ORIENTAL FLOWER
FLOR
ORIENTAL I – 01 NOV 13
Flores
existem que chamam de Impacientes,
de
fato,”Impatiens”, que reclamam água;
se não a recebem, emurcham só de mágoa,
pois atenção requerem, insistentes...
E existem flores de espécies diferentes,
cujo destino é desmanchar-se nágua;
são dobraduras de cuidadosa frágua,
são flores de papel, impersistentes...
Essas não querem nunca ser regadas;
talvez por leve perfume borrifadas,
talvez por lágrima tão só umedecidas...
São flores orientais, de alheio chão,
papel de arroz lhes dá cor e paixão
e só por dor e paixão são compreendidas...
FLOR ORIENTAL II
De cada povo provém um artesanato,
da Europa e Ásia triunfais tapeçarias,
rendas cruzadas durante as noites frias,
lentos bordados de míope recato...
Hoje se compram nas lojas, triste fato,
de plástico essas flores luzidias
ou então baças, de papel folias,
quase sem receber de mãos contato...
São igualmente de origem oriental,
mas não possuem o vigor de um origami,
muitas são feitas na Zona Franca de Manaus...
Cada uma, embora sendo quase igual,
não tem o viço natural que a flor proclame
e a elas prefiro as conchas e calhaus...
FLOR
ORIENTAL III
Essas
flores de oficina não contêm
a linfa pura que às outras cede o viço;
mesmo um perfume que se borrife nisso
é igual desodorante que provém
dessa gente que do banho se abstém,
quando se apressa para um compromisso;
não têm das flores o seu olor castiço,
lembram as fábricas somente de onde vêm.
Enquanto a dobradura feita a mão,
esse origami milenar de singeleza,
traz o perfume da mulher que a dobra fez.
Que seja apenas o suor na confecção,
É feminina, em toda a sua pureza,
E um traço dalma em cada dobra vês...
TORNEIO INCERTO I – 02 NOV 13
Nunca foi por acaso: cada um
de meus seis filhos foi muito desejado;
bem maior número queria ter gerado,
nas muitas vezes que fiz sexo em comum.
Por certo sinto o desperdício de algum
pedaço de mim mesmo incentivado
a cada vez que o sêmen é espalhado,
nessa certeza de não gerar nenhum.
Sei claramente a conta dos milhões
que se desgastam na ejaculação;
que, tendo sorte, só um fecundará;
e no entretanto, me cortam emoções
por saber que na minha exaltação
nem um só deles uma chance alcançará!
TORNEIO INCERTO II
Somente é certo que encontrará a morte
até mesmo o espermatozoide de sucesso;
existe em mim algum que não esqueço,
que da escolha do óvulo teve a sorte;
existem em mim milhões que ainda porte
nessa corrida para o final ingresso;
somente um talvez encontre apreço,
não sei se o mais veloz ou se é o mais forte.
Porém sempre, no final da loteria,
espera ao resultante protoplasma
destino igual aos por outros encontrados.
Cedo ou mais tarde, termina sua energia
e seu novo aniversário assim se plasma
com as multidões do Dia de Finados!...
TORNEIO INCERTO III
Qual o sentido, então, dessa disputa?
Por que o espermatozoide de meu pai
o óvulo de minha mãe fecundar vai,
na longa lida através da escura gruta?
E por que o meu empreendeu a mesma luta,
quando um fluxo de espanto de mim sai
e sobre esfera rútila então cai,
que a um escolhe e a um milhão refuta?
Qual o sentido deste corpo temporário,
se não for o de abrigar algo importante
e não somente a semente de uma raça?
Por que razão esse enxame perdulário,
germes minúsculos para um ser gigante,
cuja vaidade cedo ou tarde se desfaça?
PATRIARCA SEM ARCA
I – 3 NOV 13
Quando eu era
criança, declarava
querer duzentos
filhos produzir;
que minha semente
pudesse distribuir
tão densamente
quanto grãos de milho;
nessa época, sequer
eu constatava
o método real que
faz o filho,
a antiga dança pelo
velho trilho,
corrida louca que
um oco acalentava.
Mas eu queria ter
esses duzentos,
sem ter da vida
sequer uma noção
de como lhes daria
um bom sustento,
qual se do ar
tirassem crescimentos
e originasse de mim
uma nação
que dominasse o
mundo em seu alento...
