quarta-feira, 29 de janeiro de 2014





O PINHEIRO AMBICIOSO
(Folclore da Suécia, recontado em versos por William Lagos, 19 jan 14)

O PINHEIRO AMBICIOSO I

Era uma vez um pinheiro de montanha,
completamente verde até no inverno;
dava sombra no verão, quando era terno
e no frio a proteção do vento à sanha.

A ambição, porém, seu cerne banha,
pois era igual a todos os irmãos,
sem destacar-se em grandes ocasiões,
resina igual e sem altura estranha.

E embora se esforçasse por crescer
era, afinal, um pinheiro de montanha;
a multidão de seus irmãos tamanha,
sem ter espaço para espairecer...

E foi atuado por tal ambição
à busca vã de fado diferente:
ele via o carvalho aurifulgente
e o bordo em sua vermelha carnação.

O PINHEIRO AMBICIOSO II

E desejava, no seu coração,
possuir cores iguais e deslumbrantes,
seus tons de verde tão pouco interessantes!
Queira ostentar brilhante brotação.

Se não podia ser mais alto que os demais,
tão só um pinheiro na beirada do caminho,
agulhas fracas, mal chegando a espinho,
seus ramos em grossura naturais...

Queria então ser todo amarelado,
na mesma cor que pinga desde o Sol;
queria a cópia dourada do arrebol,
com leve toque, talvez, avermelhado!...

Não percebia, perdido em sua inveja,
que faia e bétula, em sua coloração,
logo deitavam as folhas para o chão,
esgalhadas em nudez para quem veja...

O PINHEIRO AMBICIOSO III

E mesmo assim, levado pelo orgulho,
ao ver o verde-cinza do cipreste,
do choupo nu a estatura agreste,
pensou da vida ser alvo de esbulho...

Se não posso ser de todos o mais forte,
nem o mais alto, nem o mais colorido,
desejo algo por que seja distinguido,
alguma coisa que me destaque a sorte!

Quero ser um pinheiro diferente,
que chame de quem passe a atenção!
Não minhas agulhas, mas verdadeira brotação:
folhas carnudas, de farfalhar frequente!...

E como era na Suécia, terra estranha,
em que os esires e os elfos têm magia,
e em cada gruta dos anões um reino havia,
há sempre um gênio a governar cada montanha...

O PINHEIRO AMBICIOSO IV

Assim, o Gênio da Montanha o escutou
e, indulgente, satisfez o seu pedido;
ficou da noite para o dia revestido
de um manto verde de folhas que brotou!

Sentiu grande alegria o pinheirinho,
embora os outros demonstrassem má vontade:
se não tivesse raízes, na verdade,
o expulsariam da beira do caminho!...

Sua alegria durou todo o verão,
mas a seguir, apresentou-se o outono:
caem as folhas das árvores, em seu sono,
mas os pinheiros têm perene brotação.

E então caíram as folhas do pinheiro,
seu tronco nu a estremecer de frio;
nada serviram suas lâminas de brio:
melhor estado tivera ele primeiro...

O PINHEIRO AMBICIOSO V

Não me bastou ter folhas amarelas
ou vermelhas, em manto tão glorioso!...
Estou desnudo agora e o tenebroso
vento do Norte me rói em suas procelas...

Então chorou seu pranto de resina,
desses pontos em que o vento lhe arrancara
pedaços de sua casca e lhe tomara
a proteção em que o tronco mais se arrima...

Compadeceu-se o Gênio da Montanha
e suas agulhas verdes restaurou...
Do vento o pinheirinho se aliviou,
arrependido de sua aparência estranha...

Mas tão logo chegou a primavera,
ao ver das outras a grande variedade
e ele no verde da mesma sobriedade,
de novo a inveja seu coração enchera...

O PINHEIRO AMBICIOSO VI

As minhas agulhas eu quero conservar,
mas por que devem ser sempre esverdeadas?
São de madeira, afinal, fácil quebradas:
de modo algum me posso destacar...

Amarelo não me basta, eu quero ouro!
Que minhas agulhas se tornem em metal,
que o Sol reflitam em brilho triunfal:
da floresta quero ser o grão tesouro!...

E foi o Gênio da Montanha permissivo,
transformando-lhe as agulhas em metal,
da noite para o dia... Totalmente inatural
um tal desejo num vegetal nativo!...

