LAMPEJOS –
5/14/JAN/2019
NOVAS SÉRIES DE
WILLIAM LAGOS
Lampejos (IV) ... ... ... 5 jan 2019
Visão Holística (IV) ... ... ... 6 jan 2019
Planchadeiras (VI) ... ... ... 7 jan 2019
Sinarquia (III) ... ... ... 8 jan 2019
Ressonância (VII) ... ... ... 9 jan 2019
Ruptura (III) ... ... ... 10 jan 2019
Diafanidade (III) ... ... ... 11 jan 2019
Olhos de Fogo (III) ... ... ... 12 jan 2019
No Prisma do Verso (III) ... ... ... 13 jan 2019
Musas Inconscientes (III) ... ... ... 14 jan 2019
LAMPEJOS I – 5 JAN 2019
Eu creio na mulher que não conheço,
precisamente porque nunca a vi;
se a conhecesse, dizer que nela cri
não poderia, pois se a vejo, não a esqueço,
porém no onírico mundo, quando desço,
provavelmente já a encontrei ali
e nos meus braços decerto a recebi,
tendo dela usufruído o pleno apreço.
Mas a censura do sonho só permite
que dela me recorde por lampejos,
na comissura dos lábios os seus beijos
são um resíduo que de súbito me incite
a despertar em plena madrugada,
sem que do sonho recorde de mais nada.
LAMPEJOS II
Só de repente, no meio da jornada,
por um momento de incauta distração,
em um cochilo a piscar nessa ocasião,
como uma chispa de mágica encantada,
percorre o córtex em velas de ilusão
a leve face em meus ombros debruçada,
um perfume fugaz, carícia perpetrada,
para a seguir deixar-me apenas
confusão.
Algumas vezes, nem percebo no momento;
é só depois que um arrepio me
percorre,
na subitânea percepção desse
impossível
e a guardo então, nesse compartimento
em que o fantástico sobre a treva
escorre,
como imagem incompleta do invisível.
LAMPEJOS III
Como saber se esse rosto imaginado,
cujos traços indefinidos permanecem
ou esses toques e palores que me
aquecem
nada mais são que lembranças do
passado,
quaisquer coisas que antes tenha contemplado
em filme ou quadro a óleo, que não
cessem
de me assombrar, que em zombaria
descem
como panfletos do inconsciente
apalermado.
Ou fragmento na memória conservado
dos momentos da infância, de meu
berço,
rostos difusos que então tinha
contemplado,
esses corpos que só vi pela metade,
interpretados somente pelo inverso
ensimesmado nesta natividade?
LAMPEJOS IV
Ou se é verdade que nada a gente esquece,
mesmo sutil e fugaz percepção,
posso lembrar um casual toque de mão,
inconsequente, de alguém que a rua desce
enquanto eu subo; a proximidade cresce,
toda insensível, cada qual no seu roldão,
mal e mal registrada a sensação,
incauta mesmo, porém que nunca cesse...
Ou então foi algo que dos livros retirei
ou de qualquer triste caco de poesia,
que impressionou meu frágil coração?
Ou tal mulher, que sei jamais verei,
mas em que creio, no irreal em que a sentia
a mim me gesta em suas fraldas de ilusão?
VISÃO HOLÍSTICA I – 6 JAN 2019
Meu conceber da companheira ideal
é mais um espelho rasgado em mil estilhas,
essas tésseras de prata simples ilhas,
as lantejoulas de descorado carnaval
na mente escusa de um arlequim jogral,
uma colcha de retalhos, velhas bilhas
quebradas nessas lascas que perfilhas
das ruínas arqueológicas do irreal.
E nesse espelho de rachaduras
marchetado,
aqui um cílio, logo ali vejo um nariz,
adiante a sombra de um braço
acalentado,
em outra um som que no antanho captei,
além um gosto que não tive porém quis,
rastro de um rápido olor que mal
notei.
