segunda-feira, 29 de julho de 2019



RIMAS SEM RIMA – 16-25/12/2018
     NOVAS SÉRIES DE WILLIAM LAGOS

Rimas sem Rima (III) ... ... ... 16 dez 18
De Auréolas e Arandelas (III) ... ... ... 17 dez 18
As Aréolas Lunares (III) ... ... ... 18 dez 18
Cem Pombas da Saudade (III) ... ... ... 19 dez 18
Coruja (IV) ... ... ... 20 dez 18
Quitanda de Talentos (IV) ... ... ... 21 dez 18
Psicodestino (VI) ... ... ... 22 dez 18
Dom de Intérprete (IV) ... ... ... 23 dez 18
Chamas Brancas (VI) ... ... ... 24 dez 18
Boi de Presépio (VI) ... ... ... 25 dez 18



RIMAS SEM RIMA 1 – 16/12/2018
QUAL É A RIMA PARA UM VERSO BRANCO?
PORÉM UM VERSO BRANCO... NÃO TEM RIMA!
PARA O RIMAR O MEU PENDOR SE INCLINA
E DE ALGUM MODO A RIMA ASSIM DESTRANCO
ainda que fique o verso um tanto manco,
a tropeçar nas tranças da colina,
ao verso branco que me tolhe a sina
de algum modo qualquer rima arranco!
É BEM VERDADE QUE O RITMO CONSERVA,
MANTÉM A MÉTRICA E GUARDA SUA CESURA,
CASO CONTRÁRIO, COMO HAVIA DE CANTAR?
Da melodia toda poesia é serva
ou a poesia servirá música pura:
uma ama a outra, que à primeira busca amar.

RIMAS SEM RIMA 2
QUAL É A RIMA PARA O VERSO LIVRE?
PORÉM UM VERSO LIVRE... NÃO TRAZ RIMA!
NÃO POSSUI MÉTRICA NEM CESURA FINA,
NEM SEQUER RITMO QUE SUA MARCHA ATIVE!
E realmente, com um esforço breve,
qualquer consoante a se podar com lima,
com qualquer forma de rimar a gente atina,
num arremedo de inspirada febre
QUE O VERSO LIVRE NÃO CONCEDE LIBERDADE,
DESGASTA IDEIAS COM MAIOR INTENSIDADE,
SEM CONSEGUI-LAS EM MELODIAS COLOCAR.
Por isso tanta cançoneta, na verdade,
que com melismas mal se pode ritmar, (*)
mas se compensa com sensualidade!
(*) Diversas notas em uma única vogal.

RIMAS SEM RIMA 3
CONFESSO SEMPRE SENTIR DIFICULDADE
NA TENTATIVA DE VERSOS LIVRES ESCREVER;
A MINHA TENDÊNCIA É NO CANTAR DIZER
E A RIMA IMPÕE-SE-ME COM FEROCIDADE!
De certo modo invejo até a capacidade
de quem consegue versos brancos ter
sobre o papel, com pleno e real prazer:
para mim ao custo de tal operosidade!
NÃO É QUE EU QUEIRA OUTROS MODELOS IMITAR,
MAS É QUE A RIMA EM MIM CONSTANTE FLUI
ENTRE OS ARREIOS DA MÉTRICA E CESURA
e me parece a autocrítica faltar,
que alguma coisa no verso livre rui,
sem a argamassa branda da censura!...

De Auréolas e Arandelas I – 17 dezembro 2018

Vou contudo encarar o desafio:
Os meus dedos estão já entanguidos,
Não de frio, mas trêmulos de medo,
Neste calor buscando um calafrio,
Talvez do frio querendo a proteção
De uma arandela para afastar formigas!
Se não recordas, em pontos do jardim
Era costume pôr rodelas de cimento,
Com um sulco permanente no seu cunho,
Ao redor de uma mudinha meio virgem,
Que não se busca ver desvirginada
Pelas mandíbulas de um inseto estuprador
E nesse sulco se colocava água,
Vinha a formiga em busca da salada
As antenas a sondar o tal regato,
Fazia a volta, hesitante em seu pendor,
Para enfim retornar ao formigueiro,
Sem obter o pretendido resultado
E assim a muda, dentro da arandela
Prosperava até forte ficar...
Mas hoje em dia, até isso é proibido!
Água parada é criadouro de mosquito
E as arandelas já nem se pode achar!

