quarta-feira, 1 de janeiro de 2014






PRIMA VERA & MAIS
William Lagos

PRIMA VERA I – 4 DEZ 13

Partiu a Prima Vera e o filho me deixou,
com o qual nunca, de fato, me dei bem...
Sempre exigiu demais de mim, também,
pois já ferveu meu coração e o ressecou...

Esse jovem Verão que me atacou,
subitamente, sem como nem porém,
essa gosma sudorosa que me tem
entre seus palpos, como aranha que picou...

Esse sol aracnídeo, patas-raios,
cada uma deles picando radiação
para em minha pele provocar a brotação

de melanomas, quais cavalos baios
a percorrer-me depressa a epiderme,
ante cujo galopar me encontro inerme...

PRIMA VERA II

Quero mil vezes o sol da Prima Vera!...
Entre primos sempre há alguns direitos,
a carícias melífluas são sujeitos:
embora algo de inocente é o que se espera...

Não é minha essa prima, quem me dera!
Ambos deitados sobre os mesmos leitos,
num prado verde de flores sem defeitos,
à beira de um regato o som se gera...

Mil murmúrios de brilhor, em cristalina
reflexão da brisa sobre a pele
da primavera ainda menina – que alegria!

Que com ela partilhasse de minha sina,
o ano inteiro querendo que me vele,
do albor primeiro até o morrer do dia...

PRIMA VERA III

Mas Prima Vera é mulher e caprichosa,
bem depressa tem menarca e adolescência;
a pele lisa e clara em opalescência,
cheiro de flor que não é o olor da rosa,

mas mistura da orquídea mais formosa
com uma antera em plena deiscência,
as sementes a espargir sem consequência,
uma em dez mil terá vida futurosa!...

E logo faz-se adulta, que, depressa,
sua calidez adquire mais ardor:
suspiros brotam de seu coração...

Finda as carícias e para o além se apressa
e é quando lhe devoto mais amor
que me sorri apenas o verão!...

MULHER DE INVERNO I – 5 DEZ 13

A primavera é planta em claro verde,
pelo inverno gerada, em sua velhice...
Talvez estranho pareça e esquisitice
que seu mínimo calor o inverno herde...

Pois o recolhe com cuidado e nada perde
e dos humanos encolhidos ri-se...
É o Rei do Gelo, a gente dele disse,
enquanto rendas de geada o inverno cerde,

do mesmo modo que as mostra nas vidraças,
raros desenhos de abstrata flor
e mais esboça sobre a xirca e o alecrim

e das mil felpas em que tanto te embaraças
ele recolhe cada gota de calor
e a primavera então gera, num festim!

MULHER DE INVERNO II

Porém, assim que a vê, ainda em botão,
já em seus braços a toma o encanecido,
de seu granizo e saraiva revestido
e a aperta firme contra o coração,

Na mais perfeita e gentil fecundação,
forma-se a planta, sem par e sem marido,
fruto de geada por garoa perseguido,
ainda dura e sem qualquer maturação...

Vai-se o inverno e a seiva empalidece,
torna-se grossa e distribui seu viço,
a planta cresce e abrange o mundo inteiro,

mulher de inverno, canto de uma prece,
em seu sabor do sonho mais castiço,
gavinha e rama a enverdecer primeiro...

MULHER DE INVERNO III

Essa filha do inverno faz-se esposa
do vento frio ainda deixado para trás;
ninguém percebe o que este nela faz,
quando sua folha agita, pudorosa...

Titila o zéfiro cada vinha mais viçosa,
qual namorado com a garota se compraz;
do Sol a luz se transforma num rapaz,
sobe da terra a espuma caprichosa...

Nascem os frutos do espanto que derramam
e flores brotam para festim de abelhas:
muitas morrem e na terra se incendeiam

e marimbondos e joões-de-barro chamam,
no festival de melífluas acendelhas,
em que os raios do Sol ainda gorjeiam...

