JARDIM DE ESTRELAS I – 29 DEZ 13
Eu vou plantar estrelas no meu teto
e assim, dele farei o meu jardim,
que o de meu pátio, da rosa até o jasmim,
é possessão da mulher de meu afeto.
Cada canteiro é um ato seu dileto,
nem um vasinho deixado para mim...
Até a musa que ali instalou, assim,
há muito tempo não me dá beijo secreto...
E como tenho um toldo na janela,
para impedir que entre o sol da tarde,
fez-se difícil contemplar estrelas...
Sobre um espelho lançarei pingos de vela
e desses breves coriscos, sem alarde,
as mudas colherei que achar mais belas.
JARDIM DE ESTRELAS II
Tenho uma escada grande no escritório;
com minhas tesouras perfurarei o forro,
a cabeça protegendo no meu gorro:
solo invertido a recordar cibório...
Mil pontinhos de luz, em purgatório,
eu plantarei, na imitação de um morro,
bem firme cada luz, olhos de sorro
e minha saliva servirá de emunctório.
Durante os dias, bem pouco enxergarei
e até de noite, mantendo a luz acesa;
mas desconectado o interruptor,
às centenas, tais faíscas eu verei,
nos interstícios das tábuas, firme e presa
a sua luz fria para espanto do calor!...
JARDIM DE ESTRELAS III
Numa das trovas de seu “Luar do Sertão”
dizia Catulo que era o céu que lhe roubava
do solo as flores e então as pendurava,
a iluminar os regatos pelo chão...
Talvez até me iluminassem de emoção,
mas cada simples faísca me bastava,
se as visse pelo teto, enquanto olhava,
nesse dossel que tecerá a imaginação.
Pois cada luz em flor transformaria,
sem muito esforço a farejar perfume:
se não de rosa, talvez de sabonete...
E em minhas horas de insônia, sonharia
nos devaneios desse débil lume,
como um arco-íris que no teto se intromete...
GRÃO DE AREIA I – 30 DEZ 13
Irrefletido na praia do infinito,
do finito em projeto mil reflexos,
não cala o infinito nos amplexos,
maior que seja a bênção do finito
momento de esplendor em que me agito,
na vastidão obscura de mil nexos,
na confusão finita dos perplexos,
na novel repetição do som aflito,
em que a palavra de pátina se envolve,
a balbuciar o perene transitório,
a remendar o muito que foi dito,
ou sendo a pátina que o mistério solve,
a repetir o inseguro peremptório
do velho canto a que outra vez me incito.
GRÃOS DE AREIA II
Na praia do infinito grão de areia
sou grão de areia infinito nessa praia;
reflito cada aplauso e cada vaia,
na vastidão do sol que me incendeia.
Na praia do infinito sou Pangeia,
cada montanha a costurar-me a saia;
faço de conchas gigantesca baia,
pequeno grão de máscula epopeia.
Sou eu que escrevo cada letra gaia
ou só permito em meu couro a escritura,
no som medíocre de quanto é original,
que pelos dedos permito que assim caia
no coração de mulher gentil ou impura,
não mais que um grão de areia em tal local...?
GRÃO DE AREIA III
Se o grão de areia descesse ao vaginal,
seria apenas um incômodo na praia,
um insolente intruso sob a saia:
que o expulsassem seria apenas natural!
Se o grão de areia buscasse o cerebral,
seria pérola de inesperada laia,
seria na Yoga representação de Maya,
pura ilusão sem âmbito espacial.
Pois afinal, o que busca o grão de areia
senão de uma caneta ser a esfera
e assim girar no sangue dessa tinta,
tanto mistério envolvido nessa peia,
que apenas gira enquanto o sonho gera,
nas pinceladas negras com que pinta.
GRÃO DE AREIA IV
Se o grão de areia se apossasse do infinito
e contivesse em si outro universo,
vitrificado na luxúria do disperso,
sem nada feio, sem em nada ser bonito;
se o grão de areia quisesse ser um grito
e contivesse em si o amor inverso,
não dispersão no concreto pluriverso,
mas inserção multiforme no finito,
seria então um grão de madrepérola,
obcecado pela ânsia do granito,
igual fagulha congelada de vulcão.
