VERMES HISTÉRICOS I
(15/1/2009)
(Esta
série é tétrica e não recomendo sua leitura, porém
não
rejeito inspiração, mesmo que provenha de Hécate.)
(Hécate, deusa da Lua e do amor entre os mortos)
Há muito tempo escolhi a cremação
como a extinção de mim, absoluta.
Não quero dos insetos pôr-me à escuta,
quando vierem me fazer de refeição.
Bem sei que as cinzas espalhadas são
e a terra adubam na final permuta
dos elementos. Que a leiva devoluta
se torna fértil por tal excomunhão.
Mas será bem mais difícil perceber
se minhas cinzas espalham do que inermes
faces e mãos em lento apodrecer,
caso as baratas me assaltem com prazer...
Mas que farei então, quando esses vermes
agradecerem a Deus por me comer...?
VERMES
HISTÉRICOS II
Queria
um menino uma nova bicicleta
e rezou
por vários anos. Porém Deus
atentou
muito mais aos gestos seus
do que a
essa prece que a Ele não afeta.
Um dia,
esse menino percebeu
que tudo
ocorre de um jeito diferente.
Foi
roubar a bicicleta, bem contente
e pela
confissão se absolveu...
Talvez o
padre lhe tenha aconselhado
a
devolver o roubo... Mas rezou
glórias
e ave-marias como punição.
Guardou
a bicicleta e, sem pecado,
um ótimo
católico se tornou,
pela
magia dessa confissão...
VERMES
HISTÉRICOS III (2008)
Só
imagina se um dia me encontrasses,
pálido e
hirto dentro de ataúde.
Pensa os
detalhes dessa imagem rude,
quais
coisas sentirias, se me achasses
desse
modo perdido e não pensasses
que a
vida eterna qualquer retorno escude,
mas que,
ao contrário, em morte eterna mude
e
finalmente de mim desesperasses...
Quais
seriam então teus sentimentos?
Talvez
alívio, quiçá indiferença
ou
inexplicável sentimento de traição?
Que
passaria por teus pensamentos,
ao saber
que não haveria mais detença,
porém
completa e final separação...?
VERMES HISTÉRICOS IV -- 30 AGOSTO 2023
Não esperava, nesta quarta-feira,
de aula despida, a bênção chocarreira
da diarreia de poemas que hoje tive...
Pois desde esta manhã, acorrem versos,
inesperados, que deixei dispersos
nos lugares variados onde estive...
E este poema se fez homossexual:
ao invés de gerar, foi penetrado;
ao invés de galar, foi fecundado,
numa experiência pouco natural,
bem diferente das em que tenho crido:
eu vejo um sonho mal realizado
nessa mulher, de novo do meu lado,
no que é um soneto apenas invertido...
VERMES
HISTÉRICOS V
Só imagino dos
vermes o rancor
desde que foi
iniciado este costume
de engavetar os
mortos num curtume,
empilhados
sobre os outros sem ardor.
Certas lápides
de caráter multicor,
outras mais
simples, desejo que se rume
em direção à
paz. E outras só um tapume,
que não ressumbre
de lá o seu horror.
Havia curtumes
junto ao nosso cemitério
e o cheiro
forte que deles partia
com o dos
mortos até se confundia,
mas era do gado
o final eremitério,
sua carne
devorada por vermes humanos,
sem lastimarem
por seus atos desumanos.
VERMES
HISTÉRICOS VI
É bom lembrar
que até o termo “enterro”
indicava o
lugar da sepultura,
pois na terra
pouco tempo a carne dura,
ficam os ossos
somente sob o aterro.
Mas esqueletos
podem causar de medo um berro,
só insistindo
por sua presença pura
que a vaidade
humana não perdura,
tal qual
ferrugem corrompe o duro ferro.
Dali se
originam as superstições,
como se ossos
secos pudessem caminhar,
sem ser aos
músculos ligados por tendões...
Mas dependendo
da umidade do lugar,
se ressecavam
durante gerações,
quando aos
vermes não fossem alimentar...
