quinta-feira, 24 de março de 2016



(Abimeleque, rei de Siquém, Guillaume Rouillé, 1518-1589, Prontuarium iconum insigniorum)

O ANTI-HERÓI ABIMELEQUE
(Livro dos Juízes, Capítulo Nove, versão poética de
William Lagos, 02 março 2016)

O ANTI-HERÓI ABIMELEQUE I

Fora Gideão que derrotara os inimigos
do povo Hebreu, com valentia e inteligência,
muito mais que de suas tropas a potência;
mas recusara receber qualquer coroa,
que para outros seria coisa muito boa,
mas que ele cria só pertencer a Jeová;
e por quarenta anos continuou
a governar seu povo, calmamente;
contudo o trono jamais ele aceitou,
em tal poder real vendo perigos,
com a grave perspicácia que lhe dá
a voz de Deus, que ouvia ainda  frequente.

Contudo, um épode se decidiu a fundir, (*)
o qual, segundo as Santas Escrituras,
serviu de laço em situações impuras,
por seduzir o povo à idolatria:
Purim lançavam às figuras que exibia  (+)
e nessas sortes assim acreditavam,
tal qual se fossem de Jeová a adoração...
Seres humanos precisam ver imagens;
poucos conseguem a devida devoção
para a um Deus imaterial se dirigir;
e numerosas oferendas lhe levavam
em pagamento por receber mensagens.
(*) Manto divinatório. (+) Sortes obtidas por lançamento de pedras ou de
dados., guardando certa semelhança com os búzios.

Ora, Gideão recusava-se a aceitar,
porém calhou de ter setenta filhos
que mal e mal o seguiam nos seus trilhos;
depressa a algum concedeu o sacerdócio,
uma desculpa para o tal manter-se em ócio,
passando apenas o Purim a interpretar...
Não conhecemos as figuras desse manto:
era de ouro o épode e o derreteram
em mil moedas, cada qual lançada a um canto,
embora o povo, por desejo de o adorar,
por longo tempo o buscasse preservar,
até que estranhos povos os venceram!...

Morreu Gideão, como todos os humanos,
setenta filhos deixando e mais cem filhas,
que casadas, se afastaram muitas milhas,
ficando os filhos o comando a disputar,
se bem promessa fizesse-lhes jurar,
logo antes de morrer, seu velho pai,
que respeitassem sua fraternidade
e jamais uns contra os outros combatessem
(um dos motivos que a coroa, na verdade,
nunca aceitara, pois entre soberanos,
bem frequente, o fratricídio ali recai,
a ambição ao amor faz que esquecessem!)

O ANTI-HERÓI ABIMELEQUE II

De fato, ante a existência do santuário,
havia bens de sobra distribuídos
e muitos servos foram assim adquiridos;
a maioria até evitava trabalhar,
em caçadas seu tempo a dedicar
e cavalgavam pelos campos com orgulho,
ao povo pobre tratando com desprezo,
embora ainda seguissem a Jeová;
devido ao épode, ricos como Creso, (*)
dentro dos termos permitidos pelo agrário,
aos demais submetendo a seu esbulho,
tal qual tanta outra gente hoje o fará...
(*) Rei da Lídia, hoje Turquia, famoso por sua riqueza.

Fora os setenta, ainda havia Abimeleque,
que por irmãos fora sempre desprezado
(Gideão jamais o havia legitimado,
pois tinha dúvidas de ser de fato o pai,
embora sempre alimentos ainda vai
enviar para a mãe, tal qual pensão.
Ele morava na cidade de Siquém,
trazia inveja e rancor no coração;
e após a morte de seu pai, também,
sem nada receber do vasto leque
de bens que partilhara cada irmão,
já se achava preterido na ocasião!...

A seus parentes do lado materno
então se dirigiu, até poder,
após muito repetir, os convencer
a apoiá-lo em sua pretensão:
que sugerissem a cada cidadão
de sua natal cidade de Siquém
que o apoiassem na revolta que ele intenta
contra os irmãos, por se portarem feito reis.
“O que é melhor para vós, que esses setenta
que vêm de Ofra, em seu orgulho eterno,
a todos nós a maltratar também,
se só a mim obedecer podeis...?”

“Sois meus irmãos, sou osso e carne vossa;
de minha mãe Gideão se aproveitou:
quando eu nasci, a ela desprezou,
tendo tantas concubinas e mulheres,
sem com ela cumprir os seus deveres,
legitimando a mim como seu filho!”
Após os tios finalmente converter,
à sua causa os habitantes convenceram
e todo o povo depressa se esqueceu,
dos benefícios de Gideão em troça...
“Vamos mandar os prepotentes para o exílio!”
Em vão os moderados responderam...

