sexta-feira, 1 de setembro de 2023


 

 

VERMES HISTÉRICOS I  (15/1/2009)

(Esta série é tétrica e não recomendo sua leitura, porém

não rejeito inspiração, mesmo que provenha de Hécate.)

(Hécate, deusa da Lua e do amor entre os mortos)


Há muito tempo escolhi a cremação

como a extinção de mim, absoluta.

Não quero dos insetos pôr-me à escuta,

quando vierem me fazer de refeição.

 

Bem sei que as cinzas espalhadas são

e a terra adubam na final permuta

dos elementos.   Que a leiva devoluta

se torna fértil por tal excomunhão.

 

Mas será bem mais difícil perceber

se minhas cinzas espalham do que inermes

faces e mãos em lento apodrecer,

 

caso as baratas me assaltem com prazer...

Mas que farei então, quando esses vermes

agradecerem a Deus por me comer...?

 

VERMES HISTÉRICOS II

 

Queria um menino uma nova bicicleta

e rezou por vários anos.   Porém Deus

atentou muito mais aos gestos seus

do que a essa prece que a Ele não afeta.

 

Um dia, esse menino percebeu

que tudo ocorre de um jeito diferente.

Foi roubar a bicicleta, bem contente

e pela confissão se absolveu...

 

Talvez o padre lhe tenha aconselhado

a devolver o roubo...  Mas rezou

glórias e ave-marias como punição.

 

Guardou a bicicleta e, sem pecado,

um ótimo católico se tornou,

pela magia dessa confissão...

 

VERMES HISTÉRICOS III (2008)

 

Só imagina se um dia me encontrasses,

pálido e hirto dentro de ataúde.

Pensa os detalhes dessa imagem rude,

quais coisas sentirias, se me achasses

 

desse modo perdido e não pensasses

que a vida eterna qualquer retorno escude,

mas que, ao contrário, em morte eterna mude

e finalmente de mim desesperasses...

 

Quais seriam então teus sentimentos?

Talvez alívio, quiçá indiferença

ou inexplicável sentimento de traição?

 

Que passaria por teus pensamentos,

ao saber que não haveria mais detença,

porém completa e final separação...?

 

VERMES HISTÉRICOS IV -- 30 AGOSTO 2023

 

Não esperava, nesta quarta-feira,

de aula despida, a bênção chocarreira

da diarreia de poemas que hoje tive...

 

Pois desde esta manhã, acorrem versos,

inesperados, que deixei dispersos

nos lugares variados onde estive...

 

E este poema se fez homossexual:

ao invés de gerar, foi penetrado;

ao invés de galar, foi fecundado,

numa experiência pouco natural,

 

bem diferente das em que tenho crido:

eu vejo um sonho mal realizado

nessa mulher, de novo do meu lado,

no que é um soneto apenas invertido...

 

VERMES HISTÉRICOS V

 

Só imagino dos vermes o rancor

desde que foi iniciado este costume

de engavetar os mortos num curtume,

empilhados sobre os outros sem ardor.

 

Certas lápides de caráter multicor,

outras mais simples, desejo que se rume

em direção à paz. E outras só um tapume,

que não ressumbre de lá o seu horror.

 

Havia curtumes junto ao nosso cemitério

e o cheiro forte que deles partia

com o dos mortos até se confundia,

 

mas era do gado o final eremitério,

sua carne devorada por vermes humanos,

sem lastimarem por seus atos desumanos.

 

VERMES HISTÉRICOS VI

 

É bom lembrar que até o termo “enterro”

indicava o lugar da sepultura,

pois na terra pouco tempo a carne dura,

ficam os ossos somente sob o aterro.

 

Mas esqueletos podem causar de medo um berro,

só insistindo por sua presença pura

que a vaidade humana não perdura,

tal qual ferrugem corrompe o duro ferro.

 

Dali se originam as superstições,

como se ossos secos pudessem caminhar,

sem ser aos músculos ligados por tendões...

 

Mas dependendo da umidade do lugar,

se ressecavam durante gerações,

quando aos vermes não fossem alimentar...

