A ICONOCLASTA & MAIS – 4-13/1/2017
Novas séries de William Lagos
(HAGIA IRENE, ISTAMBUL, EXEMPLO DE IGREJA SUBMETIDA À ICONOCLASTIA, EM QUE SOMENTE FOI PRESERVADA UMA CRUZ SEM IMAGEM HUMANA).
A
ICONOCLASTA I – 23 nov 2007
Ela
subiu ansiosa, aquela noite,
querendo
amor, até meu escritório.
Nunca
antes me aceitara o peditório
de
me encontrar ali, em meigo afoite...
Quando
chegou, acolheu-a como açoite
uma
visão totalmente inesperada:
Callíope,
minha musa, que abraçada
se
encontrava comigo, em puro acoite...
Agarrou-lhe
os cabelos de cimento,
bateu-lhe
o rosto, num assalto vil,
que
a pobre estátua deixou despedaçada!...
Empurrou-a
depois, feroz momento
e
assim a contemplou, "leve e sutil",
vendo
o pescoço quebrado, ao pé da escada!...
A
ICONOCLASTA II – 4 JAN 2017
Naturalmente,
isto é apenas fantasia,
embora
o ato tenha sido sugerido,
caso
algum dia, realmente conseguido
tivesse
a estátua que assim me seduzia...
Mais
de uma vez com o tema brincaria,
que
pelas grades se houvera introduzido
essa
minha musa do jardim florido,
que
nos meus braços se recolheria
Callíope,
essa estátua de cimento,
com
o corpo perfurado para um fio
até
a lâmpada na ponta de seu braço
e
imaginado tivesse um tal portento
originado
em certa noite pelo cio
flutuado
assim empós o meu abraço.
A
ICONOCLASTA III
Seria
a musa realmente milagrosa
que
nesse ídolo de cimento se encarnasse
ou
mais exatamente, acimentasse
e
do canteiro se esgueirasse, em amorosa
peregrinação
de arcana força airosa,
seu
vasto peso pelos ares transportasse
e
à janela do escritório então se alçasse,
qualquer
delicia buscando mais ditosa...
Que
além do inicial milagre alado,
de
algum modo, conseguisse atravessar
essa
grade colocada em proteção,
sem
se quebrar, em branquicento brado
e
sem tampouco as grades entortar,
na
estranha faina de ventre e coração.
A
ICONOCLASTA IV
É
bem verdade que muito me inspirou
e
poderia ter sido até beijada...
Alguma
flor, porém, seria amassada
e
nem um beijo a pobre assim gozou...
Mas
com seus olhos cegos me fitou,
enquanto
em frente a ela, de alma alçada
a
sedução lhe lancei, desamparada...
Quem
sabe a pobre estátua até me amou?
Decerto
até lhe demonstrei desejo,
que
mais não fosse, em agradecimento
por
toda a inspiração que concedia
desses
milhares de versos em arpejo,
projetados
pela dama de cimento,
que
já em mim um certo amor desenvolvia!
A
ICONOCLASTA V
Fora
poupada de iluminar um cemitério,
porque
minha esposa primeiro a adquiriu
e
qualquer casualidade não previu
que
com a estátua cometesse um adultério...
Fisicamente,
seria um despautério:
sensualidade
ali nunca existiu...
Qualquer
modelo barroco lhe serviu,
exceto
a lâmpada que indicou seu puerpério... (*)
(*) Período após o parto de meus versos.
Mas
eu, doente pelo romantismo,
a
contemplava com o olhar vidrado,
por
tantos versos que havia me assoprado
e
quiçá, em algum efeito de truísmo,
projetava
sobre ela o meu amor
e
a falsa tocha devolvia igual ardor...
A
ICONOCLASTA VI
Então
minha esposa tais sonetos leu
em
que a minha estultícia mencionava...
E
num gesto de orgulho, assim zombava:
“Dá-lhe
a chave da cozinha, meu Romeu!...”
Nunca
um momento assim aconteceu,
pois
dessa porta a chave não lhe dava
e
nem ao menos à estátua suplicava:
gélido
encontro teria sido o meu!...
Mas
certo dia, durante brincadeira,
declarou
que, em um ato de azedume,
o
assassinato seria feito a sangue frio!...
Embora,
é claro, esta morte sobranceira
não
causaria jamais o seu ciúme,
já
que a figura estava presa por um fio!