Mas ai do grão! Que é
apenas uma esférula,
contra mil outras a cumprir o velho rito
de desgastar-se até perder o coração.
CONDÃO DE ALBEDO I –31 DEZ
13
AS FADAS USAM VARAS DE
CONDÃO
PARA CRIAR MAGIA, COM
CERTEZA,
DOTANDO O MUNDO DE MAIOR
BELEZA
DO QUE SE VÊ JOGADA PELO
CHÃO...
PORÉM EXISTE UM CERTO TIPO
DE BALÃO
QUE DESTRÓI OS MILAGRES, COM
TORPEZA:
É O CONDON OU CAMISINHA, EM
QUE SE APRESA
A VARA CONDUTORA DA
PAIXÃO...
TRISTE ESSA LUVA, EM SEU
TATEAR DE ESPINHO,
QUE APENAS FERE, SEM GERAR A
ROSA,
PARA DEPOIS IR LANÇADA EM
QUALQUER PARTE
ESSA SEMENTE FRUTO DO
CARINHO,
QUE PODERIA GERAR MULHER
FORMOSA,
MAS SE TRANSFORMA EM LIXO
POR DESCARTE...
CONDÃO DE ALBEDO II
CHAMA-SE ALBEDO AO INVERSO
DO LUAR,
ESSA LUZ QUE SE PROJETA
DESDE A TERRA,
ALMA DO SOL QUE QUALQUER
OCEANO ENCERRA,
CADA DESERTO SOBRE O ESPAÇO
A DERRAMAR,
AS TERRAS CULTIVADAS A
ESPELHAR,
QUE NAS MONTANHAS BEM MENOR
SE AFERRA;
NA SUPERFÍCIE IRREGULAR SE
EMPERRA
E ÁREAS URBANAS NÃO O
CONSEGUEM ESPALHAR.
HOJE, PORÉM, UM NOVO ALBEDO
ABRIGA
CADA METRÓPOLE, FAZENDO A
NOITE EM DIA:
VÊ-SE DO ESPAÇO CADA FAROL
QUE INSTIGA,
UMA MAIOR LUMINOSIDADE QUE
ILUMINA
DA ROTAÇÃO SEU FAZER
CONTRÁRIO AURIGA
SOBRE O VELUDO EM QUE A
TERRA RELUZIA.
CONDÃO DE ALBEDO Iii
CADA CIDADE EM NOVA VARA DE
CONDÃO,
MAIS CLARAMENTE EM
AEROPORTOS PERCEBIDA,
DO CREPÚSCULO AO DILÚCULO
INVADIDA
A DAMA ESCURA PELA NOVA
BROTAÇÃO.
PORÉM ESTÉRIL SE DENOTA ESSE
CLARÃO
A CADA VEZ QUE A ENERGIA É
DESMENTIDA;
NÃO É A LUZ À CLOROFILA
DEVOLVIDA,
TAL QUAL OCORRE NA DIÁRIA
FLORAÇÃO.
COMO A SEMENTE PRESA EM TAL
BALÃO,
A SEMENTE DE LUZ SE PERDE
CEDO
E NÃO NASCE O VEGETAL DESSA
ERUPÇÃO.
FICA SOMENTE O DESMENTIR DO
ALBEDO,
NO AMARGO CORTE DE POSSÍVEL
GESTAÇÃO,
DEPOIS QUE O AMOR PERDEU
TODO O SEU SEGREDO.
Insistência
I – 01 jan 14
Embora
em nosso tempo a geração
Desvinculada
esteja do sexual
E o
ato se pratique tão casual,
Por
prazer desencontrado de emoção;
Embora
tanta vez qualquer razão
Seja
pretexto para a cópula, afinal,
Dentro
ou fora dessa tríade oficial,
Nenês
insistem na própria gestação...
