quarta-feira, 6 de março de 2019



THANATOS & MAIS
WILLIAM LAGOS, 5/14 ABRIL 2018


THANATOS I – 5 abr 18
“A morte chove um dia sobre nós
o seu profundo, espesso e escuro sono.” (*)
Nossos olhos a fechar em abandono,
nossos ossos amolgando entre suas mós.
(*) Sappho, poetisa grega do século VI a.C.

Igual quebrando da nogueira a noz,
à nossa vida dá seu final abono,
acidente ou doença em seu destono,
ou da velhice amargurados pós.

Para muitos sendo já consolação,
enquanto a outros assalta de tocaia,
no inesperado esplendor da novidade,


os surpreendidos sem saber aonde vão,
filosofando alguns ser tudo Maya,
vida e morte as ilusões da eternidade.

THANATOS II

Bem raramente vindo por escolha nossa,
que até mesmo em desespero o suicida
mal sabe se apressou o fim da vida,
que alguém de Átropos antecipar o corte possa;

quem nos diz que tal revólver que destroça,
algum punhal ou a corda bem prendida,
qualquer veneno ou queda desabrida
ou mesmo a água turbulenta de uma fossa,

não correspondem já às previsões
de Clotho ou de Laquesis tão austeras
ou que as Moiras nos meçam com sorriso?

Recebido talvez se não o esperas,
Thanatos chega frequente e sem aviso,
na inevitável precessão das gerações.

THANATOS III

Entre os germanos, os nórdicos e os ingleses,
“o” Morte é um ceifador bem masculino;

entre os gregos também cumpre esse destino
o semideus imortal ao fim dos meses...

entre os latinos, italianos e franceses
mostra-se a morte qual deidade feminina,
a “Mãe Oposta”, que tanto nos fascina,
de Roma vinda para os portugueses...

São “O Morte e a Donzela” tema antigo
entre os setentrionais.  Schubert até
um soneto musicou e o ampliou,

para em quarteto de cordas dar-lhe abrigo,
bem mais cruel essa imagem para a fé,
guerreiro negro que a nós sempre devorou.

THANATOS IV

Para os judeus, dois anjos coexistem,
Dumah, a presidir ao nascimento;
e Azrael, a dominar o passamento,
sempre presentes, sem que jamais se avistem.

As duas tendências igualmente nos assistem
em “O Terceiro Hóspede” seu assento,
para B. Traven, em másculo portento:
El Peregrino e El Charro mesmo insistem


por metade de um peru e nada ganham,
sendo Jesus e o Maligno, realmente,
porém El Magro obtém a sua metade.

Macário e a Morte em luta não se assanham:
bem ao contrário, é a deidade bem clemente
e ao lenhador retribui com liberdade.

THANATOS V

Não há espanto. Considere os mexicanos,
descendentes da cultura dos toltecas
e das sanhas assassinas dos aztecas,
a morte acesso dando a certos ganhos;

dependendo de seu tipo, seus amanhos,
de tua morte – e não se és bom ou pecas –
ao céu irás de algum deus ou te ressecas
em um inferno dos mais temíveis lanhos.

Entre os fenícios a morte era uma honra,
entre os gregos, esquecimento e Hades,
entre os romanos, o Orco com sua fome;

entre os vikings, morte em paz até desonra,
variadas interpretações aonde vades,
embora sempre tal corte a vida dome.


THANATOS VI
Contudo, para nós, Morte Mulher
sempre nos traz conotação materna,
bem mais fácil de se crer na vida eterna,
se o seio que amamenta igual nos quer...

A conduzir para onde for o seu mister,
temor maior na ordenação paterna,
que na visita de uma entidade terna
a nos chamar quando a hora nos vier...

Criou-nos Sappho a imagem dessa chuva,
contrária a essa do sangue derramado,
a envolver-nos de frescor qual doce luva;

porém somente a morte alheia eu vi,
qualquer que seja o mistério revelado,
quando chegar, já não me encontro aqui.

