
dos versos mudos a epístola comparte.
E por mais imaterial que te pareça,
já imaginaste que tudo quanto tocas
é composto por vácuos subatômicos?
Pura ilusão a te pregar a peça,
teu próprio corpo em que confiança
alocas
em admiráveis vácuos tragicômicos!
MOSTEIRO V
Por isso falo em agulhas me cravar,
que mais não seja a afirmar essa ilusão,
todo o organismo superficial tensão,
o amor da carne um mistério milenar.
Pois cravarei as agulhas com vagar,
até uma artéria que atinja o coração,
toda a corrente rubra da paixão
por sob as unhas apenas ocultar.
E desse modo, cada gota vou pegar
desse sangue que das unhas me brotou
e obrigá-la a minhas veias retornar
e esse calor que percebo me deixar,
que por baixo das unhas se assoprou,
para as cutículas forçarei a se dobrar.
MOSTEIRO VI
Porque, de fato, o mais real mosteiro
é frequentado por monges que borbulham
em minhas artérias e verás que assim atulham
horas canônicas a me arrancar do travesseiro.
São as plaquetas os noviços que primeiro
cada ferida em seu conserto esbulham;
são as hemácias já padres que se orgulham
da diaconia a completar sonho romeiro.
São os leucócitos de maior ordenação,
os presbíteros da corrente sanguinal
e os macrófagos usam mitra episcopal,
no corpo inteiro salmodiando a religião
e assim expulsam os demônios, afinal,
mais por sua luta que por exortação!...
HIPNAGÓGICO
I – 26 DEZ 2007
[alucinatório]
Sempre
a higiene é coisa cansativa;
atividade
entrópica: escovas os teus dentes
apenas
por deveres mais frequentes
de
outra escovação... repetitiva
o
quanto pode ser e até abrasiva,
pois
quando escovas, os dentes repelentes
se
tornam por desgaste, concorrentes
com
o desgaste das escovas. A coisa viva
se
renova com o tempo, mas são mortos
os
pobres ossos com que sorris ao mundo
e
é como se vivesses num cadáver:
cabelos,
barba, pele, são abortos
que
descamas pelo espaço, no infecundo
sonho
induzido por sementes de papáver... *
[*] Papoula.
HIPNAGÓGICO II – 4 FEV 17
Matéria córnea tuas vinte unhas forma
e a epiderme é morta e insensível,
nos teus cabelos, em seu crescer
incrível,
só nas raízes a vida se conforma.
Nem sempre neles o viver retorna:
é normal que para o vento incomparável
oferendas se entreguem; incansável
esse holocausto que aos pelos só
deforma.
Claro está que se reativam as raízes
e outros folículos buscam vir à luz,
porém faz parte da masculina cruz
que mais cabelos vão ao chão que pises
do que esses que os vêm substituir,
das cabeleiras todo o orgulho a
destituir!
HIPNAGÓGICO III
Não se passa com todos, certamente,
de cada dez, três homens ainda têm
os seus cabelos e em ostentar retém
as cabeludas caveiras dessa gente!
Da luz solar são proteção potente;
assim, de fato, perdê-los não convém,
mas considera, se pensarmos bem,
são fibras mortas que se corta,
indiferente!
Em tua cabeça transportas multidão
desses cadáveres que de ti nasceram!
Não é, no fundo, um pensamento de
arrepiar?
Contudo à derme conferem proteção
durante os anos em que não se perderam
e ações de graças por tal deves
rezar!...
HIPNAGÓGICO IV
Das mãos tuas unhas precisas aparar
com bastante frequência, ao invés
das preguiçosas unhas de teus pés,
que até mais pressa deveriam revelar!
Quiçá a civilização fez-lhe atrofiar
o crescimento, pois protege teus chulés
com meias e sapatos, grossas sés
para teus passos mais firmes amparar!
Assim as mãos ficam sempre mais
expostas,
Bastante raro luvas usar-se agora...
Será que alguns estudiosos já pesquisam
sobre as unhas do médicos e respostas
encontraram, demonstrando mais demora,
pois sob o látex crescer não mais
precisam?
HIPNAGÓGICO V
Mas já pensaste que andas enrolada
por essas células que já são falecidas,
porém protegem tua derme das feridas,
sendo aos poucos cada uma descartada?
A tua caveira é, de fato, entrecortada
por tanta veia nela introduzida,
por capilares que ali acham guarida
e desse modo, pelo sangue é conservada.
