ACEITAÇÃO &
MAIS
William Lagos
ACEITAÇÃO
I – 12 NOV 13
Quero
saber o que esse ventre pensa,
que
me recebe e constringe com firmeza,
que
me derrota e esmaga, com certeza,
nessa
nuvem de brancor, em chama densa.
Quero
saber o que a passagem tensa
exige
assim, no instante de beleza
em
que as lágrimas escorrem sem tristeza
e o
óvulo se apresta, em luz intensa.
Quero
saber o que pensa cada um
desses
soldados, que talvez saibam ser escolta
do
casual vencedor, em vaga espuma,
pois
todos regam, em igual debrum
esse
tecido em que a alma fica envolta,
na
vã esperança que para a morte ruma.
ACEITAÇÃO
II
Quero
saber qual espírito me envolve
e
participa de tal ato de amor;
quais
o fantasma oculto no torpor,
que
em tais alfombras obscuras se revolve.
Qual
a plateia que, súbita, dissolve
após
o abraço e as gotas de suor;
haverá
antepassados nesse ardor,
alguém
que já me amou e que então volve?
Qual
a pletora que cintila nas paredes
da
capa corporal de nossa pele,
que
cante em coro nas raízes dos cabelos
e
quem exige essas células que cedes
e
por fecundação bendita vele,
nesse
fulgor inconsútil dos desvelos?
ACEITAÇÃO
III
Quero
saber se o espírito do tempo
entre
nós se confunde com o da raça,
se
o espaço se dilata e assim perpassa
dois
corpos a ocupar o mesmo alento.
Dois
corpos a zunir no mesmo vento,
duas
centelhas na fusão da mesma graça,
reconhecendo
o porvir que então se enlaça,
sem
que haja interferência ou impedimento!
Quem
leva o óvulo a essa escolha incognoscível,
pelo
cone de atração incontestável,
de
uma única célula amorável
e
de todas as demais ser desprezível;
o
que o faz perceber ser o mais útil
e
prendê-lo em sua membrana já inconsútil?
ACEITAÇÃO
IV
Quero
saber se promana do futuro
essa
musa da carne tutelar,
que
a concepção permite realizar
de
tal modo inexorável e seguro;
ou
se retorna do passado auguro,
a
reclamar da decisão auricular,
nesse
puro sacramento milenar
que
leva a raça a um palpitar mais puro?
Quero
saber qual ser que então preside,
se
é o espírito da raça, obstinado,
determinando
a nova evolução
ou
se a egrégora da família que reside
nesse
ato compulsório, destinado
somente
a dar aos ancestrais continuação?
PROTOCOLO
I – 13 NOV 13
É
num instante apenas que isso ocorre,
quando
tocam os sinos e as estrelas,
cintilam
loucamente, ainda mais belas,
celebrando
esta vida que me escorre.
De
minhas sementes a maioria morre
e
apenas um dos barcos ergue as velas;
nesse
prazer do suicídio as telas
serão
pintadas... E numa branca torre
a
vida esguichará com valentia,
muitos
milhões a empreender a travessia
que
só conduz às Trompas de Falópio,
morrendo
no caminho tantos entes,
de
tantos outros seres as sementes,
disseminadas
num torpor de ópio...
PROTOCOLO
II
Existirá
uma qualquer magistratura
a
reprodução da raça humana a presidir?
Consultando
seus grimórios, a sorrir,
pelo
feitiço, talvez, de escolha impura...
Ou
serão monges de angélica tonsura,
que
consultam alfarrábios, a pedir
orientação
divina para o reproduzir,
cada
semente a fecundar somente pura?
Será
que existe uma assembleia expectante,
determinado
o momento de encarnar,
ou
que por vida esteja tanto a ansiar
que
lhe sirva qualquer orgasmo delirante,
para
que um vínculo se abra nesse instante,
dentro
do qual possa a alma penetrar?
PROTOCOLO
III
Que
animação possuem esses milhões
que
jamais se tornarão em organismo?
Ressecados
por aí, sem saudosismo,
pois
não formaram as novas gerações?
E
que dizer dos abortos de ocasiões,
qual
rejeição ou moléstia nesse abismo,
carregando
o nascituro em cataclismo...
