NOVAS HISTÓRIAS
JUDAICAS
(Traduzidas,
adaptadas e colocadas em versos por William Lagos,
a partir de
contos do livro MORE WORLD OVER STORIES).
A GREVE DAS
VELAS ... ... ... 15 JAN 2017
OS BRINCOS DE
OURO ... ... ... 16 JAN 2017
OS PERGAMINHOS
DO MUSEU... ... ... 17 JAN 2017
RASHI E O ABADE
... ... ... 18 JAN 2017
A PRESENÇA DE DEUS ... ... ... 19 JAN 2017
A GREVE DAS
VELAS I – 15 JAN 17
(Sobre conto
original de Bami)
Todos os anos
os judeus celebram
a festa móvel
que chamam de Hanukkah.
e que também
escrevem Chanukah:
é o Festival
das Luzes que dedicam.
Nessa ocasião
os judeus comemoram
a reconsagração
ao santo Deus Jeová
do Segundo
Templo, acendendo a Menurá,
depois que os
Macabeus o conquistaram.
O Templo fora,
de fato, dessacrado
por gregos e
sírios quando colocaram (*)
ali imagens de
seus deuses pagãos.
(*) Durante o
domínio dos reis Selêucidas.
O inimigo enfim
fora derrotado
e as imagens
estranhas retiraram,
sendo
abominações tais deuses vãos.
Desde essa
data, em cada lar judeu
são acesas nove
velas especiais,
ao invés das
sete que se conhecem mais,
pela nova
tradição que se acolheu.
Não obstante,
em certo dia, sucedeu
que agitadores
de ideias anormais
às velas
convenceram ser demais
aquele uso
anual que só lhes deu
o povo, pois
somente as recordavam
quando chegava
tal celebração
e seus direitos
assim não respeitavam;
e um protesto
destarte organizavam:
que vela alguma
cumprisse sua missão,
enquanto as
reivindicações não aceitavam!...
Um manifesto
então fôra redigido,
a Dezessete do
mês hebraico de Kislev:
“Por tempo
indefinido será a greve,
nenhum pavio
poderá ser acendido!”
“Pois não nos
dão o respeito merecido:
por oito dias
só temos vida breve
e a reverência
não nos dão que se nos deve;
decoração nós
apenas temos sido!”
“Velas do Hanukkah de todo o mundo, uni-vos!
Até que nossas
reivindicações atendam,
Nossos pavios
permanecem em sono leve!”
“Em todo lar
judeu hoje reuni-vos,
até o valor que
temos nos entendam,
pois mão alguma
nos acender se atreve!”
Todas as velas
acederam ao apelo,
fossem laranja
ou multicoloridas:
“Que não nos
queimem crianças atrevidas,
do Festival nós
somos o desvelo!”
Só uma vela
demonstrou possuir mais zelo:
a vela Shammash, que proferiu compridas
exortações
contra greves desabridas:
“Não
estraguemos assim dia tão belo!”
“Velas unidas
jamais serão vencidas!”
Contra essa
vela protestaram as demais.
“São muito
justas as reivindicações!”
“Louvor merecem
nossas curtas vida!
Nós temos almas
e somos muito mais
que a cera ou
sebo de nossas formações!”
A GREVE DAS
VELAS II
Entre os judeus
houve consternação:
“Não poderemos
nossa festa celebrar?”
Alguns disseram
em nada se importar:
“Que lucro
temos em tal celebração?”
Mas as crianças
demonstraram comoção:
“Nossas
partidas de Dreidel sem jogar? (*)
As comidas especiais
sequer provar?
Não aceitamos
essa situação!...”
(*) Veja
anotação no rodapé.
Então foram com
a Shammash conversar,
que era a mais
humilde dessas velas,
erguida apenas
num nível inferior.
“Shammash, queremos nossa festa celebrar,
fale com as
outras, procure convencê-las!
Sem
candelabros, fica a festa sem calor!...
Falou Shammash: “Pois bem, conversarei,
mas os seus
líderes só querem ter poder
e todas mais
conseguiram convencer,
só eu, em vão,
na assembleia protestei!”