PATRIARCA SEM ARCA
II
Teria Adão tal
dilema calculado
no momento em que
saiu do Paraíso?
Iria com ele de
longa tribo o friso
ou era apenas um
casal desamparado?
Teria Noé,
carpinteiro consagrado,
se recusado a fazer
quanto é preciso,
submetido à
zombaria e ao riso,
caso não fosse
pelos seus acompanhado?
E que faria Nimrod,
poderoso caçador,
que o céu queria
furar com alguma frecha,
sem construir a
Torre de Babel?
Que então soubesse
não ser mais o senhor
daquele povo, após
aberta a brecha
entre as linguagens,
com sabor de fel?
PATRIARCA SEM ARCA
III
Perdeu-se Adão por
sua desobediência
e a mulher levou a
culpa do pecado;
Noé aceitou o
trabalho destinado,
salvando os animais
em sua paciência;
já Nimrod se afetou
de prepotência,
tendo um transporte
até o céu assegurado
pelo seu ziggurat, destinado
a representar de
outro Ararat a imponência...
Muitos séculos
depois, José encontrava
a longa estrada que
aos céus levava;
uma filha e doze
filhos ele gerou...
Pobre Nimrod! Viu que tudo se espalhou.
em vão aos céus
suas setas disparou
da imensa torre que
a seus pés se desmanchava...
SOM E DOR I – 4 NOV 13
QUE SEJA A VIDA UMA REDE SINGULAR
EM QUE NOS INSIRAMOS QUAIS PROGRAMAS,
NÃO MAIS QUE SOMAS, QUADRICULADAS CHAMAS,
CORES PRIMÁRIOS NO WINDOWS A BRILHAR.
NÃO MAIS QUE PIXELS DE BINÁRIOS COLORAMAS,
ESCORRENDO COMO POEIRA EM TAL TEAR,
EM LONGA TROCA DE CONSTANTE RENOVAR,
MIL ESTRUTURAS A CORRER EM FOTOGRAMAS.
QUE O MUNDO INTEIRO QUE CONCRETO ACHAMOS
NÃO SEJA MAIS QUE UMA TELA DE TABLET,
PELOS DEDOS MOVIDA DE UM SENHOR...
E ASSIM CADA CATÁSTROFE QUE ENCONTRAMOS
NÃO SEJA MAIS QUE CENTELHA DE CONFETE,
TOTALMENTE INDIFERENTE À NOSSA DOR.
SOM E DOR ii
TEM TOM A DOR IGUAL QUE DOR O SOM;
TEM SOM A VIDA E TEM A VIDA TOM;
TEM VIDA A DOR IGUAL QUE TEM A COR;
TEM COR A VIDA E DOR EM TOM MAIOR;
A COR DA DOR É SEMPRE EM TOM MENOR;
POR AGUDA QUE SEJA A DOR PIOR;
TEM TOM A VIDA IGUAL QUE DOR O AMOR;
TEM SOM A DOR NO TOM DE SEU VIGOR;
QUER SEJA O TOM DA DOR FISICAMENTE,
OU TENHA COR MORAL UNICAMENTE,
TEM DOR A PENA, QUER FÍSICA OU MORAL;
E QUER NOS TOQUE A ALMA COM CLEMÊNCIA
OU O CORPO NOS ATINJA COM FREQUÊNCIA,
TRAZ COR DA DOR NO ARCO-ÍRIS DESSE MAL.
SOM E DOR III
MUITO MAIS SOM TEM A DOR DO QUE O GEMIDO;
MUITO MAIS TOM TEM A VIDA QUE A EMOÇÃO;
MUITO MAIS COR TEM O TOM DA SENSAÇÃO;
MUITO MAIS VIDA TEM A COR NO SEU RANGIDO;
EM CADA ESTALO FAZ-SE O SOM RECONHECIDO;
EM CADA NUANCE FAZ-SE A COR PERCEPÇÃO;
EM CADA NOTA TRAZ O TOM RENOVAÇÃO;
EM CADA BERÇO TRAZ A VIDA O SEU VAGIDO.
