segunda-feira, 13 de março de 2017






AMOR DE CÂMARA & MAIS – Dezembro de 2007 a 20-29 JAN 2017 – William Lagos

AMOR DE CÂMARA XXII – 04 DEZ 2007

Que vou dizer, que já não tenha dito?
Que esse amor, consumido de distância,
se fez indiferente... E sua importância
foi desbotando ao som de um débil grito?

Transformou-se num eco, como aflito
chiar de mim...  estertorou a ganância
de um desvalido bafo de fragrância
antes de unir-se ao derradeiro mito...

Retorno para mim e me examino:
os sentimentos estão lá, despertos...
Ali perduram tantos sonhos bobos...

Escuto ainda o seu clangor de sino,
enquanto me contemplam, boquiabertos,
fazendo amor ao som de Villa-Lobos...

AMOR DE CÂMARA XXIII – 06 DEZ 07

É melancólica a música que ouço
de um lilás pálido e verde esmaecido,
um filamento inteiro, amortecido
em véu acinzentado e azul insosso.

É melancólica esta música que escuto
e mesmo quando tenta ser alegre
é a ilusão de um sonho ardendo em febre,
um pesadelo a expelir-se em gesto bruto.

E, mesmo assim, por dentro me renovo,
me esforço por sorrir; e até energia
produzo sob o efeito desta espera...

Enquanto penso em ti, eu me comovo
e gostaria de estar, nessa elegia,
fazendo amor ao som de Ginastera.

AMOR DE CÂMARA XXIV – 07 DEZ 2007

Já esta é mais feliz, são seus acordes
mais propensos a encher-me de energia:
há alguma coisa nela, que me envia
à vastidão e faz que em mim transbordes,

incauto coração, em comoção intenso,
que avista fios de ouro em negra teia,
qual mariposa que a si mesma enleia,
ao se lançar contra o invisível lenço

de perfeição estranha e inquebrantável;
e também eu, na busca reluzente,
mais outra vez nessa cilada eu caio,

porque quero alcançar o imponderável
que vejo de meu mundo sempre ausente,
fazendo amor aos acordes de Moncayo.

AMOR DE CÂMARA XXV
[SCHUBERT II] – 8 DEZ 07

Muito poucos dominaram melodia
dessa maneira assim, incandescente,
com tal facilidade complacente
de esparzir, sem esforço, a fantasia.

Tão natural foi nele essa elegia
quanto exige de um outro esforço ingente,
tal se enfrentasse o tempo descontente
e, em vez de notas, fosse areia que escorria...

Também já partilhei do mesmo dom
de lançar harmonia no caminho,
mas um soneto possui mais singeleza.

E, deste modo, me dedico é a este som,
fazendo amor em gestos de carinho,
enquanto escuto de Schubert a beleza.

RECORDAÇÃO XI --  07 DEZ 07  

Eis-me aqui, eis-me aqui, não mais recordas
do Tempo... em que gemias nos meus braços,
quando alterados de Abandono os traços,
arqueavas contra mim tuas tensas cordas...?

Eis-me aqui, eis-me aqui, já não te lembras
de como os Pelos de meu peito ardente
se derramavam sobre o teu fremente,
em cachos negros de Ardor que não relembras...?

E, num riso nervoso e tão ligeiro,
após o Amor, casual os apanhavas
de entre teus Seios, negros caracóis...?

E numa pilha os contavas, derradeiro,
pelo por pelo; e ao Solo então lançavas
num leve Abano, do branco dos lençóis...?

AMOR DE CÂMARA XXVI – 11 DEZ 2007

Não me quiseste iludir, foste sincera,
não te agitava o mesmo sentimento
que a mim me avassalava o pensamento
no deslocado final da vida austera...

porém me amaste, ardente, quando dera
o ensejo, em meus braços de um momento...
ah, durasse para sempre!... em truculento
tomar e receber, amor de fera...

que, para mim, tornou-se equivalente
ao verdadeiro amor, foi inconteste:
que ao saber que outro amavas, deu-me um baque

bem fundo ao coração, pois foste ardente
nesse teu último abraço que me deste,
amor fazendo ao som de Dvorák... * 

AMOR DE CÂMARA XXVII – 12 DEZ 2007

Não me buscaste mais, desde esse dia
em que em teus olhos entrou um novo amor,
que te escorreu ao longo dos cabelos
e te arfou as narinas de ambrosia...

Não me lembraste mais, desde essa noite
em que escorreste um gosto de calor
a quem adquiriu os teus desvelos
e te buscou ingente em doído afoite...

E nunca mais satisfizeste as fomes
que por ti sinto, sempre que nos vemos,
na ânsia nova do abraço em que morremos...

Por mais que essa esperança de mim tomes,
ainda recordo a vez em que estivemos
fazendo amor ao som de Carlos Gomes...