“Desde o começo
deles suspeitei,
mas sou
humilde, sem respeito ter,
pois só me
acendem para as outras acender;
nada prometo,
mas com elas falarei.”
Enquanto isso,
lâmpadas elétricas sugeriam,
porém a ideia
seus rabinos rejeitaram:
“Teriam também
de ser acesas, uma a uma.”
“As tradições
por certo quebrariam,
da almotolia o
santo azeite não tomaram,
melhor que não
se acenda luz alguma!”
Shammash nova assembleia requereu;
de má vontade
acederam a seu pedido,
mas quando o
seu discurso foi ouvido,
com assobios
cada grevista o acolheu!
“Quem você
pensa que é?” – um respondeu.
“Das velas
todas é quem tem menos servido!
Por isso é
posta em lugar mais escondido;
no nosso nível
jamais permaneceu!”
“Mas das
crianças vocês não sentem pena?
E dos velhinhos
que a festa mais lamentam?”
“Ora, as
crianças só querem brincadeiras!”
“Os velhos
querem é refeição amena!
Só acenderemos
depois que eles aceitam
que nessa festa
nós somos as primeiras!”
“Dizem vocês
que sou a mais inferior,
mas sempre a
mim é que primeiro acendem;
de meu pavio
vossos pavios dependem,
nenhuma as
outras acendem ao redor!”
“Caso essa
greve suspensa hoje não for,
pouco me
importa os motivos que pretendem,
nunca mais
acenderei e então as vendem
e seu destino
não pode ser pior!...”
Foram as velas
tomadas de pavor,
suspensa a
greve antes do Festival,
que em cada
casa elas amavam rebrilhar!
E é por isso
que hoje ocupa o superior
lugar do
candelabro, no ritual,
essa Shammash que fez a greve terminar!
O jogo de Dreidel, chamado em hebraico Sevivon,
é jogado com uma espécie de cruza de pião com dado de quatro faces e um
cabinho como agarrador para a fazer girar.
Cada face possui uma letra hebraica correspondente às iniciais de Nes Gadol Haya Sham = um grande milagre
ocorreu lá! – referente à vitória de Judas Macabeu sobre as tropas selêucidas,
compostas basicamente por gregos macedônios e sírios. No Estado de Israel, a frase foi mudada para Nes Gadol Haya Po = um grande milagre
ocorreu aqui!. As letras hebraicas são Shin, He, Gimel e Nun, naturalmente consideradas da direita para a esquerda.
A Chanukkah ou Hanukah (Dedicação)
é uma festa móvel, conhecida como o Festival das Luzes, comemorando a
rededicação do Segundo Templo, construído por Esdras e Nehemias, reconquistado
aos Selêucidas por Judas Macabeu. Em
2016 foi celebrada durante os oito dias entre o pôr do sol de 24 de dezembro
(coincidindo com o Natal cristão) e o entardecer de 1º de janeiro; como é marcada pelo dia 25 do mês Kislev e o calendário judaico não
corresponde ao gregoriano, a data do início muda todos os anos. Em 2017 será de 12 a 20 de dezembro e em 2018
entre 2 e 10 de dezembro.
OS BRINCOS DE
OURO I – 16 JAN 17
(Conforme
narrativa em prosa de M. Dluznowsky, 1968)
Em Marrocos
habitava um ceramista
chamado Dan
bin-Sosan, que fabricava
mosaicos para
as casas em que habitava
o povo árabe,
que do Islam seguia a pista.
Bin-Sosan,
nesse período que se avista,
vivia na
comunidade que se achava
em Nagazey,
onde há séculos morava,
sem qualquer
perseguição desde a conquista
pelos árabes
aos senhores bizantinos,
ali sempre
vivendo em segurança,
só o suficiente
possuindo, na verdade,
sem reunir
grandes riquezas seus destinos,
mas tampouco
sem sofrer qualquer vingança,
sua religião
sem encontrar dificuldade.
Quando aos
muçulmanos chamava o muezim
para a
mesquita, os judeus se congregavam
em sua casa
modesta e ali escutavam
velhas
histórias que Bin-Sosan narrava assim,
pois suspendiam
seus trabalhos, outrossim,
porque aos
árabes ofender sempre evitavam;
nas mesmas
horas também eles rezavam,
pois sinagoga
jamais se erguera ali, enfim.