HORMONIA
I – 26 NOV 2007 (*)
Não
quero ouvir-te jurar fidelidade,
nem
pretendo te jurar ser infiel.
Juremos
antes plena liberdade:
quem
for sincero, assim será fiel.
Vamos
jurar apenas, um à outra,
que
ciúmes não teremos, mas apreço.
Casos
de amor são simples adereço,
porém
não amarei a mente doutra.
Quero
somente saber que me precisas
mais
do que a outros, quando houver saudade,
confiante
que, em qualquer necessidade,
estarei
a teu lado, se me avisas...
Porém
de ti... não espero isso sequer:
tua mente é pura, mas o corpo é de
mulher...
(*) Contração
de hormônio e harmonia.
HORMONIA
II – 5 JAN 2017
A
bem verdade, o destino da mulher,
tal
qual lhe é imposto pela biologia,
é
garantir que a sua prole geraria:
a
raça human transmitir é seu mister.
E
pouco importa uma instrução sequer
nem
o grau de inteligência que possuía,
pois
deficiente ou adoentada, poderia
para
uma nova geração filhos prover.
Já
muita vez foi chamada de tragédia
sua
sujeição à força do hormonal,
quando
não grávida, sofrendo Tepeeme, (*)
(*) Tensão Pré-Menstrual.
tema
impotente de mais de uma comédia,
ou
alvo inerme da excitação sexual,
sem
dos próprios sentimentos ter o leme.
HORMONIA
III
Porém
existe uma tragédia ainda maior,
quando
o assédio lhe vem da menopausa
e
a biologia as mutações lhe causa,
seu
corpo descartando-se a propor;
para
a raça já perdeu todo o esplendor
após
ter da ovulação a final pausa,
da
velhice já os sinais como recausa,
o
pobre ventre acometido de torpor.
E
aqui a tragédia: se na própria mente
esse
processo não a perturbasse,
o
acolheria nas brumas do inconsciente
como
o fantasma natural que é
e
para o olvido assim o destinasse,
a
encará-lo com maior ou menor fé.
HORMONIA
IV
Mas
a mulher que é mais inteligente,
que
em seu viver aprendeu com a experiência,
que
do próprio valor tomou consciência,
muito
mais sendo que um ventre, simplesmente,
que
transitou por seus hormônios, impotente,
a
provocar-lhe dúvida e impaciência,
já
envolvida nessa final pendência,
muito
mais sofre por tal fado inclemente.
Dentro
dos âmbitos da civilização,
pode
melhor acolher essa mudança,
com
aceitação e até mesmo desafogo,
qual
liberdade dessa antiga obrigação
desde
a menarca que a tomou ainda criança,
por
trinta anos a queimar no próprio fogo!
HORMONIA
V
Assim,
por sua família protegida,
pode
acolher o papel de conselheira,
gentil
avó, ou sendo mais matreira,
como
bruxa se assumir no fim da vida.
Mas
quem no mundo natural está inserida,
enfrentará
desgraça mais certeira:
caso
não seja herbanária ou então parteira,
pela
tribo será expulsa ou perseguida.
Não
sou eu quem inventou tal situação,
somente
a tenho contemplado em volta
e
minha empatia vem-me encher de mágoa.
Quantas
mantidas pela única razão
dos
bens a herdar quando em ataúde envolta,
no
pranto falso de longos jorros dágua!
HORMONIA
VI
E
só nos tempos dos mais recentes dias,
vê-se
burlando por alguma a triste sina,
com
hormônios químicos que lhe traz a medicina,
por
algum tempo provocadas hormonias...
O
corpo inteiro na saúde que assim crias
e
ao mesmo tempo, o que mais nos fascina,
vencida
a Tepeeme a que a menarca inclina,
quando
a reposição acompanha longas vias.
Este
é o milagre da civilização:
que
do ventre a mulher não mais dependa,
mas
que possa produzir literatura,
arte
e ciência, tal qual homem seu irmão,
não
mais forçada a percorrer tal senda,
na
qual apenas aguardaria a sepultura...
ÁGUA DE CHEIRO I – 27 NOV 07
Este é um amor perfeitamente
impuro,
solene em sua magia
vampiresca,
insidioso em sua saga mais
burlesca,
pois muito mais me exige do
que juro.
Meus valores jogados no
monturo
dessa conversa assim,
novidadesca,
serpentina também,
carnavalesca,
feroz fadário de esplendor
bem duro.
