RIMAS
SEM RIMA – 16-25/12/2018
NOVAS SÉRIES DE WILLIAM LAGOS
Rimas sem Rima (III) ... ... ... 16 dez 18
De Auréolas e Arandelas (III) ... ... ... 17 dez 18
As Aréolas Lunares (III) ... ... ... 18 dez 18
Cem Pombas da Saudade (III) ... ... ... 19 dez 18
Coruja (IV) ... ... ... 20 dez 18
Quitanda de Talentos (IV) ... ... ... 21 dez 18
Psicodestino (VI) ... ... ... 22 dez 18
Dom de Intérprete (IV) ... ... ... 23 dez 18
Chamas Brancas (VI) ... ... ... 24 dez 18
Boi de Presépio (VI) ... ... ... 25 dez 18
RIMAS SEM RIMA 1 –
16/12/2018
QUAL É A RIMA PARA
UM VERSO BRANCO?
PORÉM UM VERSO
BRANCO... NÃO TEM RIMA!
PARA O RIMAR O MEU
PENDOR SE INCLINA
E DE ALGUM MODO A
RIMA ASSIM DESTRANCO
ainda que fique o
verso um tanto manco,
a tropeçar nas
tranças da colina,
ao verso branco que
me tolhe a sina
de algum modo
qualquer rima arranco!
É BEM VERDADE QUE O
RITMO CONSERVA,
MANTÉM A MÉTRICA E
GUARDA SUA CESURA,
CASO CONTRÁRIO,
COMO HAVIA DE CANTAR?
Da melodia toda
poesia é serva
ou a poesia servirá
música pura:
uma ama a outra,
que à primeira busca amar.
RIMAS SEM RIMA 2
QUAL É A RIMA PARA O VERSO
LIVRE?
PORÉM UM VERSO LIVRE... NÃO TRAZ
RIMA!
NÃO POSSUI MÉTRICA NEM CESURA
FINA,
NEM SEQUER RITMO QUE SUA MARCHA
ATIVE!
E realmente, com um esforço
breve,
qualquer consoante a se podar
com lima,
com qualquer forma de rimar a
gente atina,
num arremedo de inspirada febre
QUE O VERSO LIVRE NÃO CONCEDE
LIBERDADE,
DESGASTA IDEIAS COM MAIOR
INTENSIDADE,
SEM CONSEGUI-LAS EM MELODIAS
COLOCAR.
Por isso tanta cançoneta, na
verdade,
que com melismas mal se pode
ritmar, (*)
mas se compensa com
sensualidade!
(*) Diversas notas em uma única
vogal.
RIMAS SEM RIMA 3
CONFESSO SEMPRE
SENTIR DIFICULDADE
NA TENTATIVA DE
VERSOS LIVRES ESCREVER;
A MINHA TENDÊNCIA É
NO CANTAR DIZER
E A RIMA IMPÕE-SE-ME
COM FEROCIDADE!
De certo modo
invejo até a capacidade
de quem consegue
versos brancos ter
sobre o papel, com
pleno e real prazer:
para mim ao custo
de tal operosidade!
NÃO É QUE EU QUEIRA
OUTROS MODELOS IMITAR,
MAS É QUE A RIMA EM
MIM CONSTANTE FLUI
ENTRE OS ARREIOS DA
MÉTRICA E CESURA
e me parece a
autocrítica faltar,
que alguma coisa no
verso livre rui,
sem a argamassa
branda da censura!...
De Auréolas e Arandelas I – 17 dezembro 2018
Vou contudo encarar o desafio:
Os meus dedos estão já entanguidos,
Não de frio, mas trêmulos de medo,
Neste calor buscando um calafrio,
Talvez do frio querendo a proteção
De uma arandela para afastar formigas!
Se não recordas, em pontos do jardim
Era costume pôr rodelas de cimento,
Com um sulco permanente no seu cunho,
Ao redor de uma mudinha meio virgem,
Que não se busca ver desvirginada
Pelas mandíbulas de um inseto estuprador
E nesse sulco se colocava água,
Vinha a formiga em busca da salada
As antenas a sondar o tal regato,
Fazia a volta, hesitante em seu pendor,
Para enfim retornar ao formigueiro,
Sem obter o pretendido resultado
E assim a muda, dentro da arandela
Prosperava até forte ficar...
Mas hoje em dia, até isso é proibido!
Água parada é criadouro de mosquito
E as arandelas já nem se pode achar!