VOZES SEM ECO I – 6 ABR 2018

Nem sempre tem a voz correspondente.
Algumas vezes, só grita em solidão,
poucos têm gana por nossa opinião,
antes a frase se dissolve, adstringente;

em outras vezes, a opinião é surpreendente,
muito diversa das que correntes são,
caso em que traz espanto e confusão;
descartá-la é bem melhor, incontinenti.


De outras vezes, irá remar contra a maré,
caso pretenda ter a autenticidade,
que a multidão simplesmente nos abafa,

satisfeita, dos preconceitos no sopé,
sem aceitar qualquer pungente novidade
e esse trabalho nos remos nos estafa!

VOZES SEM ECO II

Remador acorrentado em sua galera,
o seu destino realmente era morrer,
quando afundasse o barco, sem poder
libertar-se dos grilhões que a lei lhe gera.

E até mesmo este termo, considera
como foi transformado por querer,
que “galeria” foi podada com prazer,
na fantasia de quem o aplauso espera.

Mas nem por isso deixarás de ser galé,
se te deixares desse modo acorrentar
a um modismo qualquer que esteja em voga,

arrastada sendo assim pela maré,
até o barco dessa moda se afundar,
quando tua própria opinião nele se afoga!

VOZES SEM ECO III

Assim se passa quando alguns valores
que desposaram as antigas gerações
são desprezados pelas multidões
que só enxergam no fácil esplendores,

suas frases repetitivas de estridores,
com rimas pobres e sem conotações,
muito mais cômodas que poéticas visões
ou frases tolas de loucos estertores;

mas geralmente só se impõe o original
após sua morte, quando algum esperto
quer publicar de graça o que escreveu,

do mesmo modo que na arte pictorial,
quadros comprados para investimento certo,
não pelo belo que alguém neles escondeu!

ACIDENTES NA PENUMBRA 1 – 7 ABRIL 2018

Em Ingenieros encontrei esta expressão,
na alegoria de um pastor ignorante
que o crepúsculo contempla assim vibrante,
ensimesmado apenas na ocasião.

Não é capaz de a palavras dar moção,
apenas olha o cenário descorante,
escala cinza a tornar-se dominante,
sono e cansaço a dominar-lhe o coração.

Lembra ser hora de levar a seu aprisco,
após reuni-lo, o rebanho das ovelhas
só quando os lobos começam já a uivar;

então percebe, finalmente, estar em risco,
seus animais a conduzir por sendas velhas,
sem qualquer vereda nova a originar.


ACIDENTES NA PENUMBRA  2

De modo igual, quanta gente se acalenta
no cinzor crepuscular circunjacente,
sua percepção da cor pouco eficiente:
somente aceita o que à vista se apresenta.

O sol se põe e em nada o descontenta,
tão só o domina um cansaço deprimente,
sua reação apenas contingente,
que a fome do jantar já o apoquenta...

Só é capaz de continuar na mesma trilha
ou em sua pedra assente, sossegado,
até escutar qualquer sirene do perigo;

percorre então a costumeira milha,
para abancar-se à mesa, já esfaimado,
nessa rotina que o conduz até o jazitgo.

ACIDENTES NA PENUMBRO 3

É então que o uivar do lobo é dominante,
qualquer que seja esse comunicador,
que na TV ou celular o seu favor
obtém, só por achá-lo interessante;

seguindo assim um demagogo delirante,
pois difícil é pensar (e tem-lhe horror!),

repetindo as opiniões qual servidor
nesse crepúsculo que da tela é ofuscante.

Sempre foi fácil dominar as multidões,
mas nunca como agora são reunidas,
viralizando qualquer “meme” que ressumbra; (*)
(*) Esta expressão hoje corrente é errônea; em português, é “mima”
e o termo inglês se pronunia “mime”.

mas não se aceita só de compras sugestões,
frases alheias servilmente repetidas
por esses tantos acidentes na penumbra!