E logo os galhos vergaram com o peso
enquanto agulhas caíam bem depressa,
antes que os ramos quebrassem, pela expressa
massa metálica de seu dourado vezo...

O PINHEIRO AMBICIOSO VII

E o pinheirinho pensou, já assustado:
E se meus galhos inteiros se quebrarem?
O que farei, se não me sustentarem,
somente o tronco à neve apresentado?

Porém estava à beira do caminho
e logo ali passaram viandantes,
maravilhados esses viajantes,
a colher cada um dourado espinho...

E os levaram ao ourives da cidade,
que com lucro os comprou, rapidamente;
reunindo mulas e com bastante gente,
viajou até o lugar, em alacridade!...

Alguns subiram até o alto do pinheiro
e outros foram colhendo desde o solo:
caíam douradas agulhas no seu colo,
desnuda a árvore deixando por inteiro!...

O PINHEIRO AMBICIOSO VIII

Por sorte, os galhos se ergueram novamente,
aliviados de todo aquele peso;
e o pinheiro sentiu todo o desprezo
de seus irmãos, a farfalhar alegremente!...

Galhos abertos, qual crucificado,
a cada vez que o vento perpassava
o seu zunido da ambição zombava,
a lamentar-se o pinheirinho, desolado...

Ai, por que fui querer folhas de ouro?
Aqueles homens traziam nos colares,
brincos, pulseiras em outros lugares
de tantas cores, um real tesouro!

Mas se eu tivesse agulhas de esmeraldas,
de turquesas, de rubis e de safiras,
os viajantes sobre mim lançavam miras,
ao da montanha percorrer as faldas!...

O PINHEIRO AMBICIOSO IX

Porém, se fossem só de vidro colorido
as minhas agulhas?  Eles não me roubariam!
E como maravilha me veriam,
cada nuance do arco-íris refletido!...

Era gentil o Gênio da Montanha
ou ele agia tão só por ironia...?
Na próxima manhã o pinheiro via
novas agulhas de aparência estranha...

A rebrotar de cada um de seus ramos,
como joias de vasta iridiação,
a cor do Sol a refletir, em refração,
exatamente iguais a seus reclamos!

Também o vidro demonstrou-se ser pesado,
mas muito menos que as vistosas folhas de ouro:
era apenas de cristal o seu tesouro
e elas tiniam num carrilhão alado...

O PINHEIRO AMBICIOSO X

Ficou feliz por mais de uma semana,
mas então se derramou a tempestade,
nenhum pingente resistindo, na verdade:
sinos no chão, quebrados sobre a lama!

E quando o Sol brilhou mais uma vez,
nada restava da cristalina gala:
para a beira do caminho ela resvala:
contas partidas de reluzente tez...

Mais uma vez o pinheirinho desnudado,
os ramos nus erguendo para o alto,
sem o peso, novamente em seu ressalto,
a lamentar-se por estar desarvorado!

Como fui tolo! – pensou o pinheirinho –
querendo ser diferente do que sou!...
Não estaria na situação em que estou,
pareço seco, logo à beira do caminho!...

O PINHEIRO AMBICIOSO XI

Chegou então o Gênio da Montanha,
trazendo às costas um machado de dois gumes.
“Ótima lenha achei para meus lumes!...”
Tremeu o pinheiro por punição tamanha!

Mas sorridente, o Gênio da Montanha
indagou do pinheirinho desnudado:
“Arrependeu-se de ter ambicionado?
Não mais deseja uma aparência estranha?”

E novamente sua resina o tronco banha:
“Por favor, me restaure, antes que venha
algum humano a transformar-me em lenha
ou que me quebre o vento que me arranha!...”

E com suas barbas de limo, o seu senhor
restaurou-lhe as agulhas, novamente,
com que o pinheiro enfrentaria o frio ingente,
no seu perfeito verde de esplendor!...

EPÍLOGO

E quanta vez na vida, mesmo a gente
desgosta de si mesmo, em puro vício
e se dispõe a tanto sacrifício,
só pela ânsia de querer ser diferente!

E como é bom que as preces não atendam
esses santos a quem tanto incomodamos!...
O nosso mal apenas nós causamos,
por mais promessas que aos altos céus nos prendam!

Pois quem deseja essa generosidade,
em sua mescla zombeteira de ironia,
de um gênio que tudo a nós permitiria,

sabendo o mal que nos traria a sua bondade?

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