A MACACADA – Conto de Viriato
Corrêa,
Versão poética William Lagos,
14 dez 13)
A MACACADA I
Durante anos, pela extensa mata,
das criaturas era o Galo grande rei
e governava sobre imensa grei:
eram milhares de frangos e galinhas
e dezenas de milhares de pintinhos;
ele até mesmo mantinha nessa data
de gansos uma tropa poderosa,
também perus, de cristas vermelhinhas
e patos brancos, bravos soldadinhos,
pelas fronteiras em vigilância caprichosa.
Durante a noite, dormiam na floresta,
porém de dia saíam a trabalhar
todos os frangos e as galinhas sem chocar,
para cuidar dos extensos milharais
que espigas produziam aos milhões,
cada colheita um grande dia de festa;
os grãos de milho guardavam em paióis,
abarrotados que nem cabiam mais!...
Alimentando as vastas multidões,
cantava o Galo a convocar os arrebóis!...
Nesse tempo, havia reinos diferentes:
um dos penosos e outro dos peludos,
outro dos peixes e outro dos insetos,
outro dos répteis, bem menos inquietos,
porém se submetiam ao Rei dos Reis,
acreditando que os cocoricós potentes
realmente despertavam madrugadas;
no fim da noite, ficavam todos mudos,
aguardando o cumprimento de suas leis,
desde os tempos de antanho proclamadas.
Os peludos mamíferos ficavam
nos seus capões de mato e nas pastagens;
os insetos percorriam as paisagens,
enquanto as aves vogavam pelos ares,
sapos e peixes nos riachos e lagoas,
se bem que pouco estes se congregavam;
e havia alguns de caráter mais errante,
de reino algum a considerar-se pares,
como os morcegos, a quem cavernas boas
cedera o Galo, onde abafar guincho constante...
A MACACADA II
Havia respeito entre essas nações:
nem as raposas caçavam as galinhas,
comendo esquilos e pequenas avezinhas
que faziam seus ninhos pelas matas;
pescavam peixes os ursos, mas o mel
compravam com buquês e com florões,
que eles plantavam ao longo das clareiras;
os carnívoros caçavam com as patas
os herbívoros apenas do vergel;
frutos comiam as aves seresteiras.
Mas como fossem os mais numerosos,
os galináceos sempre trabalhavam:
de suas imensas plantações cuidavam,
colhendo milho em paz e abundância;
viviam tranquilos nesse antigamente,
antes que os homens fossem poderosos
e as florestas, aos poucos, invadissem;
do milho sobras guardavam, em abastança,
a outros bichos cedendo, com frequência,
quando quaisquer serviços lhes pedissem.
Mas houve um ano em que falhou a colheita
e somente seus três quartos produziu.
“Foi a seca! Ficou
até estreito o rio!...”
Os mais velhos logo vieram a explicar.
No outro ano, semearam um pouco mais,
as chuvas abundantes desta feita,
mas a colheita só deu pela metade!...
“Foi a geada!...”
Logo vieram a afirmar.
“Ficou o milho queimado por demais...”
Mas o Rei Galo ficou meio desconfiado...
E no terceiro ano, cedeu grão
para o plantio muito além da conta;
a semeadura foi de ponta a ponta
e logo verdes apontavam espiguinhas;
não choveu nem de menos, nem demais
e nem a geada espalhou-se pelo chão,
todos contentes, aguardando a boa colheita,
pois já comiam bem menos as galinhas,
escasseando as suas reservas habituais,
grande esperança nutrindo desta feita...
A MACACADA III
Mas embora as espigas não secassem
e não surgissem aves nem insetos,
de sentinela os gansos sempre eretos,
desde a alvorada até o por-do-sol,
menos espigas se observava em cada pé,
nenhum invasor surgindo que notassem!
Mas ao chegar a hora de colher,
somente um quarto do costumeiro rol!
Embora firmes as hastes no sopé,
muito menos lhes sobrou para comer!...
O Rei Galo convocou uma assembleia,
pois uma vez que vigiavam todo o dia,
decerto algo de noite acontecia!
Mas então não se podia fazer nada...
É perigoso andar dentro da noite!
Durante o escuro, nessa hora tão feia,
a proteção do Rei Galo lhes faltava!...
Só podendo despertar de madrugada,
nas capoeiras mantinham seu acoite,
tão depressa o crepúsculo chegava!...
