USINA
DE SANGUE
Novas
Séries de William Lagos, 11-20/11/2018
Usina
de Sangue V – 11 nov 2018
Mundos
Interiores IV – 12 nov 2018
Halkalah
(Iluminismo Judeu) VII – 13 nov 2018
Carinhos
Silenciosos III – 14 nov 2018
Fase
Inicial IV – 15 nov 2018
Amor
à Segunda Vista III – 16 nov 2018
O
Minúsculo Universo III – 17 nov 2018
Nos
Páramos do Meio-dia III – 18 nov 2018
Moléstia
de Amor III – 19 nov 2018
Mortalha
Invisível IV – 20 nov 2018
USINA
DE SANGUE I – 11/11/2018
O
tempo é um poema escrito no meu sangue,
cada
hemácia uma letra anti-anemia,
cada
leucócito a enfrentar leucopenia,
cada
plaqueta a combater o exangue.
Da
hemorragia atolo-me no mangue,
esmago
os versos feitos dia a dia.
em
traduções esvaio-me à porfia,
quase
sem tempo de assistir ao bangue-bangue
dos
duelos desta vida passageira:
vivo
perante a tela e nem me ligo
em
qualquer site de vulgar pornografia!
Nem
que tivesse interesse em tal zoeira,
não
sobra tempo para lhe dar abrigo,
sempre
ao inglês a traduzir monografia!
USINA
DE SANGUE II
Meu
tempo tenho escrito na medula,
em
seu ritmo de constante produção,
nos
meus fractais de completa interação.
meus
ossos revelando a intensa gula;
desde
o nascer foi redigida a bula
destes
milhões a repetir-se sem paixão,
bilhões
de glóbulos em fatal interação:
nem
por instante a produção se anula,
matéria-prima
a recolher do sangue,
para
o sangue novamente recompor:
qual
o controle que tenho em tal ardor?
Quando
o sangue entra e sai qual bumerangue,
qual
parte de meu cérebro inconsciente
é
responsável por tal dever premente?
USINA
DE SANGUE III
Sempre
é possível captar seu movimento,
em
termos biológicos explicável,
mas
há em mim outro processo inviável,
que
não posso explicar até o momento.
Como
se forma, de fato, o pensamento?
Essa
troca de sinais inexorável
entre
os neurônios, qual em solo arável...
Qual
combustível controla o seu assento?
Não
são apenas esses ríspidos lampejos
e
nem somente o entrelaçar do fractal,
nem
troca axônica de químicos valores,
que
minhas ideias conforme em tais arpejos,
sempre
inconsútil sua locação real:
de
onde vêm, para onde vão tais estertores?
USINA
DE SANGUE IV
E
mais que o pensamento, essa poesia,
como
ela brota, qual hemácia pura,
quais
as plaquetas que a coagulam dura,
quais
os leucócitos de sua paresia? (*)
(*)
Paralisia incompleta
Certamente
alguma usina se veria
na
formação constante da amargura,
na
transição que a depura em sua doçura...
Qual
será a matéria-prima da harmonia?
Alguns
afirmam que jamais se esquece,
que
um retrocesso mental tudo revela,
os
quadros da lembrança um hipnótico
repetir
de mantras mil em ateia prece,
as
ondas repartindo em tal procela,
nessa
inerme confusão do semiótico...
USINA
DE SANGUE V
Até
que ponto serão meus os pensamentos
ou
mantem-se um demiurgo no interior,
de
meu próprio universo o diretor,
com
uma hoste de mil robôs atentos,
a
mastigar esses tijolos vermelhentos,
poeira
de sonhos a fundir em seu calor,
essa
usina a governar como gestor,
destes
textos em cópulas e assentos.
Ainda
não pude tal enigma quebrar;
só
sei que a redoma imponderável
constante
gira, energizando a usina:
abre-se
a eclusa sem esforço e nem azar
e
flui o verso em fio incontrolável,
sem
que sequer saiba aonde se destina.
MUNDOS
INTERIORES I – 12 NOV 18
De
forma permanente fluem sonhos,
perpassando
por esferas siderais,
neles
me movo em formas perspirais
e
me suspendo em átimos bisonhos;
não
percebo no sonhar monstros medonhos,
nem
onanismos oníricos finais,
concatenados
em lógicas reais,
sem
que a censura os transforme em antissonhos.