Porém teus dentes projetados para o
externo,
que tanta gente exibe com orgulho,
têm uma capa de esmalte já defunto,
embora a polpa conserve o dom superno
da vida plena, até encontrar esbulho
na refeição das bactérias – triste
assunto!
HIPNAGÓGICO
VI
De
certa forma, assim, somos zumbis,
por
mais cuidada nossa aparência externa,
a
saúde a refletir da carne interna...
Em
cada rua se contemplam corpos vis;
e
ainda recorda que cada vez que ris
máscara
morta mostrarás da eterna
corrupção
que cedo ou tarde alterna
nesses
teus dentes perfeitos que sorris...
Foi
bem horrível este tema que escolhi,
mas
é a morte que preserva a vida:
bem
dolorosa é uma cárie mais profunda!
Que
esta denúncia que te mostro aqui
te
torne grata... pela pele protegida
e
por cabelos de ondulação rotunda!...
AMAR PARA CRER I – 5 FEV 2017
ENTRE LILÁS E VIOLETA CORRE O VERSO
DOS DEDOS DE UM POETA DILETANTE,
SOMENTE AS RIMAS EMPURRANDO ADIANTE,
SEM QUE AO AMOR ESTEJA HOJE CONVERSO.
AMOR PARECE-LHE APENAS SOM DISPERSO,
TÃO FACILMENTE MURMURADO A CADA INSTANTE,
FRASE SUAVE, ÀS VEZES DELIRANTE,
RETORCIDA E RETOMADA EM SEU INVERSO.
E ENQUANTO ESCUTA TANTAS DESCRIÇÕES,
FRASES DE AMOR A REPICAR NO AR,
TOMA DE EMPRÉSTIMO TAIS DECLARAÇÕES
E ASSIM ESCREVE SOBRE O AMOR FRASES BONITAS,
SEM LÁ NO FUNDO EM NADA ACREDITAR:
NÃO MAIS QUE CONTOS EM DOURADAS FITAS!
AMAR PARA CRER II
PORQUE, AFINAL, NÃO SÃO SÓ ENAMORADOS
QUE TANTOS VERSOS LINDOS ESCREVERAM,
ALGUNS SEM CRER ATÉ MAIS SE ATREVERAM.
CAMÕES DEIXOU-NOS VERSOS ENCANTADOS
EM SEUS LUSÍADAS, SEUS AVÓS HOMENAGEADOS,
POREM SONETOS TAMBÉM LHE PERTENCERAM
E OS MAIS BELOS MODELOS ENTÃO GERAM,
PARA ESTA LÍNGUA EXATAMENTE ELABORADOS.
POR CERTO, NÃO OS PRIMEIROS REDIGIDOS
NA LÍNGUA PORTUGUESA, EM DOCE SOM,
MAS QUEM RECORDA SEUS PREDECESSORES?
OS SEUS PORÉM, SEMPRE MAIS GARRIDOS,
DE GERAÇÕES DETERMINANDO O TOM
DE QUEM PENSAR QUISER CANTAR AMORES...
AMAR PARA CRER III
CERTO DIA, ESSE POETA DILETANTE
PICADO FOI PELA PRIMEIRA VEZ
PELO DEUSINHO DE FORMOSA TÊS,
MAIS UMA VEZ SOBRE INGÊNUOS TRIUNFANTE...
E DESDE ENTÃO, TRANSFORMAÇÃO VIBRANTE
CONQUISTOU ESSE POETA PORTUGUÊS,
QUE NOVOS VERSOS DOCEMENTE FEZ,
CHEIOS DA GRAÇA DO MAIS FORMOSO INSTANTE!
MUITO MELHORES TAIS COMPOSIÇÕES
QUE AS DO AMOR DESCRENTE EM PALIDEZ;
NÃO É IMPORTANTE SEU NOME SABER,
DESDE QUE ACEITES SUAS NOBRES ILUSÕES,
RECUSADAS, QUIÇÁ, COM ALTIVEZ,
DURA FERIDA A OBRIGÁ-LO A CRER!
AMAR PARA CRER Iv
QUE AMOR EXISTE E FERE CADA CORAÇÃO,
ARTIFÍCIO TALVEZ DA NATUREZA,
ARTIMANHA DA RAÇA, COM CERTEZA,
SÍSTOLE E DIÁSTOLE MÃES DESSA ILUSÃO.
ATÉ QUERIAS SABER SE SUA PAIXÃO
CORRESPONDIDA FOI EM SUA PUREZA,
SE A ALMA TENTA SIMULAR NOBREZA,
SE FOI SOMENTE DISCURSO DE OCASIÃO.