Os
tempos mudam, mas persiste o impulso,
Por
mais trabalho nos dê o ser inerme,
Ainda
surgem aos milhares entre nós,
Feitos
de amor, feitos de sexo avulso,
A
raça se propaga como um verme
Ou
como o rio que escorre para a foz...
Insistência
II
Um
novo ano se apresenta e traz
Esses
milhares de votos impensados,
Esses
milhões de fogos estourados
E a
humanidade um breve tempo satisfaz.
Pois
não se trata de renovação veraz:
Os
calendários de há muito defasados,
Os
caracteres em nada transformados,
Não
mais que busca de um lucro mais sagaz.
E de
que servem tais comemorações,
Se
cada um possui os próprios anos,
Que
nem sequer correspondem a aniversários,
Tão
só pretexto para tolas diversões,
A
refluir-se nas taças dos insanos
Votos
de paz até para adversários...
Insistência
III
Nessa
farândula de insinceridade,
Alicerçada
em fulgores temporais,
Foguetes
e champanha umbilicais
Que
em nada geram realmente amizade,
Na
igual cópula da lubricidade,
Pura
troca de líquidos corporais,
Derramados
nos enganos mais casuais,
Sem
que haja amor ou sequer cumplicidade.
E no
entanto, entra ano e passa ano
E
apesar “dos risos felizes de alegria”,
Vai-se
mantendo toda a sociedade
E
apesar de ser o coito um aragano,
Lá
no fundo das entranhas se escandia
Redonda
célula a expandir a humanidade.
LUZES ROUCAS I – 02 JAN 14
As luzes desfalecem quando o dia,
com seu maior fulgor, as lança
fora;
que permaneçam acesas, muito
embora!
Dificilmente contrapõem-se à sua
energia...
Por mais voluptuosa seja a orgia
de mil lâmpadas na cúpula do
agora,
nada mais fazem que queimar o sol
de outrora,
que em combustível fóssil
persistia.
A fotossíntese não podemos
imitar;
somente agora se aproveitam as
marés,
zomba de nós dos tornados cada
vela,
Os tsunamis nem se pensa dominar,
e os meteoros só se evitam pelas
fés,
enquanto o vento arrasta cada
estrela...
LUZES ROUCAS II
As nossas luzes só cantam na
alvorada,
salvo escondidas em câmara ou
caverna,
nesses domínios de escuritude
eterna,
que nem o Sol alcança em sua
jornada.
Em que só existe fosforescência
ali encantada,
micro-organismos de jubilância
terna;
ou que no fundo dos mar quem lá
se interna
em peixe e alga a vê
representada...
Fosforescência não podemos
imitar:
outro segredo que mantém a
natureza,
na frialdade das criptas abissais
e por mais que se procure
dominar,
ainda vivemos tão somente na
incerteza
desta ciência perante os brilhos
siderais.
LUZES ROUCAS III
Das esferas o cantar é
altissonante:
imensos vácuos tem de atravessar
e contudo ainda os vemos
triunfar,
em seu luzir mais valiosos que o
diamante.
A eletricidade tem cantar menos
vibrante,
em poucas milhas sua voz a se
apagar;
até o fogo ainda a pode dominar,
desenfreado em seu solo
dominante.
Cada cidade só mantém coro
infantil,
desafinado, quanto seria natural:
não há fornalhas como existe em
cada sol;
mas seu conjunto ainda tem força
viril,
na sua arrogância em nada
artificial
das vozes roucas que se apagam ao
arrebol.
guaycurus I – 03 jan 14
entre o morto e o nascituro
existe aliança,
da qual os vivos somos só a ligação,
nosso período de bem curta duração,
que em nossos dias o ábaco
se cansa;
permanecemos como exígua
trança
entre os milhares de cada geração,
uma raiz em uterina gestação,
que no mundo nascituro quase
alcança.