MULHER DE INVERNO IV

Assim dos prados se reveste a primavera,
como um tapete de flor a marchetar,
das ameixeiras os botões a derribar:
que frutos nasçam, que se faça a cera!...

Ela é traiçoeira, qual dama fica à espera,
do companheiro que passa a tocaiar;
breves meses antes de tudo terminar,
antes que o sol o chão rasgue em cratera.

Não nos avisa de sua fuga breve,
tão logo o filho ficar mais atrevido,
que não nos mais protegerá sua calidez...

Nem ela mesma permanecer se atreve,
o seu curto reinado já perdido
no transitório feminino em que se fez...

FELIX FAETORENTUS I – 6 DEZ 13

Nunca gostei de gatos, mensageiros
que são do Demo, como Martins Fontes
os descreveu em peças e recontes,
parasitas inúteis e faceiros...

Quando nos buscam, é que são interesseiros:
somos apenas da comida as pontes;
não têm amor por nós e seus remontes
contra nossas pobres pernas são ronceiros...

Ao se roçarem em nós, deixam seu cheiro,
marcando território... Ainda bem
que não preferem urinar em nós!...

Tal como fazem, com andar alvissareiro
os machos pelos cantos, que também
pouco se importam em nos deixarem sós!

FELIX FAETORENTUS II

Eles têm fama de apreciarem a limpeza,
mas de fato, me parece até o contrário:
só vejo neles esse jeito atrabiliário
de o assoalho escarvarem com firmeza!

Lá no passado, o hábito deu-lhes inteireza,
ao disfarçarem emunctório vário,
para melhor despistar adversário
e os desviavam, na maior certeza...

Mas seu instinto, ao que parece, para ali,
se não forem treinados pela dona,
ou não seguirem o exemplo de um adulto:

soltam sem pena, em cada canto, o seu xixi,
que quase sólido no nariz ressona,
suas patinhas lambendo como indulto...

FELIX FAETORENTUS III

Quando brigam, faz-se horrível gritaria,
nesses gemidos com soar fantasmagórico;
um ao outro algo expressa de retórico:
Demóstenes discursando à gataria!

Ou de Cícero é o arrazoado que se ouvia:
quem os enxerga, algo vê de pictórico,
os dois monstrinhos num miar fosfórico,
um verdadeiro balé que se assistia...

Um avança, outro recua, dois guris,
contra o chão a expelir a cuspidinha:
“Apaga aqui!” – a se desafiar

Suas lutas a apartar somente quis
quando um dos gladiadores casa tinha
nas almofadas arranhadas de meu lar!...

FELIX FAETORENTUS IV

Porque, sem dúvida, é horrível o seu cheiro,
quando pretendem marcar seu território
ou desafiar um ocupante provisório:
até passam por gambás para o campeiro!

Chego à janela, para espantar ligeiro,
mas quem me diz que atendem ao simplório
ser humano, em seu ato perfunctório,
que nos telhados não anda parelheiro!

Sem contar as tantas vezes que arranhou,
certa vez, até um gato me mordeu!...
fui ao “postinho” para ali ser vacinado,

nem tanto contra a raiva que passou,
mas pelo medo que me acometeu
de ser em “gato-homem” transformado!

FELIX FAETORENTUS V

Mas quando afirmo detestar os gatos,
não me refero a algum em particular;
dois ou três até aprecio no meu lar,
são mais discretos em miar e espalhafatos.

Saphira está velhinha, tristes fatos
que bem menos que nós possam durar;
é persa cinza, amarelo o seu olhar,
já não mais caça passarinhos e nem ratos.

Mas em sua longa ocupação de caçadora,
jamais a vi judiar de alguma presa:
matava e então comia em singeleza;

até uma rã de quem se alçara em protetora
a senhora desta casa, na epopeia,
só as patinhas a lembrar sua Doroteia...

FELIX FAETORENTUS VI

Arthur Pendragon também é estimado,
animalzinho que parece de cinema...
Ótima índole, que merece grande pena,
por ter sido por vizinho bem judiado...