AMOR DE CÂMARA XXVIII – 12 DEZ 2007

Nunca por mim tiveste a mesma alvura
dos sentimentos que te dediquei;
eram cinzas os teus; e me esforcei
para torná-los prata, em bênção pura;

mas despertou em ti estranha agrura
que jamais compreendi: talvez sonhei
apenas que existisse; não voltei
a examinar esse gris da criatura

que então viveu em mim, nas ilusões
que criei só, bem sabendo que criava:
foi arremedo de ti quanto eu amava,

qual se nunca reais fossem ocasiões,
embora a vida inteira em ti se perde,
fazendo amor com as óperas de Verdi.

AMOR DE CÂMARA XXIX – 15 DEZ 07

Se encontra uma doçura insuspeitada
no olhar sorrateiro da mulher,
quando avalia, para ver se quer
aceitar que a desejem por amada;

mas a doçura não se lança fora,
em direção ao homem, mas a si:
é um olhar para dentro, bem ali,
onde peneira encarnações de outrora,

a recordar se já foi antigo amante,
nos séculos de antanho, quando a dor
os separou, na memória que se perde

nas espirais de helicônia delirante;
e a decidir se algum dia fez amor
com melodias de Claudio Monteverdi...

COGULAS I – 30 NOV 07 (*)

Aquela a quem mais quis se encontra longe
quando se encontra perto e, às vezes, perto
é que mais longe está, qual no deserto
miragem que se avista.  É como monge

que perde a castidade e mulher sonha;
faz voto de pobreza e quer ter bens;
e se rebela contra a regra, nos poréns
do voto de obediência, no qual ponha

a razão para todo o sofrimento
que lhe perpassa a alma, sem remédio,
sem perceber que, no fundo, é apenas tédio

de repontar-lhe o mesmo pensamento:
de que aquela a quem ama está distante,
por mais perto que se encontre em tal instante.
(*) Capuz em hábitos de monges

COGULAS II – 20 JAN 17

Um paradoxo perfeito te apresento,
tais e quais se aparentam objetos,
mesmo aqueles de máximos afetos,
manipulados por distância e descontento.

Quando estão longe,tem menor assento,
prédios gigantes que nem casas de insetos,
que vão crescendo por atos bem discretos,
na proporção de nosso passo lento.

Quando criança, a imaginação ativa
até acredita mudarem de tamanho,
na pueril sensação de seu poder,

antes que imponham-lhe a perspectiva,
a distância cega a controlar tal ganho,
todo o empoderamento a então perder...

COGULAS III

Mas com o amor acontece diferente:
quando bem perto,às vezes diminui,
mas a distância a seu valor influi
até mesmo importância surpreendente.

Distante amor qual novo amor jacente,
como o bater do coração reflui,
maior, menor valor se lhe atribui,
conforme a ilusão que se faz crente.

Estando longe,tem gosto de alvorada,
estando longe, como sombra cresce,
no espaço intermediário nos acena,

perto demais, se torna mesmo em nada,
quando de tédio e de cansaço já padece
o egoísta coração que se envenena.

COGULAS IV

O mesmo ocorre com o passado e o presente:
sonho lembrado parece bem melhor
do que de fato foi em seu vigor,
açucarada a lembrança que se assente,

enquanto os fatos maus (coisa excelente!)
um coração amacia em tom menor,
faz a tristeza perder o seu frior,
não se pode acumular a dor frequente!

Muito maior se torna o amor de agora,
do mesmo modo que a dor atual dói mais,
mais vive o peito na proximidade,

esmaecido todo o mal de outrora,
o amor presente maior do que os demais,
mágico espelho com cinábrio de vaidade!

COGULAS V

Algumas vezes, ocorre o oposto exato:
muito maior parece o amor antigo,
que a gente olvida todo o seu perigo
e lembra apenas o dourado desse fato,

sem se dar conta que foi lavado o prato,
e qualquer resto de amor foi ao jazigo
dos canos frios.  É no esgoto que persigo
essa memória de fugitivo estrato.

E por mais que nos envolva o romantismo
e o amor perdido pareça-nos crescer,
apenas cresce a memória que criamos;

e por mais que nos envolva o egotismo,
o amor de perto, que parece se encolher,
junto de nós... é o único que achamos!

COGULAS VI

Uma cogula abafa o nosso rosto,
o crânio e a nuca cobertos por capuz;
só enxergamos aquilo que reluz,
todas as cores anuviadas ao sol posto;

essa cogula nos defende do desgosto,
pequenos cortes que ao coração expus,
quando a presença presente se reduz
e só ao fundo da garrafa sobre o mosto.

Ai, de que modo o coração é desconforme!
Sempre quer mais aquilo que não tem,
sempre lamenta mais o que perdeu!

Sem valorar quanto tem, por mais enorme
que seja a graça que abraçar-nos vem,
salvo no instante em que também morreu!

CORNUCÓPIA DA PENÚRIA I – 02 DEZ 2007

Meu caro Baudelaire, no meu jardim
crescem "flores do mal": são azuladas
as cornucópias;  por fora, são rosadas,
estuantes de silêncio para mim...

são belas estas flores... morrem logo,
mas outras brotam logo do cachopo;
ao morrer, são só rosa, como um copo
que se fechou; mas tal um pedagogo

de rancor cheio, escondem sua beleza,
estendem para longe suas gavinhas,
porque se expandem desmesuradamente;

recobrem outras plantas, suas vizinhas,
e matam os meus sonhos, com certeza,
qual me sufocam a luz dentro da mente.