VISÃO HOLÍSTICA II
Mulher mosaico a refletir o sol,
um olhar triste e breve de passagem,
talvez um fio de cabelo, que na aragem
prendeu-se em minha lapela qual anzol
ou um sentimento do mais puro escol
que me flutuou contra o rosto sem
coragem
de ali permanecer, seguiu voragem,
já ressequido pelo próximo arrebol.
Ou um pensamento qualquer, até rancor,
não por mim, porque nem me conhecia,
mas por alguém que sua vida malferia
e no ar se diluiu, breve sabor,
minhas papilas por instante
estimulando,
feito um passado já de cores desbotando.
VISÃO HOLÍSTICA III
Ou de algum modo, em pura altaneria,
minha mente esmagou vinte passantes
em uma só, perfeita como dantes
fora o padrão que minhalma mais queria
e dessas vinte uma só conceberia
como imagem fugaz gerando instantes,
esses meus olhos ferozes rapinantes,
numa emboscada que um pouco pilharia
de cada uma, para encher o meu farnel,
igual pequenos tesouros de criança,
uma boneca com desgrenhada trança
ou o desfile marcial de algum quartel
ou algum pássaro pousado num carvalho,
olhar de gato a espreitá-lo de algum
galho.
VISÃO HOLÍSTICA IV
Pois não desejo essa mulher
individual,
essa metade platônica e imperfeita,
mas um conjunto da perfeição que
estreita
a Terra inteira em meu poder
conceptual,
nos olhos tendo o céu e o albor do
sal,
o chão nas pernas, uma pedra ali se
ajeita,
no ventre a compaixão com que me
aceita,
nesta minha forma de amor desnatural.
Mulher ikebana, humana, terra e céu,
a mulher zen da mais gentil meditação,
novo avatar que Krishna formou
de todo o feminino em humano véu,
a virgem prostituta, a indagação
sobre o destino que às espreitas me
tocou.
PLANCHADEIRAS I – 7
JAN 19
Antigamente
trabalhavam planchadeiras,
que às casas iam
bissemanalmente
para passar as roupas,
labor cálido e eficiente
em cuidadoso acompanhar
das lavadeiras.
Haviam certas
sinergias passageiras;
a lavadeira aceitando,
humildemente,
o rol da roupa, e num
tráfego paciente
levando as trouxas às
margens das ribeiras.
Depois trazia tudo já
limpo e amarrado
em um lençol que
equilibrava na cabeça;
o rol conferido, após
feito o pagamento,
chegava a planchadeira
e com cuidado
sob o olhar que nenhum
detalhe esqueça
de sua “patrona”,
procedia ao passamento.
PLANCHADEIRAS II
Era de fato necessária
profissão,
porque as roupas de
festa ela engomava
e algum pequeno
detalhe costurava
nalgum bordado que
ofendera a lavação.
Da roupa toda a
conferir cada botão
vinha a dona da casa,
que encontrava
qualquer dobrinha que
menos lhe agradava,
a tarefa a repetir sem
discussão.
Claro que havendo
maior prosperidade
e dependências se
mostrando suficientes,
tais planchadeiras
seriam permanentes.
Ferros com brasa
abastecidos, na verdade,
podendo mesmo causar
leves queimaduras
sobre os tecidos suas
silhuetas mais impuras.
PLANCHADEIRAS III
Era outra época e extensas as fazendas,
alojamentos para toda a peonada,
cada família em seus quartos arranchada,
os homens a percorrer do campo as sendas,
as mulheres cozinhando ou indo às vendas
buscar os alimentos; cada vaca era “apojada”,
alguma ovelha diariamente era carneada,
quaisquer galinhas depenadas pelas “prendas”.
E como havia muitas filhas por casal,
algumas eram “dadas” para se criar
pelas famílias que moravam na cidade
da classe média ou em residência baronal
dos fazendeiros com filhos a estudar,
ou dando festas nessa ingênua urbanidade.
PLANCHADEIRAS IV
Claro que havia atroz disparidade
entre os tidos por ricos e os medianos
e os pobres a enfrentar tantos afanos,
situação a se aceitar com humildade.
