terça-feira, 13 de agosto de 2019



A TORRE DA NOITE
Novas Séries de William Lagos, 15-24/1/2019

A TORRE DA NOITE (III) -- 15 JAN 2019
INFRAÇÃO (IV) -- 16 JAN 2019
TRILHAS OBSCURAS (III) -- 17 JAN 2019
TROPOS (IV) -- 18 JAN 2019
OLHOS ÁRIDOS (IV) -- 19 JAN 2019
TÚNICA DE FOGO (III) -- 20 JAN 2019
SONO SEM VIDA (III) -- 21 JAN 2019
RAPINAS DE ARRIBAÇÃO (III) -- 22 JAN 2019
JORNADA INVERSA (III) – 23 JAN 2019
MOLAS DE AÇO (IV) -- 24 JAN 2019



A TORRE DA NOITE I – 15 JAN 2019

Meus olhos lavam as vidraças da janela
e como toalha, percorrem a escuridão;
no meu jardim, sombras somente estão,
só o caramanchão erguido como estela.

Igual fulgor, a estátua branca e bela
responde à Lua com seu pálido clarão,
quais duas estrelas as suas vistas girarão
junto à tocha assoprada como vela.

Mas os canteiros são apenas um borrão,
nem só uma flor ali parece palpitar,
só botões negros ante o ritmo estelar
e a romãzeira se ergue qual torreão,
cada galho sentinela militar
e as suas romãs, que iguais  granadas são.

A TORRE DA NOITE II

Esta símile em absoluto não é nova:
em espanhol, “romã” será “granada”
e a explosiva nessa fruta é inspirada,
duzentos grãos vermelhos nessa trova.

Porém de noite, embora o vento a mova,
a romãzeira é qual torre ali parada;
com orquídeas em parte é enfeitada
e a escuridão solerte nada aprova.

É só uma torre com múltiplos torreões;
magicamente, como estradas são os galhos
para as fadas e princesas que ali habitam,
cada romã traz invisíveis corações,
mas se tombarem, te atingem igual que malhos,
quando da noite os duendes as incitam.

A TORRE DA NOITE III

Enquanto isso, às costas, de emboscada,
tocam as horas no meu carrilhão;
com leve atraso sempre tocarão,
qual eu me atraso pela vida alada.

Se acendo a lâmpada, não verei mais nada,
mas os segundos tiquetaqueiam sem paixão
e pela escada me persegue a lentidão
desses minutos desgastando a madrugada.

E da noite a escuridão é outra torre,
muito maior ampla que a esgalhada romãzeira
e dentro dela me envolve até o pescoço,
tão implacável a prisão que então decorre,
desde que a noite imaginei, por vez primeira,
como as correntes de um vasto calabouço.

INFRAÇÃO I – 16 JAN 2019

NÃO SEI SE CONSTA DO CÓDIGO PENAL
ESSE CRIME DO VERSO PERPETRADO;
CASO CONSTASSE, EU SERIA CONDENADO
PELA INFRAÇÃO REINCIDENTE E RADICAL.

TIVESSE AO MENOS SÓ VERSOS GUARDADO,
SERIA UM CRIME OCULTO EM SEU TOTAL,
PORÉM CONFESSO A FEBRE PUERPERAL
QUE TRANSMITI COM MEU TEXTO ENVENENADO
DE BACTÉRIAS E VÍRUS DA INFLUÊNCIA:
SABE-SE LÁ QUANTOS VERSOS ESCREVERAM
EM DECORRÊNCIA DESTA MINHA INFECÇÃO!

NUNCA HOUVE ASSEPSIA EM MINHA TENDÊNCIA,
AS POBRES VÍTIMAS ÀS SENTENÇAS SE EXPUSERAM
QUE ACABARAM EM SENTENÇAS DE PRISÃO!

INFRAÇÃO II

SÃO INOCENTES!  A CULPA É TODA MINHA:
ESSE VÍRUS DA POESIA É BEM FAMINTO,
QUANTO MAIS O MEU SENTIR EM VERSOS PINTO,
TANTO MAIS FORTE DOS OUTROS SE AVIZINHA.