CORNUCÓPIA DA PENÚRIA II – 21 JAN 2017

São essas flores chamadas de Ipomeias,
embora o povo as recorde por Corriolas;
formam cachopos redondos como bolas,
ante a janela a expandir-se em epopeia.

A Romãzeira recobrem com suas veias,
cobrem Glicínias com formosas telas,
outras flores se estiram como estelas,(*)
buscando ao sol os raios em assembleia.
(*) Colunas votivas com inscrições e esculturas.

Se livre curso se dá a tais gavinhas,
recobrirão as algerosas do terraço, (*)
para enroscar-se nas grades da janela,
(*) Coletoras de água da chuva que levam às calhas verticais.

minhas luzes a deixar bem mais mesquinhas,
na tremulante cor de seu abraço,
que nada mais eu possa senão vê-la!

CORNUCÓPIA DA PENÚRIA III

Chegada a noite, depois que foi embora
a luz do sol e luar não há sequer,
meu sono invadem qual um mal-me-quer,
lembrando o amor de quem não se namora;

crescem nos sonhos, em azulada flora,
também rosada assim ao bel-prazer;
sem qualquer dúvida, enfeitam meu querer,
mas a questão é que morrem sem demora!

Quando no pátio, são por chuva carregadas
até o ralo – ou sob o Sol, varridas,
mas não se encontram ralos nos meus sonhos,

minhas quimeras deixando atravancadas
essas centenas de flores ressequidas,
os meus anseios tornando mais tristonhos!...

CORNUCÓPIA DA PENÚRIA IV

Certamente Baudelaire fez melhor:
Dieffenbachias plantou e outros venenos;
Dróseras prendendo os insetos mais pequenos,
Papoulas em seu haxixe de esplendor...

Mas a mim resta tão somente o meu ardor
e me conforme em já fazer por menos,
que sejam versos cortados como fenos:
que para o gado sirvam de penhor!...

As cornucópias desse azul rosado
menos me iludem que minhas esperanças;
das flores mortas posso desfazer-me;

contudo um sonho jamais realizado,
que ainda sussurra mentiras de bonanças,
ainda me suga, tal qual guloso verme!

CORNUCÓPIA DA PENÚRIA V

Da Cornucópia da Abundância esses antigos
sempre falavam – mais ou menos maliciosos,
mas lá no fundo... um tanto esperançosos:
talvez guardada por reis em seus jazigos!...

E do Moinho de Sal e seus perigos
comentavam os lusitanos, respeitosos:
ao longo de suas costas, poderosos
jatos lançava de tais caros artigos!

Por isso o mar – diziam – era salgado;
tempos houvera em que fora muito doce,
até que um mau desejo predispôs-se

e não mais pode agora ser tomado,
água salobra loucura provocando
num infeliz que em jangada vai vogando!

CORNUCÓPIA DA PENÚRIA VI

Ainda Adelbert von Chamisso nos contou
de Peter Schlemihl a estranha narrativa,
pequena bolsa em cornucópia rediviva,
que mais moedas sempre lhe entregou.

Porém em troca de sua sombra ele a comprou,
das mãos de criatura permissiva,
colecionando, de forma muito ativa
esse intangível que com ele negociou!

Porque toda a abundância tem seu preço
e toda a hubris recebe o seu castigo,(*)
tal qual nos revelaram os helenos...
(*) Vaidade ou orgulho excessivos.

E assim meus sonhos, envolvidos no adereço
dessas flores virentes, têm jazigo
em seu perfume inconsútil de venenos!
AS JOVENS DE ROMA IV – 03 DEZ 07
SYBILLA
AS PALAVRAS SÃO MUITAS E SÁFARA É A COLHEITA:
EU ME ESFORCEI DEMAIS E POUCOS RESULTADOS
RECEBI NESSA VIDA DE CÁLICES RACHADOS,
DE ALIMENTO PINTADO NOS PRATOS, COMO PEITA;
EM MULHERES DE ARGILA, A CARNE ME SUJEITA
A DISPENDER AMOR E OS OLHOS MEUS, VAZADOS
PELOS PERFUMES ACRES DE DEUSES APRESSADOS,
SÓ ENXERGAM A MUDEZ DAS NUVENS E A PERFEITA
EXUMAÇÃO DA LUZ, NA LUCIDEZ DAS TREVAS:
BEBO ÁGUA DE PALHA, MEU OURO É SULFURINO,
ABRAÇO SOMBRAS VÃS, EM FÉRVIDA ILUSÃO, 
MEU PEITO SEM COURAÇA; E NEM UM PAR DE GREVAS
AS PERNAS ME PROTEGE DO LACERAR LADINO
DESTE SANGUE DE GIZ QUE ME ENCHE O CORAÇÃO.