Falou o Galo, com voz bem lamentosa:
“Nosso costume é muito mais que tradição:
está gravado fundo em nosso coração!...
Até os humanos já criaram um ditado:
quem deita cedo, dorme com as galinhas...
Será que existe alguma alma corajosa
que se anime a ficar de sentinela,
enquanto o céu está negro de pecado?”
A companhia ficou toda bem quietinha,
nem um “cocó!...” a sair de sua moela!...
Então se ouviu uma vozinha esganiçada
e um galinho, devagar, se pôs em pé:
era o pequeno e desprezado Garnizé!...
“Se me aceitar, eu me apresento, Majestade!”
Em outras ocasiões, fariam troça:
logo a avezinha pequena e escanifrada!
Porém bem forte era seu temor do escuro
e um cacarejo aprovou em unanimidade:
que fosse o Garnizé cuidar da roça,
já que aceitava um tal dever tão duro!...
A MACACADA IV
E lá se foi o pequeno Garnizé!...
(Que ninguém diga que não tinha medo,
mas tinha alguém de desvendar o segredo:
iria ele então, de boa vontade!...)
E se escondeu, juntinho ao milharal,
numa pequena touceira de sapé,
comeu pimenta e ficou bem acordado!
Mas bem quietinho, suplicando por piedade
às criaturas que faziam tanto mal,
durante a noite, a um galináceo despertado!
Mas quando a noite já ia na metade,
começou a escutar uns assobios!...
Uns estalinhos também!... E calafrios
o percorreram, da crista até a barriga!
Um monstro escuro da mata então surgiu!
Logo mais outro e, então, em sociedade,
se aproximaram macacos às dezenas!...
Eles estavam quebrando a lei antiga!...
Num pé de milho cada um deles subiu:
do Garnizé se arrepiaram todas as penas!
Eles tiravam as espigas mais maduras,
porém era uma só de cada pé!...
Logo seu truque entendeu o Garnizé,
que assim chamavam menos atenção,
mas cada um acabou pegando vinte!...
Aproveitavam as sombras mais escuras
sob o comando de um forte Guariba,
que recordou ter visto em ocasião
de uma festa... Era seu rei! Que acinte!
Usava um cetro de pau de sepetiba...
De madrugada, no Cantar do Galo,
o Garnizé seu relatório apresentou.
A galinhada então se horrorizou:
“Mas eles estão quebrando a antiga lei!
Porém devem ser somente uns extraviados!
Quem for do Rei Guariba leal vassalo
jamais se atreverá a afronta tal!...”
Mas disse o Garnizé: “Eu vi o rei!...
Ele comanda os assaltos realizados...”
“Vamos à guerra!” – gritou Peru, o General!
A MACACADA V
Falou o Rei Galo com maior ponderação:
“General Peru, a coisa não é assim:
os macacos combater não é chinfrim!
Veja bem: é nas árvores que moram;
A nossa tropa só marcha pelo solo;
somente os patos voam além do chão!
Com galhos e frutas vão nos massacrar!
Se nos matarem, os malvados nos devoram!
Só com bicadas não venceremos esse rolo!...
Outra estratégia é preciso imaginar!...”
Mandou o Rei Galo então embaixador,
pedindo ajuda às aves e animais...
Não acataram as ordens imperiais!...
O Rei Leão explicou serem peludos
os tais macacos.
Suas ações desaprovava,
mas dos mamíferos ele era o protetor,
só prometendo manter neutralidade...
Disseram as aves que fariam estudos
dos prós e contras que uma guerra provocava,
pois galináceos não eram aves de verdade...
Chegou o Rei Galo à triste conclusão
de que estariam sós, se houvesse guerra,
nenhum aliado obteriam nessa terra...
Foi a assembleia interrompida por um zurro
e de um intruso logo cortaram o avanço.
“Ele pretende apresentar-nos sugestão
com que afirma resolver nosso problema!...”
Por entre as aves, passou então o Burro,
escoltado por feroz Sargento Ganso:
“Só um animal não é coisa que se tema!...”
Curvou o focinho o Burro.
“Majestade,
aqui venho a apresentar-lhe a solução
de seu problema e fazer-lhe a sugestão
que me o permita esta noite resolver...”