Outro persa foi a estes agregado,
jovem Mephisto, qual na antiga cena
do pobre Fausto a quem Goethe assim condena
a própria alma a vender – feio pecado!

Também Herodes apreciei, quase rosado,
gato da rua, que casou com Messalina
e ficou em nosso rancho aquerenciado...

E ainda Calígula, seu filho, triste sina,
que pelas garras do pai foi expulsado:
todos perdidos pelo fado em malha fina!...

VIRUS FAMINTUS I – 7 DEZ 13

Hoje demora esta atualização
de meu antivírus AVG.
A janela sobre a tela ali se vê:
leva o tempo de um soneto em redação...

Mudou agora, quase em retaliação,
surgindo outra janela, como se
quisesse demonstrar que se prevê
em vão o tempo de sua instalação.

No final, tantos nobres artifícios,
programas digitais em profusão,
ainda encaro com bastante desconfiança.

Até admito que tragam benefícios,
porém nada que ao passado, de antemão,
eu não fizesse com bem menor tardança.

VIRUS FAMINTUS II

Ainda hoje tenho sobre a mesa
a minha antiga máquina de escrever;
muito serviço me prestou em meu viver:
bom datilógrafo eu era, com certeza.

Redigi nela poemas de beleza,
numerosas traduções, a meu prazer;
na prateleira mais alta eu posso ver,
cópias-carbono sem ter grande despesa.

Mas afinal, por questão de comodismo,
senta-se a gente em idêntico lugar,
cruzando os dedos para um vírus não chegar

e ainda recordo, por questão de saudosismo,
a enorme aranha, que queria fabricar
entre as teclas sua teia, a me assustar!

VIRUS FAMINTUS III

A pobre aranha eu matei, bem facilmente;
talvez quisesse apenas uns mosquitos...
Já esses vírus me parecem mais aflitos,
a destruir muito mais, frequentemente.

Assim, no atualizar, fico impaciente:
será que há Worms, Trojan Horses infinitos?
Existe reza a quaisquer santos benditos
que assim combata sua ação impenitente?

Provavelmente não, são coisa humana,
sem precisar de interferência diabólica,
que existe gente maleva em natureza,

sempre inclinada a qualquer coisa profana,
seu coração a bater na diastólica
e sistólica expressão de sua vileza...

VIRUS FAMINTUS IV

Por que atribuir a diabos tal maldade,
se capazes somos dela, inteiramente?
Através de nossa história é bem frequente
achar-se o impulso de destruir a sociedade.

Só que hoje existe mais vulnerabilidade:
algum programa se faz, bem facilmente,
pode apertar um botão esse inclemente,
premendo o dedo contra toda a humanidade.

Por que essa fome de tudo destruir?
E por que essa espantosa ingenuidade
que o mundo inteiro expõe à devastação?

Mas se algum dia toda informática sumir,
guardo um consolo na domesticidade,
que a velha máquina ainda funciona à perfeição!

REMORDIMENTO  I – 8 dez 13

Pois me buscou de angústia avassalada
aquela jovem triste e irrefletida,
que não confiava em si, que deu guarida
às mil perquirições da alma assolada...

Eu a cobri de gentileza alada,
até lhe restaurei a sua perdida
autoconfiança, mostrei-lhe ideal guarida,
em amor puro e paciência renovada.

Dei-lhe meu tempo, minha bênção e suspiro,
descurei de mim mesmo por seu bem,
mostrei-lhe um fado mais nobre e majestoso.

E esta é a razão para o tanto que refiro:
passou de largo -- e constatei, também,
que perde amor quem mais foi generoso. 

REMORDIMENTO II

Quem busca amor, amor também quer dar
e não apenas carinhos receber;
cada um ao outro sempre recorrer,
nessa troca constante do abençoar.

Assim se amor só queres demonstrar
e nada pedes por teu padecer,
por maior o sacrifício em tal sofrer,
acabas por bem pouco a conquistar.