EPICURO E ARISTIPO I – 8 ABR 18

muitos procuram ter austeridade,
alguns outros o meio-termo conhecer,
outros na vida buscando só o prazer
e alguns caminham sempre empós a novidade.

não há dicotomia, na verdade,
entre o prazer e a dor, a nos fazer
oscilar entre o mal e o que se quer,
sem que intervenha a racionalidade.

convencionou-se chamar de epicurismo
a esta doutrina do prazer maior,
que se opõe diretamente à do estoicismo;

esta proclama a equanimidade
perante quaisquer assaltos dessa dor,
que cedo ou tarde nos domina em sua maldade.




EPICURO E ARISTIPO II

um erro existe nesta interpretação,
pois os estóicos não buscavam qualquer dor,
só afirmavam ser inevitável tal pendor,
a recebê-lo com tranquila aceitação,

sem os queixumes que geralmente vão
brotar da boca das pessoas nesse horror
ou de sua previsão tendo temor
a mais comum e frequente reação;

devia o filósofo aceitar o sofrimento,
sem buscá-lo, mas igualmente sem gemer,
só ruído inútil para aos demais incomodar,

mas suportá-lo até seu passamento,
fosse em alívio ou por morte nos trazer,
sem pena alheia inutilmente suplicar.

EPICURO E ARISTIPO III

também epicuro é mal interpretado;
era aristipo que buscava só o prazer:
“a vida é curta, vamos assim colher
todo o prazer que nos seja apresentado!”

para aristipo deveria ser buscado
qualquer gozo material, sem escolher,
por mais diverso o tipo, em seu viver,
todo momento a ser aproveitado.

deveria ser chamada aristipismo
esta faceta da filosofia cirenaica,
desenvolvida no século quarto a.C.


e não lançada assim ao epicurismo
a pecha de grosseria tão prosaica,
na busca egoísta de tudo o que se vê.

EPICURO E ARISTIPO IV

queria epicuro o prazer intelectual,
o filosófico gozo e o prazer da arte
seriam alvo para a vida e, destarte,
pouco valor dado ao simples material;

mais uma busca do valor espiritual
que beber vinho ou de banquetes tomar parte;
não que declare simplesmente o seu descarte
ou que se deva apartar do amor sexual,

mas entre a satisfação mais do sensual,
por sua própria natureza transitória,
realizações de caráter permanente,

tanto quanto o possa ser para o mortal,
mas no cambiante da existência peremptória,
mais duradoura a reflexão da mente.

EPICURO E ARISTIPO V

para epicuro todo ânsia satisfeita
a morte alcança em tal satisfação,
mas o que brota da alma e da emoção
é aproveitado três vezes de uma feita:

há o antegozo, preparação estreita
para das musas receber inspiração
ou contemplar, na palma de sua mão,
a qualquer obra que o imaginário aleita.


depois a obra se contempla ou a pintura;
cedo se acorda para ver nascer o sol
ou o perfume que trescala da parreira;

e finalmente, a recordação perdura
dessa delícia captada pelo anzol
da mente mágica, que a conserva inteira.

COISA PRETA I – 9 ABRIL 2018

é costumeiro se dizer que fica preta
qualquer coisa que nos traga inquietação;
há quem insista que tal afirmação
é de racismo uma asserção secreta;

porém quem assim pensa o seu projeta,
que a tempestade é negra em seu bulcão,
a noite é preta em sua escuridão,
negra a ferida que infecção afeta.

e referir-se deste modo à pele escura
é ignorância de sua real etimologia;
vermelho é o sangue quando não se estanca;

na juventude, a cabeça se emoldura
pelos tons negros ou louros que se via,
mas na velhice, a coisa fica branca!

