terça-feira, 6 de agosto de 2019




ESTRELAS DE ESTRELAS
NOVAS SÉRIES DE WILLIAM LAGOS
26 DEZEMBRO 2018 / 4 JANEIRO 2019

EstrelaS de estrelas (v) – 26 dez 2018
Runas recentes (IV) – 27 DEZ 2018
BARREIRAS MORTAIS (IV) – 28 DEZ 2018
HOMO UNIVERSALIS (IV) – 29 DEZ 2018
CELIBATO (iii) – 30 DEZ 2018
AMOR DE SOMBRA (iii) – 31 DEZ 2018
CANÇÃO DOS DIAS (vi) – 1º JAN 2019
DEMOLIÇÕES (iii) – 2 JAN 2019
SOFÁ AO RELENTO (iv) – 3 JAN 2019
ROLO DE MASSA (v) – 4 JAN 2019



ESTRELAS DE ESTRELAS I – 26/12/2018

em mim ressoa dos Anjos o clarim
e cada uma das Trombetas soa em mim

eu trago em mim as canções dos Serafins
e a majestade marcial dos Querubins

eu tenho em mim o troar das Potestades
e dos Arcanjos as aladas realidades

em mim revelam-se os Tronos poderosos,
Dominações de decretos portentosos

sou parte mínima da Comunhão dos Santos,
da Hagioeukomenis os sempiternos cantos

em arcanos tempos estive na Anasthasis
e o Redentor me acolheu em Apocalypsis

se agita em mim toda a Milícia celestial,
gota minúscula da Infinitude divinal

dormem em mim os Santos do passado,
qualquer que seja a extensão de seu pecado

ressoa em mim dos Apóstolos o coro,
com os Reis Magos ao presépio vou e adoro

dos Profetas habita em mim congregação,
aos quatro ventos proclamando sua missão

em mim os Mártires entoam salmo triunfante,
em seu desfile marchando sempre adiante

mas há em mim a negação dos Confessores,
não necessito de tais intercessores

faço parte do Ourobores serpentino,
a eterna Ecclésia de esplendoroso sino

já marchei com a Igreja Triunfante,
porém a Roda transportou-me adiante

em minha Sansara, sou Igreja Militante,
mas à política recuso-me constante

em meu futuro, sou Igreja Expectante,
desse tapete eterno um só barbante

mas tudo está em mim, que em Deus habito,
mesmo nos tempos de lástima ou conflito

pois Nele vivo, existo e sempre novo
a cada instante me reforça seu Renovo

sua Criação em mim é Continuada,
qual Leibniz proclamou com voz alada

e habita em mim Espinoza, esse judeu
que em Panteísmo o universo descreveu.

ESTRELAS DE ESTRELAS II

sou uma parte do total da Divindade,
pertencente e incluído na Deidade

há muitos séculos Parmênides afirmou
o Ser Perfeito em que tudo começou

e se é Perfeito, nada Dele existe fora
e se é Perfeito, ainda domina sobre o agora

lugar não há para a cronicidade,
somente existe a Simultaneidade

não há lugar para o próprio movimento,
pois abrange todo o espaço em um só momento

já Aristóteles foi um pouco mais além,
tornando imóvel a esse Deus também

e sendo imóvel, existiria na inação,
todos Seus Atos em sincronia estão

e se concebe no temporal o movimento,
diacrônico sendo todo o pensamento,

para Aristóteles esse Deus atemporal
nem sequer pensa sobre o Bem e o Mal

mas não é o Ser que Parmênides mostrou,
sendo infinito, de Si tudo criou

sendo infinito, tem Poder ilimitado,
dentro de Si em movimento continuado

sendo infinito, de tudo tem concepção
e multifários seus Pensamentos são

sendo infinito, não pode se expandir,
mas dentro em Si consegue se infundir

nesse contínuo existindo o Tempo e o Espaço,
ambos aspectos de um e o mesmo traço

nesse contínuo das probabilidades,
no Ilimitado das possibilidades

sendo infinito, também Onipotente,
Onisciente e em tudo Onipresente

sendo infinito, não há limite em Seu Poder,
seria finito sem poder crescer

sendo infinito, não se limita a Sua Razão,
seria finito o seu Pensar sem conclusão