Quem
precise às multifárias decisões...?
Quem
determina, na prodigalidade
de
mil sementes, quais absorvidas
e
quais somente expelidas sem piedade?
Quais
aquelas que serão, enfim, nutridas
e à
geração darão continuidade,
sem
por remorsos serem perseguidas...?
TALWYN I – 14 NOV 13
Lembranças
más, como aves de rapina,
Revoluteiam
em torno do consciente,
Ansiando
debicar, frequentemente,
Quais
diabretes e mastigar-me a sina...
Até
que ponto tal mazela se destina
A
conservar a agudeza do presente,
Que
no prazer e paz é complacente
E
disposto a conversar em cada esquina...
Porém
as más lembranças do passado,
Como
o planta dos pés pisando urtiga,
Talvez
ajudem até a sobreviver,
Na
reação contra o mal desatinado,
Que
nos tortura e a resistir instiga,
Quando
menos nessa busca do esquecer...
TALWYN
II
Pois
como é raro ter lembranças dos prazeres
Com
a intensidade das lembranças más!
Mentalmente,
algum prazer a gente faz
Reluzir
entre os presentes perceberes.
Na
verdade, há exatidão nos reconheceres
De
algum cheiro ou de um gosto no carcás
Das
flechas que a memória sempre traz,
Mas
que acontece se os tentas descreveres?
Muito
mais tênue é a lembrança do sabor
Ou
do tato ou até mesmo da audição
Que
da ardente queimadura a sensação;
E o
mesmo ocorre do sentimento a dor,
Muito
mais fácil que o bem do coração
Ou
da paixão que se sentiu com tanto ardor...
TALWYN III
Suspeito,
ao menos, que é a própria Natureza
Que
nos faz recordar tão bem o ordálio,
Nos
ruboriza ao recordar do ato falho
Ou
do menor fracasso, com certeza...
Deste
modo, com bem maior firmeza,
Nos
previne contra o golpe de algum malho,
Contra
à ponta subir de fino galho,
Ou
cometer os mesmos erros, com leveza...
Mas
por que assim se esfaz em fragmentos
Aquele
rosto que se viu outrora
E
se recorda somente o seu retrato?
E
se amenizam, pouco a pouco, esses portentos
Do
antigo amor, gozado em prisca hora
E
se dilui do beijo o doce tato...?
ÁGUAS
DO TEMPO I –15 NOV 13
(Hommage a Michael Marshall)
O
tempo é um lago, ou antes, vasto oceano,
que
a cada dia que passa se aprofunda;
não
tem limites a tigela assim rotunda:
ela
se alarga e expande a cada ano.
E
nele andamos, sobre a cave tão profunda,
na
tensão superficial o nosso engano,
cada
um pensando ser da vida soberano,
até
afundar na vastidão corcunda...
Porque
é o movimento que mantém
as
nossas longas pernas, como inseto
correndo
sempre para parte alguma;
mas
quando a paz tranquila nos convém,
começamos
a afundar nesse abjeto
montão
de horas para as quais a vida ruma.
ÁGUAS
DO TEMPO II
Só
nesse instante em que inicia o afundamento
nós
percebemos a importância do passado:
o
nosso andar inteiro ali apoiado,
sem
permissão de suspender o movimento,
pois
sob as pernas se forma o integumento
desse
côncavo irreal e irrealizado,
sem
apoio veraz no que é pisado,
mas
tão somente na inércia do momento.
Cada
passo a servir como alavanca
que
a um novo fluir nos impulsiona,
na
linha tênue e insensível do presente;
e
se a corrida por momento estanca,
a
água do tempo de nossos pés se adona,
ao
atoleiro a nos puxar subjacente.
ÁGUAS
DO TEMPO III
Só
então se nota o grão valor do ontem,
apoiado
no anteontem, na semana
que
para trás ficou e nos irmana
aos
que passaram, sem que sequer os contem,
cada
ontem sobre a rede do trasanteontem,
enquanto
a gente sobre o hoje aqui se ufana,
na
esperança de amanhãs em nova gana,
por
mais que as incertezas nos apontem.