muitos galhos secaram no
passado,
mas constituímos a vegetação,
como
pinheiros a transpor o inverno,
mil agulhas a
cair no chão gelado,
mas os galhos a manter a brotação,
na negativa de qualquer
final eterno.
guaycurus II
os nossos galhos se expandem
entre os ossos
da infinita multidão dos mortos;
igual que naves ancorando em portos,
é insondável o alcance
desses fossos.
os galhos da memória são
mais grossos,
o esquecimento os faz ficar mais tortos;
nossas lembranças falsas são abortos,
porém os ramos permanecem
nossos.
povos antigos só vivem na
lembrança,
mesmo os extintos, sem deixarem descendência
ou até esses
que na carne ainda perduram,
o seu vigor
refletido na criança,
por mais que se destruam na indolência
de velas
brancas as vozes que a procuram.
guaycurus III
dos não-nascidos qualquer
conhecimento
será apenas casual e aleatório;
apenas o dos vivos é peremptório,
só na loucura ou demência o
esquecimento,
quando o consciente entre os
mortos toma assento,
nesse sutil mas inclemente purgatório,
os olhos baços em culto merencório,
culpas
jogando contra o merecimento...
mas como
recordar os nascituros,
para os quais nem sequer nome atribuímos?
não obstante,
cá eles pairam ao redor
e nos
contemplam com seus olhos puros,
já que antes de nascer não os imbuímos
com medo ou
culpa ou sequer qualquer amor.
guaycurus IV
mas eles falam com vozes
inaudíveis
e com palavras de linguagem primordial
que nos traspassam, sem nos fazer mal,
em suas inquirições
irrespondíveis.
os novos
mortos ainda mostram-se irascíveis
em seu apego ao perdido dom carnal;
somente aos poucos se aceitam como tal
e então se fazem, devagar,
mais atingíveis.
ouvem os mortos a voz dos
nascituros,
adormecidos nas cavernas da esperança
e os
aconselham, talvez, a não nascer,
em sua
lembrança de tempos bem mais duros
ou na magia da própria conservança
em novos
corpos que lhes possam pertencer.
PERSPIRAÇÃO I – 4 JAN 14
Quando não chove e a roupa
não me empapa,
sou eu mesmo que me chovo
interiormente,
mesmo parado na posição mais
indolente,
recubro a pele com tal úmida
capa
e deixo o corpo imerso nessa lapa,
para seu próprio sofrimento mais clemente
que a natureza em refluir potente,
que chuva está a distribuir por outro mapa...
Se não fosse a bênção prenhe
do suor,
há milênios atribuída à
humanidade,
já teríamos noutras eras
perecido,
pois é a sudação um dom de amor,
a cada vez que faltar a eletricidade,
sem a qual cada corpo é ressequido...
PERSPIRAÇÃO II
De vez em quando, há uma quebra de energia
e a própria civilização se desconecta;
a vastidão dos insetos nos infecta;
volta o passado, em estridente orgia...
já não existe um escravo,
como havia,
que com leque a abanar não
se intersecta
e a atmosfera diretamente se
conecta,
nos torna inermes, em plena
zombaria...
Hoje é total a humana dependência
dos gentis dons do eletromagnetismo,
que a bem dizer, nem sabemos o que é!...
E sempre que nos falha a sua
potência,
nos encontramos num calor de
impaludismo,
mil gotas a brotar do crânio
ao pé!...
PERSPIRAÇÃO III
De sentir frio até se queixa muita gente,
mas não se morre a zero grau chegando,
trinta e sete a menos alcançando
que a nossa temperatura mais frequente!
Evoluímos sob a pressão
urgente
das glaciações, o calor todo
expulsando;
o nosso corpo então foi
enfrentando,
foi perecendo quem queria o
quente!...
Porém chegados aos quarenta e sete,
dez graus apenas que nosso normal,
crianças morrem de desidratação,
enquanto a bactéria se
intromete,
proliferando muito mais que
o natural,
nos braços a nos ter da
infecção!...