Quem busca amor, após amor perder,
sem vir de fora, que era seu, inteiramente,
não deseja igual bênção consequente,

mas um condão semelhante conceder,
que amor se retribui, se for perfeito
e amor de graça nos traz pouco proveito.

REMORDIMENTO III

Por isso tanta gente se ressente
do amor de Cristo, apregoado por gratuito,
com ausência de culpas, um fortuito
oferecer do perdão a tanta gente.

E apenas diga porque seria diferente
do que ocorre entre nós?  Paga-se muito
para algo receber, feroz o intuito,
mas esse preço de sangue é tão veemente!

Muito mais fácil é se fazer promessa
ou uma vela acender a qualquer santo
ou a algum santuário fazer peregrinação;

sempre é um negócio no qual a gente ingressa:
pouco se deve à entidade no seu canto,
pois garantimos lhe fazer retribuição!...

REMORDIMENTO IV

Ou quando alguém se entrega à confissão,
das penitências a cumprir repetição,
para então receber a absolvição,
pela promessa de manter a contrição!...

A maioria dos fieis sai aliviada,
mas da promessa feita cumpre nada,
para quê? – se já foi recompensada
em suas contas do rosário atarefada...?

Também amor é assim.  Há tanta gente
que até prefere outro desapontamento
que receber um gratuito benefício,

ou acredita que um pagamento ingente
dispensa mesmo do arrependimento
e já se apresta para outro malefício!...

REMORDIMENTO V

Assim por mais que nos custe sacrifício,
esse amor que por alguém se demonstrou,
que a certo ponto o coração quebrou,
é encarado como sendo até fictício;

que amor de graça não parece benefício,
com a experiência nem sequer se coadunou;
é coisa estranha o que se revelou:
quem foi traída repetir busca esse ofício,

como se paga empréstimo ou promessa...
Existe sempre algum temor de juro,
quando algum vem a consolá-la, sem demora!

Em troca é de esperar que algo lhe peça,
igual que um outro já se mostrou perjuro,
que Imaculada é só Nossa Senhora!...

REMORDIMENTO  VI

Se há algo de básico na natureza humana
é demonstrar para com outrem desconfiança;
o que se pode entender dessa esperança
que a alma e não o corpo nos reclama?

Essa pessoa que tão boa se proclama,
talvez os dedos dentro ao peito alcança
e nos retira a mais gentil lembrança...
Para que tipo de maldade nos conclama...?

Pois foi assim comigo.  Tanta vez
interpretaram-me mal as intenções,
pelo pecado atroz de não pedir...

E assim me desgastei, mês após mês,
a proteger quebrados corações
que só buscavam era de novo se iludir...

RESSAIBO I – 9 dez 13

Por mais que seja sincero o teu auxílio,
se for grande demais, ressentimento
fará brotar no alheio pensamento
e empanará de teu presente o brilho.

De certo, é ingratidão, porém é filho
de não poder pagar, tal sentimento,
se aquele que recebe esse alimento
nunca seguiu da ingratidão o trilho.

E agora vê-se nela: mais ressente
sentir-se ingrato por um tal presente,
que lhe desperta nalma ira mesquinha.

Muito melhor seria não ganhar,
sem ter de agradecer e imaginar
que não pode retribuir com quanto tinha.

RESSAIBO II

Bem melhor é dar presente limitado,
que possa ser, de algum modo, retribuído
por trabalho ou de outro modo consentido,
após ter sido, de antemão, solicitado.

Pois de fato é menos bem-aventurado
receber do que dar, quando é perdido
o senso de igualdade e concebido
como humilhante tal favor inesperado.

Na percepção deste ressentimento
caleidoscópico de alguma ingratidão,
brota uma nova faceta do rancor,

manifestado em inverso julgamento
de um ressentir que se faz obrigação,
comprado o ódio pensando ser amor.

RESSAIBO III

Portanto, faz o bem a quem te peça,
mas nunca mais do que foi solicitado,
quando, de fato, o outro está atribulado
e por qualquer migalha te agradeça.