COMO SINTOMA A PROVAR A LADAINHA,
SÓ QUE NÃO POSSO EVITAR ISSO QUE SINTO
NEM EM VERSOS RESTRINGIR.  SE NÃO CONSINTO,
DE NOVO A FEBRE RECRUDESCE E EM MIM SE ALINHA
A ME FORÇAR A COMETER NOVA INFRAÇÃO!
SE POR DEZ DIAS FOSSE A PENALIDADE
POR CADA SONETO POR MIM EXPOSTO À VIDA,

UNS QUATROCENTOS MIL DIAS JÁ SERÃO
E NEM SEQUER ME ATREVO, NA VERDADE,
A COMPLETAR ESTA CONTA QUE É DEVIDA!

INFRAÇÃO III

CONTUDO TEMO QUE CONTRÁRIO SEJA O EFEITO,
QUE A CADA VEZ QUE O EXPONHA A ESTA EXPANSÃO,
QUALQUER CORRESPONDENTE ENCARE EM IRRISÃO
ESSE CHUVEIRO A QUE SE VÊ SUJEITO

E MESMO PASSE A ENCARAR, BEM CONTRAFEITO,
OS PRÓPRIOS VERSOS QUE GEROU A SUA INFRAÇÃO
E VÁ PERDENDO POUCO A POUCO A INSPIRAÇÃO,
SEM MAIS LHES DAR O SEU DEVIDO PREITO;
EM QUALQUER CASO, TODA A CULPA ASSUMIREI,
SEJA POR TER INSPIRADO A ALGUÉM CANTAR,
OU POR PODÁ-LA, SEM A QUERER CORTAR.

O TRISTE FATO É QUE DIANTE DELES EU PEQUEI,
DEIXANDO OS DEDOS NO TECLADO SALTITAR
E CEDO OU TARDE O PREÇO DISTO EU PAGAREI.

INFRAÇÃO IV,

PORÉM, SE FIELMENTE EU FOR SINCERO,
NÃO ME ARREPENDO POR EXPANDIR FORMATO
DE SONETO OU ALEXANDRINO, SEM RECATO,
E COMBATER O VERSO LIVRE ASSIM ESPERO.

INFECÇÃO QUE SE EXPALHOU DE MODO VERO
E CONTRA A QUAL SINCERAMENTE EU BATO
AO MEDÍOCRE DIUTURNAMENTE DESACATO,
A CADA VEZ QUE UM NOVO VERSO EU GERO!
CONFESSO QUE ESCREVI E NADA ALTERO
DESSES MEUS VERSOS DE FEBRE IMPALUDAL,
ANTES DESEJO QUE OS LEIAM EM SEU TOTAL.

E QUE OUTROS MAIS ESCREVAM, EU ESPERO,
AINDA QUE AFRONTEM NOSSO CÓDIGO PENAL,
NO MESMO RITMO DE UM CRIME CAPITAL!

TRILHAS OBSCURAS I – 17 JAN 2019

CONSIGO A NOITE SEMPRE TRAZ A ESCURIDÃO,
TORNANDO TODOS OS CAMINHOS OBSCUROS;
SEMPRE EVITAMOS DAR PASSOS IMPUROS,
SEM TER LANTERNA SEGURA EM NOSSA MÃO;
MAS JÁ SE ESPERA PELA NOITE A INQUIETAÇÃO,
E NOS MANTEMOS EM PONTOS MAIS SEGUROS,
EM NOSSA CASA OU GUARDADOS PELOS MUROS
DE UM HOTEL QUE NOS GARANTA A PROTEÇÃO.

DURANTE O DIA, SE ESPERA ANTES CLARIDADE,
AO PERCORREMOS FIRMES CADA SENDA,
NA SEGURANÇA QUE ESPERAMOS NOS ATENDA,
VENDO OBSTÁCULOS COM FACILIDADE,
DE LONGE ESTRANHO A DESPERTAR SUSPEITA
OU QUALQUER OUTRO PERIGO À NOSSA ESPREITA.