TALVEZ O ENCONTRES NO PAÍS DOS SONHOS,
QUANDO A RESPOSTA TE DARÁ OU NÃO,
TALVEZ SE NEGUE, PRESA DO PUDOR.
MAS SEJAM CANTOS ALEGRES OU TRISTONHOS,
TODA A DESCRENÇA PÔS DE LADO, COM RAZÃO,
QUE SÓ SOFRENDO PASSOU A CRER NO AMOR!
ROSAS EM SALMOURA 1 – 6 FEV 17
Abro a janela da cozinha e a Clívia vejo,
Numa mescla de rosa e de laranja.
Mostrando linda umbela em fina ganja,
Meu coração invadindo em tal ensejo.
Se beija-flor eu fosse, daria beijo
Nessa corola pistilada em franja,
Fraco perfume que o olfato me constranja,
Mas sobre ela me inclino num adejo.
São tão efêmeras tais flores prestimosas!
No geral, uma fenece ao fim do dia,
Enquanto outra em seu corimbo cresce;
Mas por momentos expandem-se viçosas,
Imagem doce que a alma me atingia
Como a estrofe decorada de uma prece!
ROSAS EM SALMOURA 2
Rosas costumam ter mais longa duração
Que tais hemerocálides aflitas;
Como efemérides, um dia são bonitas:
Fazem amor e ovos põem em breve ação!
As ipomeias são menores, mas estão
A renovar o ano inteiro seus agitos;
Sempre abraçadas morrem, sem dar gritos
E sobre o solo vê-se a murcha floração.
Porém as pétalas das rosas e violetas
Também se comem, tais se doces fossem
Embora caras tais estranhas iguarias.
Na maior parte, despetalam-se, secretas,
Qual em adubo que a si mesmo endossem,
No qual, sem mais cuidado, pisarias...
ROSAS EM SALMOURA 3
Assim, antes que caiam, as colherei
Para as rosas mergulhar numa salmoura.
Já para as clívias bem menos duradoura,
Alguém com elas quiçá envenenarei!
Produzem Licorina, tal como encontrei
Na Wikipédia... De uma umbela a flora
Mostra-se tóxica para crianças que se adora
E a cães e gatos jamais a servirei!
Amariláceas sempre causam emoção
Muito diversa da que provocam rosas:
São mais robustas e pedem mais respeito,
Enquanto as rosas apenas frágeis são
Em sua aparência, bem mais dadivosas
Quando dispostas no vaso em gentil jeito!
ROSAS EM SALMOURA 4
Também assim transcorre com mulheres.
As que possuem aparência mais saudável
Têm resistência muito mais friável
Que algumas outras de frágeis pareceres.
Igual amor, que nos traz tantos prazeres,
Tão mais intensos, em sonho condenável
Quanto se esgarça, em seu desagradável
Emurchecer, até enfim desconheceres
O que te fez apreciar tanto no início,
Enquanto amor suave de fragrância
Aos poucos cresce e a alma te domina
No mais gentil e duradouro vício,
A pouco e pouco aumentando sua potência,
Até que integralmente te fascina.
FLORES DE MAGNÉSIO I – 7 FEV 2017
onde andará o sonho que me espera,
para onde foi tal ilusão perdida?
o ideal desfeito aonde achou guarida
e o devaneio a qual fantasma gera?
saber destes meus sonhos, quem me dera!
que pudesse colhê-los ainda em vida,
antes que chegue do final a despedida,
esse beijo de vapor, tocaia e fera!...
perdeu-se a alma dessa exaltação,
deixou concreta apenas minha loucura,
orvalho seco em arrebol sem luz...
mas quem sabe? escondida na canção
se encontra ainda tal harmonia pura
sobre o sepulcro de meus sonhos nus!...
FLORES DE MAGNÉSIO II
lá nos primórdios da fotografia
era costume, quando escuro, reforçar
a iluminação, em vasto pipocar
de magnésio, que súbito explodia.
em muitos filmes do passado, a gente via
certo artifício mão firme a segurar,
que levaria o magnésio a se abrasar:
certa surpresa nos olhos produzia...
realmente, nesse tipo de tortura,
o reflexo da luz a perpetuar,
sem que de fato fosse a vida dos
modelos.
tal a razão da expressão de sepultura
que em faces mortas se pode contemplar,
em tantos rostos despidos de desvelos...
