ZODÍACO & MAIS – William Lagos
ZODÍACO
E ESTILINGUES I (2008)
Eu
insisti com a vida, desejando
que
os bens da terra caíssem no meu colo;
por
tais desejos tão só a garganta esfolo,
porque
o destino apenas vai passando...
Cresci,
mas aprendi que só tentando
lutar
pelo que quero é que irá pô-lo
em
meu regaço: comprarei o bolo
com
meu trabalho; e nunca derramando
ardentes
preces ou anseios caros;
os
resultados só chegam quando insistes
e,
para amor, não basta um leve toque,
nem
persistência de poemas raros...
Mas
olha para o céu -- talvez me avistes,
A
derrubar mil estrelas a bodoque...
ZODÍACO E ESTILINGUES II (10 OUT 13)
Talvez me vejas montado num cometa;
serão esporas um meteorito ou dois;
tomarei um asteroide no depois
e o lançarei sobre a estrela mais dileta...
Aquela estrela que já foi a guia secreta,
a sinuela na constelação dos bois,
sobre a camada transparente que constróis,
na qual estrelas uma a uma se espeta.
Sei muito bem que a noite é falsiforme,
na multidão dos astros fascinantes;
matéria negra é que engasta esses distantes
fachos de luz em rodopio enorme,
pois só da Terra se veem constelações,
na fantasia dos desenhos que ali pões.
ZODÍACO E ESTILINGUES III
Há dez milênios, lá na Mesopotâmia,
velhos sumérios tudo imaginaram...
Por que o sistema duodecimal criaram?
Teriam doze dedos, sem infâmia...?
Os gregos, ao falar no monstro Lâmia,
com doze garras certa vez a representaram
e como mulher bela a disfarçaram,
vivendo em algum lugar da velha Hispânia.
Mas não achamos a hexadactilia
nos restos sumérios que nos alcançaram,
nem tampouco nas estátuas que deixaram.
Por que no doze tal fixação havia?
Por que doze meses no calendário solar,
se existem treze por ano no lunar?
ZODÍACO E ESTILINGUES
IV
Por isso, nunca cri em horoscopia,
que as doze casas do zodíaco inexistem,
por mais que seus defensores nos insistem
e até nos mudem a presente astrologia;
por isso, em um cometa eu montaria,
para caçar as estrelas que assim distem,
quebrar desenhos que já sei que não existem
e refazê-los em uma nova astronomia...
As estrelas, a pouco e pouco, laçaria
e as puxaria, pela força de meus braços,
modificando a posição de cada;
e uma nova constelação eu criaria,
que pudesse acolher nos meus abraços,
com cada traço do rosto de minha amada...
MEANDROS I – 11 OUT 13
Ainda conservo nos meandros da memória
o mobiliário da casa de minha infância,
recordo os pisos em cada reentrância,
lembro dos forros com cada mancha e
escória.,
cada parede a me fitar, peremptória,
com cascatas de goteiras em abundância,
bombas atômicas de fantástica constância,
explodidas num passado sem história;
e quando os olhos fecho, distraído,
ainda percebo nas cortinas palpebrais
cada detalhe de tais instalações
da casa morta e do prédio demolido,
dos meus parentes que não caminham mais,
móveis fantasmas e suas configurações.
MEANDROS II
Quando criança, segurava espelho,
desses quadrados, de pia de banheiro,
e seguia pela casa, bem faceiro,
pisando os tetos pintados de vermelho
e nos umbrais, era como escaravelho,
numa vertigem de menino arteiro,
tropeçando no ar, como se inteiro
meu pé trançasse nesse prédio velho.
Mas ao sair pela porta da cozinha,
lembrando bem que havia dois degraus,
chegava ao pátio para pisar no céu,
nesse azul súbito que me envolvia e vinha
ou no cinzor de uns quantos dias maus,
para englobar-me na tela de seu véu.
MEANDROS III
Não tinha acesso da casa até o porão:
havia apenas larga caixa de cimento
que chamavam frigorífico e o alimento,
bebida e gelo ali guardavam no verão.
Acesso havia por meio de um alçapão
e outros havia a que escada, num momento,
dava ao sótão, lugar feio e nojento,
em que estendiam da luz a fiação.
É claro que ali apenas espiei,
vendo réstias de luz pelo telhado,
pois minha avó me proibia ferozmente;
mas na memória até isso guardei,
em claraboia direta a meu passado,
amortalhado em poeira permanente.