DESCONGELO I – 03 DEZ 2007

Somente agora vejo no meu rosto
as marcas leves da mortalidade,
porque torno a viver.  Criogenidade
lavou-me os velhos anos de desgosto.

Assim, era perfeito e conservado,
porque não tinha ideal, buscava nada,
apenas trabalhava e minha escada
descia lentamente, descuidado...

Só agora um novo impulso despertou:
uma energia atroz, essa esperança,
que me faz crer que há luzes no caminho.

Mas a busca dessa luz avelhantou
meu rosto e corpo, antes sem mudança,
pela consciência de me achar sozinho. 

DESCONGELO II – 22 JAN 2017

Não que me encontre sozinho, realmente,
tenho mulher e filhos, tenho netos,
amigos tenho que me são diletos,
o mundo a meu redor faz-se presente,

porém de mim esperam, tão somente,
que de algum modo retribuam seus afetos,
os seus anseios não me são secretos,
pedidos mesmo a me fazer, frequente

espera que os escute e que os atenda,
quando problemas têm a resolver;
algumas vezes, até pedem meu conselho!

Mas em geral que interesse até pretenda
no que me falam, ou ao menos finja ter,
seus interesses refletindo como espelho.

DESCONGELO III

Assim de suas tristezas compartilho,
com amizade e com gentil paciência,
sempre que erram, de mim querem leniência,
se triunfaram, que lustre mais seu brilho.

Seus sentimentos, então, sempre perfilho,
desilusões em mim acham complacência
e muita vez já encontrei igual tendência
de me deixarem, quando o próprio trilho

percebem percorrer mais facilmente –
só me procuram quando outra vez precisam,
na certeza de que, de novo, escutarei.

E na medida do possível, sua insistente
necessidade do que mais cultivam,
com boa vontade, ainda mais adubarei...

DESCONGELO IV

Não sou só eu.  Assim existe muita gente,
alguns bem jovens, em geral, mais velhos
que se disponham a agir igual espelhos
para quem quer que seus problemas apresente,

sem aguardar qualquer retorno, realmente,
sem repreensões que outrem firam como relhos,
sem sugerir que em breve movam os artelhos
e que lhes parem de perturbar a própria mente.

E dessa forma, há tantos mais, profissionais,
que se dedicam aos outros escutar
e até dispostos a lhes vender conselhos!

Quais sacerdotes em seus confessionais,
penitências já prescritas a baixar,
em genuflexões dobrados a ver joelhos...

DESCONGELO V

Mas há psiquiatras e há psicanalistas
e esses a quem chamam consultores,
que se demonstram bastante empreendedores,
a financiar assim as suas conquistas!

Mas não seguimos todos estas pistas,
esses que somos, nós, escutadores,
perdões não tendo, sem ser receitadores
de fáceis drogas com suas negras listras.

Por que, em geral, nós apenas escutamos;
que nos escutem sequer nós esperamos:
somos estátuas, diários, microfones...

nossos anseios tão somente redigimos
nesses poemas que nem mais abrimos,
alguns dos quais, talvez, também consomes!

DESCONGELO VI

Das raras vezes em que busquei conselhos
e quando alguém se dispôs a me escutar,
os meus ouvidos logo veio a atafulhar
com seus próprios problemas, feito relhos!

Não obstante, ao reler tais versos velhos,
mais gratidão, quiçá, deva mostrar
a quem buscou em mim descarregar
os seus problemas, buscando em mim espelhos.

Pois em minha mente nunca estou sozinho:
ali ressoam essas cem vozes do passado,
cujas tristezas ainda posso interpretar;

nestes meus versos tanto descaminho,
tanto tormento alheio carregado,
na escuta inútil, que não os pôde consolar!

TECIDOS E METAIS I – 12 DEZ 07

Meus ossos eu moí por teu amor,
a medula eu tomei por linimento;
dos órgãos esfolei o integumento,
como embalagem de um presente de valor;

guisei minhas carnes em  puro sentimento,
que transformei em versos de palor;
trancei cabelo e barba para expor,
num manto de carinho, o sedimento

do que minha vida tinha de precioso
e tudo te ofertei, sem pedir nada;
recusei meus desejos, fiz-me prata,

estanho e antimônio, em doloroso
transmutar-se no chumbo da aureolada
coroa de um amor feito de lata...

TECIDOS E METAIS II – 23 JAN 2017

Por mais que sejam metafóricas quimeras,
esses ordálios realmente experimentei;
foi completo esse corpo com que amei,
foi completa a tortura das esperas.

Não forma feita só de impressões meras
o ramalhete de mim que te entreguei,
nem foi só o meu sentir que desgastei,
porem amor orbitando em mil esferas.

Quando se ama, total é nossa entrega
e não somente da alma e coração
e nem apenas é um corpo que se apega,

mas alma e corpo a se tornar em nada,
no líquido esplendor dessa emoção
de sentimentos em louca revoada!