De Auréolas e de Arandelas II

Se a arandela ficasse muito tempo
E a plantinha em arbusto se tornasse,
Para em árvore finalmente se aprestar,
Acabava por rachar ante a pressão
Desse tronco já grosso na ocasião,
Não mais podendo defendê-lo contra insetos
E destarte era costume retirar
A proteção de cimento tão depressa
Se percebesse da muda o crescimento,
Sem que chegasse ao ponto de a quebrar,
Já forte o caule e assim, as cortadeiras
Não poderiam mais causar dano maior.
Muitas vezes, nos canteiros do jardim
Via minha mãe nesse procedimento,
E enquanto para não rimar me esforço.
É como se algum anjo da guarda,
A proteger as flores da arandela,
Depusesse sobre mim o aro da auréola
E de meus dedos escorresse o halo
Que busca acima de tudo o verso preso
E não o verso livre que mais prende,
Enquanto o preso me confere liberdade
Ou ali está alguma ninfa do quintal
Ou hamadríade entocada na figueira
Quiçá talvez um sátiro bagual
A ressentir-se dos versos imperfeitos,
Sem conseguir tocar bem a sua flauta,
Transformando sua auréola num pandeiro!

De Auréolas e Arandelas III

Entre a auréola e a arandela vejo a aréola,
Outro atributo também do circular;
Claro que existe ainda a areola,
Em que a areia sobre o solo se apresenta
A desafiar quem nela plantar tenta
(De novo a rima brotando de tocaia!)
Há quem tal chame a um canteiro circular,
Há quem nomeie o espaço avermelhado
Que se forma ao redor de uma vacina
E que por sorte se mantém contido
Até sumir do lugar assim ferido,
Com ele transportando a nova rima
Que outra vez saiu de sua emboscada!
Mas a aréola que mais prazer me traz
É essa que surge dos seios da mulher,
Ao redor de cada bico, acastanhada,
Avermelhada na mulher mais clara
E quase negra na mulher escura,
Em todas elas a mesma ditadura
Que me atrai e me atraiu desde bebê,
Mas em conotações bem diferentes,
Enfeitada por pequenas verruguinhas,
Os chamados Tubérculos de Morgagni,
Nome decerto de quem primeiro os descreveu,
Porém duvido que os ali tenha plantado,
Foi só o primeiro a ter o atrevimento
E com estes versos livres me contento!

AS ARÉOLAS LUNARES 1 – 18 DEZ 18
DA MADRUGADA CHEGA O TEMA SEMELHANTE
ÀQUELE  COM QUE NA VÉSPERA BRINQUEI;
SINCERAMENTE, DO VERSO LIVRE ME CANSEI,
POR MAIS QUE PARA TI SEJA INTRIGANTE!
Esse que eu quero é o verso mais brilhante,
com que soneto mais gentil empreenderei,
que o verso livre  tal qual bagual achei,
maneado em uma laçada deslizante,
MAS AS ARÉOLAS QUE COROAM ALGUM SEIO
SÃO IGUALMENTE PARTILHADAS PELA LUA,
COM UM CÍRCULO CONCÊNTRICO EM ARANDELA,
irisado com Selene em seu permeio,
dos meteoros a proteger a deusa nua,
como formigas a deflorar essa donzela!

AS ARÉOLAS LUNARES 2
NA VERDADE, ESSAS FORMIGAS ESTELARES
FACILMENTE  SUPERAM  AS ARANDELAS,
PORTAS ENCONTRAM,  TAMBÉM ABREM JANELAS
E ENTÃO MASTIGAM AS VASTIDÕES LUNARES.
Haverá auréolas de arcanjos singulares
que as protejam  mais do que as aréolas?
Ou traz São Jorge em torno ao elmo  brancas velas
Ou é o Dragão com suas chispas milenares?
REBRILHA UM HALO PARA TAL GUERREIRO,
TEM DUAS ARÉOLAS NOS MAMILOS DE SEU SEIO,
USA O DRAGÃO UMA AURÉOLA POR SUA VEZ?
E que me dizem de seu cavalo parelheiro,
que ao Verme também enfrenta  sem receio,
em tal empate secular que talvez crês?