WOLONG I -- 12 OUT 13
Wolong é esse lugar
desconhecido
e já nem sei por que tal
título escolhi;
mas bem no alto da lista o
incluí,
meses ou anos de um passado
já esquecido.
Se fosse Wollongong, melhor
seria tido:
alguma cidade na
enciclopédia eu vi,
em Nova Gales do Sul,
segundo descobri,
o estranho nome ali está
escondido.
Mas meu Wolong escrevi com
um “ele” só,
em resultado de qualquer capricho
e tal escolha eu devo
defender;
de meu imaginar não terei dó
e nem pretendo este poema
pôr no lixo.
Vejamos, pois, o que irá
aparecer...
WOLONG II
Digamos que Wolong é um
asteroide,
formado quase inteiramente
de ouro;
a cobiça despertada por
tesouro
foguetes lançarão deste
geoide;
ou digamos que Wolong é um
humanoide,
identificado por qualquer
estouro,
de feições orientais, cabelo
louro,
descoberto na Antártida por
romboide;
ou digamos que Wolong é um
elemento
transurânico, por
Mendelejeff desconhecido,
muito pesado, mas totalmente
estável
ou que Wolong é o remédio do
momento,
por panaceia quase
desenvolvido,
cura da AIDS e da calvície
incontestável.
WOLONG III
Pois Wolong poderia ser
ainda
um candidato do Brasil à
presidência,
nome africano de estranha
dependência,
descendente de escravos de
Cabinda;
ou um novo satélite para a
infinda
multidão de celulares em
exigência,
busca do lucro disfarçada em
complacência,
nomenclatura da Zona Franca
vinda;
ou quem sabe, nova marca de
algum doce,
ou então chiclete, pirulito
ou chocolate,
resultado de qualquer breve
pesquisa,
qual se real opinião da
massa fosse,
repetida com a frequência de
um abate,
até que o povo acompanhasse
tal baliza.
WOLONG IV
Ou pode ser nova sigla
partidária
ou mesmo o nome de uma nova
companhia,
da Razão Social bem diversa
a Fantasia,
a ser imposta por propaganda
perdulária;
ou quiçá religião nova e
arbitrária,
alicerçada no Oriente, em
sua magia,
por mais que a Ásia inteira
negaria
conhecer a tal doutrina
atrabiliária;
ou talvez, um novo ritmo de
dança,
copiado a aborígenes
australianos
ou efeito simples da
numerologia
ou vem dos sonhos do
passado, que ainda alcança
a minha memória, mais antiga
que os romanos,
nome que usei, reencarnei, e
nem sabia!...
O TOQUE DO CELULAR
I – 13 OUT 13
Vou pela rua,
caminhando descuidado,
E por mim
passa alguém que nem conheço;
Outro alguém à
ligação deu um começo
E um toque soa
no celular ao lado...
Até hoje um
tal emprego recusado
Foi por mim,
mesmo baixo sendo o preço;
Ofertas de
presente eu agradeço,
Não quero ser
assim localizado...
Mas o toque
que escolheu esse passante
Fez-me lembrar
algumas horas de minha infância:
Um minueto que
minha mãe executava;
E me conduz à
alameda deslizante
Dos arpejos e
dos toques de elegância
Que enquanto
lia minhas revistas escutava.
O TOQUE DO
CELULAR II
Há muitos anos
minha mãe não toca mais;
Seu deeneá
talvez guarde meu piano;
Ou quem sabe,
nos martelos, som arcano
Ainda se
esconda em notas hibernais;
Do outro lado
da casa, em modorrais,
Período de meu
sono de haragano,
Sem pouso fixo
em sonho quotidiano,
Escuto notas
dedilhadas no ademais...
É longa a
casa, há uma escada de permeio;
Daí que chegue
até o salão dianteiro,
Já esvoaçou
seu toque derradeiro...
Se por acaso
algum espírito aqui veio,
Já se enroscou
nos arames do instrumento...
E baixo a
tampa do teclado em tal momento.
O TOQUE DO
CELULAR III
O celular
somente toca alguns compassos
E me recorda o
aroma indefinível
Daquelas
tardes e manhãs do inatingível:
Calor e frio
de silenciosos passos...
Ando no azul
da rua, sem abraços;
A voz se
afasta em conversa incompreensível,
Até as mãos
gesticulam no invisível
Acariciar do
fantasma desses traços.
Antigamente,
quem falava pelas ruas
Ou ficava
acenando nas calçadas
Era tido como algum
irracional,
Um pobre
louco, em fantasias cruas...
