ANANSI
E O PORQUINHO – 14(20)/2/2019
“Anansi”
significa “aranha” em um dialeto Jamaicano e essa aranha humanizada é
protagonista de muitas lendas,
uma
das quais foi aqui adaptada e colocada em versão poética por
William
Lagos.
ANANSI E O PORQUINHO (VII) ... ... ... 14 FEV 2019
O CANTO DA BRASA (IV) ... ... ... 15 FEV 2019
QUERO-QUERO (III) ... ... ... 16 FEV 2019
O CANTO DO PRADO (III) ... ... ... 17 FEV 2019
PEDRAS BRUTAS (III) ... ... ... 18 FEV 2019
DENTE-DE-LEÃO (III) ... ... ... 19 FEV 2019
O MENINO E O VAGALUME (III) ... ... ... 20 FEV 2019
ANANSI
E O PORQUINHO I – 14/2/2019
Era
uma vez um garotinho jamaicano,
chamado
Anansi, que foi um dia trabalhar
no
mercado da aldeia, onde varria sem parar,
com
esfregão lavava e depois passava um pano!
Enquanto
ele varria, viu uma teia de aranha.
Disse
a Aranha: “Não espanes minha teia!
Se
me ajudares, vou tecer bonita meia,
como
um agrado por tão gentil façanha!”
Anansi não espanou a teia e foi
embora.
Viu um cachorro deitado no caminho.
Disse o Cachorro: “Não me varras,
garotinho,
como um agrado, dou-te ajuda noutra
hora!”
Anansi não varreu e depois viu uma
vara,
atrapalhando sua varrida e sua
lavagem.
Disse a Vara: “Não me quebres por
vadiagem.
como um agrado, dou-te ajuda em hora rara!”
Anansi
não quebrou, só a pôs em pé
e
então viu que em seu caminho havia um fogo.
Disse
o Fogo: “Não me apagues, eu te rogo,
como
um agrado, eu te ajudo, por minha fé!”
Anansi
colocou o fogo em uma vasilha
e
então viu água alagando o seu caminho.
Disse
a Água: “Não me seques, garotinho,
como
um agrado, terás sempre água na bilha!”
Anansi pôs a água em um barril
e mais adiante, deparou com uma vaca.
Disse a Vaca: “Não me batas, que é cacaca,
como um agrado, dou-te leite no
cantil!”
Anansi não bateu, seguiu adiante,
até encontrar robustíssimo
açougueiro.
Disse o Açougueiro: “Vem varrer o
meu terreiro,
como um agrado, te darei carne
bastante!”
Anansi
foi varrer com um cipó
e
mais à frente, no chão havia uma corda.
Disse
a Corda: “Não me desfies a borda,
como
um agrado, eu te ensino a dar um nó!...”
Anansi
não desfiou, foi só enrolar,
logo
em seguida foi encontrar um rato.
Disse
o Rato: “Não me mates, que no mato
Como
um agrado, sempre posso te orientar!”
ANANSI
E O PORQUINHO II
Anansi
não matou e o Rato foi embora,
com
mais três passos, já encontrou um gato.
“Disse
o Gato: “Não me chutes com o sapato,
como
um agrado, te ajudo sem demora!”
Assim
Anansi não chutou esse gatinho:
“Quando
eu achar um ratinho, te darei!”
Lambeu
os bigodes o Gato, como um rei;
“Se
me alimentares, eu serei teu amiguinho!”
Terminou Anansi o serviço combinado
e recebeu em seguida o pagamento.
Comprou um porquinho gordo a seu
contento
e seguiu para casa, o porco ao lado.
De vez em quanto, ele o tocava com o
pé,
para ao porco mostrar o seu caminho,
foram os dois a andar devagarinho,
sem que o porco reclamasse do
chulé!...
Até
que os dois encontraram um regato.
Disse
Anansi: “Vamos agora atravessar.”