TECIDOS E METAIS III

Há quem amor só tenha corporal;
de fato, creio que assim seja a maioria,
que a amor na posse em geral se resumia,
como se fosse a carne o amor total.

Há quem só tenha o amor espiritual,
em romantismo que mais inspiraria
obras de arte e assim resultaria
no lapidar da raça em cultural.

Mas quando eu amo, não há tal divisão,
a carne aborta-se em transformação
e se mistura num turbilhão de pasmo,

enquanto a alma se materializa,
por mais fugaz que seja essa indivisa
transmutação em cintilante orgasmo!

TECIDOS E METAIS IV

Seria de esperar que se falasse
em iridescentes raios de ouro puro,
a pedra filosofal que o chumbo escuro
nesse metal brilhante transformasse.

Seria de esperar que se apelasse
para metáforas de cunho mais seguro,
já empregadas ao ponto de obscuro
tornar-se o espanto que talvez gerasse.

Mas esse amor tornou-se em fios de cobre,
que te pudesses eletrizar toda a emoção,
sem fragmento que para outrem sobre,

manifestou-se também como mercúrio,
gotas prateadas a expurgar do coração
qualquer menor sentimento mais espúrio.

TECIDOS E METAIS V

Seria de esperar que se falasse
em tecidos de renda e de brocado,
nas rendas do guipure mais esmerado (*)
ou que imperiais tapeçarias mencionasse.
(*) Pronuncie “guipir”.

Um amor brando que em cetim se compensasse
em panos furta-cor, todo orvalhado,
amor veludo, macio e acarminado,
que o níveo colo mostrasse e acarinhasse.

Mas os tecidos de que falo são carnais,
são músculos e nervos, linfa e pele,
lipídeos e protídeos celulares,

tecidos vivos, mas também mortais,
que ao arcabouço ósseo ainda se apele,
mesmo contido em suas conchas tumulares.

TECIDOS E METAIS VI

Mas embora inicialmente recusado
por outro invólucro de aspecto carnal,
por outro espanto mais sentimental,
esse amor, assim compacto e cromado,

molibdênico e titânico, afinal
de magnésio em líquido forjado,
cada tecido em brilho niquelado,
bem mais permeável que caráter temporal,

bem mais durável que qualquer recusa,
bem mais constante que qualquer aceitação,
amor maciço, em plena solidez,

manifestado na quimera mais profusa,
vivo rubídio dentro ao coração.
amor minério do mais puro manganês!

QUENÓTICA I – 16 DEZ 2007
[ABSTENÇÃO DE USAR PODERES]

As letras de teu nome queimam fundo
dentro em meu coração tornado em pó,
no almofariz dos versos. sob a mó
que esmaga o trigo contra o ariel.

Penso haver-te esquecido, mas profundo
é o lanho em que escorreu a minha resina:
quando é vencido quem amor domina,
é prisioneiro tratado sem quartel. (*)
(*) SEM PIEDADE.

 Não que amor fosse pedir que me poupasse:
já não tenho mais vida, que te dei
e, no suplício, não posso mais sofrer,

que já sofri por ti, sem que ganhasse
nem o suor de ti, por que esperei,
ao ver na palma as letras que quis ler.

QUENÓTICA II – 24 JAN 2017

Ter usado poderia, é coisa certa,
cada artifício que envolve algum namoro,
mas sentiria nisso algum desdouro,
por falsidade que tal amor desperta.

Que primeiro se contemple a alma aberta,
em sorriso cintilante e cor de ouro,
o som suave a murmurar: “Te Adoro!”
quando essa graça já não seja incerta.

E só depois empregar os artifícios,
por que não sejam usados em armadilha,
porém que sejam da entrega a recompensa,

a quem nos ama distribuindo os benefícios,
já os dois seguindo pela mesma trilha,
enquanto amor a seu redor se adensa...

QUENÓTICA III

Qual é o amor que, de fato, vale a pena?
Não é esse que conquista a posição.
de algum cantor ou esportista na ocasião:
não é seu esse amor que sobe à cena,

é mais orgulho ou ambição que o envenena,
algum divórcio a garantir a divisão
dos bens que ele granjeou na profissão;
é bem comum o desdém que amor condena!

Quando obtido a troco de esperança
de opulência ou vaidade, trama antiga,
que mais que nunca entre nós até prossiga,

não sendo amor essa troca por bonança,
que tanta vez vicejou na sociedade,
muito diverso do amor de qualidade!

QUENÓTICA IV

Bem mais sincero é o amor por um Lindoro,
qual no Barbeiro de Sevilha se apresenta,
com estudante a bela jovem se contenta,
só depois a descobrir que seu tesouro

era o Conde de Almaviva, sem desdouro,
gentil amor que a alma inteira esquenta,
um novo ninho a construir de forma lenta,
esforço uníssono a ser cantado em coro.

Por outro lado, também há amor impuro,
esse descrito muito bem em Rigoletto,
no qual o duque pretende pobre ser,

para apenas seduzir, em golpe duro,
alma inocente por seu ardil secreto,
abandonada após ver-se triunfante...