E o
tempo pinga assim, gota após gota,
banhando
o hoje com as águas do amanhã,
que
ao se esgotar em hoje, chama adiante,
enquanto
o hoje no ontem já se embota,
toda
certeza e permanência vã,
enquanto
o sono a vida corta no seu guante.
ÁGUAS
DO TEMPO IV
Quando
notamos, nos ontens do passado,
quanto
de nós deixamos para trás,
qualquer
espanto diante a vida se desfaz,
ao
ver o povo nesse âmbar conservado.
Mantemos
sempre o alvo do traçado,
vemos
a gente que ao redor o mesmo faz,
sobre
a lâmina flutuante que hoje jaz
e
que amanhã se confunde ao ultrapassado.
E
quando os olhos erguemos ao horizonte,
vemos
a fímbria desse oceano imenso,
acobertado
pelo toldo do porvir;
águas
do tempo, de toda a vida a fonte,
na
superfície fina o voo tenso
de
quem se ilude no mundo ainda existir.
LUDANYRA I – 16 NOV 13
(Hommage a
Richard Harrison)
Há uma aliança entre o
morto e o nascituro,
na qual os vivos são
apenas travessão,
do fogo aceso e a cinza
só o tição,
no seu breve rebrilhar
perante o escuro.
Passam os vivos a
nutrir-se do monturo
que hoje chamamos de
civilização,
o que deixaram no
antanho os que lá estão,
petrificados no destino,
em bando obscuro.
Enquanto aqueles que
ainda esperam gelatina
vão lentamente
derramando sobre nós,
desse advir que chamamos
de futuro;
sob tal peso a vida
dobra e inclina,
na longa espera por
viver o após,
do diário empréstimo a
se pagar o juro.
LUDANYRA II
Já não vemos os ontens
do passado,
entreverados com as
vidas que já foram,
nem tampouco o porvir
que nos agouram,
nesse futuro que no além
já está mesclado.
Pois somos longos vermes
nesse adiado
e extenso conservar, mas
que só duram,
iguais a dobradiças que
se apuram,
no fervilhar do tempo
marchetado.
Como podes o teu ontem
recobrar,
se já o deixaste ao
longo do caminho?
E que futuro podes
esperar,
sem saber se é
portentoso ou comezinho?
Só tens consciência da
presente junta,
como os proglótides que
uma larva ajunta.
LUDANYRA III
Ao fim de cada dia,
atrás deixaste
esse anel de ti mesmo,
irrefragável,
nenhuma parte de ti
recuperável,
salvo a memória que
ainda conservaste.
E só Deus sabe até que
ponto relembraste,
com plena exatidão, essa
intocável
vida dos outros, que
mantém em memorável
conserva envinagrada que
tampaste.
As longas fibras, pouco
a pouco, se interrompem,
enquanto tantas outras
permanecem
e novas fibras se atêm à
tessitura;
e as memórias de teus
dias se corrompem,
enquanto os amanhãs te
coalescem
e a fibra tua inteira
ainda perdura...
LUDANYRA IV
Por isso o impulso para
a reprodução,
por que essa liga não
venha a se partir;
que as longas fibras já
postas a dormir
sejam mantidas pela nova
brotação.
Já foi cortada toda a
conversação
com os mortos, apesar do
perquirir...
Quem se lembra aos não
nascidos inquirir,
salvo, talvez, durante a
gestação...?
Mas quem nos diz que os
mortos não conversam
com a multidão dos que
ainda não nasceram,
sem que das vozes
tenhamos percepção?
Pois nossas vidas são
sinais que versam
os nascituros para os
que morreram,
não mais que um
permanente travessão...
ESTÁGIOS I (2008)
O dealbar é
tanto o fim da noite
como o começo
do seguinte dia;
e é assim em
tudo: o que fugia
de nossos
dedos, ante o feroz açoite
da morte, é tão
somente transitório:
algo termina e
algo recomeça;
mas se a vida é
transitória, não esqueça
que ao fim de
cada evento, seja inglório,
seja pleno de
triunfo, principia,
viva, nova
ocorrência; quando dói,
basta
esperar o fim dessa afecção;
até o ditado
proclama como um dia
vem após o
outro; e o amor que se destrói
fica guardado
no teu coração.