De Auréolas e de
Arandelas II
Se a arandela ficasse
muito tempo
E a plantinha em
arbusto se tornasse,
Para em árvore
finalmente se aprestar,
Acabava por rachar
ante a pressão
Desse tronco já grosso
na ocasião,
Não mais podendo
defendê-lo contra insetos
E destarte era costume
retirar
A proteção de cimento
tão depressa
Se percebesse da muda
o crescimento,
Sem que chegasse ao
ponto de a quebrar,
Já forte o caule e
assim, as cortadeiras
Não poderiam mais
causar dano maior.
Muitas vezes, nos
canteiros do jardim
Via minha mãe nesse
procedimento,
E enquanto para não
rimar me esforço.
É como se algum anjo
da guarda,
A proteger as flores
da arandela,
Depusesse sobre mim o
aro da auréola
E de meus dedos
escorresse o halo
Que busca acima de
tudo o verso preso
E não o verso livre
que mais prende,
Enquanto o preso me
confere liberdade
Ou ali está alguma
ninfa do quintal
Ou hamadríade entocada
na figueira
Quiçá talvez um sátiro
bagual
A ressentir-se dos
versos imperfeitos,
Sem conseguir tocar
bem a sua flauta,
Transformando sua auréola
num pandeiro!
De Auréolas e Arandelas III
Entre a auréola e a arandela vejo a aréola,
Outro atributo também do circular;
Claro que existe ainda a areola,
Em que a areia sobre o solo se apresenta
A desafiar quem nela plantar tenta
(De novo a rima brotando de tocaia!)
Há quem tal chame a um canteiro circular,
Há quem nomeie o espaço avermelhado
Que se forma ao redor de uma vacina
E que por sorte se mantém contido
Até sumir do lugar assim ferido,
Com ele transportando a nova rima
Que outra vez saiu de sua emboscada!
Mas a aréola que mais prazer me traz
É essa que surge dos seios da mulher,
Ao redor de cada bico, acastanhada,
Avermelhada na mulher mais clara
E quase negra na mulher escura,
Em todas elas a mesma ditadura
Que me atrai e me atraiu desde bebê,
Mas em conotações bem diferentes,
Enfeitada por pequenas verruguinhas,
Os chamados Tubérculos de Morgagni,
Nome decerto de quem primeiro os descreveu,
Porém duvido que os ali tenha plantado,
Foi só o primeiro a ter o atrevimento
E com estes versos livres me contento!
AS
ARÉOLAS LUNARES 1 – 18 DEZ 18
DA
MADRUGADA CHEGA O TEMA SEMELHANTE
ÀQUELE COM QUE NA VÉSPERA BRINQUEI;
SINCERAMENTE,
DO VERSO LIVRE ME CANSEI,
POR
MAIS QUE PARA TI SEJA INTRIGANTE!
Esse
que eu quero é o verso mais brilhante,
com
que soneto mais gentil empreenderei,
que o
verso livre tal qual bagual achei,
maneado
em uma laçada deslizante,
MAS
AS ARÉOLAS QUE COROAM ALGUM SEIO
SÃO
IGUALMENTE PARTILHADAS PELA LUA,
COM
UM CÍRCULO CONCÊNTRICO EM ARANDELA,
irisado
com Selene em seu permeio,
dos
meteoros a proteger a deusa nua,
como
formigas a deflorar essa donzela!
AS
ARÉOLAS LUNARES 2
NA
VERDADE, ESSAS FORMIGAS ESTELARES
FACILMENTE SUPERAM
AS ARANDELAS,
PORTAS
ENCONTRAM, TAMBÉM ABREM JANELAS
E
ENTÃO MASTIGAM AS VASTIDÕES LUNARES.
Haverá
auréolas de arcanjos singulares
que
as protejam mais do que as aréolas?
Ou
traz São Jorge em torno ao elmo brancas
velas
Ou é
o Dragão com suas chispas milenares?
REBRILHA
UM HALO PARA TAL GUERREIRO,
TEM
DUAS ARÉOLAS NOS MAMILOS DE SEU SEIO,
USA O
DRAGÃO UMA AURÉOLA POR SUA VEZ?
E que
me dizem de seu cavalo parelheiro,
que
ao Verme também enfrenta sem receio,
em
tal empate secular que talvez crês?
