sexta-feira, 17 de janeiro de 2014






JARDIM DE ESTRELAS I – 29 DEZ 13

Eu vou plantar estrelas no meu teto
e assim, dele farei o meu jardim,
que o de meu pátio, da rosa até o jasmim,
é possessão da mulher de meu afeto.

Cada canteiro é um ato seu dileto,
nem um vasinho deixado para mim...
Até a musa que ali instalou, assim,
há muito tempo não me dá beijo secreto...

E como tenho um toldo na janela,
para impedir que entre o sol da tarde,
fez-se difícil contemplar estrelas...

Sobre um espelho lançarei pingos de vela
e desses breves coriscos, sem alarde,
as mudas colherei que achar mais belas.

JARDIM DE ESTRELAS II

Tenho uma escada grande no escritório;
com minhas tesouras perfurarei o forro,
a cabeça protegendo no meu gorro:
solo invertido a recordar cibório...

Mil pontinhos de luz, em purgatório,
eu plantarei, na imitação de um morro,
bem firme cada luz, olhos de sorro
e minha saliva servirá de emunctório.

Durante os dias, bem pouco enxergarei
e até de noite, mantendo a luz acesa;
mas desconectado o interruptor,

às centenas, tais faíscas eu verei,
nos interstícios das tábuas, firme e presa
a sua luz fria para espanto do calor!...

JARDIM DE ESTRELAS III

Numa das trovas de seu “Luar do Sertão”
dizia Catulo que era o céu que lhe roubava
do solo as flores e então as pendurava,
a iluminar os regatos pelo chão...

Talvez até me iluminassem de emoção,
mas cada simples faísca me bastava,
se as visse pelo teto, enquanto olhava,
nesse dossel que tecerá a imaginação.

Pois cada luz em flor transformaria,
sem muito esforço a farejar perfume:
se não de rosa, talvez de sabonete...

E em minhas horas de insônia, sonharia
nos devaneios desse débil lume,
como um arco-íris que no teto se intromete...

GRÃO DE AREIA I – 30 DEZ 13

Irrefletido na praia do infinito,
do finito em projeto mil reflexos,
não cala o infinito nos amplexos,
maior que seja a bênção do finito

momento de esplendor em que me agito,
na vastidão obscura de mil nexos,
na confusão finita dos perplexos,
na novel repetição do som aflito,

em que a palavra de pátina se envolve,
a balbuciar o perene transitório,
a remendar o muito que foi dito,

ou sendo a pátina que o mistério solve,
a repetir o inseguro peremptório
do velho canto a que outra vez me incito.

GRÃOS DE AREIA II

Na praia do infinito grão de areia
sou grão de areia infinito nessa praia;
reflito cada aplauso e cada vaia,
na vastidão do sol que me incendeia.

Na praia do infinito sou Pangeia,
cada montanha a costurar-me a saia;
faço de conchas gigantesca baia,
pequeno grão de máscula epopeia.

Sou eu que escrevo cada letra gaia
ou só permito em meu couro a escritura,
no som medíocre de quanto é original,

que pelos dedos permito que assim caia
no coração de mulher gentil ou impura,
não mais que um grão de areia em tal local...?

GRÃO DE AREIA III

Se o grão de areia descesse ao vaginal,
seria apenas um incômodo na praia,
um insolente intruso sob a saia:
que o expulsassem seria apenas natural!

Se o grão de areia buscasse o cerebral,
seria pérola de inesperada laia,
seria na Yoga representação de Maya,
pura ilusão sem âmbito espacial.

Pois afinal, o que busca o grão de areia
senão de uma caneta ser a esfera
e assim girar no sangue dessa tinta,

tanto mistério envolvido nessa peia,
que apenas gira enquanto o sonho gera,
nas pinceladas negras com que pinta.

GRÃO DE AREIA IV

Se o grão de areia se apossasse do infinito
e contivesse em si outro universo,
vitrificado na luxúria do disperso,
sem nada feio, sem em nada ser bonito;

se o grão de areia quisesse ser um grito
e contivesse em si o amor inverso,
não dispersão no concreto pluriverso,
mas inserção multiforme no finito,

seria então um grão de madrepérola,
obcecado pela ânsia do granito,
igual fagulha congelada de vulcão.

Mas ai do grão!  Que é apenas uma esférula,
contra mil outras a cumprir o velho rito
de desgastar-se até perder o coração.

CONDÃO DE ALBEDO I –31 DEZ 13

AS FADAS USAM VARAS DE CONDÃO
PARA CRIAR MAGIA, COM CERTEZA,
DOTANDO O MUNDO DE MAIOR BELEZA
DO QUE SE VÊ JOGADA PELO CHÃO...