Amor que tanto exigiu por
toda a vida,
malbaratada na exigência
requerida
dessa atenção funesta que
reclama.
Porque perante tal amor não
sou enérgico,
sou indolente, timorato, sou
alérgico,
como a acha de lenha teme a
chama.
ÁGUA DE CHEIRO II – 06 JAN 17
(Embora escrito no dia da Epifania, será
enviado após o Carnaval.)
Bem de longe chegaram os Três
Magos,
como Três Reis por costume
referidos,
vindos do Oriente, decerto
bem nascidos
na Mesopotâmia ou mesmo em
sírios pagos.
A Estrela de Belém de seus
afagos,
por cartógrafos celestes
atrevidos
identificada já foi e
redigidos
alfarrábios conservados sem
estragos,
por astrônomos chineses na
ocasião,
foi supernova tornada estrela
anã,
que os céus encheu com
místico fulgor,,,
Só não entendo por que na
redação
é referida como estrela
temporã,
que se apagou no meio do
esplendor?
ÁGUA DE CHEIRO III
Segundo consta, na capital,
Jerusalém,
os três astrônomos perderam
sua visão
e obrigados a consultar,
foram então
ao Rei Herodes e as sábios que
ali veem,
os quais lhes referiram ser
Belém,
segundo fora escrito de
antemão,
a escolhida como o berço do
varão
que ao povo de Israel traria
o bem.
E o mais estranho dessa
narrativa
é que ao saírem dessa
capital,
a sua estrela enxergaram
novamente.
Qual a razão para essa
recidiva? (*)
Por que a estrela apagou o
seu fanal
nessa cidade, de forma
surpreendente?
(*) Retorno.
ÁGUA DE CHEIRO IV
Trouxeram os magos ouro,
mirra e incenso:
um o “vil metal” e dois a
água de cheiro;
foram perfumes esparzidos no
potreiro
ou queimados em bastões de
olor intenso.
Qual a razão do sacrifício
intenso
ser comparado, em toque
aventureiro,
com esse amor que em meu
soneto abeiro,
minha pequenez ante um fato
tão imenso?
Usavam em carnavais
lança-perfume,
como um prelúdio à longa
travessia
dessa Quaresma de quarenta
dias,
sobre as cabeças a cinza do
azedume,
pelos pecados que então se
cometia
ou que somente no imaginar
fazias...
ÁGUA DE CHEIRO V
Sem dúvida, essas festas mais
antigas,
comparadas com as atuais, tão
atrevidas,
costumavam ser bastante
comedidas,
outros costumes a lhes servir
de aurigas. (*)
(*) Condutores.
Havia temores, restrições
mais inimigas,
feroz a igreja nas penas
atribuídas,
absolvições a serem
concedidas,
às quais a lei civil mostrava
figas...
E quanta gente foi assim
encarcerada
por faltas hoje tidas como
leves,
alguns mesmo a receber pena
de morte!
De hoje o Carnaval mais
batucada
e muita pulação, até nos
bailes coisas breves
comparadas com as “Baladas”
de bom porte!
ÁGUA DE CHEIRO VI
Mas esse amor que recebi em
epifania, (*)
muito distante de algum
carnaval,
foi insidioso em exigência
espiritual,
muito mais que algo sensual
assim seria.
(*) Visitação, chegada.
Por longo anos celebrado como
orgia
dentro da mente, loucura
consensual,
sendo um desejo mais
unilateral,
que empós consumação se
esgueiraria,
para um descarte, mais ou
menos esquecido;
mas houve o fogo, a mente a
incinerar,
muito mais que o coração a se
iludir;
rede neural igual carvão já
consumido,
como um prelúdio à cremação
se demonstrar,
sem que essa estrela
recobrasse o seu luzir.
OBRADOR I – 27 NOV 2007
Eu mesmo que pedi: pedi aos deuses
que mais trabalho nunca me faltasse,
embora a meus ouvidos sussurrasse
uma voz tímida: "e não desejas ter
amores?"
Eu preferi lançá-la ao mar de adeuses
e respondi à voz, que me deixasse.
Tendo trabalho, talvez amealhasse
o suficiente a despertar sexores...
Tem sido assim. Trabalho não me
falta
e me esforço, dia e noite, em traduções.
esfalfo-me, de fato. E distrações
encontro apenas nesta
faina alta
de versos rabiscar, sem ter sequer
nesgas de tempo para amar qualquer...