AS
ARÉOLAS LUNARES 3
É ATÉ
POSSÍVEL QUE NA MULTIDÃO DE SUAS CRATERAS
PONHAM
ARANDELAS PARA A SUA PROTEÇÃO,
SE
FORMIGUEIRO EXISTE ALI EM CONSTRUÇÃO,
COM
QUE ÁGUA AS PROTEGEM DESTAS FERAS?
Esse
solo do lunar por tantas eras
a
devorar na maior ostentação...
Por
que São Jorge não emprega o seu ferrão,
para
espalhar inseticida em tais esferas?
OU JÁ
TRAVOU AMIZADE COM O DRAGÃO
E
CADA VEZ QUE AVISTE UM FORMIGUEIRO,
ESTE
É QUE VEM PARA FAZER FUMIGAÇÃO?
Já
perfurado o solo do astro inteiro,
Sem
seu trabalho de colaboração,
Talvez
a Lua terminasse mais ligeiro!
CEM POMBAS DA SAUDADE 1 – 19 DEZEMBRO 2018
NA SAUDADE COMO POMBAS ME MANEIO,
EM CUJA PERNA PRENDEU-SE UMA MENSAGEM,
ANTES DE DAR-LHES DE NOVO O VÉU DA ARAGEM
EM RETORNO A SEU POMBAL, ÚNICO MEIO
dessa missão executar-se de permeio;
guardião do céu, voltada ao alto sua visagem,
seus olhos chispas rasgando em tal paisagem,
procura as pombas que lhe trazem seu correio.
EU NÃO TENHO UM POMBAL EM MEU TERRAÇO,
MAS MUITAS POMBAS SE AFEIÇOARAM NO BEIRAL
E ALI ARRULHAM, EM TORNO DA ALGEROSA;
de uma saudade anualmente trazem traço
e nidificam, em segurança virginal,
Minha solidão a chocarem, portentosa...
CEM POMBAS DA SAUDADE 2
CADA ARRULHO DE POMBA IGUAL
PRESSÁGIO,
QUALQUER AGOURO BOM OU MAU PODERÁ
SER;
HÁ MUITOS SÉCULOS, TALVEZ PUDE
VIVER
NA ROMA ANTIGA, A PROCLAMAR SEU
ÁGIO.
Do voo dos pássaros o fado era apanágio
e o interpretava com arúspice
poder,
iria aos nobres avisar quem ia
morrer
como em augúrio solene feito
adágio.
MAS O COLÉGIO DOS PROFETAS SE
EXTINGUIU
E NEM SEQUER FULGURATORES
SUBSISTEM, (*)
CREEM HOJE HORÓSCOPOS, MAS NÃO
NOS ADIVINHOS
e o próprio dom da profecia me
insurgiu,
mas os profetas dos poetas são
vizinhos,
brando o futuro nos versos com
que insistem.
(*) Intérprete dos Raios.
CEM POMBAS DA SAUDADE 3
EM MINHA LEMBRANÇA JÁ ROMA SE DESBOTA,
AS POMBAS DE HOJE SÃO BRANCO-ACINZENTADAS,
POR QUE NÃO POSSO MAIS
TER POMBAS ENCARNADAS,
COM SUAS MENSAGENS DE MARTE EM DURA QUOTA?
Só a saudade lhes acompanha a rota,
os seus arrulhos cem constâncias já quebradas,
mesmo a saudade já corrompem madrugadas
só a solidão por sobre as calhas se denota.
NÃO QUE EU QUISESSE VOLTAR A SER PROFETA,
NÃO É ESSA PROFISSÃO A MAIS DILETA
E NINGUÉM MESMO HOJE OUVIDOS ME DARIA,
Mas as pombas me forçaram a ser poeta
pois cada leque de suas asas me traria
ou novo augúrio que nem eu escutaria!...
CORUJA I – 20
DEZEMBRO 18
GAUDEAMUS IGITUR
IUVENES DUM SUMUS
POST IUCUNDA
IUVENTUTEM,
POST FUNESTA
SENECTUTEM
NOS HABEBIT
HUMUS. (*)
Entre outras coisas,
estudei filosofia
e deste modo, minha
padroeira é uma coruja,
que me transfere sabedoria,
cuja
ululação ao
entardecer me guia;
muitos dizem que a
coruja triste pia;
Alvarenga e
Ranchinho, em canção suja,
o amor de duas
caveiras de lambuja
descreveram e até
traição que ali se via!