AS ARÉOLAS LUNARES 3
É ATÉ POSSÍVEL QUE NA MULTIDÃO DE SUAS CRATERAS
PONHAM ARANDELAS PARA A SUA PROTEÇÃO,
SE FORMIGUEIRO EXISTE  ALI  EM CONSTRUÇÃO,
COM QUE ÁGUA AS PROTEGEM DESTAS FERAS?
Esse solo do lunar por tantas eras
a devorar na maior ostentação...
Por que São Jorge não emprega o seu ferrão,
para espalhar inseticida  em tais esferas?
OU JÁ TRAVOU AMIZADE COM O DRAGÃO
E CADA VEZ QUE AVISTE UM FORMIGUEIRO,
ESTE É QUE VEM PARA FAZER FUMIGAÇÃO?
Já perfurado o solo do astro inteiro,
Sem seu trabalho de colaboração,
Talvez a Lua terminasse mais ligeiro!

CEM POMBAS DA SAUDADE 1 – 19 DEZEMBRO 2018
NA SAUDADE COMO POMBAS ME MANEIO,
EM CUJA PERNA PRENDEU-SE UMA MENSAGEM,
ANTES DE DAR-LHES DE NOVO O VÉU DA ARAGEM
EM RETORNO A SEU POMBAL, ÚNICO MEIO
dessa missão executar-se de permeio;
guardião do céu, voltada ao alto sua visagem,
seus olhos chispas rasgando em tal paisagem,
procura as pombas que lhe trazem seu correio.
EU NÃO TENHO UM POMBAL EM MEU TERRAÇO,
MAS MUITAS POMBAS SE AFEIÇOARAM NO BEIRAL
E ALI ARRULHAM, EM TORNO DA ALGEROSA;
de uma saudade anualmente trazem traço
e nidificam, em segurança virginal,
Minha solidão a chocarem, portentosa...

CEM POMBAS DA SAUDADE  2
CADA ARRULHO DE POMBA IGUAL PRESSÁGIO,
QUALQUER AGOURO BOM OU MAU PODERÁ SER;
HÁ MUITOS SÉCULOS, TALVEZ PUDE VIVER
NA ROMA ANTIGA, A PROCLAMAR SEU ÁGIO.
Do voo dos pássaros o fado era apanágio
e o interpretava com arúspice poder,
iria aos nobres avisar quem ia morrer
como em augúrio solene feito adágio.
MAS O COLÉGIO DOS PROFETAS SE EXTINGUIU
E NEM SEQUER FULGURATORES SUBSISTEM, (*)
CREEM HOJE HORÓSCOPOS, MAS NÃO NOS ADIVINHOS
e o próprio dom da profecia me insurgiu,
mas os profetas dos poetas são vizinhos,
brando o futuro nos versos com que insistem.
(*) Intérprete dos Raios.

CEM POMBAS DA SAUDADE 3
EM MINHA LEMBRANÇA JÁ ROMA SE DESBOTA,
AS POMBAS DE HOJE SÃO BRANCO-ACINZENTADAS,
POR QUE NÃO POSSO MAIS  TER POMBAS ENCARNADAS,
COM SUAS MENSAGENS DE MARTE EM DURA QUOTA?
Só a saudade lhes acompanha a rota,
os seus arrulhos cem constâncias já quebradas,
mesmo a saudade já corrompem madrugadas
só a solidão por sobre as calhas se denota.
NÃO QUE EU QUISESSE VOLTAR A SER PROFETA,
NÃO É ESSA PROFISSÃO A MAIS DILETA
E NINGUÉM MESMO HOJE OUVIDOS ME DARIA,
Mas as pombas me forçaram a ser poeta
pois cada leque de suas asas me traria
ou novo augúrio que nem eu escutaria!...

CORUJA I – 20 DEZEMBRO 18
       GAUDEAMUS IGITUR
 IUVENES DUM SUMUS
          POST IUCUNDA IUVENTUTEM,
         POST FUNESTA SENECTUTEM
               NOS HABEBIT HUMUS. (*)
Entre outras coisas, estudei filosofia
e deste modo, minha padroeira é uma coruja,
que me transfere sabedoria, cuja
ululação ao entardecer me guia;
muitos dizem que a coruja triste pia;
Alvarenga e Ranchinho, em canção suja,
o amor de duas caveiras de lambuja
descreveram e até traição que ali se via!

