domingo, 25 de agosto de 2019



ANANSI E O PORQUINHO – 14(20)/2/2019
“Anansi” significa “aranha” em um dialeto Jamaicano e essa aranha humanizada é protagonista de muitas lendas,
uma das quais foi aqui adaptada e colocada em versão poética por
William Lagos.



ANANSI E O PORQUINHO (VII) ... ... ... 14 FEV 2019
O CANTO DA BRASA (IV) ... ... ... 15 FEV 2019
QUERO-QUERO (III) ... ... ... 16 FEV 2019
O CANTO DO PRADO (III) ... ... ... 17 FEV 2019
PEDRAS BRUTAS (III) ... ... ... 18 FEV 2019
DENTE-DE-LEÃO (III) ... ... ... 19 FEV 2019
O MENINO E O VAGALUME (III) ... ... ... 20 FEV 2019

ANANSI E O PORQUINHO I – 14/2/2019

Era uma vez um garotinho jamaicano,
chamado Anansi, que foi um dia trabalhar
no mercado da aldeia, onde varria sem parar,
com esfregão lavava e depois passava um pano!

Enquanto ele varria, viu uma teia de aranha.
Disse a Aranha: “Não espanes minha teia!
Se me ajudares, vou tecer bonita meia,
como um agrado por tão gentil façanha!”

Anansi não espanou a teia e foi embora.
Viu um cachorro deitado no caminho.
Disse o Cachorro: “Não me varras, garotinho,
como um agrado, dou-te ajuda noutra hora!”

Anansi não varreu e depois viu uma vara,
atrapalhando sua varrida e sua lavagem.
Disse a Vara: “Não me quebres por vadiagem.
 como um agrado, dou-te ajuda em hora rara!”

Anansi não quebrou, só a pôs em pé
e então viu que em seu caminho havia um fogo.
Disse o Fogo: “Não me apagues, eu te rogo,
como um agrado, eu te ajudo, por minha fé!”

Anansi colocou o fogo em uma vasilha
e então viu água alagando o seu caminho.
Disse a Água: “Não me seques, garotinho,
como um agrado, terás sempre água na bilha!”

Anansi pôs a água em um barril
e mais adiante, deparou com uma vaca.
Disse a Vaca: “Não me batas, que é cacaca,
como um agrado, dou-te leite no cantil!”

Anansi não bateu, seguiu adiante,
até encontrar robustíssimo açougueiro.
Disse o Açougueiro: “Vem varrer o meu terreiro,
como um agrado, te darei carne bastante!”

Anansi foi varrer com um cipó
e mais à frente, no chão havia uma corda.
Disse a Corda: “Não me desfies a borda,
como um agrado, eu te ensino a dar um nó!...”

Anansi não desfiou, foi só enrolar,
logo em seguida foi encontrar um rato.
Disse o Rato: “Não me mates, que no mato
Como um agrado, sempre posso te orientar!”

ANANSI E O PORQUINHO II

Anansi não matou e o Rato foi embora,
com mais três passos, já encontrou um gato.
“Disse o Gato: “Não me chutes com o sapato,
como um agrado, te ajudo sem demora!”

Assim Anansi não chutou esse gatinho:
“Quando eu achar um ratinho, te darei!”
Lambeu os bigodes o Gato, como um rei;
“Se me alimentares, eu serei teu amiguinho!”

Terminou Anansi o serviço combinado
e recebeu em seguida o pagamento.
Comprou um porquinho gordo a seu contento
e seguiu para casa, o porco ao lado.

De vez em quanto, ele o tocava com o pé,
para ao porco mostrar o seu caminho,
foram os dois a andar devagarinho,
sem que o porco reclamasse do chulé!...

Até que os dois encontraram um regato.
Disse Anansi: “Vamos agora atravessar.”
Disse o Porco: “Por aí nao vou passar,
estás me confundindo com um pato?”

Disse Anansi: “Quero ir para minha casa.”
Disse o Porco: “E por que não podes ir?”
Disse Anansi: “Se não queres me seguir,
fico parado!... Vamos lá, a água é rasa!...”

Disse o Porco: “Eu não quero me molhar.”
Disse Anansi: “Olha, estás muito pesado,
não poderás por mim ser carregado,
vamos, porquinho, aqui é fácil de passar!”

Mas o Porco ficou ali, empacadinho
e finalmente, chamou Anansi a Aranha.
“Disse a Aranha: “Já agradeci a tua façanha,
mas esse Porco tens de carregar sozinho!...”

