quinta-feira, 24 de setembro de 2020

 

 

COLETA I

 

Caso pudesse, guardaria minhas noites

para gastá-las totalmente do teu lado:

teria um cofre ao tempo arrebatado,

com coquetéis de minúsculos pernoites.

 

Tomaria dos segundos os afoites,

esses que correm em suor apalermado,

após de longos sonhos despertado,

por um ruído ou por silêncio nos açoites.

 

Tantos minutos se desperdiça assim!

Nos intervalos a girar sobre o colchão,

no afofar de nosso travesseiro,

 

antes do sono queimar seu estopim

e novamente perder-me em comoção,

quando a quimera me devora por inteiro...

 

COLETA II

 

Eu tomaria os momentos dessa espera

nos interstícios do dia consumidos

por quaisquer visitas inúteis perseguidos

ou se os canais da tevê seguem a esfera

 

dos comerciais em que a cobiça deblatera

ou nos momentos em que são interrompidos

os programas por discursos malqueridos,

quando o desgosto a nosso lado persevera!

 

Ou quando à noite é preciso levantar

para abrir ou então fechar janela,

ligar ou desligar ventiladores

 

ou as cobertas sobre os pés ir arrumar,

quando centelha anuncia uma procela

ou ventania nos causa alguns temores.

 

COLETA III

 

Por acaso alguma vez já calculaste

esses momentos perdidos em tais dias,

essas chispas de marasmo tão vazias,

durante as quais quase nada realizaste?

 

Ou os instantes que ao letargo consagraste,

atrás das pálpebras em diáfanas orgias,

imagens plúmbeas em que mal pensarias,

que em seu conjunto causam tal desgaste?

 

Ah, se eu pudesse!  Para mim guardava tudo

para esconder em frascos de perfume,

que só abriria quando estivesses perto!...

 

Correndo os dedos por tua pele de veludo,

vendo teus olhos cintilantes como lume,

aberto o cofre e o coração aberto!...

 

 

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