COISA PRETA II

assim, maugrado quaisquer tons de zombaria
com que esse velho ditado se esconjura,
a cor da pele só breve tempo dura
após a carne haver transposto a agonia.

embora a morte em vestes pretas se diria.
esse pretume é transitório nessa agrura;
o negro ou o branco, em sua final postura,
só ossos branco-amarelados mostraria.

e a palidez funérea em sua brancura,
ou acinzentada, se mais forte a melanina,
no desmaio, o tom da pele se desbanca;

a coisa fica preta e mais escura;
centelhas brilham nos olhos em tal sina;
verde a esperança, desbota e fica branca!...

COISA PRETA III

contudo sei como é difícil contrariar
desvirtuamento de qualquer ditado;
sempre haverá quem quiser ser engraçado
e de um afrobrasileiro assim troçar;

e mais ainda, após se ver criar
o tal sistema de quotas deformado,
um gêmeo aceito e outro rejeitado,
por um capricho arbitrário no aplicar.

queria o tempo voltasse e, em documento,
ser proibido a cor da pele mencionar;
brancos ou pardos, somos todos brasileiros;

ser índio o negro suprimido desse assento,
todos iguais, constituição a reafirmar,
sem distinções para o proveito de terceiros!

        BRAVURA I – 10 ABR 18

        “Existe um certo heroísmo na mulher
que nunca alcança o valor de qualquer homem.”
(*) Sir Arthur Conan Doyle
           
De fato, não suporta homem normal
Metade dessa agrura que a consome;
Mais facilmente a se queixar de fome
E a desistir ante obstáculo social.

Ela sustenta o percalço conjugal
E sabendo manobrar qualquer que a tome,
Governa realmente a quem renome
Somente tem de ser seu chefe natural.

Muito melhor suporta qualquer dor
E por seus filhos enfrenta sacrifício;
Sabe ser mãe e irmã de seu marido,

Sua energia renovada pelo amor,
Manter o lar coeso é seu ofício,
Por mais que o cônjuge se tenha envilecido.

BRAVURA II

Nas exceções, é claro, há graduação;
Mas umas menos, outras mais, são heroínas
Que ninguém lembra, tranquilas em suas sinas,
Da sociedade o pilar e a afirmação.


Mas nem sempre vem do amor igual ação;
Algumas vezes, é o rancor dessas meninas
Que o lar sustenta, suas raivas pequeninas
As fortalecem para tal sustentação.

Hão de dizer que só as amélias são assim,
Como a “mulher de verdade” da canção
E mais agora que há “Maria da Penha”,

Classificando cada vez mais para esse fim
Até atitudes que inocentes são:
Talvez tão só um galanteio que lhe venha.

BRAVURA III

Não sei se havia antes mais respeito
Ou se é mesmo a decadência dos costumes;
Talvez soubessem demonstrar maiores lumes,
Quieta a defesa de quanto é seu direito;

Ou então submetiam seu despeito
Numa atitude contrária aos novos cumes,
Já que hoje vês, aonde quer que rumes
A criação de novas leis de tom suspeito.

De qualquer modo, quando houver dominação,
Para a denúncia é preciso mais bravura,
Ou para suportá-la mais coragem?

Se fossem homens nessa situação,
Disporiam do ingrediente necessário
Para poderem suportar igual voragem?

BRAVURA IV

Sabe a mulher suportar melhor a ausência,
Nessa quietude da espera dolorosa,
Muito mais firme o talo dessa rosa
Que a haste mole do cravo tem potência.

As coisas trocam hoje de tendência,
Pois da mulher se esperava ser garbosa,
No máximo a mostrar-se carinhosa,
Cabendo ao homem procurá-la em insistência.

Mas hoje saem às ruas, até escolhem
Quanto parceiro despertar o seu desejo,
Sem depender dos ganhos de um marido

E as presenças dos filhos não as tolhem:
Deixam na creche com amoroso beijo,
Vão para o emprego com peito desabrido!