Disse Anansi: “Dá uma picada perto do rabinho!
Com a dor, o meu Porco vai pular...”
Disse a Aranha: “Mas eu não vou picar,
Esse Porco me devora com o focinho!...”

Então Anansi foi convidar o Cão:
“Morde essa Aranha para me agradar...”
“Disse o Cachorro: “Ela pode me picar,
não chego perto dessa Aranha, não!”

ANANSI E O PORQUINHO III

Então Anansi foi a Vara procurar:
“Vara, minha amiga, no Cachorro vem bater!”
Então o Cachorro a Aranha vai morder
e a Aranha meu Porquinho vai picar!...”

“Assim o Porco vai o regato atravessar
e então Anansi vai em casa descansar...”
A Vara disse: “E se o Cachorro me quebrar?
Não, Anansi, nisso não posso te ajudar!...”

Então Anansi foi procurar o Fogo.
“Por favor, Fogo, vem queimar a Vara
só um pouquinho... Preciso dela para
bater no Cão que não atendeu meu rogo!”

“Então a Vara bate no Cão depressa
e o Cachorro vai então morder a Aranha,
que não me retribuiu pela façanha,
quero voltar para casa, estou com pressa!”

Disse o Fogo: “Não vou queimar só meia Vara!”
Disse a Vara: “E eu não vou bater no Cão!”
Disse o Cão: “Eu não mordo a Aranha, não!”
Disse a Aranha: “Com o focinho, ele me apara!”

“Você, Anansi, também é uma aranha,
do seu nome esse é o significado,
vá você mesmo picar seu Porco tão safado,
você é maior, vai ser mais fácil a façanha!”

Disse Anansi: “Vai a Aranha te picar!”
Disse o Porco: “Ela disse que não vai!”
“O Cão morde a Aranha e num pulo em ti ela cai!”
Disse o Porco: “Ele não quer se aproximar!”

Disse Anansi: “A Vara vai bater no Cão!”
Disse o Porco: “A Vara está com medo!”
Disse Anansi: “O Fogo é meu segredo...”
Disse o Porco: “Não vai queimar nesta ocasião!”

Então Anansi foi chamar a Água:
“Água, vem apagar parte do Fogo,
ele não quis atender meu rogo,
não quer a Vara queimar para sua mágoa!”

“Quero que a Vara vá bater no Cão,
Quero que o Cão vá morder a Aranha,
Quero que a Aranha use muita manha
e pique logo esse Porco mandrião!”

ANANSI E O PORQUINHO IV

“Quero que o Porco atravesse esse regato!
Quero chegar em minha  casinha agora!...
Vamos, Porquinho, empaca em outra hora,
Vamos, Aranha, pica logo, sem recato!...”

“Vamos, Cachorro, dá na Aranha uma mordida!
Vamos, Vara, no Cachorro dá paulada!
Vamos, Fogo, deixa a Vara meio queimada!
Não quer bater no Cão essa enxerida!...

Disse a Água: “Não vou Fogo apagar!”
Disse o Fogo: “Não vou Vara queimar!”
Disse a Vara: “Não vou Cão espancar!”
Disse o Cão: “Não vou Aranha maltratar!”

Disse a Aranha: “Não vou Porco picar!”
Disse o Porco: “E eu não vou atravessar!”
Disse Anansi: “Já que assim tanto se empaca,
ou vou depressa para buscar a Vaca!”

Disse Anansi: “Bebe um pouco dessa Água,
para que apague um pouco desse Fogo,
que queime meia Vara por meu rogo,
que bata nesse Cão em grande frágua!”

“Para que enfim morda minha prima, a Aranha,
para que pique o Porco a se empacar,
que dê um pulo para o regato atravessar,
só assim Anansi de sua casinha a porta ganha!...”

Mas disse a Vaca: “Não vou Água beber!”
Mas disse a Água: “Não vou Fogo apagar!”
Mas disse o Fogo: “Não vou Vara queimar!”
Mas disse a Vara: “Não vou no Cão bater!”

Mas disse o Cão: “Não vou Aranha morder!”
Mas disse a Aranha: ”Não vou o Porco picar!”
Mas disse o Porco: “Não vou o regato atravessar!”
E disse Anansi: “O Açougueiro vou trazer!...”