Mas para mim, o seu piar dolente,
que há muitos anos escuto, diariamente
traz mensagem de uma zen tranquilidade
e no Caminho do Meio me asseguro,
em minha inconvicta assimilação descrente
das promessas ainda a ver no meu futuro.
(*) Alegremo-nos portanto (agora), enquanto somos jovens;
Depois da alegre juventude, depois da triste senectude,
a terra nos possuirá (Hino Acadêmico).

CORUJA II

Meu Deus é o de Parmênides, o Ser
que açambarca em Si todo o universo,
fora do qual nada pode haver diverso
e mesmo o Fora assimila o seu poder.
Sendo perfeito, nenhum mal poderá ter,
que no dizer de São Paulo, esse converso
na estrada de Damasco, Ele é meu berço,
o meu sepulcro e todo o meu viver.

“Nele vivemos, nos movemos e existimos”,
sendo impossível ficar longe de Deus,
Ser infinito e, portanto, sem defeitos.
e tudo o mais que imaginar sentimos
antes já estava nos desígnios Seus,
por mais que nos pareçam imperfeitos.

CORUJA III

Pessoalmente, sou contra os tubarões,
os crocodilos e as similares pestes,
para a coruja necessário existam destes:
não se alimenta de escolopendras e escorpiões?
Dentro do Ser, contudo, não se encontram gradações,
por mais horrendas nos pareçam ou agrestes;
Do pensamento as mais arcanas vestes
existem sempre, concretas ou ilusões.

Assim o mal e apenas a outra face
dessa moeda multifacetada,
que rola sobre o manto como um dado
e nas figuras desse épode encantado, (*)
a profecia sem jaez perfeita dá-se,
podendo apenas ser mal interpretada.
(*) O manto divinatório dos antigos hebreus.

CORUJA IV

E a minha padroeira tranquilamente pia,
quiçá marcando apenas território,
para algum roedor som ilusório:
por que de sua presença avisaria?
Mas para mim a pipilar filosofia,
todo o meu som de poetar um emunctório,
cada soneto não mais que perfunctório:
sou eu que penso, mas a deidade cria.

E se algo fosse meu, por que o diria,
se não me importo com honra ou aceitação?
Pia a corujo no lusco-fusco, sem paixão.
Também os versos tampouco eu piaria,
não fossem pontos da grã tapeçaria,
em que a coruja me bica o coração!

QUITANDA DE TALENTOS I – 21 DEZ 18

Eu não duvido de possuir uma missão,
por mais pareça ser um anacronismo;
oscilo entre o cristão e o bramanismo,
sem nisso ver qualquer contradição;
de escrever versos sempre há uma ocasião,
neles defendo o meu supérfluo sincretismo,
minhas asas a farfalhar sobre um abismo,
com ceticismo arraigado ao coração.

Em mim contemplo tal feroz percepção,
sendo obrigado a processar a longa fila
desses poemas para a minha geração,
pois todos nós despetalamos coração
até abreviarmos nossa própria dimensão,
enquanto a vida, lentamente, nos mutila.

QUITANDA DE TALENTOS II

Fico a pensar, ao ver instrumentistas,
que tantos anos levam a desenvolver
suas técnicas brilhantes para, afinal, morrer,
para que serve a habilidade das conquistas,
depois que já seguiram humanas pistas...
O seu talento irá com eles se perder?
Morre o pintor e irá a pintura falecer?
Para onde vai o que sabe algum cientista?

Dizem alguns que tudo isto é uma ilusão,
que tais talentos não são mais que poeira
e como pólvora se acendem em explosão
nos cérebros de outrem que algo escutaria,
para trilharem o escorrer da mesma via,
como herdeiros do talento e da emoção.

QUITANDA DE TALENTOS III

Se for o caso, um talento não é meu,
mas dele sou um fiel depositário,
pois devo difundi-lo ou, ao contrário,
malbaratar esse dom que alguém me deu.
Talento algum então a mim já pertenceu:
eles esvoaçam ao redor, qual sagitário,
que lança as flechas de modo atrabiliário,
quem é atingido em breve o dom desenvolveu,

Enquanto o tenha em suas mãos para prender
ou espalhar como luz a seu redor,
que no sepulcro não haverá sabedoria,
mas nesta vida temos por dever
expor o artigo que nos deu o provedor,
com o máximo ardor que se teria!