ESTÁGIOS II –
17 nov 13
Até mesmo
quando amor em ódio vira,
é a face oposta
da mesma moeda;
hastes de trigo
se empilha em cada meda,
vão para a
eira, sobre elas o trilho gira;
e as mil hastes
que amor em sonho inspira,
são como essas
sementes, essa leda
cabeleira a
ondular, que ao vento ceda,
branda e
volúvel quando a brisa a fira.
Uma parte da
semente se faz trigo,
quando semeada
para a próxima colheita,
enquanto outra
se esmaga por farinha.
Existe ódio no
pão, se não consigo
a espiga
visualizar mais desta feita
ou só há amor
só semente pequeninha?
ESTÁGIOS III
Do mesmo modo,
se significa morte,
também vida representa
o dealbar,
em novo dia
amor a continuar...
Rancor existe,
quiçá, então na sorte
com que a noite
se entrega a seu consorte
ou mais amor
ainda no alternar?
A noite sonha o
sonho a te entregar
e nasce então o
dia em claro esporte.
Na Lei do Ciclo
tudo se transforma,
como queria de
Heráclito a visão,
em cada morte
vivendo outra paixão,
enquanto a vida
é filha dessa forma
que se perdeu e
é algures enterrada,
mas sem a qual
não haveria mais nada.
ESTÁGIOS IV
Quando
sofremos, esperamos para a dor
um fim rápido
ou lento, escusa morte
a aliviar para
nós a álgida sorte,
da saúde o
magnífico sabor...
Mas que seria
de nós sem o teor
dessa
alternância de constante porte?
Que a dor
apenas incomoda o forte,
nessa esperança
de seu estertor.
“Panta rei ouden
menei”, qual dizia
o filósofo
heleno do passado;
assim como tudo
mais, a vida passa,
também a morte
a terminar um dia;
tem toda a
noite da alvorada o fado
e ao por-do-sol
cada dia descompassa.
ESTERNUTAÇÃO I – 2008
Espirrar contra o vento traz má
sorte:
borrifas a ti mesmo e então o
nojo
te faz limpar o rosto do
despojo
dos perdigotos, em
desgostante corte.
Reclamar contra a vida ou
contra a morte
produz igual efeito; mais
trabalho
terás para limpar o tal
chocalho
de queixas de pequeno ou grande
porte.
Ao espirrar, busca o favor do
vento,
que para longe levará toda
gotícula;
e quando a vida te trouxer
tormento,
enfrenta quieto, ou então,
vira-lhe as costas,
pois se puderes perceber
quanto é ridícula,
terás enfim da vida o quanto
gostas...
ESTERNUTAÇÃO II – 18 nov
13
Só quem aprender a vida
a ver com ironia
consegue o mal diário
suportar;
chegando o bem, feliz a
se encontrar,
mas na consciência de
que não perduraria.
Todas as coisas dependem
da ideologia:
meio cheio o teu bornal
a imaginar,
caso teu ânimo o
otimismo possa inflar;
oposta ideia é sentir
meio vazia
a tua mochila, quando
está pela metade;
e quando a vida te
mescla uma tristeza
com uma alegria, aceitar
de boa vontade
essa metade de mal com
igual leveza
que a metade de bem que
se reveza,
nessa balança da
equanimidade...
ESTERNUTAÇÃO III
Mas pensa bem, que
quando mais reclamas
das partículas de poeira
a te acertar,
tais grãos de pó irás
assim tragar:
melhor sorrir para o ar
com que te irmanas,
dando as costas ao vento
em tais inanas,
só nos cabelos a
polvadeira a se assentar,
que cedo ou tarde tens
mesmo de lavar:
pelos teus ombros o
vasto vento encanas
e com ele se vão
múltiplas queixas,
sem que precises, de
fato, protestar,
contra os talhos de um
destino indiferente;
que o bem e o mal, com
todas suas endeixas,
são impostores, soube
Kipling bem mostrar,
pois tudo passa, igual
que passa a gente...