Disse Anansi: “Vem matar um pedacinho
dessa Vaca, que beba só um pouquinho
dessa Água, para apagar devagarinho
esse Fogo, para queimar só um cabinho

“dessa Vara, para que bata nesse Cão,
que vá então morder minha prima Aranha,
que de picar o meu Porco ora se acanha
que não me quer atender a petição!”

ANANSI E O PORQUINHO V

“O Porco não quer atravessar esse regato
e assim não posso chegar na minha casinha!”
Disse o Açougueiro: “Só posso matar todinha
essa Vaca – um pedaço só não mato!...”

Mas disse a Vaca: “Não vou Água beber!”
Mas disse a Água: “Não vou Fogo apagar!”
Mas disse o Fogo: “Não vou Vara queimar!”
Mas disse a Vara: “Não vou no Cão bater!”

Mas disse o Cão: “Não vou Aranha morder!”
Mas disse a Aranha: ”Não vou o Porco picar!”
Mas disse o Porco: “Não vou o regato atravessar!”
Mas disse Anansi: “Então a Corda eu vou trazer!”

“Amiga Corda, vem estrangular o Açougueiro,
ele não quer  meia Vaca me matar,
metade da Água ela não quer tomar,
e ela só quer apagar o Fogo inteiro!...”

“Ele não quer queimar da Vara a ponta,
ela não quer nesse Cachorro bater,
ele não quer minha prima Aranha morder,
ela não quer do Porco tomar conta!...”

“Ele não quer o regato atravessar
e assim não posso chegar em minha casinha,
por favor, Corda, seja minha amiguinha,
vai o Açougueiro só um pouquinho estrangular!”

Mas disse a Corda: “Não posso meio estrangular!”
Disse o Açougueiro: “Eu só mato a Vaca inteira!”
Disse a Vaca: “Não vou beber essa nojeira!”
Disse a Água: “Meio Fogo não vou apagar!”

Pois disse o Fogo: “Não vou Vara queimar!”
Pois disse a Vara: “Não vou no Cão bater!”
Pois disse o Cão: “Não vou Aranha morder!”
Pois disse a Aranha: ”Não vou o Porco picar!”

Pois disse o Porco: “Eu não vou atravessar!”
Disse Anansi: “Assim não chego em minha casinha!
Pois o Rato vou buscar bem depressinha,
que vai roer essa Corda sem parar!...”

Falou Anansi: “Meia Corda vem roer,
para ela meio Açougueiro estrangular,
para depois meia Vaca ele matar,
para depois meia Água ela beber!...”

ANANSI E O PORQUINHO VI

“Depois a Água meio Fogo vai apagar,
depois o Fogo meia Vara vai queimar,
depois a Vara no Cachorro vai bater,
depois o Cão a prima Aranha vai morder!”

“Depois a Aranha ao Porco vai picar,
para o Porco esse regato atravessar,
para depois eu chegar na minha casinha,
por favor, Rato, rói a Corda depressinha!”

Mas disse o Rato: “Não, não vou roer!’
E disse a Corda: “Não, não vou estrangular!”
Disse o Açougueiro: “Não, não vou Vaca matar!”
Disse a Vaca: “Não, não vou Água beber!”

Disse a Água: “Não, não vou Fogo apagar!”
Disse o Fogo: “Não, não vou Vara queimar!”
Disse a Vara: “Não, não vou o Cão espancar!”
Disse o Cão: “Não, não vou a Aranha atacar!”

Disse a Aranha: “Não, não vou o Porco picar!
Pique você, que é também aranha,
bem capaz de realizar essa façanha!”
Falou o Porco: “Pois eu não vou atravessar!...”

Então Anansi foi buscar o Gato;
“Querido Gato, morde agora meio Rato,
para que o Rato meia Corda vá cortar,
para o Açougueiro meio estrangular!...”

“O Açougueiro meia Vaca vai matar,
a Vaca meia Água vai tomar,
a Água meio Fogo vai apagar,
o Fogo meia Vara vai queimar!..”

“Para que a Vara no Cão possa bater,
para que o Cão a prima Aranha vá morder,
para que a Aranha o Porco vá picar,
para que o Porco vá o regato atravessar!”

“Só assim Anansi vai chegar na sua casinha!
“Por favor, Gato, faça minha vontade!...”
Falou o Gato: “Faço com facilidade,
Morder um Rato é uma tarefa minha!...”

Assim o Gato do Rato se aproximou,
e o Rato até a Corda se encolheu
e a Corda ao Açougueiro se prendeu
e o Açougueiro para a Vaca se achegou!