Mas para mim, o seu
piar dolente,
que há muitos anos escuto,
diariamente
traz mensagem de uma zen tranquilidade
e no Caminho do Meio
me asseguro,
em minha inconvicta
assimilação descrente
das promessas ainda a
ver no meu futuro.
(*) Alegremo-nos portanto
(agora), enquanto somos jovens;
Depois da alegre juventude,
depois da triste senectude,
a terra nos possuirá (Hino
Acadêmico).
CORUJA II
Meu Deus é o de Parmênides, o Ser
que açambarca em Si todo o universo,
fora do qual nada pode haver diverso
e mesmo o Fora assimila o seu poder.
Sendo perfeito, nenhum mal poderá ter,
que no dizer de São Paulo, esse converso
na estrada de Damasco, Ele é meu berço,
o meu sepulcro e todo o meu viver.
“Nele vivemos, nos movemos e existimos”,
sendo impossível ficar longe de Deus,
Ser infinito e, portanto, sem defeitos.
e tudo o mais que imaginar sentimos
antes já estava nos desígnios Seus,
por mais que nos pareçam imperfeitos.
CORUJA III
Pessoalmente, sou contra os tubarões,
os crocodilos e as similares pestes,
para a coruja necessário existam destes:
não se alimenta de escolopendras e escorpiões?
Dentro do Ser, contudo, não se encontram gradações,
por mais horrendas nos pareçam ou agrestes;
Do pensamento as mais arcanas vestes
existem sempre, concretas ou ilusões.
Assim o mal e apenas a outra face
dessa moeda multifacetada,
que rola sobre o manto como um dado
e nas figuras desse épode encantado, (*)
a profecia sem jaez perfeita dá-se,
podendo apenas ser mal interpretada.
(*)
O manto divinatório dos antigos hebreus.
CORUJA IV
E a minha padroeira
tranquilamente pia,
quiçá marcando apenas
território,
para algum roedor som
ilusório:
por que de sua
presença avisaria?
Mas para mim a
pipilar filosofia,
todo o meu som de
poetar um emunctório,
cada soneto não mais
que perfunctório:
sou eu que penso, mas
a deidade cria.
E se algo fosse meu,
por que o diria,
se não me importo com
honra ou aceitação?
Pia a corujo no
lusco-fusco, sem paixão.
Também os versos
tampouco eu piaria,
não fossem pontos da
grã tapeçaria,
em que a coruja me
bica o coração!
QUITANDA DE TALENTOS I – 21 DEZ 18
Eu não duvido de possuir uma missão,
por mais pareça ser um anacronismo;
oscilo entre o cristão e o bramanismo,
sem nisso ver qualquer contradição;
de escrever versos sempre há uma ocasião,
neles defendo o meu supérfluo sincretismo,
minhas asas a farfalhar sobre um abismo,
com ceticismo arraigado ao coração.
Em mim contemplo tal feroz percepção,
sendo obrigado a processar a longa fila
desses poemas para a minha geração,
pois todos nós despetalamos coração
até abreviarmos nossa própria dimensão,
enquanto a vida, lentamente, nos mutila.
QUITANDA DE TALENTOS
II
Fico a pensar, ao ver
instrumentistas,
que tantos anos levam
a desenvolver
suas técnicas
brilhantes para, afinal, morrer,
para que serve a
habilidade das conquistas,
depois que já seguiram
humanas pistas...
O seu talento irá com
eles se perder?
Morre o pintor e irá a
pintura falecer?
Para onde vai o que
sabe algum cientista?
Dizem alguns que tudo
isto é uma ilusão,
que tais talentos não
são mais que poeira
e como pólvora se
acendem em explosão
nos cérebros de outrem
que algo escutaria,
para trilharem o
escorrer da mesma via,
como herdeiros do
talento e da emoção.
QUITANDA DE TALENTOS
III
Se for o caso, um
talento não é meu,
mas dele sou um fiel
depositário,
pois devo difundi-lo
ou, ao contrário,
malbaratar esse dom
que alguém me deu.
Talento algum então a
mim já pertenceu:
eles esvoaçam ao
redor, qual sagitário,
que lança as flechas
de modo atrabiliário,
quem é atingido em
breve o dom desenvolveu,
Enquanto o tenha em
suas mãos para prender
ou espalhar como luz a
seu redor,
que no sepulcro não
haverá sabedoria,
mas nesta vida temos
por dever
expor o artigo que nos
deu o provedor,
com o máximo ardor que
se teria!