Melhor até que o teu favor esqueça
e jamais seja, de novo, recordado;
fazer o bem em excesso é até pecado,
que raiva causa sem que a alma aqueça...

Que seja o bem uma oportunidade,
um trabalho que possa redimir
do benefício a escala e condição;

que sinta o outro tê-lo ganho, na verdade,
contra a tarefa que lhe podes exigir,
sem ter a esmola, mas tua aceitação.

FACETAS XXV - A PROFISSIONAL I – 15 JUL 2006

Bondosa é essa mulher que, anestesiada,
por força de um amor desiludido,
ou descrente de si, nesse perdido
ideal de ser algum dia revelada,

aos olhos de outro homem como bela,
permanece, assim mesmo, diligente,
cumprindo suas tarefas, consistente
à profissão de escolha, onde revela

o quanto podia ser ainda melhor,
caso tivera na vida objetivo
que não fora chegar, ao fim do dia,

ao lugar onde mora, sem amor,
e apenas se esconder, em leito esquivo,
como quem sua alma morta já possuía...

A PROFISSIONAL II – 10 DEZ 13

Há muitas como esta.   Escondem bem,
por trás de seus deveres, a tristeza:
todas os cumprem, com ínclita nobreza,
qualquer que seja a trilha em que se têm.

Algumas são serventes.  Outras, porém,
sobem a escada social, em sua firmeza,
até a Presidência ou igual grandeza,
lá suas funções a exercer também.

Em qualquer caso, escondem seu vazio.
Não é bom que a mulher esteja só,
como o Gênesis se refere ao velho Adão.

A companhia é necessária nesse estio
que lhe esmaga o coração em pedra mó,
a cada noite respirando a solidão. 

A PROFISSIONAL III

Naturalmente, não são todas.  Cá refiro
as que não têm companheiro permanente;
não as que vivem num lar pertinente,
dos filhos e marido no seu giro,

que sabem conciliar, nesse respiro,
a sua tarefa, por mais tenha de exigente,
longe de casa, em obrigação frequente,
que em hospitais ou tribunais eu miro.

Cada uma delas tem sua forma de bondade
e não se furta à aplicação de seu dever;
tem vida dupla, sem nada do vazio

que acima mencionei, porém integridade:
não é preciso ser sozinha para ter
parte nas ondas desse imenso rio...

A PROFISSIONAL IV

Eu me refiro àquelas que deixaram
de lado ou para trás as esperanças,
muitas delas rodeadas de crianças,
quer suas sejam ou aquelas que ensinaram,

ainda feridas pelos que as abandonaram
e com eles levaram suas bonanças
e algo dos corações, nessas instâncias,
que se partiram e nunca se soldaram...

E contudo, ao desespero não se entregam;
ocupam seu lugar na sociedade
e mesmo estudam para a sina melhorar

e a quem delas precisa não se negam;
seu vazio não está cheio de maldade,
sempre prontas aos outros ajudar...

A PROFISSIONAL V

Também algumas nutrem ressentimentos
e são difíceis de se conquistar
para uma causa qualquer a trabalhar:
bem enterrados os velhos sentimentos.

De ser princesa se foram os pensamentos,
o príncipe encantado a se escapar
por entre os dedos que o pensavam agarrar:
amargas são após tantos ferimentos.

Mas também estas conseguem suspirar
e às outras amparar, maugrado seu,
porque faz parte da natureza feminina,

vendo o nenê em quem vai-lhe suplicar
ou a cara de um gatinho as surpreendeu
igual que fossem uns traços de menina...

A PROFISSIONAL VI

Na imensa maioria há tal bondade,
seu coração partido disfarçado,
um novo amor quase sempre rejeitado,
na desconfiança de idêntica impiedade.

E contudo, amor derramam, na verdade
em seu trabalho, com esforço dedicado,
por mais mal pago que seja, executado,
não obstante sua maior necessidade.

