THANATOS
& MAIS
THANATOS
I – 5 abr 18
“A morte chove um dia
sobre nós
o seu profundo,
espesso e escuro sono.” (*)
Nossos olhos a fechar
em abandono,
nossos ossos
amolgando entre suas mós.
(*) Sappho, poetisa
grega do século VI a.C.
Igual quebrando da
nogueira a noz,
à nossa vida dá seu
final abono,
acidente ou doença em
seu destono,
ou da velhice
amargurados pós.
Para muitos sendo já
consolação,
enquanto a outros
assalta de tocaia,
no inesperado
esplendor da novidade,
os surpreendidos sem
saber aonde vão,
filosofando alguns
ser tudo Maya,
vida e morte as
ilusões da eternidade.
THANATOS II
Bem raramente vindo
por escolha nossa,
que até mesmo em
desespero o suicida
mal sabe se apressou o
fim da vida,
que alguém de Átropos
antecipar o corte possa;
quem nos diz que tal
revólver que destroça,
algum punhal ou a
corda bem prendida,
qualquer veneno ou
queda desabrida
ou mesmo a água
turbulenta de uma fossa,
não correspondem já às
previsões
de Clotho ou de Laquesis
tão austeras
ou que as Moiras nos
meçam com sorriso?
Recebido talvez se não
o esperas,
Thanatos chega
frequente e sem aviso,
na inevitável precessão
das gerações.
THANATOS
III
Entre
os germanos, os nórdicos e os ingleses,
“o”
Morte é um ceifador bem masculino;
entre
os gregos também cumpre esse destino
o
semideus imortal ao fim dos meses...
entre
os latinos, italianos e franceses
mostra-se
a morte qual deidade feminina,
a “Mãe
Oposta”, que tanto nos fascina,
de Roma
vinda para os portugueses...
São “O
Morte e a Donzela” tema antigo
entre
os setentrionais. Schubert até
um
soneto musicou e o ampliou,
para em
quarteto de cordas dar-lhe abrigo,
bem
mais cruel essa imagem para a fé,
guerreiro
negro que a nós sempre devorou.
THANATOS
IV
Para os
judeus, dois anjos coexistem,
Dumah,
a presidir ao nascimento;
e
Azrael, a dominar o passamento,
sempre
presentes, sem que jamais se avistem.
As duas
tendências igualmente nos assistem
em “O
Terceiro Hóspede” seu assento,
para B.
Traven, em másculo portento:
El
Peregrino e El Charro mesmo insistem
por
metade de um peru e nada ganham,
sendo
Jesus e o Maligno, realmente,
porém
El Magro obtém a sua metade.
Macário
e a Morte em luta não se assanham:
bem ao
contrário, é a deidade bem clemente
e ao
lenhador retribui com liberdade.
THANATOS V
Não há espanto.
Considere os mexicanos,
descendentes da
cultura dos toltecas
e das sanhas
assassinas dos aztecas,
a morte acesso dando a
certos ganhos;
dependendo de seu
tipo, seus amanhos,
de tua morte – e não
se és bom ou pecas –
ao céu irás de algum
deus ou te ressecas
em um inferno dos mais
temíveis lanhos.
Entre os fenícios a
morte era uma honra,
entre os gregos,
esquecimento e Hades,
entre os romanos, o
Orco com sua fome;
entre os vikings,
morte em paz até desonra,
variadas
interpretações aonde vades,
embora sempre tal
corte a vida dome.
THANATOS
VI
Contudo, para nós,
Morte Mulher
sempre nos traz
conotação materna,
bem mais fácil de se
crer na vida eterna,
se o seio que
amamenta igual nos quer...
A conduzir para onde
for o seu mister,
temor maior na
ordenação paterna,
que na visita de uma
entidade terna
a nos chamar quando a
hora nos vier...
Criou-nos Sappho a
imagem dessa chuva,
contrária a essa do
sangue derramado,
a envolver-nos de
frescor qual doce luva;
porém somente a morte
alheia eu vi,
qualquer que seja o
mistério revelado,
quando chegar, já não
me encontro aqui.