ESTERNUTAÇÃO
IV
Mas
nem por isso devemos aceitar
nossos
percalços de forma indiferente:
resignação
é um ato de impotente,
quando
o mal vem, chega a hora de enfrentar,
tomar
as providências, planejar,
os
recursos empregar de antigamente,
sem
esquecer de que é uma fase, simplesmente,
que
de uma forma ou de outra há de passar.
Do
mesmo modo que, ao clarão nascente
de
um golpe de sorte inesperado,
a
exultação não se recuse, estoicamente,
mas
se guarde nos escaninhos do passado,
como
reserva contra o vento impertinente,
mais
uma vez, contra nós, esternutado!...
FLUXOS I – 19 nov 13
Unidos, fluiremos
como um rio:
cada um de nós,
ao invés de diminuir-se,
ver-se-á
aumentado ao distribuir-se,
tal como
fibras, compondo o mesmo fio.
Unidos, como a
neve, que no estio,
depois de em
tantos flocos a flutuar-se,
depois de em
bancos sólidos firmar-se,
forma torrentes
de impetuoso brio.
E em tantas
direções, em cujas partes
nunca perdemos a
individualidade,
porém
multiplicamos pela união,
é assim conosco,
ainda mais nas artes,
no que melhor
criou a humanidade,
que, ao repartir,
se aumenta a inspiração.
FLUXOS II
A humanidade inteira,
como um cabo,
feixe composto
por incontáveis fios,
alguns mais
longos, outros arredios,
mil fios de seda
retorcido num só rabo;
de minha já longa
vida não me gabo;
há mil fiapos de
mim, unidos cios,
as lascas da
madeira de meus lios,
em mim coladas e
por isso não acabo.
E nessa união se
encontra intransigência:
há muito mais de
mim no peito alheio
e o sangue alheio
em mim se emulsifica,
dos mil impulsos
elétricos em vigência,
na isomeria
multicor de cada seio,
no entrelaçar
ritual que em mim se aplica.
FLUXOS III
De forma igual, tua energia intensificada
enquanto flui para teus semelhantes,
corre a linfa de ti, em expectantes
gavinhas de expansão plurificada;
cada alma humana assim emulsificada,
interligada a suas próximas ou distantes,
compartilhando os sonhos mais vibrantes,
nessa intenção mais completa e imoderada.
Quando repartes, não se perde o que fluiu,
mas se renova, tal qual humana seiva:
é verdigris a luz da inspiração;
todo o fluir que então de ti saiu
retorna para ti em fértil leiva,
no fruto imarcescível dessa união.
FACETAS XXIV -- A MÃE
DE CRIAÇÃO I – 15 JUL 2006
Bondosa é essa mulher,
que assim adota,
em lugar desses filhos
que não teve,
os filhos de outra
mãe, que não manteve
o pacto umbilical e
permanece ignota
até que os filhos
cresçam e possam trabalhar,
quando retorna e
retomar deseja...
E como a
mãe-estranha o filho beija,
que a mãe-postiça
criou e pôde amar,
com muito mais afeto e
abnegação!...
Que surgirá depois
dessa explosão,
quais serão os mais
verazes dos afetos?...
Os daquela protetora,
cujos retos
conselhos a criança
conduziram,
ou os da esquecida,
que agora ressurgiram?
A MÃE DE CRIAÇÃO II
Muito se fala da
mãe-preta, cujo leite,
da mesma cor de quem
tem a branca pele,
fluiu na boca ávida
daquele
bebezinho,
garantindo-lhe o deleite;
por um motivo
qualquer, que a mãe aceite
seu sangue feito
branco a vida sele
nessa criança que em
seu colo zele,
numa partilha em que o
próprio filho ajeite.
Certamente, aqui foi
só contingência:
tanta mãe branca que soube
dar o seio
a um pequenino que
provém de ventre alheio,
que a fome aplacam de
toda a proveniência,
seja ameríndia,
mestiça ou japonesa,
em igual generosidade
e ideal nobreza.
A MÃE DE CRIAÇÃO III
Não vem ao caso
qualquer tonalidade
mostrada na epiderme. Só a saúde
dessas mulheres,
talvez de vida rude,
é que permite tal
potencialidade.
Em certos casos, é a
enjeitabilidade
que a tal destino uma
criança mude;
em outros, a posição
social que alude:
não quer do seio a mãe
perder a mocidade.