Disse
o Porco: “Por aí nao vou passar,
estás
me confundindo com um pato?”
Disse
Anansi: “Quero ir para minha casa.”
Disse
o Porco: “E por que não podes ir?”
Disse
Anansi: “Se não queres me seguir,
fico
parado!... Vamos lá, a água é rasa!...”
Disse o Porco: “Eu não quero me
molhar.”
Disse Anansi: “Olha, estás muito
pesado,
não poderás por mim ser carregado,
vamos, porquinho, aqui é fácil de
passar!”
Mas o Porco ficou ali, empacadinho
e finalmente, chamou Anansi a
Aranha.
“Disse a Aranha: “Já agradeci a tua
façanha,
mas esse Porco tens de carregar
sozinho!...”
Disse
Anansi: “Dá uma picada perto do rabinho!
Com
a dor, o meu Porco vai pular...”
Disse
a Aranha: “Mas eu não vou picar,
Esse
Porco me devora com o focinho!...”
Então
Anansi foi convidar o Cão:
“Morde
essa Aranha para me agradar...”
“Disse
o Cachorro: “Ela pode me picar,
não
chego perto dessa Aranha, não!”
ANANSI
E O PORQUINHO III
Então
Anansi foi a Vara procurar:
“Vara,
minha amiga, no Cachorro vem bater!”
Então
o Cachorro a Aranha vai morder
e
a Aranha meu Porquinho vai picar!...”
“Assim
o Porco vai o regato atravessar
e
então Anansi vai em casa descansar...”
A
Vara disse: “E se o Cachorro me quebrar?
Não,
Anansi, nisso não posso te ajudar!...”
Então Anansi foi procurar o Fogo.
“Por favor, Fogo, vem queimar a Vara
só um pouquinho... Preciso dela para
bater no Cão que não atendeu meu
rogo!”
“Então a Vara bate no Cão depressa
e o Cachorro vai então morder a
Aranha,
que não me retribuiu pela façanha,
quero voltar para casa, estou com
pressa!”
Disse
o Fogo: “Não vou queimar só meia Vara!”
Disse
a Vara: “E eu não vou bater no Cão!”
Disse
o Cão: “Eu não mordo a Aranha, não!”
Disse
a Aranha: “Com o focinho, ele me apara!”
“Você,
Anansi, também é uma aranha,
do
seu nome esse é o significado,
vá
você mesmo picar seu Porco tão safado,
você
é maior, vai ser mais fácil a façanha!”
Disse Anansi: “Vai a Aranha te
picar!”
Disse o Porco: “Ela disse que não
vai!”
“O Cão morde a Aranha e num pulo em
ti ela cai!”
Disse o Porco: “Ele não quer se
aproximar!”
Disse Anansi: “A Vara vai bater no
Cão!”
Disse o Porco: “A Vara está com
medo!”
Disse Anansi: “O Fogo é meu
segredo...”
Disse o Porco: “Não vai queimar
nesta ocasião!”
Então
Anansi foi chamar a Água:
“Água,
vem apagar parte do Fogo,
ele
não quis atender meu rogo,
não
quer a Vara queimar para sua mágoa!”
“Quero
que a Vara vá bater no Cão,
Quero
que o Cão vá morder a Aranha,
Quero
que a Aranha use muita manha
e
pique logo esse Porco mandrião!”
ANANSI
E O PORQUINHO IV
“Quero
que o Porco atravesse esse regato!
Quero
chegar em minha casinha agora!...
Vamos,
Porquinho, empaca em outra hora,
Vamos,
Aranha, pica logo, sem recato!...”
“Vamos,
Cachorro, dá na Aranha uma mordida!
Vamos,
Vara, no Cachorro dá paulada!
Vamos,
Fogo, deixa a Vara meio queimada!
Não
quer bater no Cão essa enxerida!...
Disse a Água: “Não vou Fogo apagar!”
Disse o Fogo: “Não vou Vara
queimar!”
