MILÊNIO I (2008)
(Betty Brosmer, atriz do cinema mudo)
Enquanto eu tenho rosto, não espero
ter o favor dos deuses: igual arado,
devo cumprir meu dever atribulado,
sou ferramenta e servir eu devo e quero.
Não cabe ao instrumento, sendo mero
utensílio por momentos empregado
pedir ao artesão um dom alado,
mas se aplicar à obra, em tom sincero.
Se algum deus nos criou, foi para si,
para cumprir o quanto pretendia
e não para servir sua criação.
Mas ao menos isto pela vida eu vi:
que a ferramenta toda a fé perdia,
só por não ver atendida sua oração!...
MILÊNIO II (5/1/2009)
E como é tolo esperar por um milagre,
enquanto não ser digno se admite:
como querer que à divindade incite
esse pedido, por mais que a fé o consagre...
Bem ao contrário, quando Deus nos pede,
é que devemos atender sem pausa:
de nossas vidas é essa a única causa,
servirmos bem a Quem vida concede...
Então, é bem melhor que a ferramenta
não se esconda, pois na terra se enferruja,
mas permaneça brilhante de afiada...
Para atender, se o instante se apresenta,
à missão indicada, à obra cuja
necessidade fez sua vida ser criada.
MILÊNIO III
Sempre esperança me tem sido ingrata:
por mais que invista nela, com torpeza
me reciproca. Polui meus sonhos de beleza
e quando algo me dá, a ação remata
por tomar algo em troca. É uma cascata
que inverte a gravidade. Com certeza,
a esperança, a zombaria e a avareza
são irmãs e cada qual tormenta e mata.
Assim, não espero mais. Tento proagir,
prever os resultados do que faço,
sem me queixar por não ganhar o bem.
Sem reclamar dos deuses, que a sorrir,
colocam a esperança em meu regaço,
pelo prazer de gargalhar também...
MILÊNIO IV – 27 dez 2020
Quando acrescentam barras à minha jaula
sinto uma raiva imensa, que se espalha
em cada fibra do meu ser e assim retalha
minha calma habitual e mesmo abaula
meu bom humor... Porém depressão maula
é coisa que não sinto. Não me falha
o equilíbrio hormonal. Mas a navalha
dos desenganos, como constante aula,
recai em mim e então, toda revolta
fica minhalma... Meu descontentamento
se rebela, violáceo de emoção.
É então que acuso os deuses e anda à solta
a insurreição de todo o pensamento,
rasgando as fibras de meu coração.
MILÊNIO V
Talvez todos os deuses tenham ido
exceto o Deus da Guerra. Dominou
incontestavelmente e devorou
o século passado e ainda tem rido
nos primeiros albores, incontido,
deste século atual e conquistou
novos teatros em que, malferido,
o ser humano a si exterminou.
E foi o deus primeiro. Antes que a Terra
fosse adorada por mãe e deusa crida,
já lhe erguiam altares e ainda estão.
Às narinas do mesmo Deus da Guerra
a cinza sobe em turbilhão contida
(e eu mesmo já morri em Potsdam).
MILÊNIO VI
Sempre acharemos Deus ser mais injusto
quando a nossos inimigos olvidar
o seu justo castigo, mais até que
ao recusar
a nossa recompensa de alto custo...
Sempre acharemos esse ideal robusto:
devem pagar por essas culpas, que penar
nos fizeram tantas vezes, sem pensar,
que mereçam perdão, castigo ou susto...
Se temos de sofrer, julgamos então aqueles
que percebemos bem mais ímpios do que nós,
deviam receber castigo bem maior!...
E se Deus nos perdoar, perdoando a eles,
mui certamente, Ele é injusto, pois algoz
devia ser e castigá~los bem pior!...
MILÊNIO VII – 28
dez 2020
Não acredito em
Inferno ou Paraíso,
nesses estados
que dizem permanentes,
que recompensam
os verdadeiros crentes
e os infiéis são
condenados em juízo.
Mas como
acreditar nalgo é preciso,
eu julgo o Além
de formas diferentes,
que possamos de
algum modo ser conscientes,
e o resultado
não seja tão deciso...
A idéia do
Inferno, claro está,
vem do desejo de
aos outros castigar:
que suas
maldades jamais tenham perdão,
enquanto Deus
para nós concederá
alguma
recompensa, e podemos assim odiar
um pouco menos,
ao aguardar sua punição...
MILÊNIO VIII
Não acredito que
um servo onipotente
faça por mim
qualquer tarefa. Ou dom
algum me venha a
conceder. O tom
desta minha vida
é que seja indiferente.
Contudo,
acredito que a outra gente
é meu dever
servir. Que seja bom
para meu
próximo. Que seja o som
de minha vida
uma trombeta urgente
que expanda o
bem em plena caridade,
mas não a
qualquer um. A quem pareça,
perante os olhos
falhos que me servem,
merecedor da
ajuda que, em verdade,
quando tiro de mim,
em algo me aqueça
o
pensamento nas emoções que o fervem.
MILÊNIO
IX
Eu sempre soube
que os deuses não se importam
com as preces
dos fiéis que os amofinam:
a cada um, desde
o nascer, destinam
a realizar as
tarefas que lhe aportam
desde o útero da
mãe. E lhes reportam
bem claros os
destinos que os confinam.
É ao vê~los
obedientes que os animam,
nos sulcos
fundos a que os ideais comportam.