E que seria de nós, se assim não fosse?
Se não houvesse, por todo o lugar,
esse alimento que se dispõem a cozinhar

ou da criança enjeitada o tomar posse,
até assaltantes na polícia a combater
e mesmo adultos a ensinar como viver?

Zero e Um 1 – 11 Dez 13

Qual a diferença entre o Dois e o Três?
Você dirá ser de só uma unidade.
Sua resposta está certa, na verdade,
sempre igual o resultado, em cada vez.

E a diferença entre o Cinco e o Seis,
entre o Oito e o Nove, com igual tonicidade;
do Seis para o Sete a realidade
não modifica muito, quando a vês...

E a diferença entre o Um e o Dois?
Será de novo uma unidade, simplesmente
ou é mais entre o plural e o singular?

O Três ao Dois segue fácil, depois,
não mostra grande diferença, realmente,
mas que o Dois é o dobro do Um, não há negar...

Zero e Um 2

Mas se dirá: Quatro não é também
dobro de Dois?  Não representa o Oito
dobre de Quatro?  Por que cálculo afoito,
Dois como dobro se vá insistir, porém?

Mas no Um é só unidade que se tem
e já no Dois pluricidade acoito...
Nesse plural de Dois eu já pernoito
a diferença entre o Cinquenta e o Cem?

São todos mais que o Um, quer seja um par,
que facilmente conduzirá ao Três
ou a uma Dúzia de sinceros seguidores,

ao redor de um Único, a pregar,
que poderão repetir, chegada a vez,
Um só não sendo, maugrado seus ardores.

Zero e Um 3

E a diferença entre o Um e o Zero?
Maior ainda.    Só se a pode calcular
indicando estar presente ou se ausentar,
que Um já existe, pelo Zero ainda espero...

Mas até sem existir, é bem mais fero
esse Zero invisível de se achar...
Um qualquer pode-se bem classificar,
porém o outro só no imaginar eu gero...

Assim, ninguém se deve surpreender
que só uma vez os persas o inventassem
e os árabes para nós o transmitissem.

E  quão mais fácil os cálculos fazer,
quando Nada a qualquer soma acrescentassem,
Por mais que eles mesmos nunca o vissem...

Zero e Um 4

Mas esse Zero se tornou hoje o senhor
de nossa Era da Informação...
Na Informática apenas dois estão:
Um é o indivíduo e Zero o opositor...

Não é incrível que só duplo condutor
produza efeitos de tal conformação?
Quando Um se abre e o Zero fecha a mão,
um tudo dá sem o outro mostre amor...

Estranho mundo esse da Informática,
o universo a medir com um olho cego
e o outro que é apenas uniforme...

As Árvores de Decisão postas em prática,
para as raízes voltado o seu apego
de decidir sobre quanto era disforme!

SENUS DECODEX I – 12 DEZ 13

UM SEIO DE MULHER É CRIATURA
MÍSTICA OU MÍTICA ATÉ PRIMEIRO SER TOCADO;
DA ADOLESCÊNCIA UM LIMITE ASSIM CRUZADO,
QUAL UM MERGULHO EM LAGOA FUNDA E ESCURA,

TOQUE PRIMEVO QUE TODA A VIDA DURA,
DA PRÓPRIA MÃE O SEIO ULTRAPASSADO,
UM PASSO AO NOVO ALVO DESEJADO:
AINDA MAIS MÍSTICO SEGREDO QUE PERDURA,

ATÉ QUE SEJA, FINALMENTE, PENETRADO,
QUAL ESSE CÓDIGO DA TAL “MÁQUINA ENIGMA”,
QUE A ALEMANHA USOU DURANTE A GUERRA.

NESSA MENSAGEM DE MISTÉRIO DESVENDADO,
PERANTE O QUAL A MENTE SE PERSIGNA
E MODIFICA INTEIRAMENTE TODA A TERRA!