Mas hoje vejo
essas pessoas apressadas,
Falando à
brisa qual se fora natural...
O TOQUE DO
CELULAR IV
Porém o som
subitâneo, inesperado,
Desperta em
mim estranhos sentimentos;
As campainhas
de meus padecimentos
Nesse toque
tilintando, abandonado...
Se falo então
com alguém, sou isolado,
Sinto o
desprezo de seus alienamentos;
Nesses toques
que parecem agourentos,
Há um outro
mundo destilando do meu lado.
Talvez eu
seja, afinal, o derradeiro
Que tanto
pode, mas se recusa a ter,
Que se recusa
pelas ruas a atender
O toque de
clarim que o toma inteiro
E que o
invade, sem razão real,
Como buzina
tocada em carnaval...
REDES SOCIAIS
I – 14 OUT 13
HÁ MUITOS ANOS
ADOTEI O COMPUTADOR.
FOI
NECESSÁRIO, POR MOTIVOS DE TRABALHO;
A MÁQUINA DE
ESCREVER QUEBRAVA O GALHO,
MAS
TRANSFORMOU-SE O MISTER DE TRADUTOR.
HOJE OS TEXTOS
SE TRANSMITEM A VAPOR
OU MEUS POEMAS
PELOS CÉUS ESPALHO;
DE ALGUNS
DADOS NA INTERNET ATÉ ME VALHO,
PORÉM NOS
LIVROS AINDA ENCONTRO MAIS VALOR.
AS MENSAGENS
SE COMUNICAM FACILMENTE
E AS POSSO
RESPONDER COMO QUISER,
MAS A
INSISTÊNCIA DAS REDES SOCIAIS
É DE MEU TEMPO
BEM MAIS EXIGENTE
E POR ISSO ME
RECUSO A TAL MISTER,
ENQUANTO POSSO
DISFARÇAR-ME NO JAMAIS.
REDES SOCIAIS
II
VEJO AS
PESSOAS INSISTINDO EM SEU EXPOR
E ME REQUEREM
SEMELHANTE EXPOSIÇÃO;
AS FOTOS VOAM,
SEM QUALQUER RAZÃO,
MIL REFLEXOS
DE LUZ NESSA OCASIÃO.
E CASO QUEIRA
A TAL EXAME ME DISPOR,
VEREI MILHARES
DE ROSTOS REPETIDOS,
MUITOS DELES
TALVEZ JÁ FALECIDOS...
DE QUE ME
SERVEM TAIS DOTES INCONTIDOS?
IGUAL QUE
CAIXA DE FOTOS ESQUECIDAS,
QUE
DISTRIBUÍAM POR DEMAIS, ANTIGAMENTE,
OU NOS OVAIS
DE PORCELANA TUMULAR,
NESSA CERTEZA
DAS TRANSITÓRIAS VIDAS,
NO DESESPERO
PELO OLHAR DA GENTE,
ANTE O TEMOR
DE TOTALMENTE DISSIPAR.
REDES SOCIAIS
III
MAS PARA MIM,
ELAS NÃO ME FALAM NADA!
SEI BEM QUE A
CARNE QUE REFLETIU A LUZ
HÁ MUITO
FOI-SE E NADA MAIS RELUZ;
ESSA IMPRESSÃO
QUE ME DÃO É DESOLADA!
PORÉM, AO
MENOS, CADA FOTO ERA GUARDADA
OU EXPOSTA NA
PAREDE, COMO CRUZ
OU EM ÁLBUM RECOLHIDA,
VELHA TRUS,
SEM QUE
MINHALMA FOSSE ATRIBULADA.
MAS ESSAS
FOTOS LANÇADAS PELO AR,
AOS MILHARES E
MILHÕES, CRUZAM-ME A MENTE
IGUAL QUE
RADIOATIVA ERUPÇÃO
E NEM SÃO
OBRAS DE ARTE A ME ALCANÇAR,
MAS ESPELHOS
DA VAIDADE PERMANENTE
E ME LANHAREM
EM CONSTANTE RADIAÇÃO!
REDES SOCIAIS
IV
E AO VER COMO
ASSIM SE COMUNICAM,
ENQUANTO PODEM
SE COMUNICAR,
DESCE A
TRISTEZA PARA ME ACOMPANHAR,
NESSAS IMAGENS
MORTAS EM QUE FICAM
ESSAS CRIANÇAS
QUE, EM JUVENTUDE, ESTICAM,
VIRANDO
ADULTOS PARA DEPOIS MURCHAR;
ESSAS FRASES
REPETIDAS SEM PARAR,
NA MELOPEIA
SEM SENTIDO EM QUE ME IMBRICAM.