Mas com frequência, no
passado, já assisti
que a mãe pobre
recuse-se a criar
e o filho entregue
para alguma amiga,
talvez irmã ou
parente, após intriga
qualquer que a tenha
feito separar
do pai casual que só
quer cuidar de si.
A MÃE DE CRIAÇÃO IV
E tanta vez, nutrida
já essa criança,
velado em muita noite
o sofrimento,
já educada, com pleno
sentimento,
da mãe-postiça o alvo
da esperança,
quando uma idade de
trabalhar alcança,
vai ser buscada, no
maior desfaçamento
e da justiça tem
reconhecimento,
para destino de bem
menor bonança.
Muita vez, até adotada
legalmente,
é pela mãe-estranha
confrontada,
que lhe afirma muito
dela precisar
e esse menino, no
espasmo da presente
adolescência de alma
perturbada,
se permite por ela
conquistar...
A MÃE DE CRIAÇÃO V
Ou surge o pai que
nunca se importou
e à menina depressa
descaminha.
com a promessa de a
tratar como rainha,
em recompensa pelo
tempo em que a negou.
Por certo, às vezes,
boa intenção mostrou
e realmente, na vida
que ora tinha,
com boa situação, de
fato a alinha,
deixando atrás a
família que a criou...
Ou pior ainda, é
quando surge um namorado,
a ocultar a pior das
intenções,
um cafetão, às vezes
um drogado,
que a conduz a
inesperadas situações,
muito mais dura a
doença que o pecado,
das mães-postiças a partir
os corações...
A MÃE DE CRIAÇÃO VI
A quem, de fato, tal
criança caberia?
A quem lhe deu o
umbigo espiritual
ou a quem a desprezou
em inatural
atitude, contra o que
o instinto lhe diria?
Será que toda
mãe-postiça entenderia
que todo o sacrifício consensual,
bem raramente lhe
trará lucro real,
que cedo ou tarde a
criança perderia?
Pois quando de seu
ventre o próprio fruto
é criado para ser
entregue ao mundo,
o que esperar de quem
só traz o sangue alheio?
Em cuja própria
acolhida traz o luto
e a expectativa de um
pesar profundo,
mas, mesmo assim,
acolhe no seu seio?
O POÇO DE RAQUEL I – 21 NOV 13
FUGIA UM DIA JACÓ DE SEU IRMÃO,
ESAÚ, O RUIVO, A QUEM ELE OFENDERA;
POR SEU AMOR FORA A PRÓPRIA MÃE TRAIÇOEIRA,
A ENGANAR O CEGO ESPOSO SEM PERDÃO!
PARA QUE ASSIM O ABENÇOASSE EM COMPAIXÃO,
PENSANDO SER O PRIMEIRO QUE NASCERA;
NESSA INJUSTIÇA QUE JÁ PRETENDERA,
ESSE MAIS MOÇO A DESERDAR SEM GRATIDÃO,
PORQUE ERA JACÓ NO ACAMPAMENTO
DOS CRIADOS A CUIDAR E DAS OVELHAS;
ESAÚ ERA, AO CONTRÁRIO, UM CAÇADOR,
MAS POR QUALQUER RAZÃO DE SENTIMENTO,
GUARDARA ISAAC AS SUAS BÊNÇÃO VELHAS
SÓ PARA O FILHO MAIS VELHO, O SEU AMOR!
O POÇO DE RAQUEL II
POR REBECA E JACÓ ASSIM ENGANADO,
ISAAC RECEBEU JUSTO CASTIGO,
SEM QUERER, TRATOU ESAÚ COMO INIMIGO,
NENHUMA BÊNÇÃO LHE HAVENDO RESERVADO.
POIS A JACÓ TERIA ASSIM PREJUDICADO,
ASSIM O EXPONDO A PASSAR MAIOR PERIGO,
TENDO SOMENTE NO ACAMPAMENTO ABRIGO,
POR SEU IRMÃO MAIS VELHO DOMINADO.