VOZES SEM ECO I – 6 ABR 2018
Nem sempre tem a voz correspondente.
Algumas vezes, só grita em solidão,
poucos têm gana por nossa opinião,
antes a frase se dissolve, adstringente;
em outras vezes, a opinião é surpreendente,
muito diversa das que correntes são,
caso em que traz espanto e confusão;
descartá-la é bem melhor, incontinenti.
De outras vezes, irá remar contra a maré,
caso pretenda ter a autenticidade,
que a multidão simplesmente nos abafa,
satisfeita, dos preconceitos no sopé,
sem aceitar qualquer pungente novidade
e esse trabalho nos remos nos estafa!
VOZES SEM ECO II
Remador acorrentado em sua galera,
o seu destino realmente era morrer,
quando afundasse o barco, sem poder
libertar-se dos grilhões que a lei lhe gera.
E até mesmo este termo, considera
como foi transformado por querer,
que “galeria” foi podada com prazer,
na fantasia de quem o aplauso espera.
Mas nem por isso deixarás de ser galé,
se te deixares desse modo acorrentar
a um modismo qualquer que esteja em voga,
arrastada sendo assim pela maré,
até o barco dessa moda se afundar,
quando tua própria opinião nele se afoga!
VOZES SEM ECO III
Assim se passa quando alguns valores
que desposaram as antigas gerações
são desprezados pelas multidões
que só enxergam no fácil esplendores,
suas frases repetitivas de estridores,
com rimas pobres e sem conotações,
muito mais cômodas que poéticas visões
ou frases tolas de loucos estertores;
mas geralmente só se impõe o original
após sua morte, quando algum esperto
quer publicar de graça o que escreveu,
do mesmo modo que na arte pictorial,
quadros comprados para investimento certo,
não pelo belo que alguém neles escondeu!
ACIDENTES NA PENUMBRA 1 – 7 ABRIL 2018
Em Ingenieros encontrei esta expressão,
na alegoria de um pastor ignorante
que o crepúsculo contempla assim vibrante,
ensimesmado apenas na ocasião.
Não é capaz de a palavras dar moção,
apenas olha o cenário descorante,
escala cinza a tornar-se dominante,
sono e cansaço a dominar-lhe o coração.
Lembra ser hora de levar a seu aprisco,
após reuni-lo, o rebanho das ovelhas
só quando os lobos começam já a uivar;
então percebe, finalmente, estar em risco,
seus animais a conduzir por sendas velhas,
sem qualquer vereda nova a originar.
ACIDENTES NA PENUMBRA
2
De modo igual, quanta gente se acalenta
no cinzor crepuscular circunjacente,
sua percepção da cor pouco eficiente:
somente aceita o que à vista se apresenta.
O sol se põe e em nada o descontenta,
tão só o domina um cansaço deprimente,
sua reação apenas contingente,
que a fome do jantar já o apoquenta...
Só é capaz de continuar na mesma trilha
ou em sua pedra assente, sossegado,
até escutar qualquer sirene do perigo;
percorre então a costumeira milha,
para abancar-se à mesa, já esfaimado,
nessa rotina que o conduz até o jazitgo.
ACIDENTES NA PENUMBRO 3
É então que o uivar do lobo é dominante,
qualquer que seja esse comunicador,
que na TV ou celular o seu favor
obtém, só por achá-lo interessante;
seguindo assim um demagogo delirante,
pois difícil é pensar (e tem-lhe horror!),
repetindo as opiniões qual servidor
nesse crepúsculo que da tela é ofuscante.
Sempre foi fácil dominar as multidões,
mas nunca como agora são reunidas,
viralizando qualquer “meme” que ressumbra; (*)
(*) Esta expressão hoje corrente é errônea; em português, é
“mima”
e o termo inglês se pronunia “mime”.
mas não se aceita só de compras sugestões,
frases alheias servilmente repetidas
por esses tantos acidentes na penumbra!