E se amor nos
concederam, foi em causa
de que amor
imperasse ao mundo todo,
qual ferramenta
tão só da inspiração;
e assim cabe ao
instrumento só a pausa:
pensar em ser
feliz não mais que engodo,
que não trará
jamais satisfação.
MILÊNIO X – 29 DEZ 2020
Contudo, Amor é um termo tão comprido!
Vê-se-o aplicado a tanta coisa mais!
Alegrias de amor são algumas naturais,
outras, porém, puro engano malnutrido!
Amor de mãe ao filho é conhecido,
igual que ao barco dirigido para o cais
é de esperar que não erre jamais,
pior que seja o seu crime cometido!
Mas esse amor de mãe é próprio amor:
o filho é carne de sua carne e lhe saiu,
a transportar seu sangue e sua placenta,
percebido assim no seu maior vigor,
pois nele é a própria imagem que se viu,
nenhuma mãe de ser parcial isenta!
MILÊNIO XI
Já diferente é o amor de qualquer pai,
no filho vendo a sua continuação,
de sua semente a nova brotação,
que para o mundo incandescente sai.
O amor pela parceira também vai
ser uma forma diversa de emoção,
dela se espera ter aceitação,
não só um ventre em que semente cai.
E pelo homem o amor é diferente:
dele se espera que contribua para o ninho
em que os ovos se põe com esperança
e o amor da Pátria ainda mais plangente,
mais um dever sagrado que carinho,
até o ponto que a própria alma alcança.
MILÊNIO XII
Contudo, clara a religião nos manda
amar a Deus de todo o entendimento;
do amor ao próximo há mais impedimento:
como é difícil amar-se a inteira banda
do próximo, que talvez obra nefanda
pratique contra nós em algum momento
ou que vemos a alguém causar tormento!
Contudo é isso que a Escritura manda!...
Amar a Deus, entretanto, é bem mais fácil:
basta entender que Ele a nós não deve
qualquer favor, bem ao contrário, tem direito
de requerer de nós a crença grácil
de quem à Sua vontade não se atreve
se revoltar e a Seu comando estar sujeito!
A BARCA DE TESEU I – 30 DEZ 20
SOMOS HERDEIROS DA ESCRITURA HELENA
TANTO OU MAIS QUE AO CRISTÃO
ORDENAMENTO,
NELA EXISTINDO MUITO SIMPLES
MANDAMENTO:
TEMOR AOS DEUSES OU SOFRER TERRÍVEL
PENA!
UM BOM EXEMPLO DE DESAMOR REFLETE A
CENA
DESSE MITO DE TESEU CADA MOMENTO:
AO MINOTAURO COMBATE SEM IMPEDIMENTO:
COM OSSO HUMANO À MORTE ELE O
CONDENA!
MAS SÓ FEZ ISSO COM O AUXÍLIO DA
DONZELA
ARIADNE, QUE TRAIU O PRÓPRIO PAI
E EM VERO AMOR AO NAMORADO VAI
DAR-LHE A MEADA QUE TECERA ELA
E SÓ COM ESTA É QUE TESEU CONSEGUE
AO LABIRINTO ESCAPAR, NÃO HÁ QUEM
NEGUE!
A BARCA DE TESEU II
E ENTÃO TESEU A CONDUZIU CONSIGO
EM SEU BARCO DE TRÊS VELAS ESCURAS,
ABANDONANDO-A, PORÉM, A PENAS DURAS
EM NAXOS OU TÁURIDE PARA SEU PERIGO;
TALVEZ ATÉ SE JUSTIFICASSE, ASSIM O
DIGO:
TRAIU AO PAI E POR RAZÕES IMPURAS
TRAIRÁ A MIM TAMBÉM! E A TAIS AGRURAS,
COMPLETOU DESSA INFELIZ O SEU
CASTIGO!
MAS EM SEU BARCO OS CASAIS TRAZIA DE
VOLTA
QUE DA MORTE ENTÃO HAVIA RESGATADO
E SUA NOIVA ANTERIOR ALI ESTARIA
E SOBRE AS ONDAS MANIFESTOU A SUA
REVOLTA,
ATÉ DA PRINCESA TER-SE ASSIM LIVRADO,
QUE ENFIM TESEU SUA LAMÚRIA
ESCUTARIA!
A BARCA DE TESEU III
PORÉM AO PAI EGEU ELE HAVIA PROMETIDO
TROCAR AS VELAS POR OUTRAS MAIS
CLARAS,
SE SUA MISSÃO EXECUTASSE EM PRECLARAS
CONDIÇÕES, NÃO TENDO AO INVÉS
MORRIDO.
MAS NÃO AS TROCOU. AS NEGRAS VELAS SIDO
AVISTADAS DE LONGE PELO ANSIOSO PAI,
QUE DE TRISTEZA AO MAR LANÇAR-SE VAI,
NUMA PROVA DE AMOR ATÉ INCONTIDO!...
TESEU ESTEVE APÓS EM OUTRAS
AVENTURAS,
DEIXANDO ATRÁS DE SI AS DESVENTURAS,
BELO EXEMPLO DE AMOR NÃO TENDO DADO,
MAS MUITO MAIS AMOR TENDO INSPIRADO:
OUTROS MORRERAM PELO SEU AMOR,
VIVENDO O PRÍNCIPE NO MAIS PURO
DESAMOR!
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