QUENÓTICA V

Então por que ofertar jóias e flores
e convidar alguém para jantares,
para depois dos objetivos alcançares
deixar de lado teus iniciais labores?

Que só depois se ofereçam tais lavores,
quando a amante ou esposa conservares,
bem mais honesto que atrair pelos lidares
só enquanto buscas conquistar amores.

Todo artifício a ser legado à companheira,
como uma prenda de agradecimento
por esse amor que te dá a seu contento,

mesmo esquecida a emoção primeira,
mostrar amor sendo o primeiro rudimento
que fortalece tal relacionamento.

QUENÓTICA VI

Contudo, quando reli esse soneto
que a série atual veio a encabeçar,
rancor secreto me veio a atormentar,
talvez tivesse sido mesmo mais dileto,

esse amor que se mantém todo secreto.
sem de artifícios a mão assim lançar,
mas nesses dias primeiros se empregar
por resultado talvez bem mais concreto.

Que tudo o mais fosse apenas indolência,
em torre de marfim ensimesmada,
pretexto apenas para versos mudos,

numa certa apreciação dessa impotência,
de um falso amor apenas inspirada,
atrás de versos protegido como escudos.

CONTRADIÇÕES I – 16 DEZ 2007

Não vou falar do odor de teus cabelos,
nem dizer para o mundo a cor que têm:
esse é um segredo para mim também,
que tantos já guardei nos meus desvelos.

Não falarei como os lábios são singelos
ou que os olhos me prendem, porque veem
fulgir-me o coração; digo, porém,
que existe muito mais do que olhos belos.

É o que vejo por trás deles que persegue
meus sonhos nessas curtas madrugadas,
quando me deito, os galos a cantar...

É a mente pura que, bem fundo, segue,
a me assombrar e que desfaz em nadas
quaisquer resoluções de me afastar...

CONTRADIÇÕES II – 25 JAN 2017

Nem a mim mesmo, por certo, falarei
esse teu nome no antanho já perdido;
por certo o sei – jamais será esquecido,
porém meus próprios lábios selarei.

Ninguém precisa de saber que te entreguei
a alma e o coração, sonho falido,
sem que tivesse a ti, de fato, perseguido,
muito mais fada nesse sonho que sonhei!

Em fadas creio, se bem nunca avistei
e nem sequer encontrei algum duende,
mas os contemplo no fundo de meu ser,

mesmo julgando que os jamais verei;
contudo a fé, no coração, pretende
que além da fábula ainda os possa ter.

CONTRADIÇÃO III

E se uma fada dos céus não me sorriu,
e se minha fé ansiava ter confirmação,
era preciso, em meu próprio coração,
fada criar consoante a mente viu.

Mulher real assim quis, que consentiu
de um doce beijo me dar consumação,
de seus abraços a fiel recordação:
não a endeusei, que o pedestal partiu.

Mas depois desse desvelo consumado,
mesmo sabendo que era apenas ser real,
mesmo em meus braços possuindo tal mulher,

meu coração, que sempre foi airado,
preferiu imaginá-la imaterial
e até fingiu nunca ter feito amor sequer!

CONTRADIÇÕES IV

Muito melhor imaginar que fosse estrela
e se deixasse arrebatar por um cometa,
para mim mesmo a se ocultar, secreta,
aquela vez em que nua a pude vê-la...

Quando em meus braços inteira pude tê-la,
amor fazendo da forma mais completa,
sua carnação na posse mais dileta,
fúlgida a flor da floração mais bela!

Melhor fingir que houvesse impedimento,
que tal amor jamais se consumara,
que continuasse para sempre desejada!

Plena adoção de fingido julgamento
maior desejo em meu peito despertara,
para que fosse recordada como fada!...

OCEANO DOS SUSPIROS 1 – 26 JAN 17

Para onde há de ir o coração,
Em sua tonta busca por desejos?
Algumas vezes o aspiram beijos, 
Vê-se apertado junto a algum pulmão

Que não aquele de sua formação,
Ficando o peito vazio em tais ensejos,
Que se preenche com uns quantos azulejos,
Por que deslize o sangue na ocasião.

A gente fica assim, certos momentos,
Quando em tal beijo o coração se deu,
Só voltando a palpitar em sentimentos

Quando outro beijo logo após nos chega
Ou quando o próprio coração outrem cedeu,
Porém vazio permanece se alguém nega!

OCEANO DOS SUSPIROS 2

Para onde irá esse tonto coração.
Porque, afinal, não cabem dois no peito!
Se em nosso beijo alguém achou defeito
E não deseja repeti-lo na ocasião?

Seu palpitar provoca-lhe a expulsão,
Desritmado, incerto, contrafeito,
Ali o nosso não possui qualquer direito
De ao sangue alheio dar a sua impulsão!

Provavelmente, ela dará um suspiro
De alívio, após o beijo ser roubado
E o coração se escapa em tal respiro!

Mas desse peito já sai entontecido,
As suas diástoles num emaranhado
E cada sístole perdida em tal olvido!