TRILHAS OBSCURAS II

MAS NÃO SE SABE O QUE O DIA NOS RESERVA
E SE NAS RUAS MARCHAMOS DESCUIDADOS,
SEMPRE PODEMOS POR ALI SER ASSALTADOS
OU EM PÂNICO ARRASTADOS POR CATERVA,
QUE À NOITE A PRECAUÇÃO MAIS NOS CONSERVA
E SE NOS DIAS CAMINHAMOS APRESSADOS,
ESPERAMOS SEGURANÇA HAVER DOS LADOS,
QUE NENHUM MAL NOS FIRA E NADA FERVA.

MAS É DE DIA QUE NOS CHEGA A ESCURIDADE,
QUANDO MENOS ESPERAMOS, NUMA ESQUINA,
ENQUANTO PISCA O SEMÁFORO E FASCINA
QUANDO CHEGA UM MOTORISTA, SEM MALDADE,
MAS POR PURA INDIFERENÇA, A ATROPELAR,
A LUZ VERMELHA PREFERINDO ULTRAPASSAR.

TRILHAS OBSCURAS III

MAS DIA CLARO AINDA TRAZ OUTRA ESCURIDÃO,
MAU CONSELHO QUE NOS DÁ UM FALSO AMIGO,
DE CORRUPÇÃO SEMPRE HAVENDO ALGUM PERIGO,
SEMPRE É MAIS FÁCIL SE TOMBAR EM TENTAÇÃO,
QUANDO DE DIA NOS ENFRENTA A MULTIDÃO:
TANTA MALDADE E TRISTEZA TRAZ CONSIGO,
DE TANTA MALÍCIA E TANTO ÓDIO É UM JAZIGO,
OLHOS SEM LÁGRIMAS NOS CONTEMPLARÃO

COMO POSSÍVEIS ALVOS, PREDADORES,
QUE CERTAMENTE À NOITE TAMBÉM SAEM,
MAS JÁ O ESPERAMOS E A OCASIAO SE EVITA,
ENQUANTO À LUZ DO SOL ÍNVIOS TERRORES
PROJETAM NEGRAS SOMBRAS QUE RECAEM
SOBRE A MALTA TURBULENTA QUE SE AGITA.

TROPOS I – 18 JAN 19

Durante a noite, as horas anunciadas
pelos relógios bem mais lentas nos parecem
e se há insônia, as ilusões florescem,
qual se essas horas se achem estagnadas.

Mas se trabalhas de permeio às madrugadas,
bem mais velozes tais minutos descem,
em especial quando urgências já te aquecem,
quaisquer tarefas a exigir-se terminadas.

Só que em momentos de mais simples devaneio,
parece o mundo mostrar-se mais distante,
sendo o tempo sobre o espaço celebrante

até mesmo sem tropismo de receio,
o coração já nos bate de ansiedade,
segundos passam e fica o sono na saudade.

TROPOS II

A bem dizer, o sono é até desnecessário,
dele esperas vir teus músculos soltar,
se bem que, às vezes, a tensão irá aumentar
e assim te acordes ainda mais tenso e solitário.

O sonho, sim, é teu real comissionário,
as tuas ondas cerebrais a massagear,
tuas ânsias com calor a marchetar,
cada momento de teu sonho é solidário.

O sonho é um tropo realmente bem diverso
do simples sono, primo-irmão da morte;
algum alívio se percebe no reverso

de teu deitar, sem divisar o porte
de teu tropo de sono assim converso
no que parece de um repouso apenas sorte.

TROPOS III

Mas nessas horas que o relógio marca
vêm, de repente, as recordações,
não aquelas que cálidas supões,
mas as injúrias que a memória abarca.