sendo infinito, o Todo já criou,
nada de novo que qualquer homem pensou

sendo infinito, não se limita em sexo,
é Pai e Mãe e em variações conexo

ESTRELAS DE ESTRELAS III

sendo infinito, não pode ser descrito,
não há palavras em um cérebro finito

e no entretanto... é possível conceber
que em Ponto Quântico finito possa ser

e se essa ideia surgiu em ser humano,
em algum ponto há um Finito soberano

sendo infinito, contém igual a Finitude,
contradição que só ao humano ilude

sendo infinito, contém os mil Fractais,
repetições das concretudes naturais

sendo infinito, está do tempo Alheio,
mas em seu Seio o diacrônico tem veio

na infinitude o saltitar dos Quanta,
que se interligam pelo Poder que imanta

só desta forma a ser possível o Milagre,
que o imaginar também Nele consagre

se alguém em tal espanto possa crer,
certamente o Infinito o irá conter

alguns nos dizem haver Mundos Paralelos
a nosso lado, sem podermos vê-los

e desse modo, segue a Proposição
que em alguma feita nos extenda a mão

e nos transfira para diverso Plano
em que se faça possível tal arcano

se é infinito, é o Sumo Bem perfeito
e se é perfeito, nele a Ausência não tem leito

a própria ausência uma parte da Presença,
presente a ausência no fulgor da crença

e se ausência não há, tampouco existe o Mal,
do Bem a ausência sua definição real

contudo os seres materiais são imperfeitos,
por isso a Ausência neles rasga os eitos

não se percebem integrados no Abstrato
e assim o Mal dentro deles vive em fato

pela própria Ausência do Bem da Perfeição
e na Presença do Imperfeito nosso irmão

e por nos conhecermos Limitados
nesses vazios de Mal apelidados,

então possível a concepção do mal também
pela ausência imperfeita desse Bem

ESTRELAS DE ESTRELAS IV

o Bem Supremo também nos concebeu
e a Contingência assim nos concedeu

limitados que somos e imperfeitos,
na diacronia dessa Ausência feitos

mas no conjunto em plena Emulação,
ainda capazes de conceber a Perfeição

dentro de nós habitando o Bem e o Mal,
que concebemos como algo de vital

também assim nós fomos constituídos,
como Infinitos em imperfeição perdidos

por isso vivo e creio no impossível,
no concreto, o Milagre é inatingível

mas se imagino o milagre no Abstrato,
certamente é algures claro fato

não há portanto qualquer dicotomia,
tal qual Descartes nos insistiria

mas corpo e alma aspectos irmãos
na deiscência de mil sonhos vãos

essa serpente que forma a raça humana,
em que há mil séculos Ouroboros se proclama

e se é possível imaginar a Recorrência,
de que tudo e todos tenham dependência

então o Sono de Brahma é assim possível,
que expira e inspira em constância imarcessivel

e se podemos conceber a Expansão
do Universo, o Big Bang em formação

para depois em Big Crush se esmagar,
quando ao Princípio tudo há de retornar

sendo possível imaginar, então se encontra
e em qualquer parte esse Brahma se demonstra

mas se apenas respira e o mundo sonha,
não interfere em ocasião boa ou medonha,

pois tudo que hoje ocorre já Ocorreu
e no futuro por igual desvaneceu

para então retornar, todo e completo,
desde uma estrela até o menor inseto

se isto é concebível, de algum modo o é,
não sendo apenas uma questão de fé

para quem creia em tal concepção,
dessa eterna recorrência na imersão.