OBRADOR II – 07 JAN 17
A questão não é o amor, mas a pessoa,
que todo amor traz em si algo de
egoísta:
algo se quer, é preciso que se insista,
quando se envia uma emoção tão boa.
Igual quanto ao sexor: nada destoa.
quantas vezes percorremos esta pista,
carne por carne, o gozo da conquista,
enquanto ao coração nada nos soa.
Mas o que importa é o relacionamento,
até que ponto existe compreensão,
até que ponto se suspende o julgamento,
até que ponto floresce igual alento,
que permaneça após morta a paixão,
como surpresa final tal sentimento,
OBRADOR III
Pois tanta vez há um limite nesse sexo
praticado diariamente por desejo,
necessidade física em arpejo,
manifestada na forma de um amplexo.
Porém se espera que no amor haja mais
nexo,
solidariedade bem maior que um simples
beijo,
por subitâneo e límpido esse ensejo
de um amor súbito de caráter mais
perplexo.
Mas nem o sexo nem o chamado amor
têm importância maior que uma pessoa
por quem se sinta muito mais que ardor,
em sentimento estuante de vigor,
com que o relacionamento se coroa,
na melancólica ausência do esplendor.
OBRADOR IV
Pois quanta vez amor, quer seja
conjugal,
ou com parceiro alheio partilhado,
numa tarefa se descobre transformado,
sem esse espanto que afasta todo o mal.
Então o orgasmo nos chega no final,
esse instante em que o mundo é
descartado
pelo prazer e não por ser amado,
algo de egoísta nessa entrega
consensual.
Muito diverso do amor do romantismo,
talvez melhor nunca sendo consumado,
com o ente que se quer quase
endeusado...
mas novamente se manifesta o egoísmo,
amor do amor que não busca uma pessoa,
mas tão somente num soneto se coroa...
METODOLOGIA
I – 28 NOV 07
Promessa
não te fiz de amor eterno.
De
fato, nem recordo que promessa
eu tenha
proferido, salvo em versos
de sabor
capitoso e tanger terno
nas
cordas meigas de teu coração.
Foi só
aos poucos que a amizade mais espessa
se foi
tornando, por eventos tão diversos,
gota após
gota, em bênção de emoção.
Assim,
nem sei qual resposta oferecer
quando me
indagas afinal se predomina
só o
desejo de a outro corpo pertencer
ou se é
amizade pela alma feminina...
Somente
sei que a mente me domina
um
sentimento que jamais pude entender...
METODOLOGIA
II – 8 JAN 17
Eterno
apenas sendo o amor de hoje,
nunca se
sabe o que o amanhã nos traz;
o amor da
hora que apenas satisfaz,
ao fim da
hora já o amor nos foge.
Eterno
amor que o ontem ao peito aloje,
essa
perpétua e transitória paz,
essa
certeza de mil bondades más,
amor
perfeito que em breve nos enoje...
É bem
melhor que amor não seja eterno,
mas com
cem desilusões intercalado,
após as
quais se o possa refazer,
por
sentimento que se espera seja terno,
nessa
certeza de vê-lo aos poucos dispersado
pela
monótona imprevidência do viver...
METODOLOGIA
III
Que seja
amor tão só impermanente,
que
sempre um leve temor nos despertasse
de que
amanhã talvez nos acabasse,
tal qual
se viu no passado tão frequente.
Que traga
amor em si algo imprudente
a que a
alma temerária se entregasse,
seu fim
pensando que talvez se adiasse,
como se
adia uma morte impenitente.
Que seja
amor apenas de um momento,
enquanto
o fogo ao coração se escute
na
cremação de um imenso sentimento,
tão grande
que só pode se esgarçar,
enquanto
o tique-taque ainda percute,
sem que
se o possa ao menos pespontar...
METODOLOGIA
IV
Que seja
amor sem excesso de esperança,
cada
momento por si mesmo consagrado,
muito
depois lá no fundo relembrado,
tal qual
se lembram tênues tempos de criança;
que se
acumulem ilusórios em bonança,
pelo
porvir cada um adocicado,
cada
momento de tristeza descartado,
na longa
fila de instantes que se alcança...
Pois seja
amor tão só o amor de hoje,
porque
sempre há de surgir um amanhã,
que novas
coisas decerto nos trará,
lascas
roubando desse amor que foge,
amarrado
ao coração com fios de lã,
no
lusco-fusco de um luzir que já não há.