OCEANO DOS SUSPIROS 3

Assim voa o coração para outra parte,
Todo enleado nesse vasto véu
De corações vagando para o léu,
Após também sofrerem seu descarte!

Algum sangue conservam nessa arte
E vão formando um encarnado céu,
Uns a bater nos outros, que escarcéu!
Vermelho oceano formando-se destarte...

Se ao menos coração tivesse ouvidos
E não apenas suas válvulas potentes!
A gente chama, porém não nos escuta!

São pelas ondas encarnadas percutidos,
Num ritornello que nos deixa indiferentes,
O nosso peito transformado em gruta!

OCEANO DOS SUSPIROS 4

Talvez seja possível, com anzol,
Buscar-se o coração assim perdido,
Desnorteado a vogar entre o garrido
Mar encarnado desse vasto rol!...

E se acenderes nos olhos um farol,
Talvez sua origem possa ter reconhecido
E voltar tente, em agitar sofrido,
Batendo em outros corações de escol!

O problema é que estão todos solitários
E em busca dessa luz se precipitam!
Primeiro chega qualquer outro coração,

Os meus pulmões lhe sendo solidários!
E é por isso que na alma minha brotam
Tantos sonetos de contrária afirmação!

EMBAIXADA AO FUTURO I – 27 JAN 17

DONA AMOR USA ROUPAS VITORIANAS,
AS SAIAS LARGAS COM CINTURA ESTREITA.
AO VER OUTRAS DE BIQUINI, CONTRAFEITA
SE RUBORIZA, MESMO A SENTIR GANAS

DE CASTIGAR DESPUDORADAS DAMAS;
TALVEZ A SUA ESBELTEZ ELA DESPEITA.
AO ESPARTILHO ENCONTRA-SE SUJEITA,
A SALIENTAR-LHE ASSIM CINTURA E MAMAS...

DONA AMOR EM QUADRO A ÓLEO FOI PINTADA,
DEPOIS PASSARAM DIVERSAS GERAÇÕES,
CONSERVADA COM RESPEITO NUM MUSEU.

PARA O FUTURO ASSIM FOI ENVIADA
E NOS CONTEMPLA EM PANÓPLIA DE ILUSÕES
DESDE A MOLDURA A QUE SEMPRE PERTENCEU!

EMBAIXADA AO FUTURO II

MAS SE MOLDURA A ELA ASSIM CIRCUNSCREVEU,
SE NÃO FOR RESTAURADA, ESSA PINTURA
SERÁ MARCADA POR MUITA RACHADURA:
DO ANTIGO AMBIENTE NÃO SE DESPRENDEU!

E CASO ALGUM RESTAURADOR ENLOUQUECEU,
TODAS AS ROUPAS A DESPIR DESSA FIGURA,
PINTANDO-A NUA, VAIDOSA E BEM SEGURA
DESSA BELEZA QUE O PINCEL LHE CONCEDEU!

EMBAIXADORA AGORA NO FUTURO,
MORTOS OS OLHOS QUE A FITARAM ANTES,
COBIÇADA POR UNS TOLOS DILETANTES,

NESSA NUDEZ QUE PRESIDE UM OLHAR PURO,
DONA AMOR, TÃO AMOROSA COMO DANTES,
SENTINDO FRIO NESSE SALÃO ESCURO!

EMBAIXADA AO FUTURO III

MAS JÁ NÃO PODE RETORNAR AO TEMPO ANTIGO!
DOTAM O TEMPO DE MÃO ÚNICA, É EVIDENTE;
EM SEU OLHAR PUDOR EXISTE, TRANSPARENTE,
MAS É ENCARADA, COM OLHAR AMIGO,

POR TURISTAS DE BUSTIÊ E SHORT EXÍGUO,
O SEU CORPO COMPARANDO, CLARAMENTE,
COM OS QUE VEEM AO ESPELHO, DIARIAMENTE,
POIS POSOU NUA SEM SOFRER CASTIGO!

ENQUANTO ELAS ATÉ QUERIAM PELAS RUAS
PODER ANDAR COMPLETAMENTE NUAS,
SEM TER DE HIPÓCRITAS A DESAPROVAÇÃO!

POR QUE O CORPO DA MORTA É MAIS SAGRADO
DO QUE ESTE SEU, TÃO MORNO E CONSERVADO,
QUE MAIS NÃO SEJA NA PRESENTE GERAÇÃO?

EMBAIXADA AO FUTURO IV

PARA MIM, NOSSO CORPO É ALGO SAGRADO,
O TEMPLO SENDO DO ESPÍRITO SANTO,
COMO O EVANGELHO AFIRMA NO SEU CANTO,
SÓ PELO FRIO OU PROTEÇÃO SENDO EMBUÇADO

E O DA MULHER DUPLAMENTE CONSAGRADO,
SEMPRE ALGUM VENTRE NOS SERVIU DE MANTO,
À LUZ NOS DEU, NAS ALEGRIAS DE SEU PRANTO,
QUANDO O BEBÊ SOBRE A MÃE É COLOCADO!