E ENQUANTO
ASSIM CONTEMPLO O DESPERDÍCIO
COM QUE
EMPREGAM A TECNOLOGIA,
SINTO OS
GEMIDOS QUE PARTEM DESSA GENTE
E ENQUANTO DÃO
VAZÃO A CADA VÍCIO
E ME
TRANSMITEM SUA ESTRANHA LITURGIA,
SECO MINHAS
LÁGRIMAS ASSIM, FURTIVAMENTE.
A Rosa e a Estrela I
– 15 Out 13
A rosa brilha no
esplendor do meio-dia,
A rubra rosa de
pétalas cruzadas,
Rosa amarela de
sépalas coladas,
Rosa vermelha que,
incandescente, estia.
A estrela brilha na
noite que surgia,
Prateada estrela em
súbitas rajadas,
Dourada estrela de
centelhas apressadas
Estrela cobre que no
céus me aparecia.
A rosa surge quando
a estrela cega
E vem a estrela
quando a rosa apaga,
Brilhando a estrela,
faz a rosa acinzentada,
Mas a rosa na sua
haste ainda se apega
E a luz do sol,
ardente como adaga,
A estrela queima e
não lhe deixa nada...
A Rosa e a Estrela
II
Por que se apaga a
rosa quando a estrela
Vem cintilar no
negríssimo esplendor?
Por que a estrela
perde o seu frescor
Quando a rosa mais
estua e se faz bela?
Por que o contraste
que sempre se revela
Quando uma rosa
almeja mais ardor,
Quando uma estrela
deseja mais odor
E vê na outra o que
lhe falta nela...?
A estrela é mansa e
nos parece um ponto
E a rosa é
pequenina, mas parece
Ao coração aberto um
sol imenso...
Por que a percepção
traz tal desconto,
Que a grande e
rútila assim empalidece
E a tão pequena
trescala olor intenso...?
A Rosa e a Estrela III
Porém a rosa e a estrela têm segredo
Que não revelam a qualquer pobre mortal,
Que não brilha como estrela em seu fanal,
Que não encanta como rosa em seu albedo;
Pois quando um raio de estrela lança o dedo
Até o canteiro da rosa matinal
E se resseca, em pranto artificial,
Quando essa estrela do Sol se esconde a medo
Elas se tocam e ambas se transformam:
Sobe a rosa para o céu e, à noite, é
estrela,
Desce a estrela ao canteiro, à luz do dia...
E nessa troca, as duas se conformam:
Se eleva a rosa na amplidão mais bela,
Fragrante é a estrela na cor do meio-dia...
GOTHAR I – 16 OUT 13
Apenas penso que fazer mais versos,
Em temática de amor ou solidão,
É coisa desgastada de antemão,
Em que escreveram poemas tão diversos.
Mas olhando tais sonetos aos reversos,
Tanto os escritos em alheio chão,
Quanto os surgidos neste meu torrão,
É que se nota em que grau são controversos.
Olhando os que já fiz, percebo neles
Sempre um novo trejeito, nova volta,
A forma nova de se agitar o pó
Dos velhos sentimentos postos neles,
Até chegar à conclusão revolta
Que em recusa de cantar, ficarei só.
GOTHAR II
Sente-se só quem não sabe se expressar
E assim almeja de outrem a expressão;
Quer ter amor lançado na sua mão
E não na mão dos outros o lançar...
Quem consegue os pensamentos derramar,
Sem recair na tola tentação
De ser aceito com admiração,
Tal solidão não irá experimentar.
Por acaso é solitária a laranjeira
Quando lança pelos ares seus botões?
Antes se torna multidão nesse expandir.
Do mesmo modo, esposa a vida inteira
De toda a humanidade, em borbotões
Quem nos seus versos sabe se iludir.
GOTHAR III
O verdadeiro solitário é quem só quer,
Que tudo suga e nem se mostra grato;
Busca apenas alimento no seu prato,
Sem nada contribuir para qualquer.
Destarte, seja homem ou mulher,
A solidão desfaz-se, sem recato,
Quando ao contrário, escolhe o simples fato
De distribuir o quanto tem como mister.