Dan afirmava
que sua comunidade
vivia ali desde
os tempos de David,
sem explicar de
que modo haviam chegado
e quando algum,
sem malícia nem vaidade,
essa pergunta
apresentava ali,
ele explicava,
com bastante agrado,
que haviam
outros, que mais longe residiam,
por tempo bem
maior, junto ao deserto,
da Cordilheira
do Atlas já bem perto,
em cavernas,
que ferozmente defendiam
dos ataques
tuaregues que lá iam,
não por motivo
religioso, isso era certo,
mas por
pilhagem, com o motivo aberto
de escravizar a
quantos conseguiam.
Há muitos
séculos essas tribos beduínas
ora na Europa,
ora em África vendiam
os prisioneiros
que capturavam,
muito temidas por
serem assassinas,
que à vida
humana valor pouco atribuíam,
exceto pelos
lucros que lhes davam.
Certo dia, no
meio deles apareceu
um homem alto e
magro, rosto curtido
pelo sol e pelo
vento recebido,
que a
comunidade hospitaleira recebeu.
Ele explicou que
todo o povo seu
em tais
cavernas havia permanecido,
que ao Faraó
Nekao havia fugido
e em tal lugar
inóspito se acolheu.
Barba negra ele
ostentava e um turbante,
pendia um
brinco de ouro de sua orelha.
Ele explicou
que, na ausência de Moisés,
Pedira o povo,
num ato delirante,
que um deus de
ouro, por tradição já velha,
fosse forjado
para alvo de suas fés!...
INTERMEDIO,
SONETO DE ZIVER RITTA
Moisés descia
do Sinai, nos braços,
tendo da Lei as
Tábuas, junto ao peito;
mas de repente,
ali detém os passos,
vendo o
Bezerro, todo de ouro feito!
Diante da
ingratidão do povo leito,
do austero
rosto alteram-se-lhe os traços,
as tábuas ergue
e em fúria, contrafeito,
as joga ao
chão, fazendo-as em pedaços!
Há no seu gesto
uma lição contida
a quem levanta
e ao culto até destina
outros bezerros
de ouro nesta vida;
que neste mundo
incrédulo e bizarro
tem, tantas
vezes, quebrado a lei divina
aos pés de
tantos ídolos de barro!
OS BRINCOS DE
OURO II
Aarão, que era
o Sumo-Sacerdote,
o seu pedido
esperando mesmo adiar,
até Moisés do
alto monte retornar,
pediu-lhe os
brincos a balançar sobre o congote!
Mas para seu
espanto, um largo dote
foi-lhe trazido
e assim teve de forjar
o Bezerro de
Ouro e destarte celebrar
um sacrifício
para o ímpio convescote!... (*)
(*) Banquete ao
ar livro, piquenique.
“Mas,” – disse
o homem – “apenas um punhado
recusou-se seus
brincos a entregar,
só a Jeová
dispostos a adorar
e era daqueles
que haviam recusado
que descendia
esse povo do deserto,
dos faraós a se
esconder, por certo!”
“Por isso
usamos, até hoje, as arrecadas
de prata e ouro
dos antepassados
e aqui vivemos,
mais ou menos isolados,
há milênios
evitando outras estradas.”
“Também
descendo das famílias consagradas
da tribo de
Levi e a meus cuidados
a religião se
conserva sem pecados,
mas sinagogas
não possuímos levantadas.”
“Por isso hoje
as aldeias eu percorro
em que há
judeus e donativos peço,
para que um
templo possamos construir.”
“Nós não lhes
negaremos o socorro;
o seu pedido
terá o nosso apreço,
embora um
templo não possamos erigir...”
“Mas outras
sinagogas podem frequentar
nessas cidades
que se encontram perto;
somos forçados
a peregrinar pelo deserto
se qualquer
templo queremos encontrar!”
Um dos locais
animou-se a comentar:
“Mas os seus
brincos têm valor, por certo!”