ESTRELAS DE ESTRELAS V

mas este deus da eterna recorrência
que tão somente respira a intermitência

não foge assim ao conceito do infinito
ou de outra forma também nele se acha inscrito?

e novamente eis a Relatividade
do tempo e espaço em face da Deidade

tudo o que existe sendo apenas Atributos,
sem dar razão para alegria ou lutos

contudo esse Deus Infinito não dormita,
indiferente a quem suplica e grita

se é infinito, por natureza é Bom
e sobre nós esparge esse seu Dom

mas o que é bom na verdade é o Cumprimento
dessa Obra que constitui nosso Talento

e se julgamos bom ou mau o que nos traz
é que alegria dá ou infelizes então faz

e sendo em natureza limitados,
seres do tempo, na Matéria concretados,

como podemos encarar a grande Imagem,
tapeçaria de imemorial paisagem?

pequenas células capazes de Inquietude,
que a cada qual fome e sede ainda ilude,

em sua busca antropocêntrica de um bem
que na sua Essência todo o mal contém

células somos que a um corpo pertencemos
e nessa Infinitude nos perdemos

Anjos e Arcanjos, doces Serafins,
Tronos, Dominações e Querubins

na gradação das divinas Potestades,
somente aspectos de Universalidades

que estão em mim como parte do Infinito,
no mar eterno da Deidade em que me agito

não há motivo para revolta ou incompreensão
dos Avatares em sua imensa multidão

e um Demiurgo igualmente em mim habita
que ao Microcosmo construir me incita

igual que esse Reitor de toda a Terra
que toda a imperfeição governa e encerra

e assim a leva a crescer e aperfeiçoar-se
para ao Deus Infinito então lançar-se

ESTRELAS DE ESTRELAS – EPÍLOGO

em cada Estrela se localiza um Trono
a governar suas instâncias com entono

e em seu conjunto se achará Dominação
a presidir sobre qualquer Constelação

e nas Galáxias dominam as Potestades
a se curvar perante excelsas Majestades

estrelas de estrelas formando as Sete Ordens
a refutar do Caos toda a desordem

e somos deuses por fazer parte do Todo
a aceitar o que nos cabe com denodo

e somos santos na nossa imperfeição,
um só Intercessor nos extendendo a mão

e assim entoo as canções do Serafins,
marchando ao lado dos augustos Querubins.

runas recenteS 1 – 27 dez 2018

Amor, perpetuidade passageira
que se abandona sem nunca se soltar,
que traz o fim já antes do começo,
que tem começo depois de terminar!

amor egoísta, emoção interesseira,
em busca fútil por perpétuo apreço,
amor pingente, a se usar como adereço
sobre o próprio coração a palpitar...

o que se espera que em ti eu possa achar
que no passado qualquer outro não achou?
o que dizer, quando nada existe novo,
quando tantos já te puderam revelar,
neste meu verso TRANSITÓRIo que eu estou
inutilmente a distribuir ao povo?

runas recentes 2

amor que tanta vez JÁ NAvida descrevi,
desde versos de um poeta apaixonado,
desde os ingênuos do amor atribulado,
quantos milhares já fui deixando por aqui?

mas pouco importa esse muito que escrevi,
o que interessa é o amor que tens guardado,
que no teu peito se encontra bem cuidado,
amor diverso, porém igual ao que eu senti.

pois todos nós nascemos feitos desse amor,
por gentil que tenha sido o crescimento,
por inseguro todo o nosso avivamento,
ainda algo sempre em nós mostra calor,
nem que seja o amor de um só momento,
que se descarta por nos trazer padecimento.

runas recentes 3

amor de mãe, que a maioria já teve,
amor de um par a quem se acarinhar,
amor exíguo que nos brota do sonhar,
amor da glória, sempre escassa e breve.

amor que ao coração manjar lhe ceve,
amor solerte no lusco-fusco a acampanar,
amor perfeito a nos acompanhar,
amor de mãe ou pai que a gente deve.

amor de sentimento que envergonha,
amor que até se finge desprezar,
amor de runas por batalha a se travar,
amor por versos em que um poeta sonha
e a poetiza até prefere nao mostrar,
por nao querer ser tomada por bisonha.

runas recenteS 4

mas sempre amor pelo mundo perseguido,
qualquer que seja o nome que lhe dês,
amor por deus ou santo no qual crês,
amor por um bem ganho ou mal havido,

pois bem conheces o amor em ti contido
e é somente em redundância que me lês,
dentro do peito está o amor real que vês,
dentro da alma, qual tesouro recolhido.

mas sem amor quem vive, cara amiga
ou bom amigo, mesmo que seja por ti mesmo,
esse amor pálido que já sofreu intriga
ou esse amor pela lembrança tão antiga
ou esse amor infeliz, lançado a esmo,
mesmo quando um outro amor não se consiga?