PORÉM A TELA SÓ TRAZ CORES ABSTRATAS,
POR MAIS PRETENDA SER FIGURATIVA,
POR MAIS QUE TENTE SER TRIDIMENSIONAL,
MAIS DE MILHAR DE PIXELS QUADRILATAS,
EM QUE NOSSA PRÓPRIA DOR SE FAZ ESQUIVA
E O TOM DA VIDA UM DESBOTADO INATURAL.
SOM E DOR Iv
QUE SEJA A TELA REDE SÓ DE COR;
QUE SEJA A IMAGEM NADA MAIS QUE TOM;
QUE SEJA A VIDA GEMIDO EM PURO SOM;
QUE SEJA O TOQUE A INVOCAÇÃO DA DOR,
NÃO TEM A TELA A VIDA DO CALOR,
NEM, POR ENQUANTO, O AROMA DO BOMBOM;
NEM SÓ NA TELA SE PODE VIVER COM,
NEM NO CAMPO DIGITAL SE VIVER POR.
QUE LÁ NO FUNDO SEJA SÓ COMPUTAÇÃO,
EM GIGANTESCA IMAGEM DE TELÃO,
DEDOS GIGANTES A MOVER TELA DE TOQUE,
A HUMANIDADE INTEIRA EM TAL REBOQUE,
FRUTO BINÁRIO DE QUALQUER COMPOSIÇÃO
QUE DE PASSAGEM, SOMENTE, NOS ENFOQUE?
EUCALIPTOS I – 5 NOV 13
Não sou koala, mas amo os eucaliptos,
por mais difícil que tema
encontrar rima:
chamei a musa que a vaidade
mima,
que me permita descrever os
seus aflitos
sussurros sobre as copas, seus
apitos
pelas forquilhas de troncos, lá
de cima;
as caturritas fazem ninhos com
enzima
e outras aves espantam com seus
gritos.
Feitos de espinhos, talvez de
corunilha
ou de espinilho, quiçá mesmo de
tuna;
se não espantam, sua tropa
arregimentam
e caem sobre o invasor que o
acaso pilha,
em maus-tratos a bicar, que o
pobre suma
ou apenas com sua morte se
contentam...
EUCALIPTOS II
Pois vejam só! Foi a rima até bem fácil,
bastando pôr de lado a letra
“Pê”!...
um breve engenho basta a quem o
vê,
configurado no olhar, em nuvem
grácil.
Mas chega então da pretensão o
fumacê
e se procura alguma rima mais
contrátil,
que se possa manobrar de forma
táctil,
maior que seja a dificuldade
que se dê!...
Somente um breve triunfo
eucaliptal,
chileno o verde dessas
caturritas,
que hoje o IBAMA proíbe de
matar...
E eu não permito a qualquer que
faça mal
aos troncos lisos das árvores
bonitas,
que lá da Austrália souberam
importar...
EUCALIPTOS III
Segundo afirmam, foi nosso
Visconde
de Ribeiro Magalhães que as
importou;
nenhum koala, contudo, ele comprou,
já que os criar bem sabia não
ter onde.
Bichinho estranho, que somente
ali se esconde,
de tal folhagem tão só se
alimentou!...
Mais de mil árvores o Visconde
nos deixou,
estrada longa sob o abrigo
dessa fronde.
Que comeriam, portanto, esses koalas,
enquanto as folhas verdes não
crescessem?
Seriam, com sorte, conservados
num museu...
De ecologia não havia então
sequer as falas;
não evitavam que ecossistemas
se perdessem
e então a árvore se aclimatou e
estabeleceu...
EUCALIPTOS IV
Um excelente abrigo para o
gado,
em nossa estepe de neve
desprovida,
de alecrim e de xirca constituída,
somente o umbu a crescer no
descampado...
Junto das sangas, algum mato
era encontrado,
pequenas árvores de estatura
reduzida,
toda esta flora de aqui
desmilinguida,
até o coqueiro precisou de ser
plantado...
Os estrangeiros só pensam no
Amazonas
ou nas matas a recobrir Serra
do Mar;
não admira que aqui venham a se
espantar
por jiboias não acharem em
nossas zonas,
que muita planta pereça em
nossa geada...
Mas essa árvore ficou bem
aclimatada.