E
se me apraz, consigo reverter
sua
rota temporária e o timão
dessa
quimera mais real que Maya,
girar
em torno, consoante meu querer,
senhor
do sonho mais que do coração,
por
entre apupos de minha própria vaia!
MUNDOS
INTERIORES II
Muitas
vezes já cheguei a duvidar
que
essas horas de meu açodamento
valham
mais que as do adormecimento,
que
o mundo externo não posso controlar,
mesmo
pensando ser rei de meu destino,
coisas
ocorrem para meu padecimento,
esperanças
a falecer em sofrimento,
meus
anos de desgaste a acumular.
Mas
não percebo-me em sonho envelhecer,
que
sou eu mesmo desde que recordo
e
a bel-prazer esse interior eu mordo;
ou
quiçá minta, pois posso-me esquecer
do
demiurgo as perpétuas instruções
na
construção material das ilusões.
MUNDOS
INTERIORES III
Bem
calculado, não é um mundo só,
nesses
cenários de esplendor diverso,
csminho
muito nesse Noos converso, (*)
acordo
em dor do muscular sem dó;
infelizmente,
quase sempre virá pó
essa
memória do mundo controverso,
por
mais que faça ao despertar esforço terso,
a
luz da alma qual impiedosa mó.
(*)
O espaço do inconsciente coletivo.
Mas
considero, quando estou nesse sonhar,
tampouco
lembro o que se passa aqui;
talvez
onírica seja a vida material
sem
que me esforce a recordar o que vivi,
a
luz ou a sombra sendo a mais vital
nessa
alternância que vivo a perpassar?
MUNDOS
INTERIORES IV
Mas
não recordo de escrever poesia
enquanto
marcho pelo crepuscular...
Serei
real ou tão só corpuscular
nos
paralelos mundos desta via?
Mas,
e você? Algo igual não contaria
sobre
seus mundos interiores habitar?
Até
que ponto os consegue dominar,
Sem
os incômodos e as paixões do dia?
Não
devo ser só eu. Também você
teria
tanto ou mais a revelar...
E
quantos livros assim não se escreveram!
Ao
digitar não lhe parece até que lê
num
papiro invisível de luar,
o
que suas próprias quimeras conceberam?
HALKALAH
(ILUMINISMO JUDEU) I – 13/11/2018
(Leia-se
halcalá, com o agá aspirado.)
Ah,
bela flor, eu me porei de joelhos
perante
tua beleza milenar;
declarar-te-ei
o meu amor sem par,
refletido
de teus olhos nos espelhos!
Ah,
bela flor, os teus estames velhos,
a
imponência da antera jugular,
pólen
e néctar em constante deslizar,
eu
te contemplo por baixo de meus celhos!
A
flor fenece depressa e se desmancha
e
pronto virá pó, mas outra nasce...
Mulher,
contudo, fenece devagar
e
mesmo quando de si outra deslancha,
esse
belo da mulher lento desfaz-se,
tal
qual sua alma se evolasse pelo ar...
HALKALAH
II
O
Iluminismo Judeu foi diferente
do
movimento que seguiram os gentios;
estes
buscaram transmitir seus cios
pelo
seu Naturalismo, então nascente,
em
seu delírio do classificar mais permanente
de
cada aspecto do mundo em amplos brios,
desde
o duro mineral até os pios
de
qualquer ave de chilrear plangente.
E
se envolveram em mil lucubrações
sobre
a matéria do mundo natural,
sobre
a existência ou não do espiritual,
até
a alvorada em suas longas discussões,
bem
desconfiados das atenções da igreja,
na
escavação do que o destino real seja.
HALKALAH
III
O
Iluminismo só se fez possível
pela
Reforma Religiosa, que quebrou
a
rigidez que meio mundo dominou
o
Vaticano em seu poder incrível.
A
quebra Ortodoxa foi apenas conducível
ao
desrespeito do que ali determinou
a
autoridade papal, porém não libertou
os
povos para a vista do impossível.
Os
Patriarcas, igualmente rigorosos,
não
combateram o analfabetismo
entre
Europeus do Leste ou os Orientais,
mas
a Reforma expôs os trechos mais formosos
das
Escrituras aos exames sem modismo,
a
Bíblia inteira difundindo entre os demais.