SENUS DECODEX II

PROVAVELMENTE, O MENINO TEVE ACESSO
A OUTROS SEIOS, ALÉM DO SEU MATERNO;
EM MUITOS COLOS ESTEVE, AO LADO EXTERNO;
TALVEZ ALGUMA LHE PERMITISSE ATÉ O INGRESSO,

SEM QUE AÍ HOUVESSE PEDOFÍLICO PROGRESSO,
POR GENTILEZA OU POR PRAZER INTERNO;
QUALQUER JOVEM OU MULHER, EM DOM FRATERNO,
O MISTÉRIO REVELASSE PELO AVESSO...

MAS NÃO HAVIA AINDA A COMPREENSÃO,
SE NÃO FOSSE ALGUMA COISA PROIBIDA,
QUE LHE TINGISSE DA INFÂNCIA O REFRIGÉRIO.

MOSTRAM-SE OS SEIOS A ALGUM SOBRINHO OU IRMÃO,
SEM HAVER PLENA MALÍCIA ALI INSERIDA
E SEM QUE AO MENOS SE PERCEBA ALGUM MISTÉRIO.

SENUS DECODEX III

O MISTICISMO DO SEIO NÃO SE APLICA
NAS SOCIEDADES QUE TÊM SEIOS EXPOSTOS;
OUTROS TABUS EXISTEM ENTRE OS OPOSTOS,
OUTROS MISTÉRIOS NÃO SE CLARIFICA.

MAS É O MISTÉRIO QUE NOS TORNA A VIDA RICA,
NESSE MOMENTO DA VERDADE, SEM DESGOSTOS:
SEIOS TOCADOS, A CONTEMPLAR-SE OS ROSTOS,
JÁ DO MUNDO A COMPREENSÃO SE RETIFICA...

E O MAIOR MAL DA ATUAL FACILIDADE
EM CONTEMPLAR DAS MULHERES A NUDEZ,
SEM QUE POR ISSO NOS DEEM INTIMIDADE,

É QUE A NUVEM DO MISTÉRIO SE DESFEZ,
MOSTRADO TUDO, SEM MOSTRAR MATERNIDADE,
NO SACERDÓCIO DA MULHER A QUEM TE DÊS.

DERME SAGRADA I – 13 DEZ 13

Sob a armadura de minha pele, eu te procuro,
oculta dentro da armadura de tua pele;
ali se encontra, quando o impulso nos propele,
mesmo nos toques gentis do canto escuro,

mesmo no instante em que eu amor te juro,
teus membros a abraçar-me, que amor sele,
mesmo nas horas em que a paixão mais vele,
tua carne é tua, oculta atrás de um muro...

Mais do que a mente que no cérebro se oculta.
Mais que a emoção que produz a adrenalina.
Mais que a pureza a que o coração se inclina,

a pele é pele e só a roçar indulta,
nuvem de seda em corpo aveludado,
invulnerável, por mais que acariciado...

DERME SAGRADA II

Pois se conserva a distância sob a palma,
quando ao contato se arqueia o muscular,
por mais concreto que seja o desejar,
por mais disposta até que esteja a alma,

por mais que o cheiro minha narina embalma,
por mais suores nesse instante a misturar,
por grande a ânsia para o pronto fecundar,
maior ressaibo que a explosão transforme em calma,

jamais ocorre a divinal fusão
de uma metade a outra desvelada;
não são as duas criaturas de Platão,

mesmo que a pele seja em crime desfoliada,
idêntico ritmo no debater do coração,
em ti conservas tua muralha indevassada...

DERME SAGRADA III

Será que eu penso que, em arcano dia,
fomos de fato, na escritural promessa,
uma só carne, após essa compressa
de ritual e comunhão que alguém fazia?

Que até na gruta rosada em que jazia
a antiga sina que para amor me apressa,
existe a pele que jamais se esqueça,
por mais que a carne à minha consentia.

Somos pele...  Mais grossa ou mais esguia;
na eucaristia mais íntima do ser
nunca houve das metades a fusão...

E nessa busca longa que nos guia,
se encontra sempre o germe do sofrer,
na mágoa pura da própria solidão. 



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