ANANSI E O PORQUINHO VII

Falou o Rato: “Antes que o Gato me morda,
vou bem depressa roer essa Corda!”
Falou a Corda: “Antes do Rato me roer,
vou no pescoço do Açougueiro me prender!”

Falou o Açougueiro:  “Antes da Corda estrangular,
bem depressa meia Vaca vou matar!”
Falou a Vaca: “Antes do Açougueiro me abater,
bem depressa meia Água vou beber!...”

Falou a Água: “Antes da Vaca me tomar,
bem depressa meio Fogo vou apagar!...”
Falou o Fogo: “Antes da Água me acabar,
bem depressa meia Vara vou queimar!...

Falou a Vara: “Antes do Fogo me queimar,
bem depressa o Cão vou espancar!...”
Falou o Cão: “Antes da Vara me bater,
bem depressa essa Aranha eu vou morder!...”

Falou a Aranha: “Antes que me morda o Cachorro,
bem depressa a picar o Porco eu corro!...”
Falou o Porco: “Antes da Aranha me picar,
bem depressa vou o regato atravessar!...”

Anansi então atravessou a água também,
e em sua casinha descansar foi muito bem!

O CANTO DA BRASA 1 – 15 FEVEREIRO 2019

Não posso incluir nesta mensagem
Que acompanha uma história pueril
Quaisquer versos de tristeza varonil,
Quando devia versejar sobre a paisagem...
Segue o Canto da Brasa, mais selvagem,
Que iluminou meu período infantil,
A consumir o Sol, cortando o anil
E a transformá-lo com vegetal coragem.
Quando lenha no fogão queimamos
Ou sobre o chão fogueira preparamos
Isso que queima são raios de sol,
Que as plantas, com fervor, clorofilaram
E em suas carnes verdes transformaram
Toda a energia que molhou seu arrebol...

O CANTO DA BRASA 2

Quando criança, as fagulhas contemplava,
A cada vez que em uma acha se batia,
Um milhão de centelhas fulgiria,
Muito alegre, nas que logo se apagava!
“São as meninas,” segundo se falava,
“que vão para o colégio”, em tal folia;
Eu via apenas que a constelação luzia,
Rubro-laranja e depressa terminava...
Também queimava a ponta de um barbante,
Sem deixar que se formasse a chama
E o sacudia em qualquer lugar escuro
E então o sol de algum perdido instante
Em meus desenhos a vida então reclama
Que eu agitava qual turíbulo perjuro!...

O CANTO DA BRASA 3

Era incenso sem louvor, para me divertir,
Zunia o cordão como um Sinal da Cruz,
Igual que risco leve continuava a luz,
Em minhas retinas até se discernir
Nova pequena brasa para o substituir,
Igual que o tempo de minha vida então reluz
E vai queimando em mil desenhos nus
A minha infância inconsciente a consumir.
E havia uma brasa no pavio da vela,
Quando a acendia, pingando estearina;
Sobre um espelho o meu olhar se inclina,
Na superfície sendo o mar que se revela,
Com aicebergues a crescer, em pequenina
Ilusão, que ao recordar ainda fascina...

O CANTO DA BRASA 4

Mesmo depois de extinta uma fogueira,
Ali ficam pedacinhos de carvão,
Que eu assoprava, com alguma excitação,
Até sua cor reaparecer certeira!...
A brasa morta ressurgia por inteira,
Enquanto o sopro me saía do pulmão,
Tão encarnada qual meu coração,
Horas perdidas nessa brincadeira!...
Somente às vezes recordo os lero-leros
Do meu passado, retorno a ser criança
Sempre que evoco dessa época a lembrança
E sinto a alma em mim batendo asas
E de algum anjo o sopro bom espero
Que minha vida ainda avermelhe como brasas!

QUERO-QUERO I – 16 FEV 19

Como é alegre o pio do quero-quero!
Embora seja mais um desafio,
seu território a marcar, com todo o brio,
que até a morte escutar ainda espero!

Quando o escuto, de emoção me altero,
posso ficar a escutar horas a fio:
é o canto de meu pampa, o vento frio
que vem da cordilheira em tom severo.

Amo esse vento a marcar o território
apenas com seu uivo desfiado,
em cem versos o tenho repassado,
sacramentados neste meu cibório,
que trago ao coração, patriota e vão,
como imagem a piar do meu rincão!