Sem que, de fato, se espere gratidão,
Admiração, louvaminha ou companhia,
Em recompensa por aquilo que se deu,
Pois já se encontra no dar retribuição,
Em cada imagem que sua alma refletia,
Pois só quem pode me acompanhar sou eu.
dimythryus I – 17 out 13
quando ando de ônibus, à noite,
eu ouço o povo a ressonar à volta,
qual sentinela de dormente escolta
e em meus ouvidos tal roncar é açoite.
eu
até tento encontrar meio de acoite
no sono que de entorno corre à solta,
mas roubaram o meu, como se envolta
estivesse minha mente em tal afoite.
em dia claro, contemplo outros que dormem
e me ressinto dessa gente que me roube,
em seu ronco ou ruidoso ressonar.
nos batalhões que em torno a mim se formem,
vejo o quinhão do sono que me coube,
quando me obrigam todos a vigiar...
dimythryus II
durante a noite, só escuto o ressonar
ou um suspiro aflito de apneia;
para essa multidão eu sou plateia,
numa inversão de quem no palco vá atuar,
todos eles, simultâneos, a expressar
o seu desprezo pela minha dispneia;
mas que fazer, se permeio a essa odisseia,
seguro o leme ou ponho-me a remar?
embora saiba que não sou o chofer,
eu me percebo de todos o guardião,
em imperceptível nível do consciente;
de sentinela solitária o meus mister,
enquanto um pesadelo, em comunhão,
vai pululando de uma a outra mente.
dimythryus III
não é que eu queira ser o fiel vigia,
nas mãos balestra de antigo caçador,
capturando essas nuvens de vapor
que das narinas sobem, em nostalgia;
mas eu pressinto essa névoa que atingia
as minhas próprias narinas, em fedor,
os cheiros corporais, tropa de odor,
rebrotando dessa gente que dormia.
e me recuso a babar, igual que eles;
que não me possam observar, com igual
desprezo,
esses duendes de cada pesadelo;
mas ao contrário, que cada vez que apeles,
eu te possa proteger, nesse intermezzo,
por sobre a orquestra de roncos que então
velo.
dimythryus IV
durante o dia, a situação é bem mais mansa:
uns encaram das janelas as paisagens;
outros abrem laptops e as imagens
firmes estudam até que o olhar lhes cansa;
alguns os jornais leem, trêmula dança
e suas vistas se desgastam nas miragens;
outros insistem em balbuciar bobagens,
em seus ritmos circádicos de esperança.
permeio ao dia, sua mente não descansa,
mas então se podem entregar ao devaneio,
busca o destino ou vai atrás o pensamento;
sinto suas auras vibrando como lança,
nas cores múltiplas, legendas em recheio
da teia etérica de seu encantamento.
dimythryus V
é nessas ocasiões que bebo sonhos,
como nuvem vaporosa de cristal;
tomo sílfides ondulando em memorial,
fogos descendo em bordejar, bisonhos;
capto assim os lastimares mais tristonhos
ou as alegrias de caráter mais sensual,
tapeçarias de maior vigor sexual,
esteiras feitas dos vícios mais medonhos.
mas todos tênues e apenas a vogar
e os posso assimilar, sem sofrer mal,
para levá-los até as minhas prisões,
em que os irei, com calma, processar,
futuros cantos de estrofe natural,
tais quais se fossem minhas próprias
sensações.
dimythryus VI
porém à noite, sou mais um gladiador,
porque são monstros do id que despertam;
para o domínio atinam e se alertam,
sem ser filtrados por censura ou por temor.
e assim, meu superego toma o andor,
superjacente aos faróis que desconcertam,
nesses mosaicos que se espremem e se apertam
e os combate, com o maior ardor.
não que espere tais demônios destruir,
mas não permito que em mim venham penetrar
e os devolvo, se possível, ao inconsciente
de que brotaram, seus olhos a fulgir,
garras abertas para seu dilacerar,
nos pesadelos que devoram tanta gente.
FRACÇÃO I – 18 OUT
13
O que farei, depois
que o sonho escasso
tiver-se diluído no
infinito?
Encontrarei em mim
solo bendito,
grossos torçais com
que teça novo laço?
Encontrarei do
antanho o velho abraço,
como nova
inspiração para este agito
de minhas
circunvoluções, em novo grito
que de outro rosto
me recorde o traço?
O que farei, depois
que transmiti
para o novo tear
transcendental
das redes
eletrônicas no espaço
a descrição do amor
em que mais cri
em gobelins de
entretecer monumental
nessas vias
cibernéticas do abraço?