Era até mesmo um motivo de vaidade
afirmar para os parentes, nesses anos,
que trabalhava na cidade, nobres panos
a passar sob seu ferro em quantidade.
A escravidão por aqui foi muito rara
e me recordo mesmo, em minha infância,
da raridade dos afrodescendentes.
As planchadeiras eram brancas, certa escara
indiática em seus traços nessa instância:
olhos oblíquos herdados de ascendentes.
PLANCHADEIRAS V
Dos peões a maioria de
uruguaios,
os donos de sesmarias
portugueses,
os uruguaios
espanhóis, se bem que, às vezes
catalães ou bascos ou
até vários
a se dizer galegos,
sendo atrabiliários,
orgulhosos e
bairristas, em que peses
os passaportes
mostrando em seus arnezes
os dois leões e os
coloridos gaios (*)
(*) De cores alegres e
vivas.
do escudo monárquico
espanhol.
Alguns que veem de
pedra os longos muros
até afirmam que os
escravos construíram,
mas quem então
labutava sol a sol
eram eurodescentes e
os seguros
“alambradores” que as
estâncias dividiram.
PLANCHADEIRAS VI
Quando em criança, o
preconceito mais geral
era contra os alemães
e descendentes,
devido à guerra, por
mais sendo inocentes,
chamar-te de “alemão” era
ofensa natural.
Os italianos e russos
incluídos no total
da mesma injúria, se
arianos aparentes;
cabelo escuro, olhos
castanhos nossas gentes,
na maioria, ou com
“melado” individual.
Escravos negros só nas
minas de ouro,
poucos trazidos para
minha Bagé;
a maioria dos nossos
afrodescendentes
pelo exército
transferidos, sem desdouro,
o preconceito sem ser
coisa de dar fé,
naqueles anos de
planchadeiras tão pacientes.
SINARQUIA I –
8 JAN 2019
(Governo de
muitos chefes, cada qual com sua função).
ninguém sabe o
que uma sombra sente,
sempre forçada
a viver numa parede,
com outras
sombras em involuntária rede,
da luz do dia
ou elétrica semente.
quando uma
sombra sobre móveis é assente
ou sobre o
assoalho, parcialmente cede
suas
proporções dificilmente mede,
forçada a um
voltejar sempre frequente.
mas na parede
é negra e definida,
inda que o
mofo às vezes interfira,
com suas
imagens de gestáltica torção;
alguma outra
sobre ela percutida,
a sombra tenta
se esgueirar e gira,
no árduo
esforço de guardar sua projeção.
SINARQUIA II
mas uma sombra do passado,
certamente
não consegue das paredes se
arrancar
e ali se encontra, até sem luz a
projetar,
tal sombra morta em sua prisão
premente.
preciso é se encadenar a
hierarquia,
as permanentes como sacras se
afirmar,
de sua existência crepuscular a
se gabar
contra essas sombras eventuais
da nostalgia.
uma por uma seu território
marca:
“aqui governo eu, não essa
intrusa!”
talvez algum tratado mesmo
assinem;
tinta de tisne sua posição
demarca,
em sinarquia mais ou menos
abstrusa,
consuetudinário direito então
opinem.
SINARQUIA III
assim dividem
entre si a alvenaria:
uma governa a
parede da cozinha,
outra da sala
e da copa se avizinha;
a mais audaz
no banheiro um feudo cria.
cada qual de
sua argamassa afastaria
qualquer
sombra transitória que se alinha
e peregrina a
outro muro, a pobrezinha,
de novo
expulsa por quem dona se sentia.
mas o que
sentem esses seres aperreados
só outra
sombra te poderia descrever;
somente lanço
esta suspeita para o espaço
e se os
rebocos lhes forem retirados
nessa caliça
não poderá sobreviver
a antiga
sombra despojada de um abraço!...