EPICURO
E ARISTIPO I – 8 ABR 18
muitos
procuram ter austeridade,
alguns
outros o meio-termo conhecer,
outros
na vida buscando só o prazer
e
alguns caminham sempre empós a novidade.
não
há dicotomia, na verdade,
entre
o prazer e a dor, a nos fazer
oscilar
entre o mal e o que se quer,
sem
que intervenha a racionalidade.
convencionou-se
chamar de epicurismo
a
esta doutrina do prazer maior,
que
se opõe diretamente à do estoicismo;
esta
proclama a equanimidade
perante
quaisquer assaltos dessa dor,
que
cedo ou tarde nos domina em sua maldade.
EPICURO
E ARISTIPO II
um
erro existe nesta interpretação,
pois
os estóicos não buscavam qualquer dor,
só
afirmavam ser inevitável tal pendor,
a
recebê-lo com tranquila aceitação,
sem
os queixumes que geralmente vão
brotar
da boca das pessoas nesse horror
ou
de sua previsão tendo temor
a
mais comum e frequente reação;
devia
o filósofo aceitar o sofrimento,
sem
buscá-lo, mas igualmente sem gemer,
só
ruído inútil para aos demais incomodar,
mas
suportá-lo até seu passamento,
fosse
em alívio ou por morte nos trazer,
sem
pena alheia inutilmente suplicar.
EPICURO
E ARISTIPO III
também
epicuro é mal interpretado;
era
aristipo que buscava só o prazer:
“a
vida é curta, vamos assim colher
todo
o prazer que nos seja apresentado!”
para
aristipo deveria ser buscado
qualquer
gozo material, sem escolher,
por
mais diverso o tipo, em seu viver,
todo
momento a ser aproveitado.
deveria
ser chamada aristipismo
esta
faceta da filosofia cirenaica,
desenvolvida
no século quarto a.C.
e
não lançada assim ao epicurismo
a
pecha de grosseria tão prosaica,
na
busca egoísta de tudo o que se vê.
EPICURO
E ARISTIPO IV
queria
epicuro o prazer intelectual,
o
filosófico gozo e o prazer da arte
seriam
alvo para a vida e, destarte,
pouco
valor dado ao simples material;
mais
uma busca do valor espiritual
que
beber vinho ou de banquetes tomar parte;
não
que declare simplesmente o seu descarte
ou
que se deva apartar do amor sexual,
mas
entre a satisfação mais do sensual,
por
sua própria natureza transitória,
realizações
de caráter permanente,
tanto
quanto o possa ser para o mortal,
mas
no cambiante da existência peremptória,
mais
duradoura a reflexão da mente.
EPICURO
E ARISTIPO V
para
epicuro todo ânsia satisfeita
a
morte alcança em tal satisfação,
mas
o que brota da alma e da emoção
é
aproveitado três vezes de uma feita:
há
o antegozo, preparação estreita
para
das musas receber inspiração
ou
contemplar, na palma de sua mão,
a
qualquer obra que o imaginário aleita.
depois
a obra se contempla ou a pintura;
cedo
se acorda para ver nascer o sol
ou
o perfume que trescala da parreira;
e
finalmente, a recordação perdura
dessa
delícia captada pelo anzol
da
mente mágica, que a conserva inteira.
COISA PRETA I – 9 ABRIL 2018
é costumeiro se dizer que fica preta
qualquer coisa que nos traga
inquietação;
há quem insista que tal afirmação
é de racismo uma asserção secreta;
porém quem assim pensa o seu projeta,
que a tempestade é negra em seu bulcão,
a noite é preta em sua escuridão,
negra a ferida que infecção afeta.
e referir-se deste modo à pele escura
é ignorância de sua real etimologia;
vermelho é o sangue quando não se
estanca;
na juventude, a cabeça se emoldura
pelos tons negros ou louros que se via,
mas na velhice, a coisa fica branca!