FRACÇÃO II
Às vezes me
pergunto se há reserva,
quando ressurge em
mim a brotação,
se vem de fora toda
a inspiração,
se vem de dentro a
luz que me preserva.
Às vezes eu me
indago se conserva
a mente, o peito ou
a alma, em ilusão,
de onde é que flui
toda a constatação,
brotando em letras
como brota a erva.
Serão, de fato,
meus sonhos infinitos,
que quanto mais por
aí os distribua,
mais ainda se
renovam, em mitose?
Ou sugo algures
outros ideais benditos,
que manipulo com as
mãos e a pele nua,
na mente alheia
penetrando por osmose?
FRACÇÃO III
Frequentemente, de
fato, desconheço
esses poemas que
redigi há anos,
que me surpreendem
quais hexâmetros romanos,
frutificando em luz
que logo esqueço,
quando em imagens
renovadas eu me aqueço
escolhidas por
alguém, em novos panos,
mil figuras
cibernéticas; ou em levianos
recitares de
estribilhos, que então meço
e me surpreendo com
a força das miragens,
com as métricas e
rimas de doçura,
que não sabendo
minhas ser, aplaudiria...
e quão depressa se
desfazem tais visagens
nos sentimentos que
deixei nessa planura
que já cruzei, sem
nem sonhar que voltaria!...
FRACÇÃO IV
Os versos foram
meus, porque escrevi
ou foram de outro
ser que nem sou mais?
Têm vida própria,
fizeram-se imortais
nessas redes
binárias que escolhi?
Por que a surpresa,
se de novo os li?
Não se conformam em
assentar-se no ademais,
configurados nas
estilhas do jamais?
Nisso que sejam,
alguma vez eu cri?
Quão responsável eu
sou pelo infinito
em que tantas
imagens esparzi...?
Será que construí
novo universo
que um dia me
achará, a andar aflito
e em suas nebulosas
que colhi
me acolherá, em
novo ser converso?
ARVOREDO I – 19 OUT 13
Como as árvores, muitas vezes floresci;
não fui caduco no frio mais hibernal;
igual pinheiro da lenda do Natal,
as minhas agulhas pela neve distribuí.
E pouco importa meu florescer aqui
onde a neve não cai e nem faz mal:
sobra-me o orvalho matutino do estival,
sobra-me a geada com que a fronte recobri.
Sou verde como tu, árvore antiga,
que vi nascer e então cresceu mais do que
eu,
embora ramo que brotou de outra raiz;
e ainda me acolho sob tua sombra amiga,
nesses dias de calor, como um sandeu,
em que minhalma escorre em chafariz!...
ARVOREDO II
Em cada rama minha eu tive ninhos;
aves piaram, seus ovos a chocar;
e vi filhotes emplumados a chilrear,
mais alimento querendo que carinhos.
Boa parte de tais berços era de espinhos,
sem que os acúleos os pudessem machucar;
mas agressores conseguiam espantar,
antes que voassem a buscar novos caminhos.
E como árvore, igualmente me podaram,
na juventude, com lâmina cruel,
sem intenção de me fazer frutificar;
e a iniciativa assim quase me cortaram;
bebi o sumo de mil favos de fel,
até que, aos poucos, fiz meus ramos
rebrotar.
ARVOREDO III
Mas que se pode sentir, ramos cortados,
igual coroa seca a meu redor,
galhos desnudos para ideal maior,
para tábuas e vigas destinados,
sem proteger a mim tais mutilados
cotos vertendo a seiva do vigor:
seriam teto e chão para o senhor,
do meu destino adolescente assim podados.
Não me treinaram para meu benefício,
nem fui plantado para prosperar,
só me educaram para obedecer.
Ai, que saudade do esquecido vício
que não deixaram na adolescência praticar
e precisei, às escondidas, aprender!
ARVOREDO IV
Aos poucos, transferi a dor aos versos
(toda a dor física igual que a dor moral);
talvez por isso o imenso cabedal
em que meus nervos diariamente são conversos.
De cada toco e cepa armei inversos:
não fui patíbulo para pena capital,
mas tombadilho para voo inaugural:
brotei-me verde em mil botões reversos...
E deste modo, minhas sementes distribuí:
pequenas mudas de mim foram nascendo;
tornei-me bosque para sombra dar.
E cada greta do chão eu recobri,
com folhas secas e agulhas preenchendo,
para mil solas alheias afagar!...
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