TERIA SIDO DE DEUS PLENA VONTADE
OU DE UMA MÃE REVOLTADA O PURO ARDIL,
PORQUE SUAS BÊNÇÃOS NÃO QUERIA REPARTIR
O PATRIARCA QUE SOFRERA A INDIGNIDADE
DA VAIDADE DE ABRAÃO, EM SONHO VIL,
DE IGUAL CARNEIRO UM SACRIFÍCIO CONSTITUIR?
O POÇO DE RAQUEL III
DE FORMA IGUAL FUI TRATADO NO PASSADO
PELO MEU PRÓPRIO PAI, CUJO CUTELO
ERA MAIS ESPIRITUAL, CUJO CASTELO
NÃO DESEJAVA FOSSE EU A TER HERDADO.
DE CERTO MODO, TAMBÉM FUI SACRIFICADO,
SEM QUE À FOGUEIRA VIESSE, POR DESVELO,
QUALQUER CARNEIRO, COM ESPINHOS A CONTÊ-LO,
QUE PODERIA, EM MEU LUGAR, SER DEGOLADO.
NÃO QUE MEU SANGUE ASSIM FOSSE VERTIDO:
O QUE CORTOU DE MIM FOI UM NACO DA ALMA,
PARA QUEIMAR, NÃO A DEUS, MAS À VAIDADE,
O EXEMPLO DE ABRAÃO OBEDECIDO,
QUE A LENHA EM CARREGUEI, EM PLENA CALMA
ENQUANTO O FOGO ELE LEVAVA EM SERIEDADE.
O POÇO DE RAQUEL IV
JACÓ PRECISOU EMPREENDER LONGA VIAGEM,
SOFRENDO FOME E SEDE, A PALMILHAR
OS DESERTOS EMPEDRADOS DE SEU LAR
SEM QUE ALÍVIO O ABENÇOASSE ESSA PAISAGEM.
A JORNADA ELE CUMPRIU COM MAIS CORAGEM
DO QUE JULGARA TER, AO SE ESCAPAR
DE SEU IRMÃO, QUE O PRETENDIA MATAR;
AO INVÉS DE OÁSIS, VIU APENAS A MIRAGEM,
ATÉ QUE UM DIA, JÁ NO ENTARDECER,
ENCONTROU DE GRANDE POÇO A COBERTURA,
LAJE DE PEDRA QUEA ÁGUA LHE NEGAVA;
SÓ BEM DEPOIS VIU RAQUEL COMPARECER,
COM SUAS OVELHAS DE COR LUZENTE E PURA,
QUE JUNTO AO POÇO IGUALMENTE SE ASSENTAVA.
O POÇO DE RAQUEL v
E SE JUNTARAM TAMBÉM OUTROS PASTORES,
MAS SEM QUE A TAMPA FOSSE RETIRADA;
ELE INDAGOU POR QUE TANTA DEMORADA,
NA SUA GARGANTA A SECA DOS ARDORES.
E LHE DISSERAM SER COSTUME, EM TAIS SETORES,
DO TOTAL DOS REBANHOS A CHEGADA
ESPERAR; E SÓ DEPOIS SER LEVANTADA
DO POÇO A TAMPA, PARA EVITAR RANCORES.
MAS CONVERSANDO, JACÓ RECONHECEU
QUE ESSA PASTORA, CUJO NOME ERA RAQUEL,
ERA SUA PRIMA, AINDA QUE AFASTADA
E NUM GESTO QUE A TODOS SURPRENDEU
ERGUEU A TAMPA SOZINHO E DA ÁGUA O MEL
DEU À PARENTA FINALMENTE REENCONTRADA.
O POÇO DE RAQUEL Vi
Também eu tive uma peregrinação,
Embora fosse outro o meu deserto:
O de alguém a quem amor passou por perto,
Porém somente me olhou com suspeição,
Sem da parceira flechar o coração,
O meu próprio coração em chaga aberto;
Mas só aguardava esse deusinho esperto
Que em outro poço eu achasse brotação.
Muito custou, mas encontrei minha raquel,
Os meus músculos empregando na conquista,
Enquanto ela apenas contemplava.
Aberto o poço, beijei lábios de mel,
Conseguindo que ao rebanho então desista,
Na confissão de que também me amava.
Nenhum comentário:
Postar um comentário