EUCALIPTOS V
O nosso solo tem tosca e saibro
duro;
é a terra negra bem rara por
aqui;
mas desde a infância, com
eucalipto convivi,
que a terra é árida, mas o chão
é puro.
Lançam raízes a seu redor, no
escuro,
a umidade a sugar que exista
ali;
com vinte metros ou mais os
conheci,
seus troncos grossos contra o
vento um muro...
Alguns reclamam que à sua
sombra nasce
praticamente nada, sob a capa
de folhas secas e sementes
caprichosas;
mas quem o pampa um pouco além
repasse,
só encontra arbustos e uma que
outra lapa,
enquanto o solo eles conservam,
vigorosos...
EUCALIPTOS VI
Basta ver nos locais em que esqueceram
de plantar esses bravos eucaliptos,
até que ponto tornaram-se malditos
pelo escarvar do gado que puseram...
Salvo os escassos capins que ali cresceram,
surgem do chão as areias nesses sitos,
ou vêm pedriscos arrancados por cabritos:
quase desertos por ali desenvolveram...
Mas sob a copa rala mas preciosa,
com seu perfume peculiar e agreste,
já me assentei no meio das raízes,
alguma folha a mascar, mais saborosa,
dos australianos gigantes lá do oeste,
quieto escutando os gritos das perdizes...
FACETAS XXIII --
COMPANHEIRA LEAL I – 15 JUL 2006
Bondosa é essa mulher
que, de mãos dadas,
acompanha o seu amante
pela vida,
consola suas angústias,
dá guarida
a cada desconsolo e ao
desalento.
Bondosa é essa mulher que
às infundadas
suspeitas de traição, ou
mesmo às certas,
não dá importância, mas
de amor cobertas,
torna as feridas, em
singular portento...
Porque é uma joia
rara essa mulher,
inteligente o bastante em
seu perdoar,
leal o
suficiente... E assim ficar...
Por toda a vida, para nem
sequer
por um instante pensar em
revidar
a quem sua alma
escolheu para habitar!...
A COMPANHEIRA LEAL II
– 6 NOV 13
Bem rara joia essa
honesta companheira,
que se dedica tão só
por altruísta
que em quase nada se mova
por egoísta,
a recompensa recebendo
à sua maneira...
Que não perdoa por ser
interesseira,
nem pelas aparências
em que insista,
nem muito menos por
ser comodista,
nem por qualquer
carolice de romeira...
Mas que de fato
cultiva o seu amor
por esse companheiro
que escolheu,
ou que a vida, em seu
capricho, concedeu...
E que em tudo o apoia,
com fervor
e o tranquiliza de
quaisquer preocupações,
o lado bom a lhe
mostrar das situações...
A COMPANHEIRA LEAL III
É bem rara a mulher
que não revide,
sendo falso ou
verdadeiro o seu ciúme,
nem demonstre sentir
mágoa ou azedume
em cada ação ou humor
que nela incide.
Muito rara essa mulher
que não agride,
mesmo ao notar que em
estranha via rume
seu companheiro,
buscando alheio lume
ou uvas vá colher em
qualquer vide...
Que não se porte como
vítima ainda assim,
nem faz as contas para
acertar um dia,
no livro-caixa em que
toma anotações...
Cada tristeza
plantando em seu jardim,
por demonstrar, em
plena nostalgia,
como foram generosas
suas ações...
COMPANHEIRA LEAL IV
Quando age assim, o
faz só por bondade,
bem satisfeita com o
menor carinho,
segura e firme por
qualquer caminho
que trilhe o homem, em
plena lealdade.
Que mesmo em crime o
auxilia, na verdade,
mesmo em prisão sempre
acha um momentinho
para aliviar-lhe o
cansaço e todo o espinho,
por mais lhe custe tal
generosidade.
Bondosa essa mulher,
que é inteligente
o bastante para pôr as
sugestões
na cabeça do limitado
companheiro
e quando o resultado
bom pressente,
o elogia pela prática
de ações
que ela mesma lhe
insinuou primeiro...
A COMPANHEIRA LEAL V
Outras dirão que ela
não tem integridade,
que tem sangue de
barata ou não tem brio
ou então que é
calculista a sangue frio,
seu marido a controlar
na obscuridade;
ou que tem medo dele,
na verdade;
só de pensar em
divórcio, um calafrio
percorre de sua
espinha todo o fio,
nesse apagar-se da
individualidade.
