quarta-feira, 23 de setembro de 2020

 

INFLEXÕES I -- 11 JAN 2018

 

meu nome é madrugada.   sou apóstolo

das nobres inflexões.  Tenho sentido

desfaçatez e a zombaria ouvido,

a fazer da vida inteira o meu ergástulo.

 

as dimensões recolho, como oráculo,

a fim de interpretar.  Assim as tenho haurido

nos esforços mais viris.  Fui recolhido

na pista dos deveres, por mais másculo

 

meu pendor fosse.  Transformei quanto tocava

de palha em ouro, mas aprendi também

que o ouro é para os outros.   Não tomei

 

mais que o feno dos campos que ceifava,

de modo tal que me tornei refém

das nobres reflexões com que sonhei.

 

INFLEXÕES II

 

meu nome é madrugada.  já desperto

antes dos galos.  tomo meu café

e me ponho a escrever, chegando até

as onze, mais ou menos.  salvo, é certo

 

se o calçamento eu percorri, deserto,

praticamente a sós com meu boné,

salvo fantasma que encontrei na sé

dos próprios sonhos.  algum encontro incerto

 

mas cumprimento a tais raros passantes

que sempre me respondem a essa hora.

mas verifico que, depois das dez,

 

as respostas são bem mais inconstantes,

cordialidade carregada embora

pelas desfeitas que o dia já lhe fez.

 

INFLEXÕES III

 

meu nome é madrugada.  em ocasiões

esse processo que adoto é invertido:

horas devoro sem tê-las percebido,

meias-noites adormecidas nos galpões.

 

das horas duas e três as durações

vejo findar sem que tenha dormido:

no leito só me vejo recolhido

quando das quatro já ausculto as pulsações.

 

mas nem por isso me levanto tarde,

dificilmente após as oito dormirei:

mesmo que o queira, tenho sono leve

 

e não preciso que algum sonho me carde

a lã dos dias na quimera que acharei,

nem devaneio que na mente mais se atreve.

 

INFLEXÕES IV

 

meu nome é madrugada.  as inflexões

que a tempo me sussurram os fantasmas

não coalescem na mortalha dos miasmas

senão nas horas de diárias ilusões,

 

quando as palavras têm de outrem brotações

e vejo a luz dos cílios nos quiasmas

de meus olhos.  E a fúria das marasmas

da vida morta em diárias tentações.

 

a madrugada é minha e a ela pertenço

quando me furto a outros quefazeres ,

nas inflexões de cada verso tenso.

 

pois sou da madrugada, minha rainha,

nas horas mansas encontro meus prazeres

e me reclino na madrugada minha.

 

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