CARPE DIEM
I (2008) (*)
(Aproveita o dia [a vida])
(Pola Negri, a eterna namorada de Rodolpho Valentino)
eia, amigo!
recusa-te a dormir!
já dormes
pouco, passa a dormir agora
ainda menos,
aproveita a hora,
que é
transitória e esvoa-se a sorrir...
pois nada podes
fazer para o impedir
e mais cedo ou
mais tarde vais embora,
teu nome
emaranhado em teu outrora,
teus trabalhos
para outro usufruir.
por isso,
esquece o sono. quando a morte
vier para
buscar-te, dormirás
o sono longo de
que não se desperta.
agora, vive! e
nem sequer chores a sorte:
és ferramenta
e, assim, trabalharás,
enquanto a
mente permanecer alerta.
CARPE DIEM II (3/2/2009)
não faças como os
outros: desperdiçam
um terço de suas
vidas com o sono
e os dois terços
que restam, no abandono,
com que o
malbaratam e o amortiçam
e, quando eu falo,
as sobrancelhas içam:
não podem crer que
quase não ressono,
nem que das horas
de minha vida seja o dono.
se lhes sugiro o
mesmo, mais se eriçam...
assim os vejo, em
conversa e bebedeiras,
fingindo
divertir-se; ou, no trabalho,
cumprindo tão
somente - e mal - o horário.
se ainda tivessem
coisas mais ordeiras!
mas esse tempo, em
que fogem ao malho,
gastam em vão, em breve
gozo perdulário.
CARPE DIEM III
muitos anos
atrás, cigana disse
que eu chegaria
até os noventa e três.
talvez quisesse
agradar o seu freguês,
quiçá a
quiromante me bendisse...
tenho certeza
de que não me maldisse,
pois não pensei
gastar mês após mês
em vão, porque
o tempo que me fez
pensar dispor
não joguei fora em tolice.
ah, como
trabalhei nesta minha vida!
quando eu falo,
até me olham de soslaio
(porque, de
fato, sem ver, quem me acredita?)
aos interesses
dos outros dei guarida
e ainda a
concedo... nessa armadilha caio
de dar ajuda a
quem me chegue aflita!
CARPE DIEM IV – 8
set 23
minhas pálpebras
se enrugam ao abrir-se
e não quando se
fecham para a luz;
também assim a
vida nos induz:
ela se enruga
quando quer despir-se.
perante nossa
vista, ao incluir-se,
definitivamente,
aos olhos nus,
é apenas
falsamente que reluz,
quando uma bênção
parece refletir-se.
é por isso que
recebo, prontamente,
sem mais delongas,
essas boas notícias,
que logo voam e
que desaparecem,
porque nunca
recebi bem permanente,
e é mais seguro
acreditar nas más notícias,
porque são estas que
sempre permanecem.
CARPE DIEM V
se alguma coisa
eu aprendi na vida,
é que não se
pratica boa ação,
sem um castigo,
pois toda a doação,
cedo ou mais
tarde, será bem punida.
é como se curar
qualquer ferida
ofendesse aos
poderes que nos dão
um bom destino
ou amarga relação,
que deva na
existência ser cumprida.
assim, quando
no mal interferimos,
para nós se
transfere tal castigo,
enquanto o
alheio fica mitigado...
destarte, a nós
mesmos nos ferimos,
quando ajudamos
a qualquer amigo,
tendo o interesse
próprio maltratado.
CARPE DIEM VI
será
então porque já ajudei tantos
que as parcas me
contemplam com desprezo?
subitamente, é
como um véu de prantos
sobre mim fosse
lançado, em todo o peso,
que a mágoa
despertar nos deuses possa,
(porque é certo que
algum grau de proteção
ainda
possuo. e a maldade que me roça
não causa danos
senão à nutrição.)
foi qual se, de
repente, houvesse seca
e as fontes de que
então me abastecia
para meus
cântaros, parassem de jorrar.
tal como se ajudar
aos outros peca-
do fosse e tais
atos, dia a dia,
as três parcas
decidissem castigar...