PERSPIRAÇÃO IV
Está claro que existe certa
gente
que adquire e alimenta
geradores,
a afastar do calor os
estertores,
mesmo na ausência de energia
clemente.
A maioria, porém, fica indolente,
buscando água a renovar vigores,
pressão hidráulica a combater os seus calores
nos chafarizes de borrifo opalescente!
E a multidão que precisa
caminhar
no aconchego de quarenta e
cinco graus?
E a energia a falhar nos
hospitais?
E ainda vão antitranspirante a apregoar,
em sugestão para esses dias maus,
quando apenas o suor protege mais?
GREVILHA
I – 05 JAN 14
Há
mil histórias que ainda não contei
e
tantas mil que conheci jamais,
que
minha lista de títulos jograis
vai percorrendo,
em imperfeita lei.
Foi
mais ao acaso que tais nomes anotei,
por
cem caprichos em nada racionais,
pensando
apenas em seus efeitos cadenciais,
somente
assento e no futuro adotarei.
Assim,
nem sei o que quero com “grevilha”,
senão
a sua macia sonoridade,
com
que me envolvo até sem inspiração.
Quiçá
eu sinta que a musa assim perfilha
o
novo dístico, sem qualquer alacridade
e me
conduza uma vez mais pela sua mão...
GREVILHA
II
A
minha “grevilha” deveria ser “grevílea”,
porém
a nossa pronúncia a corrompeu;
com
muitas flores também isto se deu,
mais
conhecida sendo a buganvília.
Sei
que esta planta é australiana filha
e
que uma grande variedade apareceu;
importada
entre nós do clima seu,
até
a EMBRAPA tais plantas já perfilha...
Existe
na Argentina em quantidade,
que
a apelidaram de grevílea-carvalho
ou
roble, já que é assim que dizem lá,
seu
tronco reto se produz com qualidade,
de
variada aplicação tendo o seu talho,
seu
exotismo transplantando para cá.
GREVILHA
III
A variedade
mais comum é a de jardim,
chamada
“bânksia” por aliteração;
era
apenas a espécie em geração
e
não o gênero denominado assim.
“Limpa-garrafas”
a chamam, outrossim,
devido
à inflorescência do botão,
decorativo
de causar exclamação
em
desusado parecer, enfim.
nenhum
destes foi, contudo, o meu motivo;
tal
qual confesso, por capricho eu anotei
mais
este nome, entre muitas sugestões.
Mas
de contar histórias sou cativo:
para
a Grevilha nem sequer uma pensei
e
igual que a flor, ainda lhe aguardo a brotação...
AUSÊNCIA DE ARCO-ÍRIS I – 6 JAN
14
NO TOM DA COR QUE SOMENTE TEM A
AUSÊNCIA
DORME A EMOÇÃO DO ONTEM JÁ
PERDIDO,
NA GULA DE UM PERFUME ABSORVIDO
PELAS NARINAS, EM FRÁGIL
PERMANÊNCIA.
VÊ-SE UM ARCO-ÍRIS PERDIDO NA
DOLÊNCIA
DESSE PERFUME APENAS PERCEBIDO,
DA PELE O SOM QUE NÃO MAIS SERÁ
OUVIDO,
DO OLHAR O GOSTO ESQUECIDO NA
DEMÊNCIA.
PORQUE O PRESENTE É RÍSPIDO E SE
IMPÕE
A CADA COISA, A LHE ATRIBUIR
TONALIDADE:
A QUE PRETENDE E NÃO A QUE SE
QUER.
ENQUANTO O GOSTO DO PASSADO NOS
PROPÕE
UM PALADAR A DESFIAR VIVACIDADE,
QUE SE COLORE OU NÃO LEMBRA
SEQUER...
AUSÊNCIA DE ARCO-ÍRIS II
O MAIS BELO DOS ARCO-ÍRIS É
INVISÍVEL:
NÃO É A REFRAÇÃO DA CHUVA APÓS,
ANEL QUEBRADO NO CERNE DE UMA
NOZ,
GUARDADO O POTE DE OURO NO
INTANGÍVEL.