“São nossos
símbolos do velho concerto
e para sempre
os devemos ostentar!...”
Até que o mundo
venha a reconhecer
que nossas
tribos sejam descendentes
dos que
negaram, sequer por um momento,
a qualquer
outro deus se oferecer,
que não o Único
de Quem nós somos crentes,
ao Qual
servimos com ardor fervente!
Um bom auxílio
deu-lhe a comunidade
e o sacerdote
novamente viajou;
brilho de
orgulho nos olhos demonstrou,
quando sua
história foi aceita por verdade.
E num gesto de
devoção e não vaidade,
no seu brinco
de ouro ele tocou
e para as
preces então os convidou,
sendo um
levita, com plena autoridade!
A sinagoga foi
no deserto construída,
porem, para
evitar perseguições,
foram levados
para a Terra de Israel,
muito depois
desta história ser ouvida,
quando extremistas
de muitas nações
aos judeus
perseguiram sem quartel!
A 11 de abril de 2002, um
caminhão de gás, dirigido por Niser Bin-Muhammad Nasr Nawar, foi explodido na
sinagoga de El-Ghriba, na ilha tunisina de Djerba. Já há décadas os judeus dali haviam partido
para Israel e era agora um ponto turístico mantido pelo governo da
Tunísia. Assim, nenhum israelense foi
morto na explosão, porém morreram dezesseis turistas, quatorze alemães e dois
franceses e os três funcionários muçulmanos responsáveis pelo lugar.
OS PERGAMINHOS
DO MUSEU I – 17 JAN 17
(Versificação
de um conto de Golda Kaufman)
Em mil
setecentos e cinquenta e quatro, o nevoeiro
cobria Londres,
mas escutaram-se batidas
à porta de uma
casa, fortes e incontidas,
naquela noite
de se abraçar o travesseiro!...
Solomon da
Costa, um negociante ordeiro,
de origem
portuguesa, ainda em lidas,
mandou um
criado atender às atrevidas
pancadas de tal
visitante sobranceiro.
“Sou o criado
do Sr. Maas, o encadernador;
para seu amo
trago mensagem bem urgente!”
O Senhor Da
Costa apareceu incontinenti.
“Muito doente
se acha o meu senhor
e temendo que
não passe desta noite,
manda pedir-lhe
que vá vê-lo com afoite!”
Da Costa e Maas
eram muito amigos,
na sinagoga com
frequência se encontravam;
sem mais
delongas em seu quarto já se achavam,
da noite escura
já enfrentados os perigos.
O Senhor Maas
trabalhava com antigos
manuscritos que
muitos lhe confiavam.
Perto do leito,
numa estante, se empilhavam
de seu trabalho
grande número de artigos.
Por sua saúde
indagou o mercador.
“Não estou à
morte, se foi o que lhe disseram,
mas não espero
ter à frente longa vida...”
“Algumas obras
de altíssimo valor
encadernei,
depois que mas trouxeram
e já não posso
mais lhes dar guarida...”
“Foi no tempo
do rei Carlos Segundo
que os
manuscritos lhe foram legados
e num depósito
mantidos sem cuidados,
deteriorando-se
em tal lugar imundo...”
“Até que o rei
Jorge Primeiro, um profundo
conhecedor do
valor desses tratados,
mandou
trazê-los para ser encadernados:
trabalhei anos
no esforço mais rotundo...”
“Enquanto isso,
faleceu tal rei;
Jorge Segundo
reina agora em seu lugar
e quando quis o
trabalho lhe entregar,
“resposta
alguma na Real Corte encontrei;
e se eu morrer,
esta valiosa coleção
será espalhada,
sem grande apreciação!”
“Assim, amigo,
tomei a liberdade
de a nosso rei
enviar uma mensagem,
nela pedi-lhe
permissão, em vassalagem,
para vender-lhe
a inteira quantidade.”
“E o rei ao
recebê-la, na realidade,
mandou
marcar-lhe audiência por um pajem,
logo amanhã de
manhã! Tenha coragem
e se apresente
ante Sua Majestade!”
“Caso o rei a
aquisição lhe permitir,
terá a bondade
de adquiri-los?