HALKALAH
IV
Mas
se os Gentios assim se libertaram
do
que era mais política opressão,
os
literatos alcançando aceitação
e
o Paganismo dos antigos estudaram,
tais
benefícios não se consignaram
aos
Judeus, sob total dominação
de
um cultivar de premente tradição,
que
as Escrituras, afinal, sempre estudaram!
A
influência das noveis filosofias
não
foi marcante no seu páramo inicial,
muito
mais coisas expandiram seu fanal,
qual
o louvor da mulher, que antes não lias,
manifestado
num ingênuo manancial:
só
no Cantares de Salomão algo verias.
HALKALAH
V
Houve
então surto a prever o Romantismo,
do
amor sexual um brando atrevimento,
o
amor espiritual tido em portento,
em
desafio quase aberto ao Rabinismo.
Essas
sementes provinham do atavismo,
qualquer
setor poetizando o julgamento
de
algum rabino em indireto assento,
sob
o disfarce de interpretar o Judaísmo.
Porém
havia esse Segundo Mandamento
de
não fazer qualquer imagem de escultura:
nas
sinagogas, a devoção figura
mais
geométrica, sem a infração do evento,
mas
no Halkalah houve desenho e até pintura:
pecaminoso
esse seu envolvimento!
HALKALAH
VI
Até
hoje, não é comum entre os Judeus,
particularmente
entre os “Perfeitos” Chassidim,
a
forma humana representar, por fim,
mesmo
entre muitos dos artistas seus.
Vive
essa culpa inconsciente ante seu Deus,
conduzindo
ao abstrato ou irreal, enfim,
qual
nas figuras de Chagall, voando assim,
sobre
as aldeias, bem diverso dos ateus.
E
a bela flor rapidamente feneceu,
abafada
pelas ciências naturais,
desbravadores
em todos os sentidos,
mulher-ciência
foi quem mais se compreendeu,
pelas
lógicas das sinagogas conventuais,
ao
mundo abrindo os olhos seus sofridos!
HALKALAH
VII
Na
ciência existe mais o simbolismo,
tal
e qual foi aprendido no Talmude,
diversamente
deste mundo rude,
mas
fruto e herança de seu próprio Iluminismo.
Muitos
conceitos do atual cientificismo
são
encontrados por alguém que estude
esses
escritos com que o rabino ilude
e
o escritor traz à luz em ficcionismo.
Assim
a Física Einstein revolucionou,
foi
Mendel a originar a atual Genética,
Mendeleyeff
classificou os elementos
e
tudo enfim se revitalizou,
até
mesmo no seio da poética,
interpretando
o Universo em mil portentos.
CARINHOS SILENCIOSOS 1 – 14/11/2018
Do Silêncio os carinhos recebi,
Quando não pude receber os teus;
O Silêncio recobriu-me com seus véus
E dentro dalma, inteiro, o recolhi,
Sem colidir com os pensares meus
E na canção do Silêncio adormeci;
Na ausência de tua voz, pensei em ti,
Silêncio morno da nuvem sobre os céus;
Como em plumas, envolvi-me nesta densa
Absência plena de todo o material;
Mais do que tudo tem Silêncio o dom
De revestir-me de percepçao intensa
E em cada pausa conheci um sinal
Da cor dos beijos de mais ruidoso tom.
CARINHOS
SILENCIOSOS 2
Porque teus
beijos têm leve estalido,
Quando a pele
separa-se da pele,
Quando a saliva,
de surpresa, apele
Para o calor no
ósculo escondido;
Porque teus
beijos tenho recolhido
E guardado na redoma
que me vele;
Eles me aguçam
caso o peito gele
Ou me refrescam
quando em febre desvalido
E cada beijo
traz seu próprio som,
Tem seu tipo de
carinho singular
Que outro beijo
nunca mais repete
E assim escuto o
silencioso dom
De cada encontro
dos lábios no sonhar,
Sempre que a voz
do vácuo me complete.
CARINHOS SILENCIOSOS 3
Porque o Silêncio tem sabor de beijos,
Nos leves toques do mais leve acaso,
Mais do que o beijo em seu afago raso,
Igual que o beijo a preencher ensejos,
Sempre o carinho do Silêncio traz arpejos
Que só ressoam no tintilar do vaso
Que meu sangue propele em cada caso,
Quando as veias se expandem em manejos,
De que não posso escutar vasto fluir,
Somente a pulsação a me iludir
De que o Silêncio vem trazer carinhos,
Nessa ausência dos teus, vastos caminhos,
Em que o Silêncio me percorre inteiro
Onde a saudade me esvaziou primeiro...