Humilhação a dominar como um monarca,
o remorso por longínquas más ações,
mais ainda por perdidas inações,
no malicioso sorriso de uma parca,

a mensurar o fio que ainda te resta,
antes que a irmã tome a tesoura de esquilar
e o barbante te corte, em ar de festa;

porém tentáculos te dirige o sofrimento,
mágoas de antanho vindo a confirmar
no coração cada mágoa de um momento.

TROPOS IV

Por que as boas lembranças espontâneas
não te surgem, em momentos de tocaia?
Brotam as más, somente, em triste vaia,
nas emboscadas dessas horas subitâneas.

E até mesmo te apresentam como infâmias
certas ações de ocasião feliz e gaia,
deformadas pelo tropo dessa raia,
em vez de fadas, ganhas beijos dessas lâmias.

Melhor, então, deixar de lado o leito
e se fazer qualquer coisa, inda que inútil,
para a tais súcubos não se ficar sujeito

ou a tais íncubos, da mulher marcando o peito,
nesse trópico de mágoas inconsútil
do inconsciente mastigando o seu despeito...

OLHOS ÁRIDOS I – 19 JAN 19

São olhos feitos de secura e de aridez
esses teus que perscrutam sombras pretas,
ali explorando desolaçoes secretas,
sem as lágrimas que sua lástima desfez;
não são, contudo, solitários em sua tês;
cada vista lança à outra turvas setas,
vesgos os olhos cujo olhar projetas
contra os espelhos em que as sombras lês,
mas olhos tristes de desdém e palidez,
a enviesarem um ao outro seu olhar
e nesse alvo, companhia vão buscar,
por sobre a ponte do nariz, prudente arnez,
que impede um olho contra o outro se lançar,
nesse abraço canibal em que não crês.

OLHOS ÁRIDOS II

São olhos feitos de lágrimas ausentes,
já muito viram e nada querem mais,
já não pretendem se encontrar jamais,
salvo em reflexos de cristais pendentes;
são olhos de tristeza e dor convalescentes,
suas solidões perfeitamente naturais;
têm companhia, porém são individuais,
em sua secura e em seu ardor independentes;
olhos suplicam do espelho à pitonisa,
pelo futuro que ainda hão de contemplar,
porém nada lhes responde essa adivinha;
se respondesse aonde o porvir pisa,
talvez os olhos não se pudessem descerrar,
na presciência da dor que se avizinha.

OLHOS ÁRIDOS III

Olhos formados na aridez do seu passado;
tanta lágrima já vertida, que esgotou;
em vão ao Oriente a sua voz chamou,
vão o Ocidente por eles convocado;
o olhar divisa só o presente de seu lado,
mas não consegue prender o que passou,
seja alegria, seja o mal que despertou
passou depressa e para o antanho foi chamado;
e se o fluxo peripatético da vida
for completado por vista desvalida,
com todo o benefício da surpresa,
já marcha além, qual torrente deslocado,
pois o fluir jamais pode ser tocado,
só entrevisto de um espelho na impureza.

OLHOS ÁRIDOS IV

E se esse fluxo perpassa e vai adiante,
leva consigo cada gota da emoção,
leva consigo a menor penetração
desse tempo tão casual e esvoaçante,
que ora passa lento ou delirante,
como sombra no escaninho da visão;
não pode o olhar gravar a sensação,
vira-se a página em apagar constante;
só o cérebro consegue algo gravar,
mas nada fica nos humores desse olhar,
só o conjunto ajustado por quiasma
e para o olhar sobra apenas a aridez,
sem mais chorar, como na infância fez,
pela mortalha que envolveu cada fantasma.

TÚNICA DE FOGO I – 20 JAN 2019

cada imagem suplicada do passado
nos envolve como túnica de fogo,
mas a emoção não tem poder de rogo,
cada impulso nos requeima, descuidado,
e logo segue seu caminho programado,
por outra sombra substituído logo,
dia após dia, em incessante jogo,
sem que o hoje tenha a véspera abraçado;
são apenas ilusões do grande rio
que nos parece constante em seu espaço,
mas nunca nele se dará segundo passo,
como Heráclito descreveu, no mundo frio
que do sol já não recebe mais calor:
só nos contempla em secular andor.