Ou então, que é
limitada por demais,
nesse complexo de
sujeitar-se ao pouco;
ou que em ser boa se
sente superior,
que os sacrifícios são
apenas naturais,
que faz as contas para
um dia dar o troco,
quando o golpe que
dará será pior!...
A COMPANHEIRA LEAL VI
Eu porém penso de modo
diferente:
que mesmo sendo raras, há
mulheres
tão enfronhadas no afã de
seus misteres
que agem assim, de modo
bem frequente;
ou quem sabe, esse
cristal luzente
só se revela em breves
quefazeres
e esconde a ganga a luz
de seus poderes,
maior respeito a exigir
de toda a gente.
Pois nelas vejo a imensa
fortaleza
que é cola e mescla de
toda a sociedade,
que em frente segue, por
pior que seja a sorte,
nesse caráter sua maior
beleza,
sempre apoiando dos
homens a vaidade,
sem lhes impor que é a
mulher o sexo forte...
DORES I – 7 NOV 13
Aos meninos se ensina que
não chorem
e às meninas, que chorem à
vontade;
que a mulher pode inspirar
piedade,
mas que os homens tal veio
não explorem.
E mesmo quando as dores
nos devorem,
devemos dentes cerrar em
hombridade;
que não é nada, demonstrar
com falsidade,
as emoções disfarçando que
nos corem.
Hoje, talvez, esta pílula
nos dourem:
já não se insiste tanto em
resistência,
porém quem chora ainda é
alvo de troça;
muito menos na cidade que
na roça,
onde é comum que as dores
nos aflorem,
por ferimentos de maior
frequência.
DORES II
Se aceita mais no
masculino a dor moral,
em que uma lágrima pode
até provar coragem;
também se aceita da
raiva na passagem
ou por humilhação
pranto, afinal...
Que grite o homem, se
experimenta dor mortal,
ou que gema, ao ser
presa da voragem,
ou que contorça de dor a
sua visagem,
mas não que chore sem
razão mais especial.
A gente pode chorar,
caso um argueiro
entre nos olhos – reação
bem natural,
pois é assim que o
organismo limpa a vista;
ou por fumaça, ou de
entusiasmo num berreiro
e a alegria nos permite,
quando o ideal
longamente esperado se
conquista.
DORES III
Mas não se pode chorar por
dor de dente,
por mais agudo que se
torne o seu fincão;
os analgésicos são a
solução –
não é preciso para a dor
se ser valente...
Porém chorar de dor, como
impotente
criança de incompleta
educação,
ainda recebe feroz
reprovação,
bem menos pena que recebe
algum gemente!
Que ao ridículo expor-se é
preferível,
batendo com o pé após
topada,
ou sacudindo a mão por
queimadura.
E uma lágrima de amor
somente é crível
após perdão de uma mulher
amada,
cuja perda nos causou
vasta tortura...
Pombas 1 – 8 Nov 13
Dizem que a pomba se aninha
Nas mais leves das forquilhas
Ou se assenta em altas pilhas
De lenha para a cozinha...
Quando arrulha essa avezinha,
Em tons de cinza nas trilhas,
Seu candor percorre as milhas,
Em tristonha ladainha.
Há muitos anos são tidas
Como símbolos de amores;
Não sussurram estertores,
Nem lamentos por feridas,
Porém, nos seus vastos giros
São de amor os seus suspiros!
Pombas 2
Existe quem apregoe,
Ao escutar esse canto,
Do crepúsculo no manto,
Caso aos ouvidos lhe soe,
Que nas brisas assim voe,
Que possui algo de santo,
Como lágrima de pranto
Que gentilmente lhe zoe.
Mas a pomba que desceu
Naquela celebração
Do João chamado Batista,
De modo algum pretendeu
De amor carnal dar vazão
Para quem tal cena assista!
Pombas 3
Porém, por qualquer razão,
Ao lembrar Virgem Maria,
Que a Escritura nos dizia
Receber fecundação,
Numa santa comunhão,
Em que carne não havia,
Santo Espírito sentia,
Do Arcanjo na Anunciação,
Há muita gente que pensa
Que nessa santa descida
Outra pomba apareceu!