FLORES DE MAGNÉSIO III
mas no momento de registrar as flores
nessas placas de vidro, em negativo,
para mover-se não têm qualquer motivo,
salvo se o vento as sacudisse em seus
ardores.
nenhum espanto, suspiro ou estertores
sobre tais pétalas se tornaria mais
ativo.
flores não piscam ante lúcido incentivo,
já são imóveis por naturais pendores.
mas caso houvesse uma flor apaixonada,
talvez mostrasse a sombra de um suspiro
e em tal tremer, confusa bola ficaria,
quando essa foto saísse desfocada,
qual desfocada é a razão se o mundo eu
miro
quando do amor o magnésio me explodia!
SALÕES DE BARRO I – 8 FEV 2017
Houve muitos no passado que enfrentaram
a mediocridade vicejante a seu redor;
após sua morte, quando seu valor
finalmente os estultos alcançaram,
quantos daqueles que desses tais
zombaram
reconheceram, sem erro e sem temor,
já sem da inveja ou da malícia ter
fervor
quão original fora o que os outros
publicaram!
Por isso, não espero, após a morte
alcançar a aprovação dos detratores
que me sobreviverem, sem remorso,
mas que algum remordimento queira a
sorte
que em seu íntimo sintam, pobres dores,
que jamais compensação tão triste
esforço.
SALÕES DE BARRO II
Eu vejo multidões em lançamentos
de obras totalmente sem valor
e em vernissages,
tomados por ardor,
vêm os críticos manifestar seus
julgamentos,
quais os modismos reinantes nos momentos
e ainda são pagos por crédulo editor,
por essas críticas redigidas sem amor,
a mostrar predileções ou descontentos...
Salões de barro erigem-se ao redor
desses que encontram em vida aceitação,
pobres ídolos derruídos após a morte,
enquanto aqueles que produzem algo
melhor
só após seu passamento aceitarão,
vastos louvores, a lhes trazer inútil
sorte...
SALÕES DE BARRO III
Naturalmente, o motivo disso tudo
é que os mortos já sombra não projetam,
originalidade e seu brilho não afetam
esses medíocres em seu olhar desnudo,
pois o louvor dos falecidos é um escudo,
que aos invejosos suas desditas não
espetam,
os gênios mortos pouco ou nada inquietam
esses
frustrados com os quais nunca me iludo.
O que mais temo é o fácil elogio,
pior ainda que a mais feroz indiferença:
até que ponto me então mediocrizei?
E certas vezes, sinto mesmo um arrepio
quando contemplo, cheio de descrença,
os pobres versos que ao mundo
projetei...
SALÕES DE BARRO IV
Em quanto escrevo há certa sombra de
verdade,
mas se algo acho bonito, me surpreendo,
de onde surgiu, realmente, não
compreendo
e até duvido ser algo meu, na realidade.
E assim me sinto na obrigatoriedade
de espalhá-los pelo mundo e não me
ofendo
se alguém me fala que a vida não
entendo:
contra os padrões mr lançarei em
alacridade!
Não sou a voz do povo que protesta,
jamais pretendo realizar doutrinação,
pouco me envolve em carnavais ou festa;
mas esses versos têm valor pelo que são
e não me cabe os ocultar em qualquer
fresta,
que a algum propósito sempre servirão.
SALÕES DE BARRO V
Qual seja esse propósito não sei.
Talvez eu seja a voz dos esquecidos,
talvez até oriente alguns perdidos,
talvez mais mal que bem até farei.
Mas nesta dúvida não me acolherei,
subreptícios sejam os versos
desnutridos,
para algum alvo me foram transmitidos
e para alguém que os necessite enviarei.
E como posso saber se agradarão,
tão numerosos são que nem os leio
após cumprir sobre a tela a revisão?
mas sei que as mentes de alguns
atingirão,
mais alguns outros afetando de permeio,
o quanto basta para tanta produção.
SALÕES DE BARRO VI
Pois com argila erguerei os meus salões,
sem meus tijolos levar a uma olaria;
o próprio Sol, com seu calor, os
cozeria,
tal qual faziam os sumérios em ocasiões.
Mas acredito que tais vastas construções
o pensamento coletivo aprovaria;
na Noosfera um vasto templo se ergueria,
pórfiro azul irradiado de emoções!...
E nos altares serão entronizados
somente os versos que não lerei jamais;
pouco me importa se a meu nome recordem
senão talvez em razão de meus pecados,
todos medíocres, como os de tantos mais,
desde que aos versos seu louvor acordem!
Recanto
das Letras > Autores > William Lagos
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