O MAIS BELO DOS ARCO-ÍRIS É ESSE
INCRÍVEL
QUE SURGE ANTES DO TROVÃO A VOZ,
QUE BRILHA ANTES DA BORRASCA A
FOZ,
O GONGO MÁGICO DO SOM
INCOGNOSCÍVEL.
ESSE ARCO-ÍRIS, QUE NOS BRILHA NA
GARGANTA,
EM SUA BREVE ROUQUIDÃO ADOCICADA,
MEL DOS DUENDES, QUE ALIMENTA
NADA,
FEL DOS PINTORES QUE A MEMÓRIA
ENCANTA,
LEVE PÁGINA DE AQUARELA
ENFARPELADA,
QUE ENTRE AS AMÍGDALAS CRESCE E
SE AGIGANTA.
AUSÊNCIA DE ARCO-ÍRIS III
ESSE ARCO-ÍRIS COR DE SOM É ANEL
INTEIRO,
QUE NOS PERCORRE DA CABEÇA AOS
PÉS,
EM TEU DEDO ANULAR NÃO TEM AS
SÉS,
CINGE A CINTURA EM DOTE
VERDADEIRO.
PARA COLHER SUAS CORES ME
ALIGEIRO,
SÃO MAIS QUE SETE, TÊM NUANCES DE
CAFÉS,
TÊM SOM DE LEITE, TÊM SABOR DE
FÉS,
SÃO DURAS CORES AS CENTENAS QUE
ME ABEIRO.
SÃO ARCO-ÍRIS DE UM ONTEM SEM
BORRASCA,
SÃO ACORDES DO AMANHÃ SEM
FURACÃO,
SÃO REFRAÇÕES DO DIA PRESENTE TÃO
VELOZ,
EM QUE CADA MOMENTO SE DESCASCA
E SE DILUI NAS MIL CORES DA
INTUIÇÃO,
QUE LOGO PASSAM E NOS DEIXAM
SÓS.
VULTOS
NA BRUMA I – 7 JAN 14
Havia
antigamente borboletas
que
oscilavam nas folhas do jardim;
eram
Colaenas e Morphos em perfim,
abrindo
espaços nas formas mais concretas.
Pois
perfuravam de emoções secretas
lâmpadas
místicas de mágico Aladim,
guardando
o orvalho da manhã, qual serafim,
no
sorriso de suas asas tão diletas.
Também
havia mariposas mais discretas,
algumas
grandes, que chamavam bruxas,
de
olhos imensos no frescor da bruma,
chegando
à noite como o Ofício de Completas,
mil
orifícios cobrindo igual a buchas,
com
a leve poeira que das asas lhes esfuma.
VULTOS
NA BRUMA II
Havia
antigamente cerração,
no
acumular silente de um orvalho;
e
as borboletas, no seu límpido talho
cortavam
redes no fiapos da emoção.
Havia
lugar para monstros de ocasião:
da
comissura do olhar, em ato falho,
percebidos
em seu rápido farfalho...
mas
eram só borboletas em ascensão.
Os
lepidópteros de melíflua agitação,
que
aspiravam se virar em flor
e
proteger assim outras lagartas,
feitas
da bruma de breve brotação,
vultos
de névoa em úmido esplendor,
como
são breves os sonhos que descartas.
VULTOS
NA BRUMA III
Então
os vultos se concretizavam,
em
forma humana ou fantasmas bem reais,
em
seus pingos de garoa naturais,
antepassados
que nas ruas perpassavam.
Das
borboletas gentes se formavam
com
a mesma dança em frígidos fanais,
outras
de geada os frutos mais mortais,
que
no fulgir do sol se evaporavam.
Que
a bruma inteira vem do sofrimento,
são
suores e lágrimas vertidos
para
regar o som das borboletas.
E
se esta imagem te dói no pensamento,
pensa
nos sonhos teus, interrompidos,
que
só geraram mariposas incompletas...
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