BARREIRAS MORTAIS I – 28 DEZ 18

Para falar francamente, eu me cansei
de escrever versos, tal qual eu desgastei
o meu ideal de amor, tal qual se foi
essa parelha paralela que gozei.

A vida é assim: aos poucos, ela rói
o bem e o mal; o tempo tudo mói;
em meu porvir outros ideais também terei,
mas essa perda dos antigos ainda dói.

Essa a razão de meus versos enlameados,
atolados em desânimo, empoeirados,
que não quero mais mostrar e entanto o faço,

sem brilho intrínseco, somente um fulgor baço,
de quem queria e não mais deseja abraço
e assim descrevo só meus sonhos descuidados.

BARREIRAS MORTAIS II

E no entretanto, por mais que esteja farto
de escrever versos, novos versos surgem,
de ser lançados ao mundo ainda me urgem,
pelas mil dores minúsculas de um parto,

cada soneto fibrilação de enfarto,
enquanto mil duendes em mim rugem
e os monstros de meu Id ainda mugem,
um Boi Ápis a escoicear quarto por quarto.

Frequentemente, a menção de uma barreira,
um “bloqueio de escritor”, assim chamado,
eu li algures ou então tenho escutado;

contudo, para mim a força inteira
se destina a impedir esta parada
de cada lástima e alegria derramada.

BARREIRAS MORTAIS III

Já muitas vezes pretendi parar,
mas pouco a pouco, insidiosa palavrinha
corria pelos dedos e assim tinha
de um novo rascunho elaborar,

em três ou mais a cada dia me atiçar,
cada soneto a protender gavinha,
que já em novo poema ou ladainha,
com azorrague fazia-me anotar.

Só conseguia mais garranchos empilhar
por um período sem nada digitar
e enfim na pilha de versos me afogava,

numa barreira mortal a me forçar
e no teclado novamente me empenhava
para uma parte do entulho dispersar...

BARREIRAS MORTAIS IV

Será que este, afinal, é algum dom
ou antes uma espécie de castigo,
para os autores que recebi comigo,
poetas mortos a me dar seu tom?

Do inconsciente coletivo o largo som,
de um avatar dionisíaco em abrigo,
de alguma pena que até hoje não consigo
completar, mas que na alma trago com?

Neste exercício de real futilidade,
a expandir em vão estas barreiras,
que em contrapeso ainda se fazem mais grosseiras,

porém que enfrento com serenidade,
nesta completa inversão de minha vaidade,
acumuladas assim desde as primeiras.

HOMO UNIVERSALIS I – 29 DEZ 2018

Eu me sinto flutuar em gelatina,
na superfície mole de minha vida,
nessa lama dolente e emurchecida
nem nado e nem afundo em triste sina.
Tão somente eu balanço essa cortina,
pastosa e transparente, comprimida
ao longo do futuro, amortecida,
frouxa demais para mover-me acima
e vejo a vida assim, convalescente
de medos e incertezas, de alegrias,
em paladar inócuo, que nem provo

e nas braçadas inodoras, repelente,
envolto nesse gel que em vão escovo,
na odisseia multicor das zombarias...

HOMO UNIVERSALIS II

Não é inteiramente de minha vida
a superfície sobre a qual flutuo,
mas composta de mil vidas.  Eu aguo
as flores secas de geração perdida,
as semprevivas da massa comprimida,
dos séculos de corpos que hoje amuo:
é a semente das eras que hoje suo,
na gelatina dos ancestrais contida,
no grande abismo plurimultissecular,
em que deixaram seus rastros permanentes
antepassados por mim indiferentes.

Mas que da cova vêm-me suportar
e sobre essa multidão ensimesmada
minhas próprias penas nao representam nada.