TÚNICA DE FOGO II

mas sua lembrança, por momentânea seja,,
é a veste talar que nós possuímos;
por um instante, ali nos revestimos,
no cinto e norte que a memória enseja,
fíbula sonho que nossos lábios beija,
quimera doce que nunca conseguimos,
fantasma agudo que nalma constituímos,
porém não somos nós – que o tempo aleija
qualquer edificação de permanência,
arranha o tempo somente de passagem,
por todo o espaço percutido na voragem
e o próprio tempo nos forja, com paciência,
hora por hora a queimar-nos no cadinho,
qual uma jóia ourivesada com carinho...

TÚNICA DE FOGO III

sempre é precisa a pira de um momento
para cremar o nosso passamento,
crucificada assim nesse portento
a forma antes desgarrada e protendida,
nessa ilusão que formava nossa vida,
no espaçotempo de palpitação sofrida,
tristes esfinges de asa já partida,
o nosso enigma decifrado em breve assento,
sem ter qualquer registro no calor
dessa flama de fogo que formou
qualquer momento de mais ingênuo amor,
cada tripúdio que a mente nos pregou,
já transformados por esse forjador,
enquanto a vida em seu vórtice dançou.

SONO SEM VIDA I – 21 JAN 19

Durante o sono, em aparência só de morte,
Mil minutos transcorrem sem ter vida,
Se bem tranquilo, o coração cura a ferida
Que o dia lhe trouxe da flexível sorte.

Sono sem sonhos é só da vida o corte,
Correm as horas sem dar-nos despedida,
Pois só burlaram a mente adormecida
E o inconsciente mal e mal lhes mede o porte.

Porém se o sonho nos chega, colorido,
O sono inteiro se anima de fragrância
E até as horas suspendem sua constância,

Nesse outro tempo que então se tem vivido,
Sonho vital para a dança das quimeras,
A redimir-nos por todas as esperas.

SONO SEM VIDA II

A ausência é feita de cinzas sem calor,
Toda a esperança em espera dolorosa,
Ou simplesmente em espera, como a rosa
Aguarda o orvalho para ter maior frescor.

Assim espera a noite inteira, sem vigor,
Fechado seu botão em dor formosa,
Cada ausência em dormência prestimosa,
Na incerteza de outra luz ter o pendor.

Mas chega o dia para nós, tal como à flor,
Aquela ausência disfarçada pelo sol,
Que já resseca o orvalho no arrebol,

Outra ilusão à espera desse amor
E os dias passam e dentro de semana,
Seca-se a flor e o perfume que a recama.

SONO SEM VIDA III

O mesmo ocorre com cada um de nós,
Em novo dia depositamos esperança,
Na mesma ingenuidade da criança
E do sono desatamos quaisquer nós

E assim nos damos para o novo algoz,
O dia sem sonhos a desfazer a trança,
Que tece a noite em busca da bonança,
Sempre desfeita ao nos notarmos sós.

Somente há vida quando nossa realidade
É temperada pelo hipogrifo da ilusão,
Que o real mundo não tem contemplação

Por quem não sonha com maior felicidade,
Longa que seja a final perseguição,
Em que o sonho mente haver perenidade.

Rapinas de Arribação 1 – 22 jan 2019

Há muita gente que têm fé no seu Zodíaco,
Provavelmente mais do que em Jesus,
Os Doze Signos respeitados mais que a Cruz...
Eu, pessoalmente, creio mais no osso ilíaco!

Muita gente têm mais fé no porfiríaco,
Manchas no olhar de um vermelho que reluz,
Semicegueira nesses olhos nus,
De algum vampiro semidemoníaco!

Motivos há para tal tipo de crença:
O Horóscopo do mundo é a mais antiga
Das religiões, tem talvez nove mil anos,

Desde o tempo dos Sumérios essa densa
Certeza de que há estrela nossa amiga
Ou que preside todos nossos desenganos!