Ao invés da luz intensa
Derramada na Escolhida
Que o santo Filho nos deu!...
Raymundo 1 – 9 Nov 13
Existem poucos sonetos
De mais ampla difusão
Do que esse no qual são
Essas pombas de Raymundo.
Pois tem sentidos secretos
Essa ampla aceitação,
Já por tanta geração,
No seu valor mais profundo.
A pura melancolia
Do sonhar insatisfeito
Faz apelo a tanta gente...
Cujo peito se esvazia,
Num idêntico defeito,
Mas de forma diferente...
Raymundo 2
Nesses versos escritos por Raymundo,
Que com “ípsilon” para mim
continuará,
Há uma Corrêa que não se desfará,
A ligar seu coração a todo o mundo.
Cada um de nós qualquer sonho
rubicundo
Já viu voar e perder-se ao
deus-dará;
Temos certeza de que não voltará,
Por mais que antes nos fosse assim
jocundo...
Porém Raymundo, ao lamentar o seu,
Conservou-o de forma permanente;
Nô-lo legou também, mesmo
escondendo
Quais fossem os tais sonhos que
perdeu...
E nesse ausência de sonho reverente
Vês o teu próprio sonho se
perdendo...
Raymundo 3
Sabe-se lá o quanto ele perdeu!
Sabe-se apenas o quanto que ganhou:
Com um simples soneto ele gravou
O seu nome no país em que viveu...
Por certo existe gente que o
esqueceu:
Mais fácil lembra o que hoje tocou
O seu radinho ou a televisão
mostrou.
E muita gente o menciona que nem
leu...
Mas sempre existem As Pombas para
lema
De quem melhor cultiva o
sentimento,
Vilipendiado pela iconoclastia,
De algum ponto da imperfeita gema
Que abandonou do soneto o
movimento,
Porque fazê-los perfeitos não
sabia...
Raymundo 4
Mas conservo na lembrança
Inocentes heroísmos,
Pondo de lado os modismos,
A meu redor longa trança...
Minhalma neles descansa,
Sem mover-me saudosismos;
Conheço os novos truísmos,
Para mim, pura lambança!...
E sem querer ser Raymundo
E sem manter seu pombal,
Tenho pombas no jardim...
Mas seu arrulho iracundo,
Em combate triunfal,
Decerto não é pra mim!
A Princesa Moura 1 – 10 Nov 13
Dizem alguns que a primeira
A trautear tal melodia,
Foi triste princesa moura,
Que em ergástulo jazia...
De lá avistava a feira
Ou a povo que corria,
Essa gente bem mais loura
Que aquela a que pertencia...
Quem seria essa princesa
(Se, de fato, alguma havia),
Com voz de pomba a arrulhar?
A transmitir tal nobreza
(Tal qual sua voz permitia)
Para as aves a voar?
A Princesa Moura 2
De fato, nos conta a lenda
Que antes disso era o pio
Bem mais áspero e sem brio
Dessas pombas do passado.
Quiçá mais velha a legenda,
Vinda de tempos de estio,
Ou das épocas de frio,
Nesse cantar compassado
Do Catulo dos romanos,
Que as pombas já descrevia,
Sem odor de santidade
E atribuía desenganos
A quantos pios ouvia,
A zombar da castidade...
A Princesa Moura 3
Cantava a Princesa Moura
Qual uma flauta de prata,
Nos caramanchões da mata,
Pela janela da torre.
E quando essa voz lhes doura,
Sua garganta se desata,
Conservada, dessa data,
Neste arrulho que lhes corre.
E teria, por sua vez,
A princesa moura antiga,
Criado nos braços penas
E dessa cova de grês,
Das grades voar consiga,
Igual às aves pequenas...
A Princesa Moura 4
Dizem que a torre está lá,
Com cem pombas nos beirais
E pousada entre as demais,
Há uma delas coroada.
Não sei se a princesa lá está.
(São eras imemoriais)
A cantar seus madrigais
Ou se a coroa é herdada...
Mas contavam os jograis
E também os trovadores,
Em tradição perenal,
Para reis e marechais,
Damas e nobres senhores,
Esta lenda em Portugal!...
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