São duzentos e
tantos manuscritos...”
“Mas que
importância pretende me pedir?”
“Os meus
herdeiros não ficarão tranquilos,
caso eu apenas
lhe doe esses escritos...”
OS PERGAMINHOS
DO MUSEU II
“Gastei anos de
minha vida em tal labor,
sou obrigado a
lhe cobrar o material,
a mão de obra
será o mínimo, afinal;
sei que você
irá guardá-los com amor...”
“Por
quatrocentos guinéus dou-lhe o lavor.”
“É muito abaixo
de seu valor real!”
“Da história
hebraica é um verdadeiro graal,
caso os
dispersem, perderão muito valor...”
“Caro amigo, a
meu dispor não tenho
essa
importância; só em mercadoria,
mas de algum
modo para reunir me empenho...”
E assim Da Costa
todo o dote empregou
de sua esposa e
cem guinéus tomou
como
empréstimo, dando o estoque em garantia...
Já no outro dia
no castelo apresentou-se,
Por Jorge
Segundo cortesmente recebido.
“Não leio
hebraico,” o rei disse, comedido
“e o Parlamento
a tal despesa recusou-se.”
“Senhor Da
Costa, foi-me dito que dispôs-se
da quatrocentos
guinéus, preço pedido
pelo conjunto
de livros recolhido:
um grande
investimento assim impôs-se.”
“O que pretende
fazer com a coleção?
Tem realmente
um tal valor exorbitante?”
“Majestade, só
pela rama a examinei,
“Dez vezes mais
eu faria a cotação
destes
trabalhos, mesmo neste instante,
mas não foi por
lucro que adquirir pensei.”
“São
manuscritos em hebraico ou em latim,
ainda em grego
ou aramaico alguns escritos,
os comentários
de famosos eruditos,
Abravanel,
Rashi e outros assim...”
“E caso os
compre, o que fará deles, enfim,
já que por
lucro não foram circunscritos?”
“Majestade,
tais livros são benditos,
só seu estudo
grande prazer dará a mim.”
“Além do
estudo, também tenho a intenção
de catalogar
seu conteúdo inteiro,
com referências
em latim, hebraico e inglês.”
“Depois, com
sua graciosa permissão,
o meu propósito
será, mais verdadeiro,
ao Museu
Britânico doá-los, por sua vez.”
Mostrou-se o
rei surpreso e satisfeito.
“Por que motivo
irá fazer tal doação
a uma tão
recente instituição,
que nem se sabe
se funcionará direito?”
“Majestade, a
meu melhor conceito,
muito além será
da imaginação
que o museu
cumprirá a sua função:
para muitas
gerações trará proveito.”
“Pois muito
bem, aprecio sua nobreza
e a dinastia,
por este documento,
mão abrirá de
qualquer outra pretensão!”
Assim, em
Cinquenta e Nove, com certeza,
todos os livros
acharam seu assento
nesse museu e
até hoje ali estão.
Embora Jorge Segundo não fosse um
erudito como o rei seu pai, Jorge Primeiro, o fora, sua educação lhe dava
margem a apreciar os pergaminhos por seu devido valor. Solomon da Costa
efetivamente os doou ao Museu Britânico em Junho de 1759, apenas seis anos após
sua fundação, em que formaram o núcleo da Coleção Hebraica na Seção de
Manuscritos e Livros Impressos em Línguas Orientais, onde até hoje se encontram
à disposição dos estudiosos.
RASHI E O ABADE
I – 18 JAN 2017
(Conforme
narrativa em prosa de M. Dluznowsky, 1968)
Vivia em
Troyes, no coração da França,
rabino jovem,
que podava sua parreira;
cuidando as
uvas com mão hospitaleira,
de preservá-las
jamais ele se cansa...
Feito o labor,
ao estudo ele se lança,
a Torah
cantando a tarde inteira, (*)
para melhor a
decorar, sua voz ligeira
nos ouvidos a
chegar de uma criança.
(*) Torá é a
lei hebraica, basicamente o Pentateuco da Bíblia.