COISA PRETA II
assim, maugrado quaisquer
tons de zombaria
com que esse velho ditado
se esconjura,
a cor da pele só breve
tempo dura
após a carne haver
transposto a agonia.
embora a morte em vestes pretas
se diria.
esse pretume é
transitório nessa agrura;
o negro ou o branco, em
sua final postura,
só ossos
branco-amarelados mostraria.
e a palidez funérea em
sua brancura,
ou acinzentada, se mais
forte a melanina,
no desmaio, o tom da pele
se desbanca;
a coisa fica preta e mais
escura;
centelhas brilham nos
olhos em tal sina;
verde a esperança,
desbota e fica branca!...
COISA PRETA III
contudo sei como é difícil contrariar
desvirtuamento de qualquer ditado;
sempre haverá quem quiser ser engraçado
e de um afrobrasileiro assim troçar;
e mais ainda, após se ver criar
o tal sistema de quotas deformado,
um gêmeo aceito e outro rejeitado,
por um capricho arbitrário no aplicar.
queria o tempo voltasse e, em
documento,
ser proibido a cor da pele mencionar;
brancos ou pardos, somos todos
brasileiros;
ser índio o negro suprimido desse
assento,
todos iguais, constituição a reafirmar,
sem distinções para o proveito de
terceiros!
BRAVURA I – 10
ABR 18
“Existe um certo
heroísmo na mulher
que nunca alcança o valor de qualquer homem.”
(*) Sir Arthur Conan Doyle
De fato, não suporta
homem normal
Metade dessa agrura que a
consome;
Mais facilmente a se
queixar de fome
E a desistir ante
obstáculo social.
Ela sustenta o percalço
conjugal
E sabendo manobrar
qualquer que a tome,
Governa realmente a quem
renome
Somente tem de ser seu
chefe natural.
Muito melhor suporta
qualquer dor
E por seus filhos
enfrenta sacrifício;
Sabe ser mãe e irmã de
seu marido,
Sua energia renovada pelo
amor,
Manter o lar coeso é seu
ofício,
Por mais que o cônjuge se
tenha envilecido.
BRAVURA II
Nas exceções, é claro, há
graduação;
Mas umas menos, outras
mais, são heroínas
Que ninguém lembra,
tranquilas em suas sinas,
Da sociedade o pilar e a
afirmação.
Mas nem sempre vem do
amor igual ação;
Algumas vezes, é o rancor
dessas meninas
Que o lar sustenta, suas
raivas pequeninas
As fortalecem para tal
sustentação.
Hão de dizer que só as
amélias são assim,
Como a “mulher de
verdade” da canção
E mais agora que há
“Maria da Penha”,
Classificando cada vez
mais para esse fim
Até atitudes que
inocentes são:
Talvez tão só um
galanteio que lhe venha.
BRAVURA III
Não sei se havia antes
mais respeito
Ou se é mesmo a
decadência dos costumes;
Talvez soubessem
demonstrar maiores lumes,
Quieta a defesa de quanto
é seu direito;
Ou então submetiam seu
despeito
Numa atitude contrária
aos novos cumes,
Já que hoje vês, aonde
quer que rumes
A criação de novas leis
de tom suspeito.
De qualquer modo, quando
houver dominação,
Para a denúncia é preciso
mais bravura,
Ou para suportá-la mais
coragem?
Se fossem homens nessa
situação,
Disporiam do ingrediente
necessário
Para poderem suportar
igual voragem?
BRAVURA IV
Sabe a mulher suportar
melhor a ausência,
Nessa quietude da espera
dolorosa,
Muito mais firme o talo
dessa rosa
Que a haste mole do cravo
tem potência.
As coisas trocam hoje de
tendência,
Pois da mulher se
esperava ser garbosa,
No máximo a mostrar-se
carinhosa,
Cabendo ao homem
procurá-la em insistência.
Mas hoje saem às ruas,
até escolhem
Quanto parceiro despertar
o seu desejo,
Sem depender dos ganhos
de um marido
E as presenças dos filhos
não as tolhem:
Deixam na creche com
amoroso beijo,
Vão para o emprego com
peito desabrido!
BRAVURA V
Mesmo a palavra “Bravura”
é feminina;
Tem a “Coragem” igual
categoria
E “Resiliência”, que renovar faria
Suas energias de forma
cristalina.