PORÉM EXISTE UM CERTO TIPO DE BALÃO
QUE DESTRÓI OS MILAGRES, COM TORPEZA:
É O CONDON OU CAMISINHA, EM QUE SE APRESA
A VARA CONDUTORA DA PAIXÃO...

TRISTE ESSA LUVA, EM SEU TATEAR DE ESPINHO,
QUE APENAS FERE, SEM GERAR A ROSA,
PARA DEPOIS IR LANÇADA EM QUALQUER PARTE

ESSA SEMENTE FRUTO DO CARINHO,
QUE PODERIA GERAR MULHER FORMOSA,
MAS SE TRANSFORMA EM LIXO POR DESCARTE...

CONDÃO DE ALBEDO II

CHAMA-SE ALBEDO AO INVERSO DO LUAR,
ESSA LUZ QUE SE PROJETA DESDE A TERRA,
ALMA DO SOL QUE QUALQUER OCEANO ENCERRA,
CADA DESERTO SOBRE O ESPAÇO A DERRAMAR,

AS TERRAS CULTIVADAS A ESPELHAR,
QUE NAS MONTANHAS BEM MENOR SE AFERRA;
NA SUPERFÍCIE IRREGULAR SE EMPERRA
E ÁREAS URBANAS NÃO O CONSEGUEM ESPALHAR.

HOJE, PORÉM, UM NOVO ALBEDO ABRIGA
CADA METRÓPOLE, FAZENDO A NOITE EM DIA:
VÊ-SE DO ESPAÇO CADA FAROL QUE INSTIGA,

UMA MAIOR LUMINOSIDADE QUE ILUMINA
DA ROTAÇÃO SEU FAZER CONTRÁRIO AURIGA
SOBRE O VELUDO EM QUE A TERRA RELUZIA.

CONDÃO DE ALBEDO Iii

CADA CIDADE EM NOVA VARA DE CONDÃO,
MAIS CLARAMENTE EM AEROPORTOS PERCEBIDA,
DO CREPÚSCULO AO DILÚCULO INVADIDA
A DAMA ESCURA PELA NOVA BROTAÇÃO.

PORÉM ESTÉRIL SE DENOTA ESSE CLARÃO
A CADA VEZ QUE A ENERGIA É DESMENTIDA;
NÃO É A LUZ À CLOROFILA DEVOLVIDA,
TAL QUAL OCORRE NA DIÁRIA FLORAÇÃO.

COMO A SEMENTE PRESA EM TAL BALÃO,
A SEMENTE DE LUZ SE PERDE CEDO
E NÃO NASCE O VEGETAL DESSA ERUPÇÃO.

FICA SOMENTE O DESMENTIR DO ALBEDO,
NO AMARGO CORTE DE POSSÍVEL GESTAÇÃO,
DEPOIS QUE O AMOR PERDEU TODO O SEU SEGREDO.

Insistência I – 01 jan 14

Embora em nosso tempo a geração
Desvinculada esteja do sexual
E o ato se pratique tão casual,
Por prazer desencontrado de emoção;

Embora tanta vez qualquer razão
Seja pretexto para a cópula, afinal,
Dentro ou fora dessa tríade oficial,
Nenês insistem na própria gestação...

Os tempos mudam, mas persiste o impulso,
Por mais trabalho nos dê o ser inerme,
Ainda surgem aos milhares entre nós,

Feitos de amor, feitos de sexo avulso,
A raça se propaga como um verme
Ou como o rio que escorre para a foz...

Insistência II

Um novo ano se apresenta e traz
Esses milhares de votos impensados,
Esses milhões de fogos estourados
E a humanidade um breve tempo satisfaz.

Pois não se trata de renovação veraz:
Os calendários de há muito defasados,
Os caracteres em nada transformados,
Não mais que busca de um lucro mais sagaz.

E de que servem tais comemorações,
Se cada um possui os próprios anos,
Que nem sequer correspondem a aniversários,

Tão só pretexto para tolas diversões,
A refluir-se nas taças dos insanos
Votos de paz até para adversários...

Insistência III

Nessa farândula de insinceridade,
Alicerçada em fulgores temporais,
Foguetes e champanha umbilicais
Que em nada geram realmente amizade,

Na igual cópula da lubricidade,
Pura troca de líquidos corporais,
Derramados nos enganos mais casuais,
Sem que haja amor ou sequer cumplicidade.

E no entanto, entra ano e passa ano
E apesar “dos risos felizes de alegria”,
Vai-se mantendo toda a sociedade

E apesar de ser o coito um aragano,
Lá no fundo das entranhas se escandia
Redonda célula a expandir a humanidade.