Disse a Vara: “Não vou Cão
espancar!”
Disse o Cão: “Não vou Aranha
maltratar!”
Disse a Aranha: “Não vou Porco
picar!”
Disse o Porco: “E eu não vou
atravessar!”
Disse Anansi: “Já que assim tanto se
empaca,
ou vou depressa para buscar a Vaca!”
Disse
Anansi: “Bebe um pouco dessa Água,
para
que apague um pouco desse Fogo,
que
queime meia Vara por meu rogo,
que
bata nesse Cão em grande frágua!”
“Para
que enfim morda minha prima, a Aranha,
para
que pique o Porco a se empacar,
que
dê um pulo para o regato atravessar,
só
assim Anansi de sua casinha a porta ganha!...”
Mas disse a Vaca: “Não vou Água
beber!”
Mas disse a Água: “Não vou Fogo
apagar!”
Mas disse o Fogo: “Não vou Vara
queimar!”
Mas disse a Vara: “Não vou no Cão
bater!”
Mas disse o Cão: “Não vou Aranha
morder!”
Mas disse a Aranha: ”Não vou o Porco
picar!”
Mas disse o Porco: “Não vou o regato
atravessar!”
E disse Anansi: “O Açougueiro vou
trazer!...”
Disse
Anansi: “Vem matar um pedacinho
dessa
Vaca, que beba só um pouquinho
dessa
Água, para apagar devagarinho
esse
Fogo, para queimar só um cabinho
“dessa
Vara, para que bata nesse Cão,
que
vá então morder minha prima Aranha,
que
de picar o meu Porco ora se acanha
que
não me quer atender a petição!”
ANANSI
E O PORQUINHO V
“O
Porco não quer atravessar esse regato
e
assim não posso chegar na minha casinha!”
Disse
o Açougueiro: “Só posso matar todinha
essa
Vaca – um pedaço só não mato!...”
Mas
disse a Vaca: “Não vou Água beber!”
Mas
disse a Água: “Não vou Fogo apagar!”
Mas
disse o Fogo: “Não vou Vara queimar!”
Mas
disse a Vara: “Não vou no Cão bater!”
Mas disse o Cão: “Não vou Aranha
morder!”
Mas disse a Aranha: ”Não vou o Porco
picar!”
Mas disse o Porco: “Não vou o regato
atravessar!”
Mas disse Anansi: “Então a Corda eu
vou trazer!”
“Amiga Corda, vem estrangular o
Açougueiro,
ele não quer meia Vaca me matar,
metade da Água ela não quer tomar,
e ela só quer apagar o Fogo
inteiro!...”
“Ele
não quer queimar da Vara a ponta,
ela
não quer nesse Cachorro bater,
ele
não quer minha prima Aranha morder,
ela
não quer do Porco tomar conta!...”
“Ele
não quer o regato atravessar
e
assim não posso chegar em minha casinha,
por
favor, Corda, seja minha amiguinha,
vai
o Açougueiro só um pouquinho estrangular!”
Mas disse a Corda: “Não posso meio
estrangular!”
Disse o Açougueiro: “Eu só mato a
Vaca inteira!”
Disse a Vaca: “Não vou beber essa
nojeira!”
Disse a Água: “Meio Fogo não vou
apagar!”
Pois disse o Fogo: “Não vou Vara
queimar!”
Pois disse a Vara: “Não vou no Cão
bater!”
Pois disse o Cão: “Não vou Aranha
morder!”
Pois disse a Aranha: ”Não vou o
Porco picar!”
Pois
disse o Porco: “Eu não vou atravessar!”
Disse
Anansi: “Assim não chego em minha casinha!
Pois
o Rato vou buscar bem depressinha,
que
vai roer essa Corda sem parar!...”
Falou
Anansi: “Meia Corda vem roer,
para
ela meio Açougueiro estrangular,
para
depois meia Vaca ele matar,
para
depois meia Água ela beber!...”