QUITANDA DE TALENTOS IV
Será que, realmente, a coisa é assim?
Se só por algum tempo o dom nos vem
e assim possamos o empregar tão bem
quanto pudermos, até a morte, enfim?
E quando o corpo ressecar, como o jasmim,
nossas sementes a espalhar também
para aqueles que nos seguem e detêm,
por algum tempo, o cuidado do jardim?
De nada afirmo, mas não me apartarei
deste talento que há tempos me encontrou,
depois de outros que tive e se apartaram;
e enquanto for capaz, manejarei
a lançadeira da quimera que me achou,
até meus dedos seu labor cessarem.
PSICODESTINO I – 22
DEZ 2018
O que acontece,
quando o pensamento
se afasta para
longe, bem distante?
Algum poder
teremos, dominante,
que controle o
vaporoso filamento?
Quando se esquece
ou se erra o julgamento
o que ocorreu, qual
a jaça do diamante?
Terá o pensamento o
seu talante
de te acolher ou te
deixar por um momento?
Eu me refiro aos
que do interior nos brotam,
não a essas modas
que pululam pelo ar
e que de mimas querem alguns hoje chamar,
na linguística
ignorância que denotam...
Penso naqueles que
tuas memórias botam
pelas tuas redes
neurais a palpitar...
PSICODESTINO II
Pois existem
pensamentos e há emoções,
sendo importante
fazer tais distinções,
uns vêm do córtex,
outras do límbico sistema
e se sujeitam às
mais diversas mutações.
Um pensamento
possui um claro tema,
poderá ser
expressado em qualquer sema,
já as emoções
explodem em ocasiões,
manifestadas sem
qualquer límpido lema.
Os pensamentos
procedem da razão,
as emoções da
estrebaria do animal,
erupções oriundas
do hormonal;
os pensamentos a
suportar contestação,
podendo assim
sofrer transformação
mas as emoções são
supernovas em geral.
PSICODESTINO III
Naturalmente,
poderão ser controladas
ou dominadas por
qualquer medicamento,
mas possuem
características de portento,
algumas sendo
criminalmente conformadas;
mas há emoções de
flutuações aladas,
qual esse amor que
nos traz contentamento,
qual o ciúme que
nos brota em sofrimento,
mas também estas
por feromones dominadas.
Já os pensamentos
que nós mesmos concebemos
têm a própria
lógica a nos trazer convicções,
embora muitos sejam
apenas preconceitos
que nos dominam e
algum mesmo percebemos
a nos impor com
violência afirmações,
a enfumaçar para
nós quaisquer defeitos.
PSICODESTINO IV
Quando se grafa no
papel um pensamento
ou se o digita em
qualquer computador,
reproduzindo o
ensino de um inicial mentor,
de algum modo se
lhe dá confirmamento
e retirada do
anterior confinamento
essa ideia ou tal
sentença mais vigor
irá adquirir, para
expandir o seu valor,
mas não define seu
destino em tal momento.
Bem ao contrário,
irá esperar, sem desalento,
que alguém a leia,
a fim de penetrar
em outra mente,
para a poder colonizar
com seu poder e
vigoroso julgamento,
que tal noção possa
essa mente analisar
e ampliar o seu
próprio entendimento.
PSICODESTINO V
Mas se for uma emoção
que se permite
escapar de nossa
mente sem controle,
a outro cérebro
provavelmente engole
na geração que à
sua símile concite.
É importante,
destarte, que se evite
que o emocional ao
pensamento esfole
e se escape para o
mundo e nele enrole
outras mentes nessa
raiva que ali incite.
Sempre existe quem
o solte sem querer,
outrem que o faça
propositadamente,
como um político a
discursar ao povo,
a dominá-lo assim
pelo poder
dessa emoção de
cunho tão premente
que em cada mente
reproduza seu renovo.
PSICODESTINO VI
Mas o que ocorre
quando o pensante morre
e seu cérebro, bem
depressa, se desmancha?
Algum fragmento de
sua ideia então deslancha
ou com a alma todo
o pensar concorre?
Talvez palpite por
aí, tal qual discorre
o corpo astral por
um tempo, em avalancha
e em qualquer outra
mente então se arrancha
e com suas próprias
intenções assim o forre.
Será que realmente
isto acontece?
Terá a ideia a
mesma força de uma prece
rezada em coro por
fiel congregação?