LUZES ROUCAS I – 02 JAN 14

As luzes desfalecem quando o dia,
com seu maior fulgor, as lança fora;
que permaneçam acesas, muito embora!
Dificilmente contrapõem-se à sua energia...

Por mais voluptuosa seja a orgia
de mil lâmpadas na cúpula do agora,
nada mais fazem que queimar o sol de outrora,
que em combustível fóssil persistia.

A fotossíntese não podemos imitar;
somente agora se aproveitam as marés,
zomba de nós dos tornados cada vela,

Os tsunamis nem se pensa dominar,
e os meteoros só se evitam pelas fés,
enquanto o vento arrasta cada estrela...

LUZES ROUCAS II

As nossas luzes só cantam na alvorada,
salvo escondidas em câmara ou caverna,
nesses domínios de escuritude eterna,
que nem o Sol alcança em sua jornada.

Em que só existe fosforescência ali encantada,
micro-organismos de jubilância terna;
ou que no fundo dos mar quem lá se interna
em peixe e alga a vê representada...

Fosforescência não podemos imitar:
outro segredo que mantém a natureza,
na frialdade das criptas abissais

e por mais que se procure dominar,
ainda vivemos tão somente na incerteza
desta ciência perante os brilhos siderais.

LUZES ROUCAS III

Das esferas o cantar é altissonante:
imensos vácuos tem de atravessar
e contudo ainda os vemos triunfar,
em seu luzir mais valiosos que o diamante.

A eletricidade tem cantar menos vibrante,
em poucas milhas sua voz a se apagar;
até o fogo ainda a pode dominar,
desenfreado em seu solo dominante.

Cada cidade só mantém coro infantil,
desafinado, quanto seria natural:
não há fornalhas como existe em cada sol;

mas seu conjunto ainda tem força viril,
na sua arrogância em nada artificial
das vozes roucas que se apagam ao arrebol.

guaycurus I – 03 jan 14

entre o morto e o nascituro existe aliança,
da qual os vivos somos só a ligação,
nosso período de bem curta duração,
que em nossos dias o ábaco se cansa;

permanecemos como exígua trança
entre os milhares de cada geração,
uma raiz em uterina gestação,
que no mundo nascituro quase alcança.

muitos galhos secaram no passado,
mas constituímos a vegetação,
      como pinheiros a transpor o inverno,

      mil agulhas a cair no chão gelado,
mas os galhos a manter a brotação,
na negativa de qualquer final eterno.

guaycurus II

os nossos galhos se expandem entre os ossos
da infinita multidão dos mortos;
igual que naves ancorando em portos,
é insondável o alcance desses fossos.

os galhos da memória são mais grossos,
o esquecimento os faz ficar mais tortos;
nossas lembranças falsas são abortos,
porém os ramos permanecem nossos.

povos antigos só vivem na lembrança,
mesmo os extintos, sem deixarem descendência
      ou até esses que na carne ainda perduram,

      o seu vigor refletido na criança,
por mais que se destruam na indolência
      de velas brancas as vozes que a procuram.

guaycurus III

dos não-nascidos qualquer conhecimento
será apenas casual e aleatório;
apenas o dos vivos é peremptório,
só na loucura ou demência o esquecimento,

quando o consciente entre os mortos toma assento,
nesse sutil mas inclemente purgatório,
os olhos baços em culto merencório,
      culpas jogando contra o merecimento...

      mas como recordar os nascituros,
para os quais nem sequer nome atribuímos?
      não obstante, cá eles pairam ao redor

      e nos contemplam com seus olhos puros,
já que antes de nascer não os imbuímos
      com medo ou culpa ou sequer qualquer amor.

guaycurus IV

mas eles falam com vozes inaudíveis
e com palavras de linguagem primordial
que nos traspassam, sem nos fazer mal,
      em suas inquirições irrespondíveis.

      os novos mortos ainda mostram-se irascíveis
em seu apego ao perdido dom carnal;
somente aos poucos se aceitam como tal
e então se fazem, devagar, mais atingíveis.

ouvem os mortos a voz dos nascituros,
adormecidos nas cavernas da esperança
      e os aconselham, talvez, a não nascer,

      em sua lembrança de tempos bem mais duros
ou na magia da própria conservança
      em novos corpos que lhes possam pertencer.

PERSPIRAÇÃO I – 4 JAN 14

Quando não chove e a roupa não me empapa,
sou eu mesmo que me chovo interiormente,
mesmo parado na posição mais indolente,
recubro a pele com tal úmida capa

      e deixo o corpo imerso nessa lapa,
      para seu próprio sofrimento mais clemente
      que a natureza em refluir potente,
      que chuva está a distribuir por outro mapa...