ANANSI
E O PORQUINHO VI
“Depois
a Água meio Fogo vai apagar,
depois
o Fogo meia Vara vai queimar,
depois
a Vara no Cachorro vai bater,
depois
o Cão a prima Aranha vai morder!”
“Depois
a Aranha ao Porco vai picar,
para
o Porco esse regato atravessar,
para
depois eu chegar na minha casinha,
por
favor, Rato, rói a Corda depressinha!”
Mas disse o Rato: “Não, não vou roer!’
E disse a Corda: “Não, não vou
estrangular!”
Disse o Açougueiro: “Não, não vou
Vaca matar!”
Disse a Vaca: “Não, não vou Água
beber!”
Disse a Água: “Não, não vou Fogo
apagar!”
Disse o Fogo: “Não, não vou Vara
queimar!”
Disse a Vara: “Não, não vou o Cão espancar!”
Disse o Cão: “Não, não vou a Aranha
atacar!”
Disse
a Aranha: “Não, não vou o Porco picar!
Pique
você, que é também aranha,
bem
capaz de realizar essa façanha!”
Falou
o Porco: “Pois eu não vou atravessar!...”
Então
Anansi foi buscar o Gato;
“Querido
Gato, morde agora meio Rato,
para
que o Rato meia Corda vá cortar,
para
o Açougueiro meio estrangular!...”
“O Açougueiro meia Vaca vai matar,
a Vaca meia Água vai tomar,
a Água meio Fogo vai apagar,
o Fogo meia Vara vai queimar!..”
“Para que a Vara no Cão possa bater,
para que o Cão a prima Aranha vá
morder,
para que a Aranha o Porco vá picar,
para que o Porco vá o regato
atravessar!”
“Só
assim Anansi vai chegar na sua casinha!
“Por
favor, Gato, faça minha vontade!...”
Falou
o Gato: “Faço com facilidade,
Morder
um Rato é uma tarefa minha!...”
Assim
o Gato do Rato se aproximou,
e
o Rato até a Corda se encolheu
e
a Corda ao Açougueiro se prendeu
e
o Açougueiro para a Vaca se achegou!
ANANSI
E O PORQUINHO VII
Falou
o Rato: “Antes que o Gato me morda,
vou
bem depressa roer essa Corda!”
Falou
a Corda: “Antes do Rato me roer,
vou
no pescoço do Açougueiro me prender!”
Falou
o Açougueiro: “Antes da Corda
estrangular,
bem
depressa meia Vaca vou matar!”
Falou
a Vaca: “Antes do Açougueiro me abater,
bem
depressa meia Água vou beber!...”
Falou
a Água: “Antes da Vaca me tomar,
bem
depressa meio Fogo vou apagar!...”
Falou
o Fogo: “Antes da Água me acabar,
bem
depressa meia Vara vou queimar!...
Falou
a Vara: “Antes do Fogo me queimar,
bem
depressa o Cão vou espancar!...”
Falou
o Cão: “Antes da Vara me bater,
bem
depressa essa Aranha eu vou morder!...”
Falou
a Aranha: “Antes que me morda o Cachorro,
bem
depressa a picar o Porco eu corro!...”
Falou
o Porco: “Antes da Aranha me picar,
bem
depressa vou o regato atravessar!...”
Anansi
então atravessou a água também,
e
em sua casinha descansar foi muito bem!
O CANTO DA BRASA 1 – 15
FEVEREIRO 2019
Não posso incluir nesta
mensagem
Que acompanha uma história
pueril
Quaisquer versos de tristeza
varonil,
Quando devia versejar sobre a
paisagem...
Segue o Canto da Brasa, mais
selvagem,
Que iluminou meu período
infantil,
A consumir o Sol, cortando o
anil
E a transformá-lo com vegetal coragem.
Quando lenha no fogão queimamos
Ou sobre o chão fogueira
preparamos
Isso que queima são raios de
sol,
Que as plantas, com fervor,
clorofilaram
E em suas carnes verdes
transformaram
Toda a energia que molhou seu
arrebol...