QUEM A NUDEZ CONDENA, É POR INVEJA
DE NÃO POSSUIR UM CORPO ASSIM PERFEITO
OU TALVEZ PORQUE NÃO GOSTE DE MULHER,

OU QUE CAPAZ DE POSSUI-LA NÃO MAIS SEJA,
POR MAIS QUE ELA DESEJE NO SEU PEITO
E ASSIM PREFIRA NEM CONTEMPLAR SEQUER!

ASAS DE TRAÇA I – 28 JAN 2017

Conspícuo é para mim que a interrupção
corta a corrente rósea da vaidade
que me estimula a compor em saciedade
os meus acúmulos constante de ilusão.

Mas bem depressa se reafirma o turbilhão,
as ondas correm, em hábito de abade,
espuma após espuma, em vacuidade,
enquanto as linhas se perseguem com paixão.

Porque, no fundo, não há qualquer prazer
em meu afã de aedo – é mais dever, (*)
certa mania, não mais que obrigação
(*) Agir de poeta.

de retalhar meus sonhos, sem querer
fatiar inteiro diariamente o coração,
vermelho talho a palpitar sem quietação.

ASAS DE TRAÇA II

Embora a traça nos cause desconforto,
já que os livros e as roupas nos destrói,
filha do tempo que qualquer destino mói,
plano perfeito desgastando torto,

como um caruncho que se prefere morto
seus cortes finos sobre a alma sói
ou como um rato que no peito rói –
é interessante o contemplar de seu desporto,

porque, afinal, nas asas traz desenhos,
bem melhor sob lupa contemplados,
a olho nu, só no franzir dos cenhos;

porém quem quer, percebe a sua beleza,
no leve adejo desses burilados,
enquanto voa, quase sem defesa!...

ASAS DE TRAÇA III

Tal como a traça traz interrupção
em seu trecho de leitura ou de vestido,
voz mentirosa também tem conseguido
tracejar mente e alma em ocasião

e surge assim, de novo, a obrigação
de refazer o quanto foi perdido.
Mas inspiração de quê se haviam nutrido
os fragmentos em farrapos que ali estão?

Da alma em canto guardei esse rascunho,
sempre atrasado por outros sentimentos,
que a cada dia não somos mais os mesmos!

E até parecem surgir de alheio cunho,
como objetos de contrários julgamentos,
esses pedaços de sonho em soltos esmos!

ASAS DE TRAÇA IV

Igual que traça, me revoa o pensamento
e sobre mente alheia quer pousar,
alguma coisa nela a tracejar
e a preencher com seu próprio julgamento.

É assim que ante teus olhos me apresento,
como um caruncho tua visão a perturbar
com certos versos que envio, de inquietar,
conturbação a provocar em teu alento!...

Mas observa que não deixo ali buraco,
dentro da mente, tampouco no teu peito,
sempre ali deixo o aplique de um enxerto

de minha alma, de que te cortei um naco
e te enviei, talvez desavisado,
nos labirintos de um verso tracejado!...

ANÓFELES I – 29 JAN 2017  

Não penso mais em ti – e a prova é esta
que não te escrevo mais qualquer soneto
em que mencione o meu amor secreto,
velório apenas em ocasião de festa!

Essa paixão por ti me foi molesta:
fez-me eclodir à vida, qual inseto,
mas teu amor nunca passou de um feto
e nem sequer nas fraldas nada resta!

Só me serviu como motivo para rimas
e ao mesmo tempo envelheceu, tão de repente!
Antes me achava em coma conservado,

mas ao buscar amor, perdi-me em mimas, (*)
da condição humana – algo frequente;
e já me esqueço de ti, sem mais cuidado...
(*)  Unidades de Imitação.  Hoje falam em “memes” por triste
Ignorância, já que em inglês se pronuncia “mimes”

ANÓFELES II

Meu coração, por certo, foi picado
pelo probóscide melífluo de um inseto,
dentro dele a provocar um mal secreto,
quando deixei-me picar, desavisado.

Certo é que havia, a bem dizer, parado;
sonhos de amor sofrendo desafeto,
qual diletante a rabiscar verso dileto,
sem por potência de amor ser inspirado.

De algum modo, então, o sangue teu
para mim foi transferido por mosquito,
contaminando assim o estro meu

e novos versos de amor desapiedado
conter não pude no coração aflito,
o mundo agora por mim contaminado!

ANÓFELES III

Pois hoje em dia, o anófeles sou eu,
mas não transmito chikungunya, dengue ou zika.
É com o vírus da poesia que te pica
esse inseto que a dormir te surpreendeu.

Pois para a vida, novamente, te acendeu,
que ideias novas para a mente indica,
até o medíocre exposto em rima rica:
foi o meu sangue que o anófeles ferveu!

Poesia febril, feroz como a malária,
terçã e sezã em fremente tiritar,
pingando versos ao invés de meu suor,

luzes forjando em meu fervor de pária,
em minha casta inferior a labutar,
ao ar lançando estes mil restos de amor!

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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