Se não fosse a bênção prenhe do suor,
há milênios atribuída à humanidade,
já teríamos noutras eras perecido,

pois é a sudação um dom de amor,
a cada vez que faltar a eletricidade,
sem a qual cada corpo é ressequido...

PERSPIRAÇÃO II

De vez em quando, há uma quebra de energia
e a própria civilização se desconecta;
a vastidão dos insetos nos infecta;
volta o passado, em estridente orgia...

já não existe um escravo, como havia,
que com leque a abanar não se intersecta
e a atmosfera diretamente se conecta,
nos torna inermes, em plena zombaria...

Hoje é total a humana dependência
dos gentis dons do eletromagnetismo,
que a bem dizer, nem sabemos o que é!...

E sempre que nos falha a sua potência,
nos encontramos num calor de impaludismo,
mil gotas a brotar do crânio ao pé!...

PERSPIRAÇÃO III

De sentir frio até se queixa muita gente,
mas não se morre a zero grau chegando,
trinta e sete a menos alcançando
que a nossa temperatura mais frequente!

Evoluímos sob a pressão urgente
das glaciações, o calor todo expulsando;
o nosso corpo então foi enfrentando,
foi perecendo quem queria o quente!...

Porém chegados aos quarenta e sete,
dez graus apenas que nosso normal,
crianças morrem de desidratação,

enquanto a bactéria se intromete,
proliferando muito mais que o natural,
nos braços a nos ter da infecção!...

PERSPIRAÇÃO IV

Está claro que existe certa gente
que adquire e alimenta geradores,
a afastar do calor os estertores,
mesmo na ausência de energia clemente.

A maioria, porém, fica indolente,
buscando água a renovar vigores,
pressão hidráulica a combater os seus calores
nos chafarizes de borrifo opalescente!

E a multidão que precisa caminhar
no aconchego de quarenta e cinco graus?
E a energia a falhar nos hospitais?

E ainda vão antitranspirante a apregoar,
em sugestão para esses dias maus,
quando apenas o suor protege mais?

GREVILHA I – 05 JAN 14

Há mil histórias que ainda não contei
e tantas mil que conheci jamais,
que minha lista de títulos jograis
vai percorrendo, em imperfeita lei.

Foi mais ao acaso que tais nomes anotei,
por cem caprichos em nada racionais,
pensando apenas em seus efeitos cadenciais,
somente assento e no futuro adotarei.

Assim, nem sei o que quero com “grevilha”,
senão a sua macia sonoridade,
com que me envolvo até sem inspiração.

Quiçá eu sinta que a musa assim perfilha
o novo dístico, sem qualquer alacridade
e me conduza uma vez mais pela sua mão...

GREVILHA II

A minha “grevilha” deveria ser “grevílea”,
porém a nossa pronúncia a corrompeu;
com muitas flores também isto se deu,
mais conhecida sendo a buganvília.

Sei que esta planta é australiana filha
e que uma grande variedade apareceu;
importada entre nós do clima seu,
até a EMBRAPA tais plantas já perfilha...

Existe na Argentina em quantidade,
que a apelidaram de grevílea-carvalho
ou roble, já que é assim que dizem lá,

seu tronco reto se produz com qualidade,
de variada aplicação tendo o seu talho,
seu exotismo transplantando para cá.

GREVILHA III

A variedade mais comum é a de jardim,
chamada “bânksia” por aliteração;
era apenas a espécie em geração
e não o gênero denominado assim.

“Limpa-garrafas” a chamam, outrossim,
devido à inflorescência do botão,
decorativo de causar exclamação
em desusado parecer, enfim.

nenhum destes foi, contudo, o meu motivo;
tal qual confesso, por capricho eu anotei
mais este nome, entre muitas sugestões.

Mas de contar histórias sou cativo:
para a Grevilha nem sequer uma pensei
e igual que a flor, ainda lhe aguardo a brotação...

AUSÊNCIA DE ARCO-ÍRIS I – 6 JAN 14

NO TOM DA COR QUE SOMENTE TEM A AUSÊNCIA
DORME A EMOÇÃO DO ONTEM JÁ PERDIDO,
NA GULA DE UM PERFUME ABSORVIDO
PELAS NARINAS, EM FRÁGIL PERMANÊNCIA.

VÊ-SE UM ARCO-ÍRIS PERDIDO NA DOLÊNCIA
DESSE PERFUME APENAS PERCEBIDO,
DA PELE O SOM QUE NÃO MAIS SERÁ OUVIDO,
DO OLHAR O GOSTO ESQUECIDO NA DEMÊNCIA.