O CANTO DA BRASA 2
Quando criança, as fagulhas contemplava,
A cada vez que em uma acha se batia,
Um milhão de centelhas fulgiria,
Muito alegre, nas que logo se apagava!
“São as meninas,” segundo se falava,
“que vão para o colégio”, em tal folia;
Eu via apenas que a constelação luzia,
Rubro-laranja e depressa terminava...
Também queimava a ponta de um barbante,
Sem deixar que se formasse a chama
E o sacudia em qualquer lugar escuro
E então o sol de algum perdido instante
Em meus desenhos a vida então reclama
Que eu agitava qual turíbulo perjuro!...
O CANTO DA BRASA 3
Era incenso sem louvor, para me divertir,
Zunia o cordão como um Sinal da Cruz,
Igual que risco leve continuava a luz,
Em minhas retinas até se discernir
Nova pequena brasa para o substituir,
Igual que o tempo de minha vida então reluz
E vai queimando em mil desenhos nus
A minha infância inconsciente a consumir.
E havia uma brasa no pavio da vela,
Quando a acendia, pingando estearina;
Sobre um espelho o meu olhar se inclina,
Na superfície sendo o mar que se revela,
Com aicebergues a crescer, em pequenina
Ilusão, que ao recordar ainda fascina...
O CANTO DA BRASA 4
Mesmo depois de extinta uma
fogueira,
Ali ficam pedacinhos de
carvão,
Que eu assoprava, com
alguma excitação,
Até sua cor reaparecer
certeira!...
A brasa morta ressurgia por
inteira,
Enquanto o sopro me saía do
pulmão,
Tão encarnada qual meu
coração,
Horas perdidas nessa
brincadeira!...
Somente às vezes recordo os
lero-leros
Do meu passado, retorno a
ser criança
Sempre que evoco dessa
época a lembrança
E sinto a alma em mim
batendo asas
E de algum anjo o sopro bom
espero
Que minha vida ainda
avermelhe como brasas!
QUERO-QUERO I – 16 FEV
19
Como é alegre o pio do
quero-quero!
Embora seja mais um
desafio,
seu território a
marcar, com todo o brio,
que até a morte
escutar ainda espero!
Quando o escuto, de
emoção me altero,
posso ficar a escutar
horas a fio:
é o canto de meu
pampa, o vento frio
que vem da cordilheira
em tom severo.
Amo esse vento a
marcar o território
apenas com seu uivo
desfiado,
em cem versos o tenho
repassado,
sacramentados neste
meu cibório,
que trago ao coração, patriota
e vão,
como imagem a piar do
meu rincão!
QUERO-QUERO II
Meu quero-quero é livre e independente,
sentinela bicolor da pradaria,
sem paleta de cores em porfia,
meio escondido contra o chão assente.
Tal qual o povo que compõe a gente
desta frente do Brasil a estrela-guia,
fortes sinuelos das lutas que então vias
contra invasões a se mostrar potente!
Mil quero-queros foram ao Paraguay,
quando pediu seu auxílio o Imperador,
de quero-queros outro bando também vai,
na garantia de um Presidente eleito,
que talvez não merecesse um tal amor,
mas que tratou a nossa terra com respeito!
QUERO-QUERO III
Quando menino, ganhei
um quero-quero,
bem mais comuns nos
tempos de minha infância;
foi “Vingador” seu
nome, nesta instância,
no longo pátio de casa
o pio sincero...
Mas não sobreviveu ao
espaço mero,
altos os muros, o alimento
da criança
inadequado ao que
tinha na sua estância,
morreu meu Vingador,
sem pio mais vero...
Depois, ganhei mais
dois, chamei também
de Vingador Segundo e
então Terceiro,
nenhum deles
sobreviveu em meu terreiro.