HOMO UNIVERSALIS III

Mas o protoplasma da carne que me aquece
é cópia autêntica do sêmen projetado,
de cada óvulo para o mundo derramado,
de cada maldição, de cada prece
da gelatina que flutua e me estremece
e afaga a alma de meu peito renovado,
na derme das mil almas do passado,
nesse místico espírito que em mim desce
e assim levanto a cortina, pouco a pouco,
sem realmente ter vontade de ver nada,
mas a memória celular em mim se agita.

E cada aspecto de cada sonho louco
dessa lembrança racial em mim gravada,
torna-me a ponta da facetada fita.

HOMO UNIVERSALIS IV

Mas sei que a ponta sou apenas temporária,
outros de mim no passado ali estiveram,
em seu esperma também me recolheram,
com seus óvulos a explorar a almaviária
e com os versos da rima multifária,
tantos milhares ou mais me sucederam,
quando eu me for os que me compreenderam
pelas pontas seguirão da chama vária
e assim me encontro no passado medieval
e remanesço no presente espiritual,
como tantos de antanho em mim se encontram,

desta minha raça derrotada e triunfal,
entre a perfídia e a glória que demonstram,
na circonvexa convecção do bem e mal.

CELIBATO I – 30 DEZEMBRO 2018

Amor tão decifrado e tão enigma
que abrange inteiramente as multidões,
tangendo cérebros, palpitando corações,
ao pecador enobrece, ao santo estigma.
Amor codificado em viés de sigma,
essa mão pálida que dá cor às emoções,
pastor de sonho e ovelha de ilusões,
em seu contrátil esplendor de esfigma.

Amor que é pássaro, pois sempre de nós voa
aonde deseja, onde talvez possa pousar,
onde mais possa alegrar, onde mais doa,
amor que é flor perpétua e emurchecida,
que dentre um mar de cinzas vem brotar,
por tanta vez nem sequer reconhecida...

CELIBATO II

Pois não é bom que o homem esteja só,
considerava já o Gênesis antigo,
no fundo dalma devo dar abrigo
a tal prodígio que em pouco vira pó,
amor que espera compartilhar o dó
de um coração com coração amigo,
esse amor que no ventre tens contigo,
mas que teu fígado aperta em forte nó.

Amor estrela que explode pelo olhar
e interpenetra outra estrela passageira,
amor que pode perdurar a vida inteira,
mas que é tão raro poder-se permutar,
quando amor desce e nao encontra o ideal
e se conforma finalmente ao desigual!...

CELIBATO III

Amor sexual feito igual celibatário
quando um corpo se desposa e a alma não,
quando a mente não penetra, amor anão
no gigantesco limiar, só amor diário,
amor saudade de um mágico contrário
que se reveste de nostálgica emoção,
enquanto o espírito renega essa paixão
e a seu redor se revolve, perdulário.

Amor que surge no canto das pupilas,
na inesperada magia periférica,
mas que encarado é o balançar de um galho,
amor desnudo, quase amor de esquilas,
enquanto a alma de descasca em dor homérica,
em sua odisseia que só provém de um ato falho.

AMOR DE SOMBRA I – 31 DEZ 2018

Amor noturno, amor tentacular
de sombras longas vertidas no passado,
enquanto o Sol, de seu berço encantado,
nascia jovem, ilusório e secular.

Amor diurno, mas também crepuscular,
sombras projeta para o ignorado,
amor tocaiador, todo embuçado
nesse porvir que só se pode imaginar.

E fica o jovem de coração airado,
olhando a seu redor, quer encontrar
esse amor de esperança, amor eivado

de uma certeza que não se pode achar,
esse amor inserido em brando mar
de cada feromônio respirado. 

AMOR DE SOMBRA II

Amor de adulto, que se sabe conformar
com a breve sombra que o meio-dia produz,
pequeno círculo em que a espera não reluz,
sem sua fantástica expansão mais esperar.

Mas tão real nesse seu irrealizar,
amor secreto por tal furtiva luz,
braços abertos, sem apoio em cruz,
em cruz alheia buscando-se apoiar.

Amor que busca guardar em sua gaiola
essa emoção que alimenta com carinho,
com néctar de sonho, mel e vinho,

amor que prende a vida, amor argola
contra o grilhão da quimera já perdida,
mas que em suspiro pode ainda ser contida.