RESSONÂNCIA I – 9 JAN 2019
Tua presença sinto agora em meu destino,
como um passo de leve, tão de leve,
um som tão breve, curto som tão breve,
que nem eu sei se ali encontro um certo tino
nessa audição de som tão pequenino,
que
mal se escuta, um som que mal se deve
recuperar das brumas, a mente
mal se atreve
pensar que cause em meu peito um desatino.
Um sonho tão suave, que me ponho a duvidar
se alguma coisa
escutei em meu passado
ou se
ao contrário, foi só imaginação,
um
sonho bom, talvez, para embalar
a solidão, passo
fiel sempre a meu lado,
com mil carinhos a alentar-me o coração.
RESSONÂNCIA II
Por mais que se pretenda isto negar,
qualquer presença como um gongo vibra,
a sacudir de nossa mente cada fibra,
o nosso espaço sagrado a penetrar;
e quando alguém só casualmente foi passar,
sua ressonância é intermitente e pigra, (*)
imperceptível qual sentença em Libra(s)
a quem tal língua não sabe interpretar.
(*) Indolente
Mas quando alguém em nós chega a esbarrar
sua ressonância nos abrange como um sino,
algo estremece e pode até rachar
em nosso espírito, de forma sorrateira,
quiçá até mesmo uma fatia do destino
caia no chão e ali esmagada seja inteira!...
RESSONÂNCIA III
Já as pessoas com quem nós convivemos
e com as quais partilhamos a linguagem,
mais que ressoam, lançam-nos barragem
de sua própria vibração e algo perdemos,
em troca plena do tinir que recebemos,
as vibrações a se mesclar em vassalagem,
mistura e alma coloridas de passagem
mentira funda com a qual nos transformemos.
Muito difícil gozar longa convivência
sem que algo de diverso em ti atestes,
a cor tingida dos espíritos que vestes,
tuas opiniões inflamadas na consciência
e até teu passo, a percutir sobre a calçada
troca de ritmo, inda que pouco ou quase nada.
RESSONÂNCIA IV
Deves lembrar desse ditado tão antigo:
“Diz-me com quem andas, que te direi quem és,”
tange a influência em alteração de crença e fés,
na emulação das qualidades de um amigo,
cópia insensivel dos trejeitos do inimigo,
pois no imo de teu peito erguerás sés,
nova tinta a se espalhar no teu convés,
por novo porto em que acharás abrigo.
e quanto mais constante a convivência,
igualmente mais profunda a ressonância,
impossível não dupliques seu vibrar,
por mais firme o fluir de tua potência,
por maior teu compromisso com a constância,
motivo houve para esse alguém ires buscar.
RESSONÂNCIA V
Dizem que são os opostos que se atraem
e que ao contrário, os semelhantes se repelem;
no magnetismo é assim que se compelem
e os sinais matemáticos em igual saem;
mas entre nós tais assertivas não recaem:
há semelhantes que por igual apelem
à semelhança que com os demais revelem
e as vibrações mutuamente se contraem.
Mesmo a palavra só percebida escrita
pode vibrar solenemente em ti
e essa sentença então por alguem dita
vibra em teus tímpanos e te sacode a calma,
sem que ela sofra modificação em si,
nessa tão breve excursão pela tua alma.
RESSONÂNCIA VI
Mas é a música que mais em mim ressoa,
o meu ouvido extremamente agudo,
no fortepiano meu meditar escudo
e o decibel da percussão não me perdoa;
até a conversa de um salão, por mais atoa
que te pareça, sempre evitar estudo,
quando ressoa em meu espírito desnudo
e em mim provoca um mal coisa tão boa.
Por mais que a voz antiga eu possa amar,
temo os concertos por ouvir a agitação,
rangir de palmas nos meus ossos a vibrar
pequeno luxo a que me posso permitir
nesse usufruto de minha vasta coleção,
cujo volume sempre posso controlar.