BRAVURA V

Mesmo a palavra “Bravura” é feminina;
Tem a “Coragem” igual categoria
E  “Resiliência”, que renovar faria
Suas energias de forma cristalina.

Igualmente a ser mulher ou assim se afina
A Renovação, a Persistência e a Mais-Valia;
Sabe a mulher conservar aberta a via
Por pior que lhe aparente ser a sina.


E como são receptáculos da raça,
Resistem mais a desastres e a doenças
Do que homens, que aparentam melhor porte,

Enfrentando bem melhor a sua desgraça,
Alicerçadas em quaisquer sejam suas crenças,
Indubitavelmente a ser o Sexo Forte!

RESTAURAÇÃO I – 11 ABRIL 2018

Se, por acaso, hoje perder o sono,
volto de novo para passar a limpo
originais rascunhados com afinco,
que tantos meses deixei no abandono,

somente a poeira constituindo o seu abono,
mas os farrapos de papel mantendo o vinco,
a restaurar-lhes em parte o antigo brinco,
mesmo esquecido parcialmente o seu entono.

Tal impulso retomei, de certo modo,
não mais covarde perante esse tamanho
da vasta pilha de papelucho ou de cartão,

não obstante ainda aumentada com denodo,
mesmo agora a acrescentar-lhe o amanho
dos novos versos a me brotar do coração. 

RESTAURAÇÃO II

Mas, afinal, se chegaste até aqui,
o que te importa, leitor, se explico ou não

esta demora em renovar demão
destas paredes já mofadas que esqueci?

Bem reconheço que, de novo, persegui,
uma tematica referida de antemão,
só um exercício desnudo de emoção;
é uma desculpa a justificar-se ali

ou uma forma de expor a minha vaidade
pela estridência de tal repetição?
Nem para mim vejo aqui uma atração,

mas gabolice entronizada em eternidade...
Talvez buscasse aqui qualquer piada,
porém concluo sem restaurar mais nada!

RESTAURAÇÃO III

Não é assim.  Destes versos tenho pena
e nesse atraso só posso ter remorso;
as veias correm de minha mão no dorso,
espicaçadas pela pilha que a condena.

Talvez eu sinta, ao invés, que se despena,
diariamente, a potência de meu dorso
e então me aplique com maior esforço
a introduzir um novo canto para a cena.

Porém se já antes redigi tantas estrofes,
muito melhores que os rascunhos deste dia,
porque insisto em completar tolo poema?


Não me surpreende se de mim tu mofes,
quando contemplo com troça e zombaria
este apanhado incestuoso em seu dilema!

A HONRA E A DONZELA 1 – 12 ABRIL 18

Como era estranha essa Cavalaria
Andante do período medieval!
A honra e a glória afirmando por ideal,
Por uma luva ou lenço se morria!

O espantoso é que, de fato, isto ocorria
Na Média Idade Média esse caudal,
Nos embates sem motivo natural
Desconhecidos simplesmente mataria!

Na esperança de realizar um feito d’armas
Que no futuro ninguém mais lembraria;
Só uma gesta, talvez, se escreveria,

Bem guirlandada para mais alarmas,
Dragões e monstros de pura fancaria,
Não outro humano cuja vida extinguiria!

A HONRA E A DONZELA 2

Bem nos fala Camões dos pretensiosos
Empreendimentos que lhes grangeavam fama
E para feitos verdadeiros tal reclama
Por seus atos realmente “valerosos”.

Mesmo sendo os combates tenebrosos,
A situação dos soldados não proclama,
Dos marinheiros perecidos numa chama
Ou afogados nos mares tumultuosos.

Já Cervantes seu cavaleiro enlouqueceu
Por ler romances de cavalaria,
Até encontrar-se numa corte verdadeira,

Em que um nobre senhor o recebeu,
Que sua loucura em nada contraria,
Mas em gaiola o manda à casa hospitaleira.