QUERO-QUERO II

Meu quero-quero é livre e independente,
sentinela bicolor da pradaria,
sem paleta de cores em porfia,
meio escondido contra o chão assente.

Tal qual o povo que compõe a gente
desta frente do Brasil a estrela-guia,
fortes sinuelos das lutas que então vias
contra invasões a se mostrar potente!

Mil quero-queros foram ao Paraguay,
quando pediu seu auxílio o Imperador,
de quero-queros outro bando também vai,

na garantia de um Presidente eleito,
que talvez não merecesse um tal amor,
mas que tratou a nossa terra com respeito!

QUERO-QUERO III

Quando menino, ganhei um quero-quero,
bem mais comuns nos tempos de minha infância;
foi “Vingador” seu nome, nesta instância,
no longo pátio de casa o pio sincero...

Mas não sobreviveu ao espaço mero,
altos os muros, o alimento da criança
inadequado ao que tinha na sua estância,
morreu meu Vingador, sem pio mais vero...

Depois, ganhei mais dois, chamei também
de Vingador Segundo e então Terceiro,
nenhum deles sobreviveu em meu terreiro.

Um quarto ofereceram me trazer, porém
vi que a prisão lhes causava a mortandade:
deixei que o quarto continuasse em liberdade!

O CANTO DO PRADO I – 17 FEV 19

Não são apenas os pássaros que cantam,
nem os rebanhos de ovelhas a balir,
nem os touros e vacas a mugir,
há outros sons que em nosso ar repontam:
são as festucas que passarinhos plantam,
as brancas plumas sempre a se curvar,
os caules balançando sem parar,
em coro antigo, que em sibilar levantam.

É uma coorte de palhinhas seminuas,
só bem na ponta a coroa do pendão,
porém exímias cantoras todas são!
E a pradaria nunca deixam silenciosa
para o ruído de mil patas cruas
a esmagarem a relva mais viçosa!

O CANTO DO PRADO II

Hão de dizer que o vento é o cantor,
mas cada haste se faz flauta singela,
que ruge alegre em tempos de procela,
meio suspira nas horas de calor;
umedecido pela chuva o seu vigor,
rouco floreio que recorde estrela,
trazem reflexo que vem da Lua bela,
que não escuta e só espalha o seu palor.

Caso o vento não achasse as hastezinhas,
traria apenas um tom emudecido,
um som apenas de longe conduzideo;
mas são as lâminas dessas mil plantinhas
que o saúdam em canto de amizade
e o despedem num salmo de saudade!

O CANTO DO PRADO III

Que a pradaria seja um verde mar
é milenar e batida descrição,
nada de novo reflete essa ilusão;
mas meus ouvidos desejam relembrar
cada palavra que já ouvi cantar
nesse sussurro eivado de emoção,
nessa prece de perene contrição
pela brisa que permite o seu dançar.

Quem já escutou o som desse capim
não poderá jamais dele esquecer,
tão semelhante ao som de catedral
o dessas ramas a farfalhar assim,
mesmo as canas podendo compreender,
que nada mais do que capim é o bambuzal!

pedras brutas 1 – 18 fev 2019

tantos há que amam jóias de alto preço,
mais cobiçada entre todas o diamante,
tão mais valioso quanto mais puro e brilhante;
outras, contudo, igual recebem grande apreço:
da esmeralda e do rubi o valor não meço,
nem da ametista e do topázio cintilante,
nem da turquesa ou mesmo pérola esfuziante
e um crisopraso para avaliar nem peço!
há o bdélio, o crisólito, a turmalina,
já com menor cotação no joalheiro,
a ágata, o zarcônio, a cornalina
e ainda lembro desse estranho bezoar,
tão procurado por alquimista ou feiticeiro,
pelos poderes que a seu dono dizem dar!

pedras brutas 2

muitas delas no zodíaco a associar
com os doze signos e com as profissões;
um anel com cada uma assim compões,
para sucesso e boa sorte conquistar!
hoje há jóias de resina a comerciar,
outras feitas de gesso em mutações,
anéis de vidro, iguais que nas canções
tal aliança foi depressa se quebrar!
nas todas essas não são mais do que ilusões,
coisas bonitas, sem dúvida qualquer,
que mesmo podem ser trocadas por comida!
mas as que mais nos oferecem proteções
são essas pedras talhadas com mister,
que as paredes nos erguem de guarida...