FASE
INICIAL 1 – 15 NOV 18
Diz
uma lenda que, se fores para o Inferno,
Em
primeira instância do seu torturar,
Os
demônios te arrancam o falar
E te
condenam a um mutismo eterno!
Arrependido,
não podes suplicar
Ao
Grande Deus, por seu perdão superno,
Que
até do Hades chega ao mais interno
E
das caldeiras te vem a libertar.
Pois
não te iludas. Se a palavra for perdida,
Só
muito mal poderás raciocinar
E tão
somente com mugidos atordoar
Teus
companheiros na mansão sofrida
E
nem sequer em pensamentos apelar
À
graça infinda, feita agora proibida!
FASE INICIAL 2
Contudo, não te privam do troar
De teus gemidos ou dos uivos de pavor:
De que serve, afinal, um sofredor
Que não consiga de lástima gritar?
Porém palavras não podes pronunciar,
Pois esqueceste de todo o seu valor:
Não só a língua perdeu o seu pendor,
Mas de tua mente a razão fez-se escoar!
E se não tens mais razão, somente a dor
É companheira no reluzir do fogo,
Pois não há trevas no martírio eterno;
Sem compreender a fonte desse horror,
Já sem palavras, tudo esqueces logo,
Sequer recordas te achares já no Inferno!
FASE INICIAL 3
E sem palavras, nem podes protestar
A queixa humana do “Porquê me aconteceu?”
“Todo este sofrimento... Por que eu?”
Como é comum em palavras se expressar...
Não há razão nesse teu martirizar,
Palavra alguma expressa o mal que é teu;
Não há remorso para quem tudo esqueceu,
Só o renovado e perene torturar!
Nem sequer Dante conseguiu imaginar,
Na descrição de seu Inferno, um catecismo,
Que os malditos nem pudessem se queixar,
Pois nada sabem, nesse profundo abismo
E nem ao menos conseguem desvairar,
Dentre o incessante renovar de tal sadismo!
FASE INICIAL 4
Existe Inferno para quem nele acredita,
No rolar quântico do possibilismo,
Do mesmo modo que existe masoquismo
Para quem de autopunir-se necessita.
Existe o Hades para toda a mente aflita
Que julga merecer-lhe o cruel paroxismo,
Não para quem dele tenha ceticismo,
Que outro destino para o Além concita.
A Descida ao Hades do Credo Apostólico
É interpretada como a Libertação,
É a Anasthasis
= o retorno para a vida;
Não prega o Credo um final tão melancólico
De qualquer tipo de eterna danação,
Tão só o silêncio da razão perdida.
AMOR À SEGUNDA VISTA 1 – 16 nov 2018
Nem todo amor nos assalta de
repente,
Em especial, quando outros houve no
passado;
O coração já está em parte
acostumado
Com sensações que o acometam
cegamente;
À princípio, se emociona vagamente,
Qual se tivesse canção nova escutado
Somente na distância, só o tom
adivinhado,
Sem as palavras entender-se
claramente.
Esse amor cresce em ternura
transparente
E esse tremor se colore de ternura
Que vai crescendo lenta, mas
frequente,
Tal ternura a se tornar mais
contundente,
Agridoce, talvez, mas sua doçura
Predomina, até tornar-se permanente.
AMOR À SEGUNDA VISTA 2
Surge uma certa suspeita de um
destino,
Como se o fado provocasse essa
junção,
Qual amizade e simpatia e, então,
Surgisse à luz um amor bem
pequenino,
Um sentimento sorrateiro, valdevino,
Que vai aos poucos morder o coração
E se enraíza, chegada sua ocasião,
Sem se notar o seu favor divino,
Como se o mundo nova cor tomasse
E lhe mostrasse os tons dessa
palheta,
Pequeno íris de ilusão completa,
Que nem ao menos plena se julgasse,
Mas que se expande e mostra as sete cores
Nessa nuance inconsútil dos
amores...
AMOR À SEGUNDA VISTA 3
Só então o mundo como novo se
percebe...