QUITANDA DE TALENTOS IV

Será que, realmente, a coisa é assim?
Se só por algum tempo o dom nos vem
e assim possamos o empregar tão bem
quanto pudermos, até a morte, enfim?
E quando o corpo ressecar, como o jasmim,
nossas sementes a espalhar também
para aqueles que nos seguem e detêm,
por algum tempo, o cuidado do jardim?

De nada afirmo, mas não me apartarei
deste talento que há tempos me encontrou,
depois de outros que tive e se apartaram;
e enquanto for capaz, manejarei
a lançadeira da quimera que me achou,
até meus dedos seu labor cessarem.

PSICODESTINO I – 22 DEZ 2018

O que acontece, quando o pensamento
se afasta para longe, bem distante?
Algum poder teremos, dominante,
que controle o vaporoso filamento?
Quando se esquece ou se erra o julgamento
o que ocorreu, qual a jaça do diamante?
Terá o pensamento o seu talante
de te acolher ou te deixar por um momento?

Eu me refiro aos que do interior nos brotam,
não a essas modas que pululam pelo ar
e que de mimas querem alguns hoje chamar,
na linguística ignorância que denotam...
Penso naqueles que tuas memórias botam
pelas tuas redes neurais a palpitar...

PSICODESTINO II

Pois existem pensamentos e há emoções,
sendo importante fazer tais distinções,
uns vêm do córtex, outras do límbico sistema
e se sujeitam às mais diversas mutações.
Um pensamento possui um claro tema,
poderá ser expressado em qualquer sema,
já as emoções explodem em ocasiões,
manifestadas sem qualquer límpido lema.

Os pensamentos procedem da razão,
as emoções da estrebaria do animal,
erupções oriundas do hormonal;
os pensamentos a suportar contestação,
podendo assim sofrer transformação
mas as emoções são supernovas em geral.

PSICODESTINO III

Naturalmente, poderão ser controladas
ou dominadas por qualquer medicamento,
mas possuem características de portento,
algumas sendo criminalmente conformadas;
mas há emoções de flutuações aladas,
qual esse amor que nos traz contentamento,
qual o ciúme que nos brota em sofrimento,
mas também estas por feromones dominadas.

Já os pensamentos que nós mesmos concebemos
têm a própria lógica a nos trazer convicções,
embora muitos sejam apenas preconceitos
que nos dominam e algum mesmo percebemos
a nos impor com violência afirmações,
a enfumaçar para nós quaisquer defeitos.

PSICODESTINO IV

Quando se grafa no papel um pensamento
ou se o digita em qualquer computador,
reproduzindo o ensino de um inicial mentor,
de algum modo se lhe dá confirmamento
e retirada do anterior confinamento
essa ideia ou tal sentença mais vigor
irá adquirir, para expandir o seu valor,
mas não define seu destino em tal momento.

Bem ao contrário, irá esperar, sem desalento,
que alguém a leia, a fim de penetrar
em outra mente, para a poder colonizar
com seu poder e vigoroso julgamento,
que tal noção possa essa mente analisar
e ampliar o seu próprio entendimento.

PSICODESTINO V

Mas se for uma emoção que se permite
escapar de nossa mente sem controle,
a outro cérebro provavelmente engole
na geração que à sua símile concite.
É importante, destarte, que se evite
que o emocional ao pensamento esfole
e se escape para o mundo e nele enrole
outras mentes nessa raiva que ali incite.

Sempre existe quem o solte sem querer,
outrem que o faça propositadamente,
como um político a discursar ao povo,
a dominá-lo assim pelo poder
dessa emoção de cunho tão premente
que em cada mente reproduza seu renovo.

PSICODESTINO VI

Mas o que ocorre quando o pensante morre
e seu cérebro, bem depressa, se desmancha?
Algum fragmento de sua ideia então deslancha
ou com a alma todo o pensar concorre?
Talvez palpite por aí, tal qual discorre
o corpo astral por um tempo, em avalancha
e em qualquer outra mente então se arrancha
e com suas próprias intenções assim o forre.