VERMES HISTÉRICOS VII -- 31 AGOSTO 2023
Nesses lugares de areia e de aridez
permaneciam os mortos ressecados,
por vermes nem sequer acompanhados;
na falta de água o banquete mal se fez.
Então surgiu o costume, por sua vez,
de mais preservar esses abandonados,
durante meses a ser mumificados,
com resultados de melhor ou pior grês.
E nos sarcófagos, dos vermes afastados,
permaneciam por um tempo secular,
mas não é inusitado se reconhecer
nesses desertos corpos conservados,
sem ser preciso tanto esforço se empregar,
naturalmente pelo chão mumificados.
VERMES
HISTÉRICOS VIII
Naturalmente, a
proteção dos ataúdes
dificulta para
os vermes refeição,
mais eficiente
de baratas a atuação,
ou mesmo ratos
de que mortos não escudes.
Mas que algum
corpo se levante, não te iludes,
bem diversa a
nossa bíblica instrução,
os corpos
espirituais sobem do chão,
os corpos
materiais são bem mais rudes.
Não são reais
essas lendas de zumbis,
salvo daqueles
que só têm morte aparente,
por aplicação
de drogas ou veneno,
que esperto houngan que algum escravo quis (*)
fornece ao vivo
com egoísmo indiferente
e então os
ergue à força de um aceno.
(*) Feiticeiro haitiano.
VERMES
HISTÉRICOS IX
Mas essa pobre
gente não morreu,
só ao despertar
perdeu toda a vontade,
mal se
alimentam, mas comem de verdade,
cumprindo as
ordens desse mestre seu.
Mas como todo o
instinto se perdeu,
sua carne
desgastam com facilidade,
breves períodos
de corruptilidade,
sua utilidade,
enfim, já se perdeu.
E então o amo
os manda se afogar,
ou caminhar
para dentro de fogueira,
obedecendo sem
nunca discutir,
a verdadeira
morte enfim a achar.
Será que a alma
se liberta derradeira,
lá no fundo
desse cérebro a dormir?
VERMES HISTÉRICOS X – 1º setembro 2023
E muita gente é mesmo embalsamada,
permanecendo inteira no caixão,
que não permite qualquer penetração,
em proteção mesmo metálica guardada.
Cemitérios a crescer em profusão,
tomando terra anteriormente cultivada,
falta de espaço sendo reparada,
até por prédios de alta condição.
Com escadas e até mesmo elevadores,
cada cubículo igual que apartamento,
existem mesmo nos térreos lancherias!
Não para os mortos, que perderam tais
pendores,
mas para os vivos em seu visitamento
dessas lápides verticais que dentro vias!
VERMES
HISTÉRICOS XI
Melhor faziam
os Gregos e os Romanos,
cremando os
mortos em pilhas de madeira,
na Índia ainda
a cremação é costumeira,
igual que o era
entre os Celtas e os Germanos.
Nas pradarias a
refeição é prazenteira
para esses
vermes parasitas dos humanos,
sendo escassa a
madeira nesses planos,
deitam os
mortos sob a relva em pobre esteira,
sem mencionar
esses povos canibais,
que seus
defuntos comem em rituais,
preservados
assim à sua maneira,
deixando os
vivos apenas seus dejetos,
nos quais põem
muitos ovos os insetos,
para que os
comam da forma corriqueira.
VERMES
HISTÉRICOS XII
Caro leitor, se
chegaste até aqui
e não foste
pela temática afastado,
talvez te aches
até mesmo fascinado
pelo menino
cujo sonho eu referi.
Não sei se
esteja sepultado ali,
onde possa ser
por vermes devorado,
talvez esteja
pedalando ainda apressado,
não fui seu
padre e nem o absolvi...
De qualquer
modo, prefiro a cremação
e que minhas
cinzas sejam espalhadas,
eventualmente
também sendo devoradas
pelos pássaros
que as vejam pelo chão
e assim revoem
em reencarnação,
sem ver meus
ossos em gavetas empilhadas!
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