 

VERMES HISTÉRICOS VII -- 31 AGOSTO 2023

 

Nesses lugares de areia e de aridez

permaneciam os mortos ressecados,

por vermes nem sequer acompanhados;

na falta de água o banquete mal se fez.

 

Então surgiu o costume, por sua vez,

de mais preservar esses abandonados,

durante meses a ser mumificados,

com resultados de melhor ou pior grês.

 

E nos sarcófagos, dos vermes afastados,

permaneciam por um tempo secular,

mas não é inusitado se reconhecer

 

nesses desertos corpos conservados,

sem ser preciso tanto esforço se empregar,

naturalmente pelo chão mumificados.

 

VERMES HISTÉRICOS VIII

 

Naturalmente, a proteção dos ataúdes

dificulta para os vermes refeição,

mais eficiente de baratas a atuação,

ou mesmo ratos de que mortos não escudes.

 

Mas que algum corpo se levante, não te iludes,

bem diversa a nossa bíblica instrução,

os corpos espirituais sobem do chão,

os corpos materiais são bem mais rudes.

 

Não são reais essas lendas de zumbis,

salvo daqueles que só têm morte aparente,

por aplicação de drogas ou veneno,

 

que esperto houngan que algum escravo quis (*)

fornece ao vivo com egoísmo indiferente

e então os ergue à força de um aceno.

(*) Feiticeiro haitiano.

 

VERMES HISTÉRICOS IX

 

Mas essa pobre gente não morreu,

só ao despertar perdeu toda a vontade,

mal se alimentam, mas comem de verdade,

cumprindo as ordens desse mestre seu.

 

Mas como todo o instinto se perdeu,

sua carne desgastam com facilidade,

breves períodos de corruptilidade,

sua utilidade, enfim, já se perdeu.

 

E então o amo os manda se afogar,

ou caminhar para dentro de fogueira,

obedecendo sem nunca discutir,

 

a verdadeira morte enfim a achar.

Será que a alma se liberta derradeira,

lá no fundo desse cérebro a dormir?

 

VERMES HISTÉRICOS X – 1º setembro 2023

 

E muita gente é mesmo embalsamada,

permanecendo inteira no caixão,

que não permite qualquer penetração,

em proteção mesmo metálica guardada.

 

Cemitérios a crescer em profusão,

tomando terra anteriormente cultivada,

falta de espaço sendo reparada,

até por prédios de alta condição.

 

Com escadas e até mesmo elevadores,

cada cubículo igual que apartamento,

existem mesmo nos térreos lancherias!

 

Não para os mortos, que perderam tais pendores,

mas para os vivos em seu visitamento

dessas lápides verticais que dentro vias!

 

VERMES HISTÉRICOS XI

 

Melhor faziam os Gregos e os Romanos,

cremando os mortos em pilhas de madeira,

na Índia ainda a cremação é costumeira,

igual que o era entre os Celtas e os Germanos.

 

Nas pradarias a refeição é prazenteira

para esses vermes parasitas dos humanos,

sendo escassa a madeira nesses planos,

deitam os mortos sob a relva em pobre esteira,

 

sem mencionar esses povos canibais,

que seus defuntos comem em rituais,

preservados assim à sua maneira,

 

deixando os vivos apenas seus dejetos,

nos quais põem muitos ovos os insetos,

para que os comam da forma corriqueira.

 

VERMES HISTÉRICOS XII

 

Caro leitor, se chegaste até aqui

e não foste pela temática afastado,

talvez te aches até mesmo fascinado

pelo menino cujo sonho eu referi.

 

Não sei se esteja sepultado ali,

onde possa ser por vermes devorado,

talvez esteja pedalando ainda apressado,

não fui seu padre e nem o absolvi...

 

De qualquer modo, prefiro a cremação

e que minhas cinzas sejam espalhadas,

eventualmente também sendo devoradas

 

pelos pássaros que as vejam pelo chão

e assim revoem em reencarnação,

sem ver meus ossos em gavetas empilhadas!

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