Igualmente a ser mulher
ou assim se afina
A Renovação, a
Persistência e a Mais-Valia;
Sabe a mulher conservar
aberta a via
Por pior que lhe aparente
ser a sina.
E como são receptáculos
da raça,
Resistem mais a desastres
e a doenças
Do que homens, que
aparentam melhor porte,
Enfrentando bem melhor a
sua desgraça,
Alicerçadas em quaisquer
sejam suas crenças,
Indubitavelmente a ser o
Sexo Forte!
RESTAURAÇÃO I – 11
ABRIL 2018
Se, por acaso, hoje
perder o sono,
volto de novo para
passar a limpo
originais rascunhados
com afinco,
que tantos meses
deixei no abandono,
somente a poeira
constituindo o seu abono,
mas os farrapos de
papel mantendo o vinco,
a restaurar-lhes em
parte o antigo brinco,
mesmo esquecido
parcialmente o seu entono.
Tal impulso retomei,
de certo modo,
não mais covarde
perante esse tamanho
da vasta pilha de
papelucho ou de cartão,
não obstante ainda
aumentada com denodo,
mesmo agora a
acrescentar-lhe o amanho
dos novos versos a me
brotar do coração.
RESTAURAÇÃO II
Mas, afinal, se
chegaste até aqui,
o que te importa,
leitor, se explico ou não
esta demora em renovar
demão
destas paredes já
mofadas que esqueci?
Bem reconheço que, de
novo, persegui,
uma tematica referida
de antemão,
só um exercício
desnudo de emoção;
é uma desculpa a
justificar-se ali
ou uma forma de expor
a minha vaidade
pela estridência de
tal repetição?
Nem para mim vejo aqui
uma atração,
mas gabolice
entronizada em eternidade...
Talvez buscasse aqui
qualquer piada,
porém concluo sem
restaurar mais nada!
RESTAURAÇÃO III
Não é assim. Destes versos tenho pena
e nesse atraso só
posso ter remorso;
as veias correm de
minha mão no dorso,
espicaçadas pela pilha
que a condena.
Talvez eu sinta, ao
invés, que se despena,
diariamente, a
potência de meu dorso
e então me aplique com
maior esforço
a introduzir um novo
canto para a cena.
Porém se já antes
redigi tantas estrofes,
muito melhores que os
rascunhos deste dia,
porque insisto em
completar tolo poema?
Não me surpreende se
de mim tu mofes,
quando contemplo com
troça e zombaria
este apanhado
incestuoso em seu dilema!
A
HONRA E A DONZELA 1 – 12 ABRIL 18
Como
era estranha essa Cavalaria
Andante
do período medieval!
A
honra e a glória afirmando por ideal,
Por
uma luva ou lenço se morria!
O
espantoso é que, de fato, isto ocorria
Na
Média Idade Média esse caudal,
Nos
embates sem motivo natural
Desconhecidos
simplesmente mataria!
Na
esperança de realizar um feito d’armas
Que
no futuro ninguém mais lembraria;
Só
uma gesta, talvez, se escreveria,
Bem
guirlandada para mais alarmas,
Dragões
e monstros de pura fancaria,
Não
outro humano cuja vida extinguiria!
A
HONRA E A DONZELA 2
Bem
nos fala Camões dos pretensiosos
Empreendimentos
que lhes grangeavam fama
E
para feitos verdadeiros tal reclama
Por
seus atos realmente “valerosos”.
Mesmo
sendo os combates tenebrosos,
A
situação dos soldados não proclama,
Dos
marinheiros perecidos numa chama
Ou
afogados nos mares tumultuosos.
Já
Cervantes seu cavaleiro enlouqueceu
Por
ler romances de cavalaria,
Até
encontrar-se numa corte verdadeira,
Em
que um nobre senhor o recebeu,
Que
sua loucura em nada contraria,
Mas
em gaiola o manda à casa hospitaleira.