Rapinas de Arribação 2

E muita gente acredita em um diabo,
Esse princípio do mal do Zoroastrismo,
Ahriman, a Ahura-Mazda em seu truísmo,
Ambos iguais em poder do início ao cabo!

Dizem alguns que satanás é sempre “brabo”
E não perdoa, em seu infando nihilismo;
Jeová é sempre bom nesse modismo
E o Seu poder de perdoar também eu gabo,

Mas esses tolos afirmam que é melhor
Dar apoio a um belzebu que não perdoe,
Do que a Deus, pois se pode arrepender,

Tendo esse Deus um seio bem maior
E que sua graça ao pecador se doe,
Mas que o maligno só o fará sofrer!

Rapinas de Arribação 3

E como estas, há tantas rapinantes
Que chegam pelo ar, crenças malignas,
Da bondade celestial todas indignas,
Sobrevivendo até hoje como dantes.

Mesmo em Ganesh, senhor dos elefantes,
Com longa tromba e orelhas bem insignas,
Ainda adorado em esdrúxulos querigmas, (*)
Transportado em andores delirantes!
(*) Doutrinas destinadas a provocar a conversão.

Nunca entendi porque ainda creem nos animais
Que os antigos pelos ares entreviram
E quais constelações no antanho os miram,

Delimitando ao Sol seus ancestrais,
Passeios por tais sendas inconscientes,
Em total alheiamento a tantos crentes!

JORNADA INVERSA I – 23 JAN 19

Árvore após árvore chegou, por mim passando,
pelo vidro posterior da viatura;
no assento ajoelhado, a visão pura,
embora em parte pela poeira se ia toldando.

Quaisquer pessoas também por lá iam ficando,
para trás, em uma longa investidura;
nos meus olhos de menino, em tal postura,
com certo espanto ia a corrida observando.

“Por que essa gente corre para trás?”
Eu recordo, em um momento, de indgar:
“Por que é que não caminham para a frente?”

Uma risada algo surpresa se compraz:
“É só ilusão!  Nós é que estamos a avançar
e deixando para trás toda essa gente!...”

JORNADA INVERSA II

Muito depois, a ilusão me acompanhou,
caso eu olhasse de um ônibus a fora
ou de algum trem abordado em meu outrora,
pois cada casa para trás se despencou!

O meu sorriso meio que se amarelou:
o mundo inteiro parecia-me ir embora,
só eu mesmo para a frente nessa hora:
Já sou adulto, porém nada demudou!

E mesmo a pé, a olhar para a calçada,
as tijoletas pareciam deslizar,
sentido inverso de meus passos a traçar,

linhas formando, cada qual a ser deixada
para trás, o que podia me estontear,
mas que eu sabia dizer pouco ou quase nada!

JORNADA INVERSA III

Já três quartos de século passaram
e a ilusão permanece igual que antes;
não são apenas tijoletas deslizantes,
que me fugiram e o caminho contrariaram.

Mas são as horas de minha vida que gastaram,
correndo leves ou em passos de elefantes,,
todas marchando para trás, tiquetaqueantes,
nenhumas delas a meu lado continuaram.

E me ressurge, outra vez, dilema antigo:
fui eu mesmo que marchei para a velhice
ou foram dias e anos zombeteiros

que correram inversamente a seu jazigo?
Existe um Chronos que até hoje de mim ri-se
ou eu que corro até os tropeços derradeiros?

MOLAS DE AÇO I – 24 JAN 2019

AMOR PERDIDO É COMO UM NÓ DE AÇO,
EM FARRAPOS DE AUTOMÓVEL ESMAGADO,
AS FARPAS DE METAL INTERCALADO
NOS TEUS TECIDOS, CORTANDO-TE O REGAÇO.