A HONRA E A DONZELA 3

Não obstante, houve mesmo cavaleiros,
Como Amadis de Gaula ou como Orlando,
Que o nome teve por nascer rolando,
Sua mãe o dando à luz sob uns amieiros...

Ou os Doze Pares de França, bons guerreiros,
De Carlos Magno combatendo a mando,
Em Roncesvalles a sua morte achando...
(Não são errantes estes cavalheiros).

Mas à Alta Idade Média pertenceram,
Antes que o Ano Mil os atingisse;
Só que os heróis da Távola Redonda
Não sei se algum dia até viveram,
Talvez em século anterior ao que nos disse
“Le Mort d’Arthur” em portentosa onda.

A HONRA E A DONZELA 4

Já o apogeu do Cavaleiro Andante
Só ocorreu duranrte o feudalismo,
Mas sem ter muito desse romantismo
Com que sua gesta se torna interessante.

Em geral, sem herdar algo importante,
Irmão mais velho o senhor sem divisismo,
Não possuiam terras, pois então era o modismo
Que só o morgado fosse senhor desse montante.

Eles andavam mais à cata de conquista,
Na aquisição de terras e um castelo,
A pura honra apenas secundária,

Filhos segundos e terceiros nessa pista,
Pretendendo honrar somente um rosto belo,
Mas a casar-se com herdeira milionária.

A HONRA E A DONZELA 5

Quando realizam mesmo uma proeza
Para um rei ou um nobre que os adote,
O seu sangue a trocar por áureo dote,
Garantem em tal mansão lugar à mesa!

E na falta de uma noiva, com certeza,
Para as Cruzadas lançavam-se num bote,

Querendo terras ganhar, em bravo escote
Aos muçulmanos e até mesmo a realeza!

Infelizmente, não achavam seus gigantes
E quando histórias falavam de dragões,
Haviam no máximo avistado os elefantes;

Mas certamene percorriam a paisagem,
Aqui e ali enfrentando alguns barões,
Para morrer ou trucidá-los com coragem!

A HONRA E A DONZELA 6

Não estou livre de redigir alguma história
Que perpetue a ilusão do romantismo,
Demônios a enfrentar em seu abismo,
Em sua impertérrita batalha pela glória!

Só imagino de que modo uma vitória
Seria obtida contra alado cataclismo,
Cuspindo fogo e cozinhando, sem sofismo,
O cavaleiro em sua armadura inglória!

Não obstante, é bonito se pensar
Nessas justas e combates singulares
Em uma época que, de fato, foi real,

Sangue e ossos quebrados a encontrar,
Após a sorte do combate e seus azares...
Quem sabe escreva gesta épica afinal!

PALAVRAS E LUGARES I – 13 ABR 18

Nem sempre a gente acorda despertado,
Algumas vezes meio serotoninizado!

Os olhos ainda engomados de ramelas,
Comichões a percorrer nossas costelas!

Então as horas tenta-se espiar
Ainda os olhos embaçados a piscar!

E tendo sede, a gente mal se safa,
Bebe o relógio e olha as horas na garrafa!

Ainda os ombros e as pernas entanguidos,
Que demais tempo ficaram encolhidos!

As entranhas percorridas pelos gases,
Que nos inspiram a enfrentar diversas fases!

A fim de despertar, lava-se o rosto,
Durante o inverno, certo esse desgosto!

Mas o que menos nos inspira em tal retoço
É passar a água fria no pescoço!


PALAVRAS E LUGARES II

E enquanto o sono ainda não passou,
Até se esquece o lugar que se escovou!

Alguns dentes a polir três, quatro vezes,
Alguns outros sem limpar por vários meses!

Passa-se  a escova na bochecha e pela língua,
Se machucar, pode causar-nos íngua!

Mas é preciso limpar bem o nariz,
Senão espirros esternutam chafariz!