RESSONÂNCIA VII
Contudo, jamais posso me iludir
de ser capaz de altas vozes dominar,
mais alto que elas posso até gritar,
mas nenhum bem me acarreta esse fluir;
na ressonância de mil discos vou dormir,
sua vibração a noite inteira a me embalar,
a voz dos mortos, um virtuoso a executar
são cópias minhas e nada mais quero pedir.
mas quando alguém vem de mim se aproximar,
sua vibração percebo incontrolada
e esforço faço para manter a gentileza,
enquanto sinto em mim algo estalar,
parte da alma... para depois ser remendada,
sempre uma fenda ali deixando de incerteza...
RUPTURA I – 10/1/19
Tornou-se agora só um truque da memória
Aquela jovem que me foi tão cara,
Cuja influência, como luz preclara,
Influenciou a tal ponto a minha história,
Mas foi-se esboroando, como escória
Depositada em um aterro, que lançara
A lembrança inconsciente, que me alçara
A pouco e pouco, em diferente glória,
Igual murmúrio indistinto do passado,
Longa ladeira que se abre à minha frente,
No alto de um penhasco, sobre o mar,
A gravidade que me tem descompassado,
Levando a um ponto que mal posso divisar
Por entre as fímbrias da luz opalescente.
RUPTURA II
De quando em vez, permeio ao devaneio,
Surge a lembrança, qual pálida
criança,
Por um momento de bonança avança
A recordar seu belo seio com anseio.
Que para mim veio mostrar-se sem
receio,
Cada mamilo, como lança, não se cansa
De me espreitar na vingança da
esperança,
No devaneio que tomou-me de permeio.
E nem mais lembro, esqueço e nada peço
Dessa memória do fundo de minha
história
E um dia esquecerei que um dia a amei,
Mas da lembrança compadeço o preço,
Pelo abandono de tal glória
perfunctória,
Que hoje lembrei porém lembrar não desejei.
RUPTURA III
Mas no momento em que tudo aconteceu,
Como o lembrar do recordar foi importante!
Amor primeiro, sempre algo delirante,
Amor primeiro, que em breve se perdeu,
Amor primeiro, até mesmo sem ser meu,
Amor primeiro de usufruir constante,
Amor primeiro sem ser levado avante,
Amor primeiro que tanto em nós cresceu,
Amor primeiro, por segundo abandonado,
Amor maior o meu que foi o dela,
Amor menor o quanto ela me deu,
Amor primeiro recordado de um passado,
Amor primeiro, sem querer de novo vê-la,
Pois só recordo que de mim logo esqueceu.
Diafanidade
1 – 11 janeiro 2019
Esta
manhã, certo pudor de flauta
Oscila
entre o arbóreo do verdor,
O
vento corre como um capeador (*)
A
enfrentar o calor em breve pauta,
Há
uma pureza de canção de nauta,
Que
só o mar toma como expectador;
Esta
manhã quer repudiar calor,
Mas
contra o Sol se mostra doce e incauta;
Esta
manhã de azul se revestiu,
Nos
intervalos brancos de um bordado,
Silhueta
negra a projetar pássaro alado;
Esta
manhã de um chilrear se percutiu,
Das
vinte pombas que arrulham no beiral,
Contra
a algerosa em inusitado carnaval.
(*)
Toureiro
Diafanidade
2
Esta
manhã de mornura transparente,
Em
herança do frior da madrugada,
Sequer
suspeita poder ser estuprada
Por
esse Sol, cheio de si e impudente;
Esta
manhã de pureza orvalhescente,
Cada
gotícula nas folhas recamada,
Sangue
da noite em frescura retomada,
A
ser bebida pelo Sol ardente!
Sinto
saudades da pristina geada,
Colar
de pérolas sobre meu inverno,
Mas
há um excelsior nesta manhã irisada,
Qual
um toque franciscano de alvorada,
Em
longas preces a espreitar o inferno,
Em
sua sotaina grossa e acastanhada.