A
MÓ E O ARIEL I – 30 NOV 2007
Nem
sempre amor são gozos. São sevícias,
a
cada vez que exigem mais labores.
Tempo
não sobra a conquistar amores,
suas
artimanhas, seus dotes, suas malícias.
Assim
espero, sabendo ser em vão,
que
me busquem primeiro e se disponham,
por
mais estranho seja o dom que sonham,
a
se me abrirem primeiro o coração.
E
fico assim, olhando de soslaio,
imerso
em meu trabalho, sorrateiro,
como
um rato que livro raro rói,
que
amor me caia ao colo, qual um raio
de
luzes fulgurantes, qual moleiro,
vendo esse
tempo que minha vida sempre mói.
A
MÓ E O ARIEL II – 9 JAN 2017
Amor
farinha pelo tempo esbranquiçado,
amor
guardado em um saco de estamenha, (*)
até
que o tempo de ser usada venha,
amor
de pão sobre o fogo cozinhado.
(*) Estopa.
Amor
de hóstia à vida consagrado,
porém
que em cada refeição se espera tenha
prosperidade
como branda senha,
amor
cozido no forno do passado.
Amor
a vida de um passado já perdido
e
que precisa de ser sempre renovado,
que
não escorra ao longo do caminho,
amor
que seja diariamente consumido,
migalha
breve de um canto terminado,
mas
que ainda expande o fermento do carinho.
A
MÓ E O ARIEL III
Amor
forjado em ferraria, fugitivo,
igual
que açúcar-cândi ou pão-de-ló,
amor
de cárie, no peito que está só,
agridoçura
em um peito redivivo,
amor
de gás azul, sonho furtivo,
sobre
o fogão o farelo desta mó,
amor
composto de acumpliciado nó
em
quem por ele se deixa ser cativo.
Amor
imóvel como um ariel,
sobre
o qual a mó gira, violenta,
o
trigo e a aveia a desfazer, como o centeio,
nesse
estranho casamento sem anel,
em
que o tempo da vida se apresenta.
Inesgotável
como antes nunca veio...
A
MÓ E O ARIEL IV
Amor
que aguardo um dia ainda virá,
como
restolho do final do tempo,
como
baixo-contínuo em contratempo, (*)
que
em seu compasso me conservará.
(*) Notas graves suportando a melodia
sem interrupção.
Amor
de melodia, que não há.
senão
na breve agitação do vento,
Amor
que dorme em cada assentimento,
amor
que a brisa depressa levará.
E
que precisa, destarte, ser fruído
enquanto
o tempo não pare de soprar
a
vida palha, que ainda redemoinha,
amor
de antanho, que já foi cumprido,
mas
que nos pode hoje mesmo sufocar,
como
uma nuvem irrequieta de farinha!
ÁGEIS QUELÔNIOS I – 10 JAN 2017
Já falei antes que para mim é fácil
o borbulhar de tanta inspiração,
em certos dias feita quase maldição,
hora após hora a redigir poema grácil.
A longa esteira torna-se inconsútil,
cada soneto a puxar novo cordão,
magia pura de varinha de condão,
na prata líquida de um cadinho dúctil.
Mas a quem importa que tenha o peito aberto?
Todo este excesso a parecer até defeito,
fole soprando na forja da ocasião.
Que me gabo demais, pensam, por certo,
mas disso tudo tirei um só proveito:
água fervente dentro ao coração!
ÁGEIS QUELÔNIOS II
Ter longas vidas mencionam as tartarugas,
protegidas sob a forte carapaça,
qual uma espessa tapeçaria sem jaça,
seu rendilhado desigual de rugas.
Elas se escondem sem confiar em fugas,
nem as procuram mesmo quando em caça,
pouca mandíbula a existir que faça
nela orifício pelo qual sua carne sugas.
Porém são lentas e no chão se arrastam
e é por isso que em si mesmas se retraem
nas seis passagens por que se contraem
cabeça, patas e cola e assim se bastam,
são misantropos nesse esforço, enfim,
quais literatos em torre de marfim.
ÁGEIS QUELÔNIOS III
E embora em sua marcha sejam
lentas,
para esconder-se têm agilidade:
nesse seu templo de petrificalidade
com muito esforça para abri-las te apresentas!...