A HONRA E A
DONZELA 3
Não
obstante, houve mesmo cavaleiros,
Como Amadis
de Gaula ou como Orlando,
Que o nome
teve por nascer rolando,
Sua mãe o
dando à luz sob uns amieiros...
Ou os Doze
Pares de França, bons guerreiros,
De Carlos
Magno combatendo a mando,
Em
Roncesvalles a sua morte achando...
(Não são
errantes estes cavalheiros).
Mas à Alta
Idade Média pertenceram,
Antes que o
Ano Mil os atingisse;
Só que os
heróis da Távola Redonda
Não sei se
algum dia até viveram,
Talvez em
século anterior ao que nos disse
“Le Mort
d’Arthur” em portentosa onda.
A HONRA E A
DONZELA 4
Já o apogeu
do Cavaleiro Andante
Só ocorreu
duranrte o feudalismo,
Mas sem ter
muito desse romantismo
Com que sua
gesta se torna interessante.
Em geral,
sem herdar algo importante,
Irmão mais
velho o senhor sem divisismo,
Não possuiam
terras, pois então era o modismo
Que só o
morgado fosse senhor desse montante.
Eles andavam
mais à cata de conquista,
Na aquisição
de terras e um castelo,
A pura honra
apenas secundária,
Filhos
segundos e terceiros nessa pista,
Pretendendo
honrar somente um rosto belo,
Mas a
casar-se com herdeira milionária.
A
HONRA E A DONZELA 5
Quando
realizam mesmo uma proeza
Para
um rei ou um nobre que os adote,
O
seu sangue a trocar por áureo dote,
Garantem
em tal mansão lugar à mesa!
E
na falta de uma noiva, com certeza,
Para
as Cruzadas lançavam-se num bote,
Querendo
terras ganhar, em bravo escote
Aos
muçulmanos e até mesmo a realeza!
Infelizmente,
não achavam seus gigantes
E
quando histórias falavam de dragões,
Haviam
no máximo avistado os elefantes;
Mas
certamene percorriam a paisagem,
Aqui
e ali enfrentando alguns barões,
Para
morrer ou trucidá-los com coragem!
A
HONRA E A DONZELA 6
Não
estou livre de redigir alguma história
Que
perpetue a ilusão do romantismo,
Demônios
a enfrentar em seu abismo,
Em
sua impertérrita batalha pela glória!
Só
imagino de que modo uma vitória
Seria
obtida contra alado cataclismo,
Cuspindo
fogo e cozinhando, sem sofismo,
O
cavaleiro em sua armadura inglória!
Não
obstante, é bonito se pensar
Nessas
justas e combates singulares
Em
uma época que, de fato, foi real,
Sangue
e ossos quebrados a encontrar,
Após
a sorte do combate e seus azares...
Quem
sabe escreva gesta épica afinal!
PALAVRAS
E LUGARES I – 13 ABR 18
Nem
sempre a gente acorda despertado,
Algumas
vezes meio serotoninizado!
Os
olhos ainda engomados de ramelas,
Comichões
a percorrer nossas costelas!
Então
as horas tenta-se espiar
Ainda
os olhos embaçados a piscar!
E
tendo sede, a gente mal se safa,
Bebe
o relógio e olha as horas na garrafa!
Ainda
os ombros e as pernas entanguidos,
Que
demais tempo ficaram encolhidos!
As
entranhas percorridas pelos gases,
Que
nos inspiram a enfrentar diversas fases!
A
fim de despertar, lava-se o rosto,
Durante
o inverno, certo esse desgosto!
Mas
o que menos nos inspira em tal retoço
É
passar a água fria no pescoço!
PALAVRAS
E LUGARES II
E
enquanto o sono ainda não passou,
Até
se esquece o lugar que se escovou!
Alguns
dentes a polir três, quatro vezes,
Alguns
outros sem limpar por vários meses!
Passa-se a escova na bochecha e pela língua,
Se
machucar, pode causar-nos íngua!
Mas
é preciso limpar bem o nariz,
Senão
espirros esternutam chafariz!
E
mal se acerta dos ouvidos os lugares,
Porém
comicham, caso então não os limpares!