Será que foi redescoberto realmente?
Essa amizade de fervor mais
redolente,
A empatia que à simpatia sucede...
E então explode, inesperadamente
E um olhar no outro olhar se embebe,
Essa atração do outro se concebe,
Tudo se torna claro, de repente...
Quando não se intrometam incertezas,
Se os prós e contras não se
sopesarem,
Se os dois o amor mútuo confessarem,
Lá está ele – o amor sem mais
surpresas,
Perene e forte para ser usufruído,
Cremada a lástima do palpitar
perdido...
o minúsculo universo um – 17 nov 18
é esse amor que regenera o universo,
seus limites a ultrapassar novas fronteiras,
vales floridos, fontículas brejeiras,
numa floresta o alcantil converso,
nessas paisagens que o coração disperso
nem se atreveu a achar hospitaleiras...
as sensações a se expandir inteiras:
o mundo é dele e dela o mundo é o berço.
vem o mergulho, dado lentamente,
a experimentar maré e temperatura,
qual a potência dessa espuma impura,
mesclado de lembranças seu presente,
nele os distúrbios do passado já contidos,
pelas novas certezas perseguidos...
o minúsculo universo dois
um universo só no início contemplado,
não por esforço de imaginação,
nem por grandioso palpitar do coração,
mas com palavras simples desvendado,
um gesto belo de ensejo inesperado,
um sorriso de fantástico condão...
certa fatia a compartir dessa emoção,
um brando aceno, apenas desenhado.
e aquela ânsia inconfessada de que seja
o objeto concreto e inusitado,
tão diverso do desdém do desaponto,
aquela dor intensa que se almeja
nos domine, sem mais ter duvidado,
breve vertigem no mais breve confronto...
o minúsculo universo três
porque esse amor é um universo tão pequeno,
que se acredita poder tomar inteiro,
nesse soluço de que seja o derradeiro
dos mundos paralelos sem aceno,
tal universo uma mescla de veneno
e da ambrosia do divino pegureiro...
num abraço farfalhante e sorrateiro,
troca de sexos em talho cantileno.
palavras doces, desnudas de promessa,
prenhes somente de significado,
como inocente seu sentido interpretado,
embora cada alma assim se aqueça,
e cada fímbria do peito assim palpita,
sem confessar qual o zéfiro que a agita.
nos páramos do
meio-dia um – 18 nov 18
quando enfim um tão
leve amor se instala,
os prados dalma a
percorrer ao meio-dia,
noites do peito a
preencher de salmodia,
quanta riqueza se
encontra em cada fala!
e por um simples
alô!... o céu se embala,
novas estrelas a
brilhar nessa folia,
de esconderijos cada
faísca tripudia
e essa alegria dentro
dalma nao se cala!
em cada riso todo o
mundo resplandece,
em cada hesitação se
escuta prece,
na menor afirmação
novo calor,
toda a certeza da
incredulidade
feita quimera de
imortalidade,
a repicar nas sonatas
desse amor!...
nos páramos do meio-dia dois
em cada gesto efervesce a companhia,
basta a certeza de juntos se encontrar,
sem ser preciso mais nada se expressar,
fadas aladas tecendo a nostalgia...
meia incerteza da lealdade fugidia,
manifestada quando a mão na mão tocar,
a voz de outrem com a nossa a ressonar,
coloração de quanto a mente via...
pelas janelas a distância a contemplar,
numa tevê a compartilhar falsa distância,
na refeição vida inteira a partilhar,
no farejar das palavras a fragrância,
os feronemas não mais que a imaginar,
que tal amor não decorre dessa ânsia...
nos páramos do
meio-dia três
é a maravilha do
silêncio partilhado,
é a maravalha da visão
dourada,
é a saliva do beijo
percolada,
é o tatear sobre um
corpo desejado,
embora apenas
consequência desse achado
e não sua causa de
febre incontrolada,
carne na carne
totalmente entrelaçada,
morta a tristeza de um
antanho desbotado.
amor gracioso o da
maturidade,
conservado com cuidado
e prevenção,
mortos amores em morto
escrínio estão,
no cristal frágil de tal
felicidade,
enquanto as horas até
fingem não passar
para a mútua
escravidão não perturbar...
moléstia de amor um – 19 nov 18
quando se ama alguém, nos é preciso
acreditar na inevitabilidade.