Diafanidade
3
Esta
manhã, tal e qual mar invertido,
Lança
suas ondas das nuvens na maré;
Eu
a respiro, perdido em seu sopé,
Manhã
diáfana, que me deixa agradecido;
Esta
manhã trará também o olvido,
Recordada
em outro dia só por fé,
Ou
talvez seja esquecida toda até,
Se
este soneto não a tivesse perseguido;
Esta
manhã em que ainda estou sozinho,
Somente
as aves nos cabeçalhos da cidade,
Somente
os meus irmãos pela campanha,
Minha
substância aligeirada como o vento,
Por
breves horas esquecido da maldade
E
da devassidão que me acompanha.
OLHOS DE FOGO I – 12 jan 2019
contemplo o mundo em solitário ardor,
não sei se outros contemplam o que vejo;
esse orvalho matutino, como adejo,
cobre minhas palmas qual ínclito pastor;
hoje retorna o milagre em seu palor:
de novo estou desperto para o ensejo;
ao novo dia assoprarei um beijo,
passou-se o sono, renovou-se o resplendor.
quando adormeço, despertar não saberei,
meus olhos pelas pálpebras cerrados,
nas comissuras de lágrimas tocados,
em rendição para algum sonho que verei,
talvez me acolha nessa cor que sonharei,
serei quimera para os sonhos acordados.
OLHOS DE FOGO II
o despertar sempre
me traz algum espanto:
saí do mundo e
vivencio uma ilusão,
ou só emergi dessa
lava donde estão
os meus sonhos
marejados de algum pranto?
não são lágrimas de
dor, nos sonhos canto,
quem lá encontro a
estreitar-me em emoção,
quem lá me beija
retornando minha paixão,
mas qual das duas
realidades eu garanto?
hoje é a manhã ou é
a noite de meu sono?
todos os sonhos
percorri em claro dia,
qual a surpresa que
me reservaria
este dia a que me
entrego em abandono,
por mais não queira
meu sonho abandonar...
estou agora
adormecido ou a despertar?
OLHOS DE FOGO III
são os meus olhos que queimam o luar,
para meus sonhos o transformarem em refeição
ou é o solar em sua cáustica paixão
que as vistas me queima ao despertar?
o que é a vida sob o esplêndido estelar,
em que me abalo sem consternação?
eu nada sei do que me aguarda a multidão
dos segundos a percutir meu despertar!
meu orbe noctívago eu consigo controlar
ou são quimeras a me queimar os olhos,
arrancados de minhas pálpebras os refolhos?
pois quase sempre posso o onírico dominar,
mas neste mundo desperto, nenhum rogo
controlar pode o meu olhar de fogo!...
no prisma do verso 1 – 13 jan 19
pode um prisma ser multifacetado,
icosaedro talvez ou mesmo mais,
superfícies de centelhas siderais,
algo de espelho ali cristalizado;
mas não reflete o que julgo ali mostrado,
tem o prisma distorções individuais,
as proporções de dimensões desnaturais,
neste prisma que nas mãos tenho dançado.
o que me mostra esse vidro condensado,
qual o rosto que consegue deformar?
o meu reflete ou trouxe outro de algures?
talvez meu ego brunido do passado,
quais as invejas do antanho ou de nenhures,
com que me busca indiferente enfeitiçar?
no prisma do verso 2
também meus versos têm algo de prismático,
com mil facetas suas interpretações,
recandescidas ali tuas emoções,
caso os encares de modo mais enfático;
esses meus versos não têm nada de didático,
apenas fazem refulgir as ilusões,
teu julgamento inteiro ali depões,
talvez ingênuo ou quiçá dramático;
só o que é certo são suas mil facetas:
cada vocábulo talvez signifique
o contrário do comum das impressões,
cada sentença com intenções secretas,
em sete níveis que a expressão te indique
do que desvendas de tuas próprias intenções.
no prisma do verso 3
as mil facetas de cada verso, simplesmente,
são do cantar e o ressonar de ti;
teu coração certamente nunca vi,
mas se me lês, algo há subjacente
a essa própria incerteza que escrevi;
o verso escorre rápido e indolente,
tão frenético quão sentado complacente,
que meu eco sequer sei se redigi.
tão numerosas a mostrar-se suas facetas,
hoje espargindo qualquer pureza incrível,
amanhã a decadência incognoscível,
mas escorrendo por tuas fendas mais secretas,
pois nele nada realmente significa,
senão um caco de tua alma que ali fica.