CARPE DIEM VII
– 9 set 23
não sei se há parcas, mas
existe certa gente
que com o mal quer retribuir
o bem;
ressentimento talvez possa
também
cultivar quando o bem lhes
for assente.
disse jesus, há milênios
nesse além,
que mais bem-aventurado é
dar, mas descontente
ficará quem recebe, a
recíproca na mente:
bem menos bem-aventurado é
receber; porém
tudo depende do que tem no
coração,
há um canteiro de gratidão,
outro de inveja,
qual dos dois tem maior
fertilidade.
e a quem nos pede, ao
receber a doação,
humilhação no próprio peito
enseja,
se não espera retribuir um
dia igual bondade!
CARPE DIEM VIII
dizem, sem dúvida,
que digno é se aproveitar
parte do dia ou
parte de teus bens
a tua amizade, o
tempo que ainda tens,
não importa com
quem vem te suplicar,
mas quando a
outrem dividir tu vens,
toma cuidado e
evita de o humilhar,
sua dignidade
contribui em conservar,
bem mais valiosa
que a própria que retens!
melhor de fato
será conselho e orientação
que qualquer coisa
que pareça ser esmola
ou então lhe diz
que um dia dele podes precisar,
nas tantas voltas
a que o destino dá ocasião,
que a roda da
fortuna sempre rola,
que no futuro
sempre podes lhe apelar!
CARPE DIEM IX
pensa e sopesa o valor de
cada hora,
que ditado antigo diz:
“tempo é dinheiro”,
porque de nós o tempo
escorre bem ligeiro:
constantemente o tempo
vai-se embora
e algum dinheiro se recobra
sem demora,
mas o minuto te abandona bem
lampeiro;
quer aproveites ou
desperdices esse argueiro,
rápido corre para unir-se ao
teu outrora!
ah, se pudesses o tempo
conservar,
armazenado no cofre ou na
despensa!
mas não se o pode em um
bolso armazenar,
mais bem-aventurado o tempo a
te esquecer
do que tu mesmo, nessa
ansiedade tensa
de algum presente de tempo
receber!
CARPE DIEM X – 10
set 2023
pobres
romanos! seu tempo já passou
e nem sequer suas
cinzas conservaram;
por mais que tal
conselho nos deixaram,
o espaço de seus
dias o tempo devorou!
algum poeta bem
melhor o aproveitou,
alguns filósofos
escritos te legaram,
os seus juristas velhas
leis comunicaram,
por dois mil anos
tal herança se guardou!
o próprio
montesquieu inspirou-se nos romanos,
em sua famosa
descrição dos três poderes,
que no passado
longínquo praticaram.
pois quando fores
descansar, faze teus planos,
teus dias mais
preciosos que os haveres,
que infiéis com
constância te deixaram!
CARPE DIEM XI
breve demais, sei que me
deixará
todo o meu tempo por mim
indiferente,
mas sempre olhei direto para
a frente,
qual a surpreza que o hoje
te abrirá?
do amanhã, qual a certeza
que ainda há?
tão nebuloso como o passado
esvanescente,
porque o hoje, com sua fuga
permanente,
não nos pertence de fato, é
deus que o dá,
sem que o encontremos no
temporal presente.
e se o espaço fugisse de
igual modo,
nesse contínuo que mencionam
os cientistas
e assim sentisses o tempo
permanente
e qualquer bem material tão
só engodo,
nem de ti mesmo guardando
quaisquer pistas?
CARPE DIEM XII
caso algum dia
caminhaste numa esteira,
por exercício ou
esforçado cardiograma,
terás noção desse
espaço que reclama
desse teu tempo qualquer
hora mais ligeira.
seria tão bom que cada
hora companheira
fosse mantida, enquanto
do espaço a rama
corresse para trás,
guardando a gama
dos centímetros em
sua corrida derradeira
e somente quando a
esteira assim parasse
voltasse o tempo novamente
a se escoar...
mas ai! que ambos
correm de mãos dadas!
a hora aproveita,
então, qual se contasse
quando esse espaço
perceberes terminar,
sem que outras horas
para ti fossem guardadas!
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