AMOR DE SOMBRA III

Amor de sombra, já estendido no passado,
com todo o bem e o mal que revelou,
amor que tanta esperança esmiuçou,
falsos tesouros que em nós teve acumulado.

Amor de aliança com o ensejo confirmado,
amor chibata por desdém que nos mostrou,
amor diverso do amor que se sonhou,
porém em tudo amor real e vivenciado.

Amor de vento cantando na galhada,
por ser amado que nunca apareceu,
porém que às dádivas do sonho pertenceu,

enquanto a vida material ensimesmada,
sombra de espelho em que não mais refletes,
fez-se fantasma já desfeito em mil confetes...

canção dos dias I – 1º de janeiro de 2019
Um dia a outro dia canta uma canção
E uma noite aviva conhecimento a outra noite,
Sem fala e sem palavrasm sem se lhes ouvir a voz;
Contudo a Voz do Senhor atinge a extremidade da Terra
E ali pôs uma tenda para o Sol.
mais outro ano para mim se concluiu,
ainda que seja tão só no calendário,
já defasado de seu real fadário,
que a precessão dos equinócios diluiu
ao fim do ano, toda a tristeza nos ruiu,
nessa ilusão de um sonho plurifário;
que o novo ano será inteiro solidário,
nova esperança desde Janeiro nos fluiu.

que assim seja, talvez, para quem crê;
bem gostaria partilhasse desse anelo,
que o novel ano, de fato, seja belo,
mas para mim nada especial me lê
mais este dia do zodíaco alijado,
que nem sei se se adiantou ou está atrasado...

canção dos dias II

contudo, não distingo divergência
entre esse branco esperar da humanidade
e o ceticismo com que encaro essa saudade,
em nostalgia por sua ínclita impotência;
nem equinócios de gelidez ou ardência,
nem solstícios de real desigualdade
subsistem entre nós com claridade,
só a astronomia é que demarca sua existência.

mesmo nas datas que proclama o calendário,
há dois mil anos se demarcou o Juliano,
há seis séculos ou mais o Gregoriano
e certamente necessitam de reforma,
enquanto a Terra a seu redor se torna,
do Sol bebendo seu brilho perdulário...

canção dos dias III

como verdade real é só a passagem
dos dias claros como bons harpistas,
noites de breu que mal e mal avistas:
talvez se brindem num esconso de estalagem;
em minha epígrafe deixei como mensagem
a frase arcaica de tão vetustas pistas
que bom tropeço causou a alguns cientistas
em sua insistência contrária à vassalagem

do Sol à Terra, que a Igreja defendia,
em Geocentrismo, a condenar por heresia,
igual que a Lua e os Planetas a girar,
em torno ao solo em que nasceu o Salvador;
como ao Sol iria pagar então penhor
ou as Santas Escrituras contrariar?

canção dos dias IV

se nossa Terra possui extremidades
de que modo ostentaria a redondeza?
mil teólogos pregando na defesa
da Terra Plana contra as veleidades
dos filósofos pagãos de antiguidades,
a afirmar, em impiedade, sua certeza
de que houvesse rotação, vendo em lerdeza
na poesia a descrição de irrealidades.

e no entretanto, esta “tenda para o Sol”,
só uma belíssima figura de linguagem?
mas então seria este Hélios ou Apolo,
um deus pagão com morada ao pôr-do~sol,
após de carro percorrer toda a paisagem,
e no Ocidente acampar-se sobre o solo?

canção dos dias V

e contudo, e contudo... não sou eu
o primeiro a sugerir que o imaginado
no mundo seja por nós realizado:
só o que se pensa após isso sucedeu.
montanhosa Gaia no início pareceu,
o conceito de planura consagrado
na equipolência entre o monte mais airado
e a planície que até a praia se estendeu.

e se, de fato, só então tornou-se plana,
já foi progresso sobre a inicial concepção;
e quando enfim a redondeza se afirmou,
fez-se redonda, talvez apenas desde então;
e a cada vez que o imaginar se inflama,
mais complexa a criação então tornou!

canção dos dias VI

redonda sendo a Terra, se pensou
no movimento dos astros em entorno
e de fato, foi o Sol o nosso adorno
até Copérnico, que só morto publicou
o seu trabalho que a doutrina contrariou
e mais além as constelações em torno
foram galáxia e o pensamento morno
em Multiverso ao Universo transformou!

será que a Relatividade só surgiu
depois de Einstein? E o Quântico criou
Niels Bohr, na vez primeira em que o pensou?
e na simples natureza hoje há fractais...
nenhum Universo Paralelo ainda se viu...
mas no futuro, imaginaremos quanto mais?