pedras brutas 3

porém altar de pedras brutas quis a lei
manifestada no Velho Testamento,
nenhum ferro a se erguer um só momento
para talhar as que a Jeová oferecer.
contudo penso mais naquelas que pisei
sobre as calçadas, sem constrangimento,
pedras simples a formar o calçamento
das muitas ruas antigas que cruzei.
são tão antigas que já estão polidas,
na parte superior arredondadas,
ainda ásperas e firmes nas raízes,
pedras que viram passar já tantas vidas,
pedras que vidas já têm nelas encarnadas,
mas que ainda te suportam quando as pises.
DENTE –DE-LEÃO I – 19 FEVEREIRO 19

Muito se escreve em favor da rosa,
como símbolo de amor correspondido
ou sobre o cravo para o amor ferido
ou sobre a orquídea de paleta prestimosa.

Vêm as tulipas da Holanda corajosa,
ás peônias o chinês solo tem nutrido,
o crisântemo o Japão tem produzido,
existe o hibisco e a azaleia tão viçiosa,

cada flor associada a uma mulher;
mostra dois olhos cada amor-perfeito
e o miosótis sempre furta a cor do céu,
cada glicínia em amentilhos a pender,
cada hortênsia a corimbos tem direito.
 a renda-portuguesa é devota como um véu.

DENTE-DE-LEÃO II

Sempre se encontra uma ampla narração
sobre os méritos das flores mais variadas,
igual que jóias, ao horóscopo associadas,
há a sempre-viva, para os que longevos são.

Há a violeta em sua humilde floração,
folhas sedosas sob outras aninhadas,
flor de novembro e flor de maio só mostradas
em cada ano, quando chega sua estação.

Há as camélias de tão breve duração,
as magnólias que dispensam um cabinho
e junto ao tronco nascem qual espinho,
flores de cactos em exuberante brotação
e tantas outras, como simples forração,
orgulho numas, para outras só o carinho.

DENTE –DE-LEÃO III

Contudo, eu honro é o dente-de-leão,
que nasce na sarjeta e outro lugar,
suas sementes são pluminhas a flutuar
e de suas folhas fazer podes refeição.

Os seus recortes igual que presas são,
nesse desenho que até vem nos desafiar,
porém não picam, as mãos não vão cortar
Taraxacum officinalis  tem por denominação.

Quando criança, minha mãe dizia
que os dentes-de-leão eram minhas flores,
sendo dela as flores nobres dos canteiros,
talvez por isso a minhalma as aprecia,
a recordar, quiçá, velhos amores,
sopradas plumas para os saudar inteiros!

O MENINO E O VAGALUME I – 20 FEV 2019

O garotinho prendeu um vagalume,
na intenção de fazer uma lanterna;
ele esperava que a luz ficasse eterna
para levá-la aonde quer que rume.

Mas não sabia ser intermitente o lume,
um luzir pálido e verde de cor terna
e assim a luz de um lado a outro aderna,
ora no fundo, ora adeja junto ao cume

dessa garrafa pet  em que  pusera
o pobre vagalume aprisionado;
insatisfeito assim com o resultado,

foi caçar outros essa ingênua fera,
logo uma dúzia dentro do recipiente,
sua luz difusa, mas a deixá-lo mais contente!

O MENINO E O VAGALUME II

O que ele não sabia é que essa luz
não era apenas um ouropel de carnaval,
era de fato um código, um sinal
de disponibilidade, o qual conduz

o vagalume macho à fêmea, que reluz,
pousada no capim, em natural
espera de um namoro consensual,
seu brilho outro sinal com que o seduz...

E num campo crepuscular, mas verdejante
há tantos casos de amor e desencontro,
até que as luzes satisfaçam seu encontro,

noutro verão levando a espécie avante,
com mil ovinhos espalhados pelo pasto,
nesse amor insectual tão puro e casto!

O MENINO E O VAGALUME III

Mas assim presos na garrafa pet,
não podiam os insetos se entender,
de seu luzir todo o código a abater
essa prisão que indiferente se intromete

em sua criptografia e no confete
desses pingos de luz a enverdecer
suas paredes de plástico, sem ter
o luminar de amor que se promete.

E finalmente, o menino ouviu dizer,
bem lá no fundo de seu coração,
que os vagalumes haviam entristecido,

seu rebrilhar meio empalidecido
e destapou a garrafa, em boa ação,
 doze bichinhos para à relva ir devolver...

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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