PORQUE O PRESENTE É RÍSPIDO E SE IMPÕE
A CADA COISA, A LHE ATRIBUIR TONALIDADE:
A QUE PRETENDE E NÃO A QUE SE QUER.

ENQUANTO O GOSTO DO PASSADO NOS PROPÕE
UM PALADAR A DESFIAR VIVACIDADE,
QUE SE COLORE OU NÃO LEMBRA SEQUER...

AUSÊNCIA DE ARCO-ÍRIS II

O MAIS BELO DOS ARCO-ÍRIS É INVISÍVEL:
NÃO É A REFRAÇÃO DA CHUVA APÓS,
ANEL QUEBRADO NO CERNE DE UMA NOZ,
GUARDADO O POTE DE OURO NO INTANGÍVEL.

O MAIS BELO DOS ARCO-ÍRIS É ESSE INCRÍVEL
QUE SURGE ANTES DO TROVÃO A VOZ,
QUE BRILHA ANTES DA BORRASCA A FOZ,
O GONGO MÁGICO DO SOM INCOGNOSCÍVEL.

ESSE ARCO-ÍRIS, QUE NOS BRILHA NA GARGANTA,
EM SUA BREVE ROUQUIDÃO ADOCICADA,
MEL DOS DUENDES, QUE ALIMENTA NADA,

FEL DOS PINTORES QUE A MEMÓRIA ENCANTA,
LEVE PÁGINA DE AQUARELA ENFARPELADA,
QUE ENTRE AS AMÍGDALAS CRESCE E SE AGIGANTA.

AUSÊNCIA DE ARCO-ÍRIS III

ESSE ARCO-ÍRIS COR DE SOM É ANEL INTEIRO,
QUE NOS PERCORRE DA CABEÇA AOS PÉS,
EM TEU DEDO ANULAR NÃO TEM AS SÉS,
CINGE A CINTURA EM DOTE VERDADEIRO.

PARA COLHER SUAS CORES ME ALIGEIRO,
SÃO MAIS QUE SETE, TÊM NUANCES DE CAFÉS,
TÊM SOM DE LEITE, TÊM SABOR DE FÉS,
SÃO DURAS CORES AS CENTENAS QUE ME ABEIRO.

SÃO ARCO-ÍRIS DE UM ONTEM SEM BORRASCA,
SÃO ACORDES DO AMANHÃ SEM FURACÃO,
SÃO REFRAÇÕES DO DIA PRESENTE TÃO VELOZ,

EM QUE CADA MOMENTO SE DESCASCA
E SE DILUI NAS MIL CORES DA INTUIÇÃO,
QUE LOGO PASSAM E NOS DEIXAM SÓS. 

VULTOS NA BRUMA I – 7 JAN 14

Havia antigamente borboletas
que oscilavam nas folhas do jardim;
eram Colaenas e Morphos em perfim,
abrindo espaços nas formas mais concretas.

Pois perfuravam de emoções secretas
lâmpadas místicas de mágico Aladim,
guardando o orvalho da manhã, qual serafim,
no sorriso de suas asas tão diletas.

Também havia mariposas mais discretas,
algumas grandes, que chamavam bruxas,
de olhos imensos no frescor da bruma,

chegando à noite como o Ofício de Completas,
mil orifícios cobrindo igual a buchas,
com a leve poeira que das asas lhes esfuma.

VULTOS NA BRUMA II

Havia antigamente cerração,
no acumular silente de um orvalho;
e as borboletas, no seu límpido talho
cortavam redes no fiapos da emoção.

Havia lugar para monstros de ocasião:
da comissura do olhar, em ato falho,
percebidos em seu rápido farfalho...
mas eram só borboletas em ascensão.

Os lepidópteros de melíflua agitação,
que aspiravam se virar em flor
e proteger assim outras lagartas,

feitas da bruma de breve brotação,
vultos de névoa em úmido esplendor,
como são breves os sonhos que descartas.

VULTOS NA BRUMA III

Então os vultos se concretizavam,
em forma humana ou fantasmas bem reais,
em seus pingos de garoa naturais,
antepassados que nas ruas perpassavam.

Das borboletas gentes se formavam
com a mesma dança em frígidos fanais,
outras de geada os frutos mais mortais,
que no fulgir do sol se evaporavam.

Que a bruma inteira vem do sofrimento,
são suores e lágrimas vertidos
para regar o som das borboletas.

E se esta imagem te dói no pensamento,
pensa nos sonhos teus, interrompidos,
que só geraram mariposas incompletas...


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