DEMOLIÇÕES I – 2 jan 2019

 A meu redor, a cidade se desmancha,
bem diferente do que foi na minha infância;
tantas as casas dessa primária instância
já demolidas, para dar espaço e cancha

a um novo prédio,  aerodinâmico como lancha,
a projetar-se em esguia manigância,
enquanto os bairros, cheios de inconstância,
se disparam ao redor, em vasta mancha

e se demolem as calçadas dos fantasmas,
que em breve nem mais podem se orientar;
de antigos passos não conseguem encontrar

os vestígios e mal e mal os miasmas
que nos deixaram enquanto vivos foram,
desalojados dos abrigos em que moram...

DEMOLIÇÕES II

alguns prédios se dizem preservados,
na afirmação de seu valor histórico,
mas só depois do desmanchar já estentórico
dos mais antigos, que deviam ser guardados.

as lembranças dos infantes  espantados,
quando a fachada colonial, com toque dórico,
já não encontram,  porque algum teórico
decidiu  poderem ser já dispensados.

pleno descaso de seu plano diretor,
recompensa pecuniária em seu favor,
enquanto insistem em conservar cem casinholas,

porque a propina a seu bolso não chegou,
para o progresso mal disfarçadas molas,
quando o “tombar” por já tombado desprezou.

DEMOLIÇÕES III

assim calçadas antigas rebentadas
pelo pretexto de ajudar os deficientes,
rampas inúteis ao lado de existentes,
feias feridas ali superfaturadas!

e quantas almas dos corpos descarnadas,
aqui voltando para ver os seus parentes,
 não verão mais antigas pedras existentes
e ao cemitério volverão, desarvoradas!

isso é o progresso, segundo me disseram,
porém o mundo inteiro reconstrói
o que a guerra ou terremoto destruiu

e nós aqui, a quem os santos protegeram,
mais roedores do que o tempo rói,
baldios deixamos o que o tempo nao ruiu!

SOFÁ AO RELENTO I – 3 JAN 2019

Em minha rua existia um prédio antigo,
Mais de cem anos, talvez cento e cinquenta
Que a Esquina Maurity por longo ostenta,
Com dois andares e janelas de postigo.

No período da ereção, raro alguém tenta
Mais de um andar construir para consigo;
Não sei quem o elevou, nem que inimigo
O velho prédio herdou, que se sustenta

Por décadas a fio, sem se arruinar;
Há poucos anos haviam feito uma reforma,
Mas talvez fosse difícil de alugar

Ou o IPTU que a Prefeitura informa
Alto demais se acabasse por tornar
E o proprietário não quisesse mais pagar.

SOFÁ AO RELENTO II

Apenas vi um dia, ali passando,
Seis operários a fazer demolição
E um suspiro soltei de compaixão
Pela estrutura que já estava desabando.

Um tapume alguém depois foi colocando,
Meia calçada a tomar em agregação,
Na rua estreita provocando confusão
E certamente algum fiscal foi reclamando

E desta forma foi o tapume reerguido,
Porém sem mais agredir o meio-fio,
Do exterior das residências no sentido;

Porém caiu e foi erguido novamente,
De arame farpado passando mesmo um fio,
Firmando o resto que estava ainda pendente.