Um quarto ofereceram
me trazer, porém
vi que a prisão lhes
causava a mortandade:
deixei que o quarto
continuasse em liberdade!
O CANTO DO PRADO I – 17 FEV 19
Não são apenas os pássaros que cantam,
nem os rebanhos de ovelhas a balir,
nem os touros e vacas a mugir,
há outros sons que em nosso ar repontam:
são as festucas que passarinhos plantam,
as brancas plumas sempre a se curvar,
os caules balançando sem parar,
em coro antigo, que em sibilar levantam.
É uma coorte de palhinhas seminuas,
só bem na ponta a coroa do pendão,
porém exímias cantoras todas são!
E a pradaria nunca deixam silenciosa
para o ruído de mil patas cruas
a esmagarem a relva mais viçosa!
O CANTO DO PRADO II
Hão de dizer que o vento é o cantor,
mas cada haste se faz flauta singela,
que ruge alegre em tempos de procela,
meio suspira nas horas de calor;
umedecido pela chuva o seu vigor,
rouco floreio que recorde estrela,
trazem reflexo que vem da Lua bela,
que não escuta e só espalha o seu palor.
Caso o vento não achasse as hastezinhas,
traria apenas um tom emudecido,
um som apenas de longe conduzideo;
mas são as lâminas dessas mil plantinhas
que o saúdam em canto de amizade
e o despedem num salmo de saudade!
O CANTO DO PRADO III
Que a pradaria seja um verde mar
é milenar e batida descrição,
nada de novo reflete essa ilusão;
mas meus ouvidos desejam relembrar
cada palavra que já ouvi cantar
nesse sussurro eivado de emoção,
nessa prece de perene contrição
pela brisa que permite o seu dançar.
Quem já escutou o som desse capim
não poderá jamais dele esquecer,
tão semelhante ao som de catedral
o dessas ramas a farfalhar assim,
mesmo as canas podendo compreender,
que nada mais do que capim é o bambuzal!
pedras brutas 1 – 18 fev 2019
tantos há que amam jóias de alto preço,
mais cobiçada entre todas o diamante,
tão mais valioso quanto mais puro e brilhante;
outras, contudo, igual recebem grande apreço:
da esmeralda e do rubi o valor não meço,
nem da ametista e do topázio cintilante,
nem da turquesa ou mesmo pérola esfuziante
e um crisopraso para avaliar nem peço!
há o bdélio, o crisólito, a turmalina,
já com menor cotação no joalheiro,
a ágata, o zarcônio, a cornalina
e ainda lembro desse estranho bezoar,
tão procurado por alquimista ou feiticeiro,
pelos poderes que a seu dono dizem dar!
pedras brutas 2
muitas delas no zodíaco a associar
com os doze signos e com as profissões;
um anel com cada uma assim compões,
para sucesso e boa sorte conquistar!
hoje há jóias de resina a comerciar,
outras feitas de gesso em mutações,
anéis de vidro, iguais que nas canções
tal aliança foi depressa se quebrar!
nas todas essas não são mais do que ilusões,
coisas bonitas, sem dúvida qualquer,
que mesmo podem ser trocadas por comida!
mas as que mais nos oferecem proteções
são essas pedras talhadas com mister,
que as paredes nos erguem de guarida...
pedras brutas 3
porém altar de pedras brutas quis a lei
manifestada no Velho Testamento,
nenhum ferro a se erguer um só momento
para talhar as que a Jeová oferecer.
contudo penso mais naquelas que pisei
sobre as calçadas, sem constrangimento,
pedras simples a formar o calçamento
das muitas ruas antigas que cruzei.
são tão antigas que já estão polidas,
na parte superior arredondadas,
ainda ásperas e firmes nas raízes,
pedras que viram passar já tantas vidas,
pedras que vidas já têm nelas encarnadas,
mas que ainda te suportam quando as pises.