“Então pretende fazer tudo sozinho...?”
“Eu o farei, mas não de graça, é bem verdade,
pois em troca desejo um pagamento...
Se até amanhã a macacada lhe trouxer,
bem amarrada, a puxar pelo caminho,
desejo milho para meu pleno sustento!...”
A MACACADA VI
Alguns dos frangos quiseram protestar:
“Assim teremos ainda menos milho!”
Mas disse o rei: “Se em verdadeiro atilho
o Sr. Burro nos trouxer esses macacos,
poderemos ter em breve outra colheita;
será então fácil outra boca alimentar;
caso fracasse, não perderemos nada...
Pois muito bem. Sr.
Burro, com quantos sacos
por seu trabalho, o senhor se ajeita...?”
“A vida inteira quero a fome bem matada!”
Surgiu uma nova onda de protestos:
“Nós não vamos sustentar um vagabundo!...”
Mas disse o Burro, num zurrar profundo:
“Eu não pretendo ficar sem trabalhar!
Ao Rei Galo prestarei o juramento;
sobre minhas costas carregarei os cestos
e nas horas mais escuras, cada noite,
contra outros assaltantes, vou vigiar,
para impedir futuro enfrentamento,
pois não temo dos fantasmas seu açoite!...”
Então o Burro prestou seu juramento
e o Rei Galo prometeu que o pagaria
contra a tarefa que o Sr. Burro cumpriria,
trazendo presa toda a macacada!...”
A assembleia mostrou dúvida e desdém,
sem permitir-lhe qualquer adiantamento.
Partiu o Burro, sem mostrar rancor;
Vendo que a Lua já estava levantada,
foi-se deitar no milharal, também,
fingindo a morte, igual perfeito ator!...
Assim, na hora em que chegou a macacada,
pensaram que o Burro ali havia morrido
(ele uma erva fedorenta havia comido!...)
e acharam que empestaria o milharal:
dentro em pouco, chegar perto nem podiam!
O Rei Guariba mandou trazer uma cipoada
e com força se puseram a puxar,
amarrando em toda a volta do animal,
que nem um palmo sair do lugar viam:
comera raízes para ainda mais pesar!...
A MACACADA VII
Então o rei passou o cipó pela cintura
e mandou que então todos se amarrassem
e num impulso só o morto puxassem,
até deixá-lo muito longe do lugar!...
A macacada dava um ronco e um puxão
e embora essa tarefa fosse dura,
logo o Burro já foi sendo arrastado...
Mas de repente, escutaram um zurrar:
cravando as patas bem firmes pelo chão,
de um pulo só, o Burro estava levantado!
Pela surpresa, eles nem se defenderam;
com uma dúzia de coices, foi pior!
Bem facilmente, levou o Burro a melhor
e arrastou atrás de si a macacada!...
Uns por cima dos outros, se embolando!
E até o Rei Guariba eles prenderam,
em maçaroca de patas e de colas!...
E lá se foi o Burro pela estrada,
como sem carga alguma, galopando,
cem macacos girando como bolas!...
E quando o Galo convocava o Sol
e se acordava toda a galinhada,
lá estava o Burro, com toda a macacada,
uns malferidos e outros estropiados,
simplesmente sem se poderem defender!
E nos primeiros albores do arrebol,
já os cercava a imponente Guarda Gansa,
ante o Rei Galo sendo apresentados,
que suas sentenças fossem receber,
ainda amarrados em uma longa trança...
E o rei os sentenciou a quatro anos
de trabalhos forçados na colheita,
a compensarem a roubalheira feita,
mantidos sob estrita vigilância...
E quanto ao Burro?
Ganhou sua recompensa,
Frango Honorário nomeado, sem enganos,
por toda a vida tendo milho garantido,
mas sentinela de real constância;
e nas colheitas seu trabalho ainda compensa,
como um súdito fiel sempre mantido!...
EPÍLOGO
Porém na corte do peludo Rei Leão
ele passou a ser tido por traidor!...
A sua defecção causando horror,
solenemente, do reino foi banido!...
Voltar não pretendia mesmo em qualquer dia!
E o Rei Guariba foi posto na prisão,
com todos os macacos preguiçosos;
aos quatro anos, foi o resto devolvido
para a mata, após jurar não empreenderia,
nunca mais, quaisquer roubos ardilosos!...
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