SOFÁ AO RELENTO III

Porém deixado assim tão mal fechado,
O capim a crescer onde era o assoalho
(algumas tiras de mármore, em ato falho
Eu fui pegando do solo abandonado),

Como depósito de lixo a ser usado,
Sacos de plástico, bolsas já com talho,
Para os mosquitos criadouro esse retalho,
Na pobre esquina só um fantasma apalermado,

Até que alguém da alma-penada teve pena
E ali jogou um sofá meio estourado,
Final recanto para ali ser assombrado

E a Prefeitura nem sei se algo condena!
Está o sofá como convite a algum mendigo,
A disputar ao abantesma o seu jazigo!...

SOFÁ AO RELENTO IV

Até parece que esta história é inventada!
Fica esta esquina na parte mais antiga
De minha cidade e é preciso que se diga,
Com a rua principal entrecruzada!...

Do outro lado da rua está a fachada
De um orfanato, hoje escola, em que se abriga
Uma joven multidão que ali consiga
Reprodução de uma doutrina autorizada.

Mas os mosquitos transmissores de doença,
Sem atenção demonstrar à velha crença,
Ali encontram vasto e belo criadouro,

Entre os tufos de capim e erva daninha,
Alegre adeja cada alada mosquitinha,
Seus filhotinhos a brincar no logradouro!

ROLO DE MASSA I – 4 JANEIRO 2019

Determinou-se aplicar tornozeleira
e nem por um instante se suponha
que a aplicação a um agressor me oponha,
de forma preventiva e corriqueira.
Assim se evita agressão mais derradeira,
em que o ciúme outra ferida ali reponha
quem restrição obedecer nem sequer sonha,
arma contra o feminicídio bem certeira.

Mas a moeda sempre tem dois lados...
e quando a sogra ou a mulher é a agressora,
estereotipada com seu rolo de massa,
quando os maridos é que são os espancados,
quando de casa em ameaça alguém os corra,
sem a seus filhos visitar deixar que o faça?

ROLO DE MASSA II

E nesse caso, a quem pode se queixar?
Deixar a ação nas mãos de advogado,
cada processo enganchado no passado
é sugestão até de se troçar!
Como à Delegacia da Mulher irá levar
o seu registro por ser igual lesado
que uma mulher que tivesse ele atacado...?
Será que ouvidos alguém irá lhe dar?

Não sei se existe já jurisprudência,
mas raro o homem a tomar essa atitude,
de ali encontrar só zombaria não se ilude
e assim aceita seu destino com paciência
ou acaso a lei mandará, por vez primeira,
que seja a sogra a usar tornozeleira?

ROLO DE MASSA III

E como fica a questão homossexual?
Em toda relação há um dominante
e um dominado desde o primeiro instante:
será o casal de dois maridos, afinal
ou um dos dois é a parte fraca do casal,
sendo espancado ou levado por adiante?
A quem se queixa esse triste litigante?
Tornozeleira impõe ao outro ordem legal?

E se o dominado é mais a esposa
e assim procede de maneira natural,
irá queixar-se na Delegacia da Mulher
e por mais feminina essa sua prosa
será tratado como um homem, afinal,
sem um registro obter-se ali sequer?

ROLO DE MASSA IV

Contudo, há mais... E se o relacionamento
tem um lésbico caráter mais social,
esposa-esposa, ou de forma artificial
a dominante é o marido em tal momento?
E que não haja aqui constrangimento,
uma jovem minha amiga, em um tal casal,
era a mais fraca por motivo consensual,
a sua Alpha a dominar o casamento.

Pois a espancou até causar-lhe a morte!
A Delegacia da Mulher acolheria
uma queixa da infeliz antes do corte
final de sua vida nesse norte
e a dominante forçada então seria
a usar tornozeleira de igual porte?

ROLO DE MASSA V

Neste caso, a questão é só teórica,
a minha amiga já sofreu feminicídio,
nesse tempo ainda a chamar-se de homicídio
(para mim, isso não passa de retórica!)
mas se existisse uma ficha já histórica,
com um registro de agressão por esse ofídio,
dessa mulher demonstrando seu insídio,
seria a pena algo mais do que simbólica?

E não se pense ser algo excepcional,
que em muitos casos existe espancamento
ou outra forma de domínio aqui aplicado...
Pois eu reclamo a proteção do homossexual,
tantas facetas nesse relacionamento,
que nem se trata de moeda, mas de dado!

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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