E mal se acerta dos ouvidos os lugares,
Porém  comicham, caso então não os limpares!

Talvez seja precisa a chuveirada,
A preparar-nos para a madrugada!

Quando o sono foi pouco demorado
E então se acorda para o dia mais cansado!

Xampu ou sabonete nas melenas,
Com sua ardência os olhos te envenenas!

PALAVRAS E LUGARES III

Palavras balbuciando nesse pejo,
Frequentemente entrecortadas por bocejo!

Após o banho, quando em busca do café,
Forte topada no dedão do pé!

Uma palavra proibida sobe à boca,
Que não repito aqui, pois não se enfoca!

O estômago insatisfeito firme  ronca,
Se ignorado, a nos  dar a maior bronca!

Surgem palavras a brotar desses lugares,
Os sons indelicados dos pasmares!

Zumbidos dos ouvidos têm a lavra,
Algum chiado no nariz tem a palavra!

Os ossos, pouco a pouco, a estalar,
Feias  palavras demarcando seu lugar!

Até que enfim, por força do exercício,
Á multidão dos barulhos corta o vício!

Palavras cessam, ficam os lugares,
Para enfrentar de novo dia os seus azares!

MIRADOURO I – 14 ABRIL 2018

É nos olhos dos outros que nos vemos,
bem mais que nos espelhos ou nas taças;
os vidros têm defeito; a prata, jaças
e a água ondula nas bacias que sustemos;

somente os olhos dos outros são supremos
juízes da pessoa, quer lhes faças
o bem ou o mal, mesmo vendo ser escassas
as ocasiões em que suas lágrimas bebemos,

quando o reflexo escorre por suas faces
e logo se desventra em mil cristais,
mas as pupilas se acendem, são mortais

obturadores que te filmam aonde passes;
se sob as pálpebras se escondem, nós, jamais,
nos recompomos à luz de seus repasses.

MIRADOURO II

Ah, duplo meu, que sempre me ajudaste,
de minha faina poética à profia,
eu reconheço a tua companhia
e os trunfos com que sempre me auxiliaste;

enquanto durmo, sempre trabalhaste,
alisando os caminhos da anarquia,
sempre fiel amigo, se eu perdia
o apoio dos demais, quebrada a haste;

em ti me vejo, amigo e companheiro,
somente tu a partilhar todos meus gostos,
bebes comigo o licor raro e o corriqueiro,

comigo provas dos trigos e dos mostos,
nas tuas pupilas o meu olhar certeiro,
em ti os deveres que por mim te são impostos.

MIRADOURO III

É difícil decifrar teus próprios olhos,
sempre te mostram qualquer condescendência,
mesmo que envoltos de remorsos nas tendências,
são protegidos dos cílios nos refolhos,

maiores sejam da culpa os seus escolhos,
maior que seja o cansaço das dormências,
satisfação a encontrar nas reverências,,
sempre as pálpebras lhes servem como antolhos.


Ou te condenam com rigor em demasia
ou te absolvem de qualquer culpa cometida,
tua decadência do semblante a disfarçar,

que jamais a idoneidade vê-se ali,
pois são teus olhos o espelho de tua vida,
somente mostram quanto queres enxergar.

MIRADOURO IV

Por isso o rosto quero ver nesses teus olhos,
leve rancor se, por acaso, te impulsione,
haverá amor sempre no fundo de tal cone,
algum oásis na miragem dos abrolhos;

maior carinho mostrado em seus refolhos,
bem lá no fundo, por mais que amor a dome,
malícia ou crítica sincera te consome,
desatenção ou ironia os teus espólios;

porque meu duplo especular ali se agita,
nas várias dimensões do teu olhar;
para mim mesmo sorrio ou vou zombar;

que em tuas pupilas vera imagem se concita,
a refletir meu sucesso ou minha desdita,
conforme saibas nesse instante me avaliar!

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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