Será que realmente isto acontece?
Terá a ideia a mesma força de uma prece
rezada em coro por fiel congregação?
De qualquer modo, é preciso ter cuidado,
que teu espírito se proteja de abalado
por outra vida ao encontrar consumação.

dom de intérprete I – 23 dez 2018

eu penso e luto com minhas endorfinas
e me basto a mim mesmo na procela;
são minhas órbitas caixilhos de janela
com que o mundo interpreto das retinas.

não são escravos das serotoninas
os cílios de minha vista, nem a estela
que forma-me o nariz, aquece e gela,
na entrega multicor das bailarinas

que me povoam os sonhos de vaidade;
mais acordado é que sonho, em devaneio,
enquanto expresso alheio sentimento,
sinto-me intérprete de toda a humanidade
e quanto ela produz em mim cerceio
no adrenalínico esplendor de meu tormento.

dom de intérprete II

não me foi dado o dom da profecia
e nem tampouco o dom da pregação;
um só talento me caiu na mão,
o dom de línguas que paulo descrevia

como o menor dos sete e afirmaria
que línguas são inúteis na ocasião
em que não haja outra mente em audição:
que então houvesse quem as interpretaria!

contudo, esse meu dom é apresentado
na mesma língua que minha gente fala,
sou eu mesmo que interpreto sua mensagem
e permaneço sem ser escutado,
porque a palavra escrita é muda e cala
e sem ser lida não passa de miragem.

dom de intérprete III

não obstante, muitas línguas aprendi,
na maioria sem a ajuda de ninguém
e o talento para línguas que se tem
me permite traduzir o quanto li

e muita história alheia eu traduzi,
todas elas escolhidas por alguém;
apenas uma eu sugeri também,
recomendada a um editor que vi.

as muitas outras sugestões não aceitaram
e como o tempo fosse sempre escasso
e continuasse morando no interior,
somente interpretei o que enviaram,
folha por folha, cada ponto e traço,
na plenitude e no cuidado do vigor.

dom de intérprete IV

contudo, toda a obra executada,
não mais compositor e instrumentista,
não mais ator das plateias na conquista,
não mais cantor com voz clara e educada,

nem mais como braçal trabalhador,
cortando lenha e de valas a abrir pista,
não mais como moldador e ceramista,
graças a deus, sem ser mais professor!

restou-me apenas a senda da poesia,
após ter sido até mesmo juiz de paz
e muito eficiente em datilografia;
nesta alameda achei enfim a minha valia,
que algum consolo a coração alheio traz,
neste inclemente expandir de sua harmonia.

CHAMAS BRANCAS I – 24 DEZ 2018

SOU UMA CHAMA AZUL FEITA DE PRANTO
POIS NÃO CONSUMO NADA DE CARBONO,
MEU COMBUSTÍVEL É A AUSÊNCIA DE MEU SONO,
NADA DE NEGRO EXPÕE-SE NO MEU CANTO,
NEM NADA AFIRMO EXISTIR NELE DE SANTO,
SEM SE EXPANDIR EM UM GUINCHAR DE MONO
E NEM SEQUER DO FOGO MEU SER DONO,
SOMENTE ENVERGO ALVISSAREIRO MANTO,
A CHAMA AZUL QUE SE FAZ BRANCA NO SANGUE,
PORÉM SEU FLUXO EM NADA SE AVERMELHA,
SOU DESCARNADO NA PENA DA AGONIA;
FOGO LILÁS A CINTILAR EM MANGUE,
UM FOGO VERDE EM LÍMPIDA CENTELHA,
FOGO ENCARNADO QUE EM PALIDEZ LUZIA,

CHAMAS BRANCAS II

TODA SAUDADE EM MIM FOI DESMAIADA,
SEM CHEGAR REALMENTE  A SE AGONIAR;
FOI MAIS SAUDADE DE BRANCO E AUSENTE MAR,
MINHA CHAMA BRANCA SEM TER CARVÃO ALÇADA;
ESSA AUSÊNCIA DE MIM IGUAL TAREFA RELATADA,
DOS PÂNTANOS DA ALMA EM MARESIA ALVAR,
SURGIU DE MIM EM PARESIA SINGULAR,
SEM MOVIMENTO, MINHA TORTURA APAZIGUADA;
TODA TRISTEZA DE MIM FOI INCLEMÊNCIA,
OS SONS CORRENDO EM ONDAS DIARIAMENTE,
A ME ENVOLVEREM COMO VESTES CLERICAIS.
A ZOMBARIA DE MIM FOI A IMPOTÊNCIA,
AO QUEIMAR-ME SEM DAR LUZ CIRCUNJACENTE,
CHAMA DE NADA EM BRANCO CANTO DE JOGRAIS.