MUSAS INCONSCIENTES I – 14 JAN 19
SÃO TUAS IDEIAS INVOLUNTÁRIAS MUSAS:
QUANDO TE ABALAS A LER POEMAS MEUS,
NÃO ME PERTENCEM MAIS, PORÉM SÃO
TEUS,
ESSES VERSOS ARROGANTES OU DE
ESCUSAS,
ALGUNS FERIDOS POR ARCANAS DRUSAS,
OUTROS MARCADOS POR SALMOS DOS
JUDEUS
OU PERIPÉCIAS DE DESCRENÇA DOS
ATEUS,
NA IMITAÇÃO DE CEM MOLDURAS LUSAS,
CADA POEMA SENDO APENAS UM JAZIGO,
SEU TÍTULO POR MUSGOSA SEPULTURA,
OSSOS DESFEITOS SEM MAIS
DESENVOLTURA,
ALMAS PENADAS SEM QUALQUER ABRIGO,
ATÉ TUAS VISTAS OS LEREM,
COMPLACENTES,
TUA PRÓPRIA VIDA EM TRANSFUSÕES
CONVALESCENTES.
MUSAS INCONSCIENTES
II
SÃO TUAS
IDEIAS QUE VIDA LHES DARÃO;
SEM TEU
CUIDADO, SÃO APENAS ARGAMASSA,
UM
CONJUNTO DE SENTENÇAS QUE PERPASSA
EM UMA
REDE INDIFERENTE DA OCASIÃO,
ATÉ QUE
OS OLHOS DE ALGUÉM ACEITARÃO
COMO
REUNIR OS TIJOLOS DESSA MASSA,
QUE
DEIXADA A SI MESMA DESCOMPASSA,
NÃO MAIS
QUE LETRAS DESPROVIDAS DE NOÇÃO;
E SE O
POEMA TE AGRADAR, É TODO TEU,
POIS A
TUA ALMA AO ALI SE INTROMETER,
SOMENTE
LEU O QUE ELA PRÓPRIA DESEJAVA;
E SE O
VERSO REPELIR, TAMPOUCO É MEU,
QUE ESSA
REVOLTA DESCOLOU DE TEU VIVER.
NÃO MAIS
QUE SETAS DESFERIDAS DE TUA ALJAVA.
MUSAS INCONSCIENTES III
E DESTE MODO, NÃO ME SINTO
RESPONSÁVEL,
NESTE MEU ESPLENDOR DE COBARDIA,
POR QUALQUER COISA QUE A TI
TRANSPARECIA
DE ANÁTEMA, DE AGRAVO OU DE
IMPROVÁVEL,
QUE SOU APENAS O FEITOR IMPONDERÁVEL
DESSAS PALAVRAS DE DOÇURA OU DE
ACERBIA,
QUAIS TEU ESPÍRITO AS INTERPRETARIA,
COMO PROPOSTA DELEITOSA OU INACEITÁVEL;
NADA MAIS SÃO DO QUE PALAVRAS
MORTAS,
ANELANDO O INTERPRETAR DE QUALQUER
MUSA,
INCONSOLADAS COM QUALQUER RECUSA
QUE AS PERMITA COALESCER DE SUAS
COMPORTAS;
PORTANTO, O VERSO É TEU, AMIGO OU
AMIGA,
EM SEU VIVER CREPUSCULAR QUE EM TI
PROSSIGA.
Recanto das Letras > Autores >
William Lagos
Brasilemversos >
William Lagos
No Facebook, procurar
também por William Lagos
Nenhum comentário:
Postar um comentário