Era Rashi o
nome do rabino
e de François
chamavam o menino,
que sofria de
moléstia persistente.
Algumas vezes,
escrevia no jardim
e a criança
contemplava assim
aquelas letras
quadradas de outra gente...
Aconteceu que, num dia de verão,
alguma abelha picou o garotinho,
seu ferrão mais violento do que espinho,
a provocar-lhe real lamentação...
Rashi escutou o seu choro na ocasião;
era a videira que atraíra o insetinho:
talvez mesmo o culpasse o seu vizinho!
Mas movido também por compaixão,
atravessou com rapidez o parreiral
e do menino chegou até a janela
e num instante arrancou-lhe o tal ferrão
e com unguento de origem natural
curou o inchaço e a dor que havia nela,
não mais sofrendo a criança na ocasião!
Logo a família veio a ajuda agradecer
e então o rabino pediu-lhes permissão
para tratar dos sintomas que ali estão
da doença em que o via padecer...
Em pouco tempo, veio a suceder
que da moléstia alcançasse a remissão,
sem que aceitasse qualquer compensação
pelo trabalho realizado com prazer.
Quando François pelos campos já corria
a cada vez que com ganso se encontrava,
algumas penas depressa lhe furtava;
um saquitel de penas logo enchia,
que a seu benfeitor então levava:
era com cânulas que nesse tempo se escrevia! (*)
(*) A parte oca da pena, que absorvia tinta.
O bom Rashi agradecia em profusão
e o menino
observava os pergaminhos,
letras
quadradas lhe pareciam garranchinhos,
tão diferentes
dessa escrita de um cristão!
Porém temendo
que ocorresse conversão,
por tanto tempo
a ficar os dois sozinhos,
talvez pensando
em certos atos mais mesquinhos,
de um
monastério buscaram a proteção.
Assim François
foi por monges educado
e muito em
breve aceitou sua vocação,
alguns anos
depois sendo ordenado,
na hierarquia
rapidamente alçado,
fez-se famoso
por sua devoção
e também por
seus dotes de letrado.
RASHI E O ABADE
II
Eventualmente,
como abade foi nomeado
de Metz, uma
cidade da Lorena,
que com a
Alsácia constituiu a cena
de muitas
guerras, seu país sendo trocado,
por Áustria,
França e Alemanha disputado;
François
Théoger, o abade, em grande pena
assistindo essa
disputa que envenena
os ânimos do
povo a seu cuidado.
Durante séculos
à Áustria pertencera,
depois sendo
pela França conquistada.
Quando a
Alemanha foi unificada,
para o Império
Alemão se convertera;
a voz do povo
preferia o alemão,
pelo francês
não demonstrando aceitação.
Enquanto isso, Rashi se transformou
em um rabino da maior reputação,
seus comentários da Bíblia em aceitação,
até o presente, por eruditos que formara.
Também François, por sua vez, muito estudara,
de medicina tendo certa formação;
muitos doentes já curara na ocasião,
de milagroso a fama até granjeara!...
Naquela época, pouca higiene havia,
as cidades entre muros apertados,
sem ter esgotos nem água corrente
e nos sótãos e porões então se via
grande número de ratos apressados,
alimentos a roubar da pobre gente!...
Assim, de tifo ocorreu epidemia,
até François sofrendo da doença.
Por entre o povo veio a correr a crença
de que um judeu veneno espalharia!
De fato, o tifo, entre eles não se via,
devido às leis da higiene mais intensa,
que a observância da Lei assim compensa,
sem que em seu bairro prosperasse a rataria!
Porém fugira da cidade a autoridade
e ao leito de François foi comissão,
solicitando que ordenasse a expulsão
de todos os judeus de sua cidade
e lhe pediram que assinasse o referendo,
pena de ganso e pergaminho lhe trazendo.
O pergaminho e
a pena recordavam
o rabino de
seus tempos de criança
e declarou, com
base em tal lembrança,
que os ratos
eram que tal mal causavam!
E enquanto os
moradores os caçavam,
tomou a caleça,
cheio de esperança,
para Troyes se
dirigindo sem tardança,
de onde
notícias de Rashi ainda chegavam.