que mais cedo ou mais tarde, na verdade,
a persistência conduzirá ao riso
da conquista total, mesmo que o siso
diga o contrário, que a possibilidade,
de se chegar até lá, probabilidade
terá mui pouca de gerar amor conciso.
por isso é que o amor unilateral
já deu margem a tanta dor e a tanto dolo,
que não existe o amor inevitável,
existe, apenas, esse ressaibo virginal
do beijo nunca dado e o desconsolo
dessa ausência de sabor interminável.
moléstia de amor dois
mas quando alguém nos ama realmente
não se deve a um destino inevitável.
deriva mais de
coincidência imponderável,
mas se aceito, se conforma em permanente
possibilidade, essa coisa onipresente,
em cada rito de um sorriso amável,
em cada olor de qualquer corpo saudável,
ou mesmo na tristeza ali jacente.
porém que seja tal amor autoritário
é objeto totalmente discutível,
é mais provável ser fruto do arbitrário,
uma escolha que se fez nesse momento
para uma entrega plenamente incrível,
arrebatada no final de seu tormento.
moléstia de amor três
torna-se mais uma virose tal amor,
que de forma espontânea se contrai.
então de um beijo casual a gula vai
contaminar de um místico calor,
mas depois de deglutir-se seu sabor
ao nosso próprio livre-arbítrio a gente trai
e na trilha do destino então se cai:
foi nossa escolha e se tornou nosso pendor.
mas ai de quem se recuse a tal escolha
e de si mesmo conserve-se o senhor,
no breve encontro, sem mais compromisso,
que a vida é curta e esvai-se como bolha
e tão somente o sentimento é redentor
de um malviver de todo o amor omisso.
MORTALHA INVISÍVEL I – 20 NOV 2018
Antigamente, era costume amortalhar
aos nossos mortos.
Envoltos em sudário,
sendo entregues a destino atrabiliário,
em um lençol, com faixas a apertar.
Por isso o vezo de se representar
os fantasmas nesse manto compulsório;
deixou o c costume de ser obrigatório,
vão os defuntos em seu normal trajar...
Houve um tempo, também, que se chamava
de mortalha ao papel, fino envoltório,
em que se distribuía o fumo em rama...
Dupla alusão no termo se encontrava:
era o fumo a se queimar nesse ostensório,
como a doença a que o tabaco nos conclama.
MORTALHA
INVISÍVEL II
Mas há
mortalha, também, que não se vê,
essa mágoa e
desdém da natureza
que a todos
nós envolve, com firmeza,
qualquer que
seja o nome que se dê:
seja destino
para quem fadário crê,
seja o
castigo para quem remorso presa,
seja o
injustiça com que o social nos lesa,
seja a
maldade que em outro olhar se lê.
Somos assim
fantasmas sem saber,
assombrações
perante o próprio espelho,
doença
interna que teu soma torna velho,
nosso inferno
a deglutir nosso viver,
no fogo-fátuo
de nosso desalento,
na punição
que a mim mesmo me apresento.
MORTALHA
INVISÍVEL III
Até mesmo no
entregar do coração,
quando por
outrem nos apaixonamos,
de certo modo
nos amortalhamos,
com faixas
frágeis de mumificação,
que as
escolhas nos então limitarão,
por este
anseio com que as desprezamos,
se a um só
amor então nos dedicamos,
quer seja
amor correspondido ou não.
pois a
mortalha do amor é mais sutil,
que ao invés
de faixas nos dá asas
e com
frequência com outro ser assim voamos,
nessas
correntes de amor mais juvenil
ou de um amor
mais velho em tristes brasas,
que a bem do
amor assim nos condenamos.
MORTALHA INVISÍVEL IV
Amor confere certos privilégios,
consoante a fala dos românticos, um clima
que se assimila ou então nos assassina,
nesse baraço total dos sortilégios;
de certo modo, parecem mesmo sacrilégios
as suspeitas desse amor a que se inclina
com nosso amor de modo algum se rima,
atolados em caixão de florilégios.
Mas privilégios são somente trágicos,
quando a luz de nosso olhar não se reflete
no olhar velado que, às vezes, só nos fita...
Pensar que amor nos dá poderes mágicos
é a ilusão humana que compete
a quem se entrega à maldição bendita...
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William Lagos
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