AMOR PERDIDO É COMO UM VÉU DE ESPAÇO,
SÓLIDO AR QUE TEUS PULMÕES TEM SUFOCADO,
VAPOR INGENTE EM GELO TRANSFORMADO,
QUE AS VEIAS TE ROMPE NESSE ABRAÇO.

PORQUE É A AUSÊNCIA QUE MAIS LUGAR OCUPA,
DE BEM MAIOR VOLUME QUE A PRESENÇA,
ELA SE EXPANDE EM ARTÉRIA E CORAÇÃO.

E NUM COÁGULO TUA LEMBRANÇA AGRUPA
DO TEMPO EM QUE VIVESTE A INICIAL CRENÇA
QUE TE INTEIROU NO INSTANTE DA PAIXÃO.

MOLAS DE AÇO II

AMOR PERDIDO NÃO MAIS SE RECUPERA,
FICA A LEMBRANÇA, TAL COMO O SEGURO,
QUE SE FOI PAGO A TEMPO, SEM DESCURO,
NOVO AUTOMÓVEL EM TUA GARAGEM GERA.

MAS SE O ANTERIOR DE ESTIMAÇÃO QUE  ERA
AGORA SEGUE AO DESMANCHE DO MONTURO,
O CARRO NOVO TE TRAZ TOQUE DE IMPURO
NO SEU PERFUME NOVO, COM QUE ALTERA

O ANTIGO AMOR POR NOVO AMOR RECENTE,
COM O QUAL TE ACOSTUMAS, CERTAMENTE,
VENDO O FANTASMA DISSIPAR-SE AOS POUCOS,

MAS PERMANECE NO CORAÇÃO FREMENTE,
PELO PRAZER DAQUELES ANOS LOUCOS,
EM QUE CORRIA CONTIGO ALEGREMENTE!...

MOLAS DE AÇO III

O AMOR NOVO, POR MAIS SATISFATÓRIO,
A PREENCHER-TE O VENTRE E O CORAÇÃO,
O SEU PERFUME A TE INFLAR CADA PULMÃO,
POR MAIS REMÉDIO TE SEJA COMPULSÓRIO,

POR MAIS ESQUEÇAS DE UM JEITO PERFUNCTÓRIO
O AMOR ANTIGO QUE SE FOI EM EXALAÇÃO,
POR MAIS CIÚME QUE PROVOQUE TAL MENÇÃO,
POR MAIS PAREÇA DOLOROSO OU IRRISÓRIO,

LÁ CONTINUA, COMO AS FARPAS DE METAL,
A CONSTRANGER TEU MÚSCULO CARDÍACO,
UMA DOR BREVE QUE TE PERCORRE A AORTA,

QUE ENTÃO ESPANTAS COMO SENDO ALGO IRREAL,
MAS AINDA BRILHA, FEITO ESTRELA DO ZODÍACO,
SEMPRE A ESPIAR O NOVO AMOR QUE TE CONFORTA!

MOLAS DE AÇO IV

PIOR AINDA, SE NÃO HÁ ESSE AMOR NOVO,
O AMOR ANTIGO AINDA FERIDA A SUPURAR,
NA GRANDE AUSÊNCIA QUE A TI VEM ESMAGAR,
EM CADA INSTANTE A MÁGOA EM SEU RENOVO.

AMOR PRIMEIRO, QUE NO DIZER DO POVO,
JAMAIS SE ESQUECE, AMOR DE TE ASSOMBRAR,
QUE AINDA PODES CULTUAR OU DESPREZAR,
MAS QUE SE PLANTA NO INCONSCIENTE QUAL ESTORVO,

UMA LEMBRANÇA CASUAL, PORÉM QUE ALEIJA
E QUE TE FORÇA, ÀS VEZES, A MENTIR
A QUEM A VIDA CONTIGO HOJE PARTILHA

QUE É UM DEVER ABORRECIDO QUE SE ENSEJA
OU UM PESADELO QUE SE LEMBRA APÓS DORMIR
E NÃO A ANGÚSTIA DE TUA SAUDADE FILHA!


William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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