CHAMAS BRANCAS III

O CALCINAR DE MIM NADA CREMOU,
FICOU MEU CORPO AUSENTE DE PERDÃO
FICOU A ALMA SEM CASTIGO OU REDENÇÃO,
NÃO RESTAM CINZAS, PORQUE NADA SE ESGOTOU;
FOI A ESCASSEZ DE MIM QUE SE QUEIMOU
E QUE SEUS OSSOS BANHOU NO CORAÇÃO,
ESSA ILUSÃO DE MIM FOI QUEIMAÇÃO,
ÁLGIDA FLAMA DO SUOR QUE REBROTOU;
ESSA SEMENTE DE MIM FOI NÍVEO FRUTO,
MURCHO FRUTO DA SEMENTE DE MIM MESMO,
RÍGIDO FRUTO DO CASCALHO SOLTO A ESMO,
BRANCA SAUDADE EM SEU ESTADO BRUTO,
NESSA CONFIANÇA NA TRAÍDA CONFIDÊNCIA,
NESSA REVOLTA SOBRE AS PIRAS DA PACIÊNCIA.

CHAMAS BRANCAS IV

ESSA CHAMA DE MIM SOPRA E RESSECA,
ENQUANTO ASCENDE, INVISIVEL, EM FUMAÇA;
CHAMA SEM COR, PORÉM DE PLENA GRAÇA,
CHAMA SEM OLHOS PARA VER SE PECA,
CHAMA COMPOSTA DE ALMÍSCAR E DE TECA,
CHAMA DE ANTÚRIO, DE MEIMENDRO BAÇA,
CHAMA BRANCA DE CICUTA EM MIM PERPASSA,
CHAMA DESERTA DE INESCRUTÁVEL MECA,
CHAMA DE AMÊNDOA COM SABOR DE SAL,
CHAMA DE AÇÚCAR EM COR DE TORVELINHO,
VESTES TALARES NA CREMAÇÃO DO MAL,
CHAMA GRISALHA DE GLICÍNIA MORTA,
CHAMA AMENTILHO, RESSAIBO DE AZEVINHO,
CHAMA DO VENTRE QUE EM PALIDEZ ABORTA!

CHAMAS BRANCAS V

A CHAMA É BRANCA POR NÃO TRAZER GEMIDO,
A CHAMA É BRANCA NO BERÇO DA RETORTA,
A CHAMA É BRANCA NO TÚMULO DA AORTA,
JÁ RESSECADA PELA AUSÊNCIA DE FLUÍDO;
A CHAMA É BRANCA NO VENTO PERSEGUIDO,
A CHAMA É BRANCA NA ESPUMA QUE CONFORTA,
A CHAMA É BRANCA NO DESDÉM QUE CORTA,
PAVIO QUEIMADO QUE NÃO MOSTROU LUZIDO;
A CHAMA É BRANCA, PORÉM EM NADA PURA,
NADA CONSOME E EVOLA-SE EM VAPOR,
A CHAMA É BRANCA E DESOLADA EM SEU RANCOR,
A CHAMA É BRANCA E ALÉM DA MORTE DURA,
CHAMA DE MIM NO MAIS TRÊMULO DESPEITO
DO COMBUSTÍVEL QUE JÁ ME FALTA AO PEITO.

CHAMAS BRANCAS VI

A CHAMA É BRANCA DE VIDRO TRANSPARENTE,
A CHAMA É BRANCA DE METAL FERVENTE,
A CHAMA É BRANCA DE FINA PORCELANA,
A CHAMA É BRANCA EM SEU CLARÃO GEMENTE,
A CHAMA É BRANCA EM CRIME EFERVESCENTE,
A CHAMA É BRANCA NA AUSÊNCIA DE UMA FLAMA,
A CHAMA É BRANCA NO VAZIO QUE IRMANA,
A CHAMA É BRANCA NO ARDOR QUE DALMA EMANA;
A CHAMA É BRANCA, MAS SEM FIO OPALESCENTE,
NENHUM MOMENTO DA CHAMA ENTAO PERDURA,
SEU TISNE PÁLIDO SOBE GRIS À LUA,
PERANTE O SOL NUM FOGO INDEPENDENTE,
PERANTE A CLARA ESTRELA QUE DESCURA,
CHAMA DE POEIRA A CONSUMIR MINHA RUA.

