segunda-feira, 11 de março de 2019







AMOR DE CÂMARA XI

Eu nem me esforço por teu amor concreto.
Abstrata, és mais real.   Posso forjar-te
segundo a síntese de meu ideal secreto.
Enquanto a substância, ao contemplar-te,

Se escapa a tal prazer sob as pupilas...
E, no entretanto, quando enfim te abraço
E nesse teu ardor, por mim cintilas,
Teu dom carnal preenche todo o espaço...

Como endorfinas então o meu marasmo!
Tal como a música, teu corpo me consola,
Durante os dias bons e os dias maus...

Pois me renovo em ti, em tal orgasmo:
Sempre é um antídoto, nesta vida tola,
Fazer amor com a música de Strauss...

AMOR DE CÂMARA XII [thanks, Nevin!...]

Teus beijos, para mim, são como pérolas
ensandecidas no fado dos desejos...
São colares de preces, esse beijos,
intercalados de ausência, como férulas...

Que me azorragam e me deixam pálido,
inconseqüente, embora em vezo permanente.
Teus beijos são sonidos, são fremente
cintilação de carne, nesse inválido

fulgor.  Que em tais momentos, feitos loucos,
todo o concreto se transmuta em ilusões,
por mais me agrade teus gemidos escutar...

Misturados aos meus.   Suspiros roucos,
que para mim ressoam quais canções,
fazendo amor com Schubert no ar...

AMOR DE CÃMARA XIII

Eu sinto a solidão como a palpável
parede de sorrisos de indulgência
com que encaro o mundo, essa paciência
de longanimidade imponderável.

E vejo o mundo assim, tal qual miragem
de demiurgo talvez...  Em que me insiro
como observador...  Em que me inspiro
ao descrever dos outros a passagem.

Nesse favor com que a mim mesmo acorro
e beijo a própria imagem, que me beija,
nos permanentes amores transitórios...

Que então me levam a buscar certo socorro
nos braços de quem sei que me deseja,
amor fazendo aos acordes de Praetorius...

AMOR DE CÂMARA XIV

Sempre que estou contigo, dentro em mim
ressoa o acorde de estranha melodia.
Por vezes, nem recorda uma harmonia...
Por vezes sei, quanto eu escuto assim...

É como se teu rosto, se teus olhos
criassem pentagramas em meu ser.
Ao te beijar, escuto a reviver
sabor de onda a esbater escolhos...

                     E retorno tal música a escutar

                e nela encontro singular abrigo,

                porque sinto de ti tremenda fome...


Ela me leva ao passado e a pensar
só no prazer de, quando estou contigo,
fazer amor ao som desse Albinoni...

AMOR DE CÂMARA XV – 30 out 2007

Já na minha vida o coração se agita
em ritmo diferente dos de outrora...
Desejos permanecem, muito embora
a forma em consumá-los, esta aflita

espera por um bem mais ardiloso
do que o simples fruir de um dom concreto
queira algo mais suntuoso e mais discreto:
que seja humilde, mas revista de orgulhoso

este anseio transitório e duradouro:
amor de barro envolto em fólio de ouro,
fama obscura e estética assimétrica,

austera e sibarítica, serpentina ética.
E enquanto faço amor, meu coração se move
perante a música de Rimsky-Korsakov.


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