Algumas vezes, porém, a água esquentas,
ato guloso de semi-iniquidade,
lançado o bicho nessa oportunidade,
cozido vivo na tocaia que lhe atentas!...
Assim falei que o jorro da poesia
corre no sangue a escaldar o coração,
na morte lenta de um ordálio mau,
nessa tortura que a alma me feria,
enquanto invade os alvéolos do pulmão,
dura torrente em que não se acha um vau.
ÁGEIS QUELÔNIOS IV
Bem ao invés dos quelônios, eu exponho,
todos os membros frágeis e macios,
sob o refluxo dos ferventes rios,
sem lamentar ao golpe mais medonho
de duras críticas, a distribuir meu sonho,
qualquer dos ventos a recolher meus brios,
que ainda me brotam dos extintos cios
de qualquer nexo insatisfeito e assim tristonho!
Assim, de fato, não é nenhuma gabolice,
mas apenas do que ocorre a descrição
desse fenômeno que ainda tento descrever,
quer seja por sapiência ou por tolice,
pois nem sequer é mais inspiração:
chama de fogo que me vejo a recolher!
VESTES DE FOGO I – 11 JAN 17
O ROXO DO CREPÚSCULO O SOL ESPELHA,
ASTRO INCONSTANTE QUE JÁ NOS ABANDONOU
E NO HORIZONTE PARA OUTRO BEM MARCHOU,
QUAL RETORCIDO FIO DE MARAVALHA.
JÁ CHEGA A NOITE COMO PONTO DESSA MALHA,
QUE UMA AO OUTRO SEMPRE ACOMPANHOU,
O ARROXEADO MAIS ESCURO SE TORNOU,
NA SUCESSÃO DOS DOIS SEM QUALQUER FALHA.
DO DIA A POEIRA SÓ SE CONSERVOU
PARA O ROXO DO ARREBOL QUE NOS VIRÁ,
POR MAIS QUE SEJA PELA NOITE CONSUMIDA,
NESSE GRILHÃO QUE DESDE SEMPRE SE
FORJOU,
O DIA-CADÁVER NOS RESSUSCITARÁ,
ENQUANTO A NOITE AO ATAÚDE É RECOLHIDA.
VESTES DE FOGO Ii
SEM QUALQUER DÚVIDA, É O SOL UMA
FOGUEIRA,
ARDENTE BRILHO QUE NO CHÃO SE REPRODUZ,
VESTES DE FOGO EM CADA ROCHA QUE RELUZ,
QUE A NOITE ESPANTA PARA OUTRA
RIBANCEIRA.
JÁ NOS CONTEMPLA ESSA LOURA LUZ
FAGUEIRA,
AS SOMBRAS NEGRAS A EXPULSAR EM BREVE
CRUZ;
NA MADRUGADA, É UM DOM QUE NOS SEDUZ,
AO MEIO-DIA POREM TORNA-SE ALTANEIRA!
DE NOITE A TERRA SÓ DE TREVAS REVESTIDA,
POREM NOS DIZEM QUE, ADIANTE DO
HORIZONTE,
PROSSEGUE O SOL SEU MAGNÍFICO REPONTE...
MAS COMO EU SABEREI SE TEM GUARIDA
ALÉM DOS MONTES, JÁ QUE TAL VISÃO
NUNCA PERCEBO EM MEU PRÓPRIO CORAÇÃO?
VESTES DE FOGO III
APENAS VEJO ESSE CONSTANTE MOVIMENTO
DESDE A FÍMBRIA DO HORIZONTE. SE CAMINHO,
ALGO SE
EXPANDE QUANDO ME AVIZINHO,
ALGO SE ESCONDE, SE NÃO MAIS ATENTO.
SIGO EM BUSCA DO HORIZONTE NUM ALENTO,
PARA ATINGIR ESSE PONTO PEQUENINHO
APÓS OS MONTES... E NESSE AFÃ MESQUINHO,
VEJO O HORIZONTE A FUGIR-ME A SEU
CONTENTO.
E COMO POSSO, EXATAMENTE, TER CERTEZA
DE NÃO SER EU A REAL CAUSA DA VEREDA?
SE A FÍMBRIA EU CRIO, QUANDO ME APROXIMO
E A FÍMBRA EXTINGO, FEITA DE LERDEZA,
QUANDO A DEIXO PARA TRÁS, SEM QUE
CONCEDA
QUALQUER OLHAR PARA O DISTANTE CIMO.