Mas realmente,
a rataria destruída,
os judeus já
não foram perseguidos
e sua
comunidade prosperou;
e junto a
Rashi, François achou guarida,
os seus
cuidados em breve recebidos
e ao bom abade
mais uma vez curou!
Shlomo Yitzhaki ou Salomon
Isaacides, nascido a 22 de fevereiro de 1040 e falecido a 13 de julho de 1105,
viveu toda a vida em Troyes. É mais
conhecido pelo acrônimo Rashi, de “Rabbi Shlomo Itzhak”. Foi autor de um amplo comentário abrangendo a
maior parte dos Trinta Tratados do Talmud, escritos por eruditos judeus durante
o exílio na Babilônia. Também comentou
os textos do Tanakh, especialmente o Chumash, que refere o Pentateuco, os cinco
livros atribuídos a Moisés. Seus comentários são inapreciáveis e indispensáveis
ao estudo do hebraico e da religião judaica, sendo estudados até hoje, também
por eruditos cristãos e maometanos. O
Abade François Théoger, nasceu em Troyes por volta de 1050 e faleceu na Abadia
de Cluny, em 1120, em que se refugiara por ter tomado o partido do Papa contra
o Imperador da Áustria durante a famosa Querela das Investiduras, sobre qual
deles teria o poder de nomear os prelados.
Isso não era questão religiosa, mas política, já que vários deles,
inclusive o Príncipe-Abade de Metz, participavam da eleição do Imperador.
A PRESENÇA DE
DEUS I – 19 JAN 2017
(Sobre
narrativa em prosa de Deborah Offenbacher)
Quando Joel era
menino ainda,
ele pensava que
Deus Jeová vivia
naquela sombra
que sobre a Arca havia,
na Sinagoga de
Frankfurt, a linda
construção, que
muitos afirmavam
ser a mais bela
em toda a Alemanha;
e sensação
feliz a sua alma banha,
a cada vez que
ele e os pais ali chegavam.
Certo dia, a
conversar com o Sacristão,
que chamavam
Reb Justus, ele falou:
“Você percebe é
o poder da Shekinah,
“a Presença do
Deus Santo de Abraão,
que em cada
templo judaico se assentou:
é a paz e a
bênção que ali encontrará...”
Sempre que as
aulas do garoto terminavam,
ao invés de ir
a casa, ele chegava
na Grande
Sinagoga, em que tanto admirava
os imensos vitrais
que ali se achavam.
Vinha ajudar o
Sacristão, pois colocavam
os livros de
oração nos bancos; ou os retirava
após os ofícios
e sobre um móvel os empilhava,
conforme as
ocasiões o indicavam.
Ou o ajudava a
estender cortina
sobre os
portões que de dia protegiam
a Santa Arca
com os velhos pergaminhos,
que diariamente
era trocada, uma sina
que seus olhos
infantis não entendiam,
mas ambos
tratavam-nas com iguais carinhos.
Enquanto
trabalhavam, o Sacristão
contava
histórias sobre a gente antiga;
fôra o avô de
Joel da inicial liga
que a Sinagoga
erigira com paixão.
Pelos vitrais
da melhor coloração
havia arabescos
para que a luz consiga
sobre os rostos
projetar-se em cor amiga,
mais alentando
a sua devoção.
Igual que meu avô um dia serei,
Dizia Joel, dentro
em seu coração.
Ano que vem será meu Bar Mitzvah!
Irei à Estante Bíblica e lerei
santas palavras da maior veneração,
grande honra para mim então será!...
Porém as coisas
diferente transcorreram:
Em Abril de
Trinta e Três, no dia primeiro,
foi Hitler
nomeado, para do país inteiro
ser Chanceler,
pelos votos que o escolheram.
Logo a seguir,
perseguições vieram
e as Leis
Raciais proclamaram bem ligeiro,
para os judeus
foi-se o sossego derradeiro,
que alguns
deles depressa encarceraram
nesses KZL,
Campos de Concentração
e a alguns
outros em seguida fuzilaram,
não por crimes
comuns, mas em razão
das leis
incompreensíveis que criaram,
os bens de
muitos em confiscação,
enquanto outros
ao país deixaram.