De qualquer modo, é
preciso ter cuidado,
que teu espírito se
proteja de abalado
por outra vida ao
encontrar consumação.
dom de intérprete I –
23 dez 2018
eu penso e luto com
minhas endorfinas
e me basto a mim mesmo
na procela;
são minhas órbitas
caixilhos de janela
com que o mundo
interpreto das retinas.
não são escravos das
serotoninas
os cílios de minha
vista, nem a estela
que forma-me o nariz,
aquece e gela,
na entrega multicor
das bailarinas
que me povoam os
sonhos de vaidade;
mais acordado é que
sonho, em devaneio,
enquanto expresso
alheio sentimento,
sinto-me intérprete de
toda a humanidade
e quanto ela produz em
mim cerceio
no adrenalínico
esplendor de meu tormento.
dom de intérprete II
não me foi dado o dom da profecia
e nem tampouco o dom da pregação;
um só talento me caiu na mão,
o dom de línguas que paulo descrevia
como o menor dos sete e afirmaria
que línguas são inúteis na ocasião
em que não haja outra mente em audição:
que então houvesse quem as interpretaria!
contudo, esse meu dom é apresentado
na mesma língua que minha gente fala,
sou eu mesmo que interpreto sua mensagem
e permaneço sem ser escutado,
porque a palavra escrita é muda e cala
e sem ser lida não passa de miragem.
dom de intérprete III
não obstante, muitas línguas aprendi,
na maioria sem a ajuda de ninguém
e o talento para línguas que se tem
me permite traduzir o quanto li
e muita história alheia eu traduzi,
todas elas escolhidas por alguém;
apenas uma eu sugeri também,
recomendada a um editor que vi.
as muitas outras sugestões não aceitaram
e como o tempo fosse sempre escasso
e continuasse morando no interior,
somente interpretei o que enviaram,
folha por folha, cada ponto e traço,
na plenitude e no cuidado do vigor.
dom de intérprete IV
contudo, toda a obra
executada,
não mais compositor e
instrumentista,
não mais ator das
plateias na conquista,
não mais cantor com
voz clara e educada,
nem mais como braçal
trabalhador,
cortando lenha e de
valas a abrir pista,
não mais como moldador
e ceramista,
graças a deus, sem ser
mais professor!
restou-me apenas a senda
da poesia,
após ter sido até
mesmo juiz de paz
e muito eficiente em
datilografia;
nesta alameda achei
enfim a minha valia,
que algum consolo a
coração alheio traz,
neste inclemente
expandir de sua harmonia.
CHAMAS BRANCAS I – 24 DEZ 2018
SOU UMA CHAMA AZUL FEITA DE PRANTO
POIS NÃO CONSUMO NADA DE CARBONO,
MEU COMBUSTÍVEL É A AUSÊNCIA DE MEU SONO,
NADA DE NEGRO EXPÕE-SE NO MEU CANTO,
NEM NADA AFIRMO EXISTIR NELE DE SANTO,
SEM SE EXPANDIR EM UM GUINCHAR DE MONO
E NEM SEQUER DO FOGO MEU SER DONO,
SOMENTE ENVERGO ALVISSAREIRO MANTO,
A CHAMA AZUL QUE SE FAZ BRANCA NO SANGUE,
PORÉM SEU FLUXO EM NADA SE AVERMELHA,
SOU DESCARNADO NA PENA DA AGONIA;
FOGO LILÁS A CINTILAR EM MANGUE,
UM FOGO VERDE EM LÍMPIDA CENTELHA,
FOGO ENCARNADO QUE EM PALIDEZ LUZIA,
CHAMAS BRANCAS II
TODA SAUDADE EM MIM FOI
DESMAIADA,
SEM CHEGAR REALMENTE A SE AGONIAR;
FOI MAIS SAUDADE DE BRANCO E
AUSENTE MAR,
MINHA CHAMA BRANCA SEM TER
CARVÃO ALÇADA;
ESSA AUSÊNCIA DE MIM IGUAL
TAREFA RELATADA,
DOS PÂNTANOS DA ALMA EM
MARESIA ALVAR,
SURGIU DE MIM EM PARESIA
SINGULAR,
SEM MOVIMENTO, MINHA TORTURA
APAZIGUADA;
TODA TRISTEZA DE MIM FOI
INCLEMÊNCIA,
OS SONS CORRENDO EM ONDAS
DIARIAMENTE,
A ME ENVOLVEREM COMO VESTES
CLERICAIS.