Vestes de fogo iv
SOMENTE ACEITO, POR RACIONALIDADE,
QUE ALÉM DE MIM HAJA LUGAR DIVERSO,
PORÉM ME SINTO O CENTRO DO UNIVERSO,
QUANDO ME EMBASO NA MATERIALIDADE,
POIS OS OBJETOS TÊM GRANDE VARIEDADE,
CADA UM DELES, A MEU OLHAR CONVERSO,
VAI AUMENTADO, PORÉM DO OLHAR DISPERSO
VAI DIMINUÍNDO ATÉ A MINIMALIDADE...
JÁ ME ENSINARAM SER SÓ A PERSPECTIVA:
ATÉ OS PINTORES ANTIGOS FIGURAVAM
O LONGE E O PERTO NUM TAMANHO IGUAL,
EM NEGAÇÃO DA PERCEPÇÃO ATIVA
COM QUE SEUS OLHOS DIMINUÍAM E
AUMENTAVAM
CADA ELEMENTO DA PAISAGEM NATURAL.
VESTES DE FOGO v
QUEM SABE SEJA O SOL QUE O MUNDO QUEIMA
E ASSIM GERA DA NOITE A ESCURIDÃO...
VESTES DE ESCURO QUAIS BORRALHO SÃO,
PROTEGIDAS PELA LUA EM BRANCA TEIMA...
PORÉM SE AQUI SÓ DESCREVO UMA TOLEIMA,
TENHO CERTEZA DE QUE SEMELHANTE SENSAÇÃO
JÁ EXPERIMENTASTE EM MAIS DE UMA
OCASIÃO,
QUANDO DEIXASTE PARA TRÁS O QUE REQUEIMA
E VAIS CRIANDO UM NOVO MUNDO PARA A
FRENTE,
TAL QUAL SE O FOGO NASCESSE DE UM OLHAR
E A ESCURIDÃO DE TEUS OLHOS O PISCAR
E QUE TUDO SE CRIASSE DIFERENTE,
CONFORME O NECESSÁRIO DO MOMENTO,
FLUXO E REFLEXO DO TEU PENSAMENTO...
VESTES DE FOGO Vi
E QUANDO JÁ TE CANSAS DA JORNADA,
TAL E QUAL EM ARROXEADO DE EQUIMOSE,
TORNA-SE O MUNDO JÁ ESCURO POR OSMOSE
DE TEU CANSAÇO, REDUZIDO A QUASE NADA...
E QUANDO MONSTROS TE ASSALTAM DE
EMBOSCADA,
SÃO TEUS TEMORES TRANSPOSTOS EM NEUROSE:
O QUE IMAGINAS A TEU PRÓPRIO MUNDO COZE
E QUANDO O ESQUECES, DESFAZ-SE EM
REVOADA...
ENTÃO ME DIZEM QUE ISTO É SÓ SOLIPSISMO,
TAL QUAL SE O MUNDO PERTENCESSE SÓ A
MIM,
MAS OLHA BEM QUE NÃO O AFIRMO ASSIM...
MAS TE CONCEDO, EM UM ATO DE ALTRUÍSMO,
QUE O UNIVERSO PERTENÇA SÓ A TI,
TALVEZ DIVERSO DE TUDO O QUE ASSISTI...
ALGEROSAS I – 12 JAN 17
Abro a gaveta e vejo interrompida
a ordem em que se achavam os rascunhos,
metalinguagem desconfiada nos meus cunhos,
em temática obviamente repetida.
E certamente, bem antes de esquecida,
terei de procurar novos abrunhos,
erguer as mangas e enrolar os punhos,
na busca ingrata da ordem já perdida.
Vejo que ali se romperam as borrachas
que os mantinham em fila, passo a passo,
para quando achasse tempo de os reter.
Talvez devera redispor em caixas
esses retalhos de meu descompasso,
que nem sequer eu mesmo hei de reler.
ALGEROSAS II
Mas que te importa que tenha reencontrado
mil versos tristes, feitos de abandono?
E que te importa que não seja eu mesmo o dono
de tais rascunhos. qual tenha já afirmado?
Importa apenas que alguns tenha enviado
empós o mundo, sempre de pro Bono, (*)
destinados quiçá ao desabono
ou a louvor qualquer deles consagrado.
(*) De graça, sem pagamento.
O que importa não são letras, mas o olhar
que em desmazelo os venha a perscrutar
e se surpreenda por elas encantado!