A PRESENÇA DE
DEUS II
Alguns foram à
Dinamarca, outros à França;
para os Estados
Unidos outros partiram;
e a cada
ofício, mais vazios se viram
aqueles bancos,
antes cheios de pujança.
Ao seu rabino a
mão injusta alcança;
de Joel os pais
a seu irmão escreveram
e um telegrama
dele logo receberam:
passagem e
documentos lhes avança.
“Semana que
vem, nós partiremos,”
disse-lhe o
pai. “Esta será a última vez
que a Sinagoga
vamos frequentar.”
“No porto de
Hamburgo logo embarcaremos
e já estaremos,
antes do fim do mês,
em New York,
nova vida a começar...”
Enquanto seguia
a família pelas ruas,
Joel a cada
prédio observava,
seria a última
vez que os contemplava;
do calçamento
via as grandes pedras nuas...
Quando chegaram
à sinagoga, cruas
cortinas de
estopa cada vitral tapava.
O seu irmão a
razão disto indagava:
“É por causa do
blecaute.” Mas só duas
assim se
achavam. E chamou-lhe a atenção
que o vento
agitava essas cortinas:
Joel notou
estarem os vitrais quebrados!
Antes do
ofício, foi falar com o Sacristão:
“Por que
quebraram essas janelas tão finas?”
“Pelos nazistas
foram apedrejadas ...”
“É por isso que
sinto hoje tanto frio?”
“Não, meu
querido, a coisa é bem pior.
Enfraqueceu-se
a Presença do Senhor
e sobre a Arca
existe agora só um vazio...”
“A Shekinah agora pende por um fio
e logo emigra
para um lugar melhor...”
Em lugar do
rabino foi o Cantor
que presidiu ao
ofício em grande brio.
E para grande
espanto de Joel,
a Oração dos
Mortos entoava...
“Para quem o Kaddish se cantava?”
“É para todo o
povo de Israel...”
Disse-lhe o pai
e logo se calava.
Mas a Presença onde agora se encontrava?
“Quando viajarmos, não mais será entoada;
não mais haverá
um número bastante...” (*)
“Mas por que
vamos?” – disse Joel, instante,
“Nossa família
deverá ser preservada.”
(*) O Kaddish ao pode ser entoado na presença
de dez ou mais judeus.
Joel não
entendeu. “A prece assim cantada
seria agora
pela Shekinah distante?”
“É pela bondade
e decência doravante,”
disse-lhe o
pai. “Delas não há mais nada.”
Nessa semana,
embarcaram no vapor,
que os conduziu
para o Novo Continente,
no qual viver
em segurança poderiam.
Soube Joel mais
tarde, para seu horror,
que a Sinagoga
fora queimada inteiramente
e só carvões em
seu lugar permaneciam.
Os primeiros judeus se instalaram
em Frankfurt-am-Main há novecentos anos.
Em 1933 havia 26.158 judeus vivendo na cidade, depois disso, milhares
emigraram e pelo menos dez mil foram deportados para a Polônia; no final da
guerra, o Exército Norte-Americano ainda encontrou pouco mais de uma centena na
cidade, escondidos em residências de famílias luteranas (em Berlin acharam-se
três mil). Hoje moram 7.300 judeus na cidade, a terceira maior comunidade na
Alemanha, depois de Berlin e de Muenchen. Durante séculos eles foram mais ou
menos deixados em paz, até o advento do nazismo, cuja cúpula era composta por
católicos bávaros, acostumados a escutar que os judeus haviam matado
Cristo. É preciso lembrar que os campos
de extermínio foram localizados na Polônia, para evitar protestos dos alemães,
principalmente luteranos e batistas que os consideravam como descendentes dos
heróis da Bíblia e lhes deram uma certa proteção, não encontrada entre os
católicos, a quem a leitura do Livro Sagrado só foi permitida pelo Papa João
XXIII, que reinou de 28/10/1958 a 3/6/1969, o qual convocou o Concílio Vaticano
II e promoveu o Ecumenismo.
Recanto das Letras
> Autores > William Lagos
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