DENTE –DE-LEÃO I – 19 FEVEREIRO 19
Muito se escreve em favor da rosa,
como símbolo de amor correspondido
ou sobre o cravo para o amor ferido
ou sobre a orquídea de paleta prestimosa.
Vêm as tulipas da Holanda corajosa,
ás peônias o chinês solo tem nutrido,
o crisântemo o Japão tem produzido,
existe o hibisco e a azaleia tão viçiosa,
cada flor associada a uma mulher;
mostra dois olhos cada amor-perfeito
e o miosótis sempre furta a cor do céu,
cada glicínia em amentilhos a pender,
cada hortênsia a corimbos tem direito.
a
renda-portuguesa é devota como um véu.
DENTE-DE-LEÃO II
Sempre se encontra uma ampla narração
sobre os méritos das flores mais variadas,
igual que jóias, ao horóscopo associadas,
há a sempre-viva, para os que longevos
são.
Há a violeta em sua humilde floração,
folhas sedosas sob outras aninhadas,
flor de novembro e flor de maio só
mostradas
em cada ano, quando chega sua estação.
Há as camélias de tão breve duração,
as magnólias que dispensam um cabinho
e junto ao tronco nascem qual espinho,
flores de cactos em exuberante brotação
e tantas outras, como simples forração,
orgulho numas, para outras só o carinho.
DENTE –DE-LEÃO III
Contudo, eu honro é o dente-de-leão,
que nasce na sarjeta e outro lugar,
suas sementes são pluminhas a flutuar
e de suas folhas fazer podes refeição.
Os seus recortes igual que presas são,
nesse desenho que até vem nos desafiar,
porém não picam, as mãos não vão cortar
Taraxacum
officinalis tem por denominação.
Quando criança, minha mãe dizia
que os dentes-de-leão eram minhas flores,
sendo dela as flores nobres dos canteiros,
talvez por isso a minhalma as aprecia,
a recordar, quiçá, velhos amores,
sopradas plumas para os saudar inteiros!
O MENINO E O VAGALUME I – 20 FEV 2019
O garotinho prendeu um vagalume,
na intenção de fazer uma lanterna;
ele esperava que a luz ficasse eterna
para levá-la aonde quer que rume.
Mas não sabia ser intermitente o lume,
um luzir pálido e verde de cor terna
e assim a luz de um lado a outro aderna,
ora no fundo, ora adeja junto ao cume
dessa garrafa pet em que pusera
o pobre vagalume aprisionado;
insatisfeito assim com o resultado,
foi caçar outros essa ingênua fera,
logo uma dúzia dentro do recipiente,
sua luz difusa, mas a deixá-lo mais
contente!
O MENINO E O VAGALUME II
O que ele não sabia é que essa luz
não era apenas um ouropel de carnaval,
era de fato um código, um sinal
de disponibilidade, o qual conduz
o vagalume macho à fêmea, que reluz,
pousada no capim, em natural
espera de um namoro consensual,
seu brilho outro sinal com que o seduz...
E num campo crepuscular, mas verdejante
há tantos casos de amor e desencontro,
até que as luzes satisfaçam seu encontro,
noutro verão levando a espécie avante,
com mil ovinhos espalhados pelo pasto,
nesse amor insectual tão puro e casto!
O MENINO E O VAGALUME III
Mas assim presos na garrafa pet,
não podiam os insetos se entender,
de seu luzir todo o código a abater
essa prisão que indiferente se intromete
em sua criptografia e no confete
desses pingos de luz a enverdecer
suas paredes de plástico, sem ter
o luminar de amor que se promete.
E finalmente, o menino ouviu dizer,
bem lá no fundo de seu coração,
que os vagalumes haviam entristecido,
seu rebrilhar meio empalidecido
e destapou a garrafa, em boa ação,
doze
bichinhos para à relva ir devolver...
Recanto das Letras > Autores >
William Lagos
Brasilemversos >
William Lagos
No Facebook, procurar
também por William Lagos
Nenhum comentário:
Postar um comentário