O que importa é que outro coração
deixe prender-se sobre eles a visão
e a cor derrame sobre o verso desbotado.
ALGEROSAS III
São algerosas as proteções de zinco
que se instalam ao longo de um telhado
para que o líquido por chuva derramado
seja às calhas conduzido com afinco.
Horizontais ou diagonais em brinco,
disposta a calha em vertical bem empinado,
para o excesso do pluvial ser transportado
até o pátio ou à rua num repinco.
Caso contrário, nas cabeças jorraria
de quaisquer que as pusessem para fora,
chuveiro súbito que em nada agradaria;
e assim transcorre sua missão discreta,
rapidamente levando a chuva embora,
pelas calçadas unindo-se à sarjeta...
ALGEROSAS IV
Estes meus versos de fantástica torrente
como rascunhos ficarão acumulados
se folhas secas a seus despejos adequados
vazão não deem-lhes adequadamente.
Assim de ti preciso, certamente,
que lhes permitas serem transportados
por algerosas e calhas derramados
até o ponto em que os aceites em tua mente.
Talvez alguns já destinem-se à sarjeta
e se derramem no inconsciente coletivo,
outros retidos em teu peito na ocasião,
a despertar em ti essa secreta
memória oculta de um sentimento esquivo
que por momentos te palpite o coração.
FARPAS DE LUZ I – 13 JAN 2017
NA FLUIDEZ VIOLENTA DO DESEJO
TAL COMO ESTRELAS, O FLUXO SEMINAL
EXPLODE FEITO EM COMETA TRIUNFAL
NUM ORGASMO DIUTURNO CADA ENSEJO.
AO SOL E À LUZ DIRETAMENTE ALVEJO,
QUE PARECEM FURTAR-SE A AMOR CARNAL,
SÃO ESPELHOS APENAS, LUZ MORTAL
E NÃO A CAUSA DO AMOR QUE MAIS ALMEJO.
AS NUVENS NÃO SÃO ALVOS, SÃO CORTINAS
CORRIDAS POR ESTRELAS NO SEU PEJO
POR QUE NINGUÉM OBSERVE O QUE ACONTECE
NO ESPLENDOROSO ACOPLAR-SE DESSAS FINAS
PELÍCULAS DE SOMBRA EM SOM DE BEIJO,
NESSA SUA CÓPULA PERFEITA COMO PRECE.
FARPAS DE LUZ II
EM CADA NUVEM O AZUL DO CÉU PERECE,
BRANCOS LENÇÓIS NO LEITO DOS AMORES,
NIMBOS ESCUROS A FORMAR SEUS ESTERTORES
QUAL TEMPESTADE QUE O DESEJO NOS AQUECE.
CADA BULCÃO QUE O CONSCIENTE NOS ACESSE
EXPLODE FINALMENTE EM TAIS FURORES,
CEM GOTAS SEMINAIS OS SEUS ARDORES
AOS SEDENTOS RESPONDENDO TODA A PRECE.
CADA RELÂMPAGO ZIGUEZAGUEANTE ORGASMO
A FECUNDAR A TERRA IMPENITENTE,
TALVEZ A QUEIME MAIS NESSE PRAZER
OU CADA FOLHA DE RELVA NESSE PASMO
SE FECUNDE EM GRAVIDEZ ENVERDESCENTE,
DA FRUTA E TRIGO NO AMADURECER.
FARPAS DE LUZ III
TALVEZ TE PERTURBE A IMAGERIA
SE DESCONHECES DO ORGASMO A EXALTAÇÃO
OU CASO OS TEUS JÁ NO PASSADO ESTÃO,
MAS CADA UM DELES FECUNDAÇÃO TE PROMETIA
MESMO QUANDO A SEMENTE SE PERDIA
AGRESTE APENAS NA IMAGINAÇÃO,
NESSE PARTO DE IDEIAS E EMOÇÃO
QUE A TERMO FINALMENTE CHEGARIA.
E COMO UM PARTO SEM ANESTESIA
PROVOCA DORES NO ABRIR DE UMA CERVIZ
TAMBÉM NA GERAÇÃO PROVOCARIA
DORES DE VERSO PARIDO COM CARINHO
COMO UM FILHO QUE A ALMA SEMPRE QUIS,
PORÉM A RASGA EM DOLOROSO ESPINHO.
Recanto das Letras > Autores >
William Lagos
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