BOI DE PRESÉPIO I – 25 DEZEMBRO 2018

É tradição do presépio português
colocar no estábulo um burro e um boi;
ninguém explica, realmente, como foi
o boi reunir-se ao tal grupo de três,
Jesus, Maria e José, segundo lês
nas narrativas que em Evangelhos sói
ser incluída e que o tempo não destrói,
por mais que a tenham repetido tanta vez.

Entre os nórdicos, a tradição é a do pinheiro,
o ancestral Tannenbaum da velha crença,
como símbolo da vida, sempre verde,

durante o frio, colorido o ano inteiro,
mesmo a galhada sob a neve tensa,
memória antiga que o Cristianismo herde.

 BOI DE PRESÉPIO II

A presença das ovelhas é explicável;
afinal, se um pastor a estrela via
e se movesse até a estrebaria,
algum presente levaria a esse notável
pequeno Infante, Messias admirável,
que em Beth-Lehem, coroando a profecia,
havia de nascer e que se cria
restauraria de Israel futuro amável.

Provavalmente, levariam algum pelego,
a Terra Santa de permeio ao inverno
e até mesmo alguma ovelha é admissível.

Quanto ao burro, compreensível esse apego:
Maria grávida sobre o dorso terno
de um animal tão manso era possível...

BOI DE PRESÉPIO III

Afinal, nos menciona a narrativa,
que para o Egito viajou de burro,
acalentado o bebê ao som de zurro,
nessa viagem então árdua e primitiva;
e mais tarde, um jumento se cativa,
dirigido com carinho e com sussurro,
sem ser ferido por chibata ou murro,
para essa entrada que um triunfo ativa.

E a profecia do ínclito Isaias
já declarava ser essa a montaria
do Rei dos Reis ao adentrar Jerusalém.

Como o próprio distintivo do Messias,
que os inimigos do povo expulsaria,
trono davídico a restaurar também.

BOI DE PRESÉPIO IV

Mas e esse boi?  Presume-se estivesse
já sobre a palha dessa estrebaria
em que o casal com o nenê penetraria,
seu mugido a soar como uma prece...
no entanto, o que muita gente esquece
é que no Décimo Mandamento se fazia
alusão ao boi, que se não cobiçaria,
nem ao jumento ou o mais que alguém tivesse.

E caso alguém estranhar tal referência,
veja o Capítulo Vinte da Escritura,
no Pentateuco, no Êxodo ancestral.

Ali se lê, sem mostrar-se negligência,
a referência a cada criatura,
mais aos servos, campo e casa em eterno aval.

BOI DE PRESÉPIO V

Talvez assim a inclusão se justifique:
falam da força, de seu bafo de calor,
deste modo a acalentar Nosso Senhor,
mas há outra coisa que sua presença indique:
o solstício de inverno, que ali fique,
consagrado então a Mithra, o sucessor
de Ahura Mazda, no iraniano andor,
porém um chifre de touro talvez pique.

Antes um boi, animal manso e paciente,
domesticado havia milênios lá no Oriente,
pobre castrado, mas ainda cheio de vigor!

Ou então o boi que ali se colocou,
sabe-se lá se de fato não se achou,
na hospedaria, sem causar qualquer temor!

BOI DE PRESÉPIO VI

Minha avó fazia figurinhas de algodão,
com cola firme preso em armação
de arame, manuseado com paixão
para o presépio montado numa igreja;
que outro menor ao nosso lar proteja,
fantoches às dezenas nos parteja,
em eu-menino despertando a emoção:
muita criança tal presépio enfim deseja!

Havia enorme pinheiro natural,
sempre trazido de certa propriedade,
não a árvore completa, na verdade,

porém os galhos para a armação final
e aos pés da árvore, sempre o presépio foi,
numa choupana, ali guardado pelo boi!
William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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