A ZOMBARIA DE MIM FOI A
IMPOTÊNCIA,
AO QUEIMAR-ME SEM DAR LUZ CIRCUNJACENTE,
CHAMA DE NADA EM BRANCO
CANTO DE JOGRAIS.
CHAMAS BRANCAS III
O CALCINAR DE MIM
NADA CREMOU,
FICOU MEU CORPO
AUSENTE DE PERDÃO
FICOU A ALMA SEM
CASTIGO OU REDENÇÃO,
NÃO RESTAM CINZAS,
PORQUE NADA SE ESGOTOU;
FOI A ESCASSEZ DE
MIM QUE SE QUEIMOU
E QUE SEUS OSSOS
BANHOU NO CORAÇÃO,
ESSA ILUSÃO DE MIM
FOI QUEIMAÇÃO,
ÁLGIDA FLAMA DO
SUOR QUE REBROTOU;
ESSA SEMENTE DE
MIM FOI NÍVEO FRUTO,
MURCHO FRUTO DA
SEMENTE DE MIM MESMO,
RÍGIDO FRUTO DO
CASCALHO SOLTO A ESMO,
BRANCA SAUDADE EM
SEU ESTADO BRUTO,
NESSA CONFIANÇA NA
TRAÍDA CONFIDÊNCIA,
NESSA REVOLTA
SOBRE AS PIRAS DA PACIÊNCIA.
CHAMAS BRANCAS IV
ESSA CHAMA DE MIM
SOPRA E RESSECA,
ENQUANTO ASCENDE,
INVISIVEL, EM FUMAÇA;
CHAMA SEM COR,
PORÉM DE PLENA GRAÇA,
CHAMA SEM OLHOS
PARA VER SE PECA,
CHAMA COMPOSTA DE
ALMÍSCAR E DE TECA,
CHAMA DE ANTÚRIO,
DE MEIMENDRO BAÇA,
CHAMA BRANCA DE
CICUTA EM MIM PERPASSA,
CHAMA DESERTA DE
INESCRUTÁVEL MECA,
CHAMA DE AMÊNDOA
COM SABOR DE SAL,
CHAMA DE AÇÚCAR EM
COR DE TORVELINHO,
VESTES TALARES NA
CREMAÇÃO DO MAL,
CHAMA GRISALHA DE
GLICÍNIA MORTA,
CHAMA AMENTILHO,
RESSAIBO DE AZEVINHO,
CHAMA DO VENTRE
QUE EM PALIDEZ ABORTA!
CHAMAS BRANCAS V
A CHAMA É BRANCA POR NÃO
TRAZER GEMIDO,
A CHAMA É BRANCA NO BERÇO DA
RETORTA,
A CHAMA É BRANCA NO TÚMULO
DA AORTA,
JÁ RESSECADA PELA AUSÊNCIA
DE FLUÍDO;
A CHAMA É BRANCA NO VENTO
PERSEGUIDO,
A CHAMA É BRANCA NA ESPUMA
QUE CONFORTA,
A CHAMA É BRANCA NO DESDÉM
QUE CORTA,
PAVIO QUEIMADO QUE NÃO
MOSTROU LUZIDO;
A CHAMA É BRANCA, PORÉM EM
NADA PURA,
NADA CONSOME E EVOLA-SE EM
VAPOR,
A CHAMA É BRANCA E DESOLADA
EM SEU RANCOR,
A CHAMA É BRANCA E ALÉM DA
MORTE DURA,
CHAMA DE MIM NO MAIS TRÊMULO
DESPEITO
DO COMBUSTÍVEL QUE JÁ ME
FALTA AO PEITO.
CHAMAS BRANCAS VI
A CHAMA É BRANCA DE VIDRO TRANSPARENTE,
A CHAMA É BRANCA DE METAL FERVENTE,
A CHAMA É BRANCA DE FINA PORCELANA,
A CHAMA É BRANCA EM SEU CLARÃO GEMENTE,
A CHAMA É BRANCA EM CRIME EFERVESCENTE,
A CHAMA É BRANCA NA AUSÊNCIA DE UMA FLAMA,
A CHAMA É BRANCA NO VAZIO QUE IRMANA,
A CHAMA É BRANCA NO ARDOR QUE DALMA EMANA;
A CHAMA É BRANCA, MAS SEM FIO OPALESCENTE,
NENHUM MOMENTO DA CHAMA ENTAO PERDURA,
SEU TISNE PÁLIDO SOBE GRIS À LUA,
PERANTE O SOL NUM FOGO INDEPENDENTE,
PERANTE A CLARA ESTRELA QUE DESCURA,
CHAMA DE POEIRA A CONSUMIR MINHA RUA.