Talvez
seja precisa a chuveirada,
A
preparar-nos para a madrugada!
Quando
o sono foi pouco demorado
E
então se acorda para o dia mais cansado!
Xampu
ou sabonete nas melenas,
Com
sua ardência os olhos te envenenas!
PALAVRAS
E LUGARES III
Palavras
balbuciando nesse pejo,
Frequentemente
entrecortadas por bocejo!
Após
o banho, quando em busca do café,
Forte
topada no dedão do pé!
Uma
palavra proibida sobe à boca,
Que
não repito aqui, pois não se enfoca!
O
estômago insatisfeito firme ronca,
Se
ignorado, a nos dar a maior bronca!
Surgem
palavras a brotar desses lugares,
Os
sons indelicados dos pasmares!
Zumbidos
dos ouvidos têm a lavra,
Algum
chiado no nariz tem a palavra!
Os
ossos, pouco a pouco, a estalar,
Feias palavras demarcando seu lugar!
Até
que enfim, por força do exercício,
Á
multidão dos barulhos corta o vício!
Palavras
cessam, ficam os lugares,
Para
enfrentar de novo dia os seus azares!
MIRADOURO
I – 14 ABRIL 2018
É
nos olhos dos outros que nos vemos,
bem
mais que nos espelhos ou nas taças;
os
vidros têm defeito; a prata, jaças
e
a água ondula nas bacias que sustemos;
somente
os olhos dos outros são supremos
juízes
da pessoa, quer lhes faças
o
bem ou o mal, mesmo vendo ser escassas
as
ocasiões em que suas lágrimas bebemos,
quando
o reflexo escorre por suas faces
e
logo se desventra em mil cristais,
mas
as pupilas se acendem, são mortais
obturadores
que te filmam aonde passes;
se
sob as pálpebras se escondem, nós, jamais,
nos
recompomos à luz de seus repasses.
MIRADOURO
II
Ah,
duplo meu, que sempre me ajudaste,
de
minha faina poética à profia,
eu
reconheço a tua companhia
e
os trunfos com que sempre me auxiliaste;
enquanto
durmo, sempre trabalhaste,
alisando
os caminhos da anarquia,
sempre
fiel amigo, se eu perdia
o
apoio dos demais, quebrada a haste;
em
ti me vejo, amigo e companheiro,
somente
tu a partilhar todos meus gostos,
bebes
comigo o licor raro e o corriqueiro,
comigo
provas dos trigos e dos mostos,
nas
tuas pupilas o meu olhar certeiro,
em
ti os deveres que por mim te são impostos.
MIRADOURO
III
É
difícil decifrar teus próprios olhos,
sempre
te mostram qualquer condescendência,
mesmo
que envoltos de remorsos nas tendências,
são
protegidos dos cílios nos refolhos,
maiores
sejam da culpa os seus escolhos,
maior
que seja o cansaço das dormências,
satisfação
a encontrar nas reverências,,
sempre
as pálpebras lhes servem como antolhos.
Ou
te condenam com rigor em demasia
ou
te absolvem de qualquer culpa cometida,
tua
decadência do semblante a disfarçar,
que
jamais a idoneidade vê-se ali,
pois
são teus olhos o espelho de tua vida,
somente
mostram quanto queres enxergar.
MIRADOURO
IV
Por
isso o rosto quero ver nesses teus olhos,
leve
rancor se, por acaso, te impulsione,
haverá
amor sempre no fundo de tal cone,
algum
oásis na miragem dos abrolhos;
maior
carinho mostrado em seus refolhos,
bem
lá no fundo, por mais que amor a dome,
malícia
ou crítica sincera te consome,
desatenção
ou ironia os teus espólios;
porque
meu duplo especular ali se agita,
nas
várias dimensões do teu olhar;
para
mim mesmo sorrio ou vou zombar;
que
em tuas pupilas vera imagem se concita,
a
refletir meu sucesso ou minha desdita,
conforme
saibas nesse instante me avaliar!
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William Lagos
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