BOI
DE PRESÉPIO I – 25 DEZEMBRO 2018
É
tradição do presépio português
colocar
no estábulo um burro e um boi;
ninguém
explica, realmente, como foi
o
boi reunir-se ao tal grupo de três,
Jesus,
Maria e José, segundo lês
nas
narrativas que em Evangelhos sói
ser
incluída e que o tempo não destrói,
por
mais que a tenham repetido tanta vez.
Entre
os nórdicos, a tradição é a do pinheiro,
o
ancestral Tannenbaum da velha crença,
como
símbolo da vida, sempre verde,
durante
o frio, colorido o ano inteiro,
mesmo
a galhada sob a neve tensa,
memória
antiga que o Cristianismo herde.
BOI
DE PRESÉPIO II
A presença das ovelhas é explicável;
afinal, se um pastor a estrela via
e se movesse até a estrebaria,
algum presente levaria a esse notável
pequeno Infante, Messias admirável,
que em Beth-Lehem, coroando a profecia,
havia de nascer e que se cria
restauraria de Israel futuro amável.
Provavalmente, levariam algum pelego,
a Terra Santa de permeio ao inverno
e até mesmo alguma ovelha é admissível.
Quanto ao burro, compreensível esse apego:
Maria grávida sobre o dorso terno
de um animal tão manso era possível...
BOI DE PRESÉPIO III
Afinal, nos menciona a narrativa,
que para o Egito viajou de burro,
acalentado o bebê ao som de zurro,
nessa viagem então árdua e primitiva;
e mais tarde, um jumento se cativa,
dirigido com carinho e com sussurro,
sem ser ferido por chibata ou murro,
para essa entrada que um triunfo ativa.
E a profecia do ínclito Isaias
já declarava ser essa a montaria
do Rei dos Reis ao adentrar Jerusalém.
Como o próprio distintivo do Messias,
que os inimigos do povo expulsaria,
trono davídico a restaurar também.
BOI DE PRESÉPIO IV
Mas e esse boi? Presume-se estivesse
já sobre a palha dessa estrebaria
em que o casal com o nenê penetraria,
seu mugido a soar como uma prece...
no entanto, o que muita gente esquece
é que no Décimo Mandamento se fazia
alusão ao boi, que se não cobiçaria,
nem ao jumento ou o mais que alguém
tivesse.
E caso alguém estranhar tal referência,
veja o Capítulo Vinte da Escritura,
no Pentateuco, no Êxodo ancestral.
Ali se lê, sem mostrar-se negligência,
a referência a cada criatura,
mais aos servos, campo e casa em eterno
aval.
BOI DE PRESÉPIO V
Talvez assim a inclusão se justifique:
falam da força, de seu bafo de calor,
deste modo a acalentar Nosso Senhor,
mas há outra coisa que sua presença
indique:
o solstício de inverno, que ali fique,
consagrado então a Mithra, o sucessor
de Ahura Mazda, no iraniano andor,
porém um chifre de touro talvez pique.
Antes um boi, animal manso e paciente,
domesticado havia milênios lá no Oriente,
pobre castrado, mas ainda cheio de vigor!
Ou então o boi que ali se colocou,
sabe-se lá se de fato não se achou,
na hospedaria, sem causar qualquer temor!
BOI
DE PRESÉPIO VI
Minha
avó fazia figurinhas de algodão,
com
cola firme preso em armação
de
arame, manuseado com paixão
para
o presépio montado numa igreja;
que
outro menor ao nosso lar proteja,
fantoches
às dezenas nos parteja,
em
eu-menino despertando a emoção:
muita
criança tal presépio enfim deseja!
Havia
enorme pinheiro natural,
sempre
trazido de certa propriedade,
não
a árvore completa, na verdade,
porém
os galhos para a armação final
e
aos pés da árvore, sempre o presépio foi,
numa
choupana, ali guardado pelo boi!
Recanto das Letras > Autores >
William Lagos
Brasilemversos >
brasilemversos-rs > William Lagos
Facebook > William Lagos
Nenhum comentário:
Postar um comentário