O ANTI-HERÓI ABIMELEQUE III

Abimeleque, além de seu ânimo odiento,
temia houvesse qualquer retaliação:
que retornassem a derrubá-lo; e então,
fingiu apenas com o alvitre a concordar (*)
e todo o povo decidiu-se apoio a dar,
em parte por sacerdotes convencidos,
que nesse meio tempo restaurado
haviam o templo de Baal-Berite
e à idolatria todo o povo convocado,
embora o épode ainda tivessem como bento,
seus oráculos por Deus sendo proferidos,
rivalidade que ao rancor mais os incita!...
(*) Sugestão, alternativa.

E propuseram ao jovem pretendente
que lhes trouxesse o divinatório manto,
que em Siquém se tornaria santo,
após ser a Baal-Berite consagrado...
E tendo Abimeleque concordado,
setenta siclos de prata do tesouro
lhe repassaram para tal empresa,
com seu ânimo fratricida concordando,
igual apoio a dar-lhe, com certeza...
Abimeleque retirou-se, bem contente,
foi mercenários contratar, mesmo sem ouro,
sua ímpia tropa até Ofra liderando!...

Então, cercando a propriedade de seu pai,
seus irmãos encontrando descuidados,
até mesmo seus servos desarmados,
facilmente de suas camas os puxou:
sobre uma pedra a cada um executou,
setenta homens, sem a menor piedade!
Mas esqueceu do menor, que era Yothão,
que se escondera durante o morticínio,
enquanto os outros ali matou, sem compaixão!
E de Siquém o povo todo sai,
de Beth-Milo também, outra cidade,
nomeando-o rei, após tal extermínio!...

Foi coroado ante o carvalho memorial
que se ergue nas cercanias de Siquém;
e o manto épode arrebatou também
para o templo dedicado a Baal-Berite!...
Embora o ouro a sua cobiça incite,
um espólio bem maior ali encontrou,
entre jóias e ricas vestimentas;
dos irmãos as esposas repartiu
aos mercenários, dando às velhas morte lenta!
Mas as crianças, qual costume era, afinal,
como escravas para o Egito ele enviou...
Porém Yothão capturar não conseguiu!,,,

O ANTI-HERÓI ABIMELEQUE IV

Mas enquanto ao ar livre festejavam,
porque a cidade pequena era demais,
subiu Yothão com amigos de seus pais
até um dos cimos da colina Gerizim,
dali bem perto, a proclamar assim
a sua revolta perante o seu malfeito;
embora fosse tão só um adolescente,
com alta voz, que a todos surpreendeu.
(É de espantar que  seu irmão fosse clemente
enquanto essas palavras lhe soavam,
talvez pelo desprezo a tal conceito,
na força e glória que a coroa então lhe deu).

Quiçá estivesse já na festa embriagado
e nem prestasse às palavras atenção;
algum remorso talvez no coração,
após setenta irmãos ter justiçado
(sessenta e nove, de fato, bem contado).
Que diferença lhe faria esse rapaz?
Talvez quisesse demonstrar autoridade,
o seu descaso confundido com clemência,
mas à parábola deu plena liberdade.
Com sermões estava o povo acostumado.
Talvez respeito ao ouvir o moço audaz,
talvez temendo de Jeová a potência!

Dizem alguns que até gostava de Yothão,
que o havia tratado de forma diferente
da maneira de agir tão prepotente
dos demais membros da vasta irmandade.
O motivo não importa, na verdade:
gritou Yothão sobre o monte, livremente,
numa parábola ao estilo dos profetas,
ainda adotado até nos tempos de Jesus,
inicialmente sem alusões diretas
que pudessem atiçar seu rei e irmão,
mas proclamando, da forma mais valente,
palavras sábias, com prudência que seduz!

Essa parábola até hoje é repetida
em Israel, no Festival Tu Bishvat,
literalmente, o “Dia Quinze de Shevat  “,
um mês do calendário de seu dote,
também chamado Rosh Hashanah Lailanot,
ou “Ano Novo das Árvores”, literalmente,
sendo no Livro dos Juízes registrada,
então por todos escutada em atenção,
talvez até que a tropa fosse armada,
que o Gerizim tomasse de investida
ou ainda fosse seu final tão surpreendente,
a Abimeleque enraivecendo só então...

O ANTI-HERÓI ABIMELEQUE V

Porém foi isto que Yothão lhes discursou:
“Ouvi-me vós, habitantes de Siquém
que Jeová os ouvirá a vós também:
um dia as árvores ungir a um rei quiseram
e foram à Oliveira e lhe pediram,
Sê tu rainha sobre nós, árvore bela!
Porém a todas contrariou a Oliveira:
Quereis vós que eu abandone o meu azeite,
cujo aroma é agradável a quem o cheira
e as azeitonas a que Deus santificou
e sobre vós eu reine e ponha a sela?
Não quero ser rainha!  Outra que aceite!”

“Foram então as árvores à Figueira
E lhe disseram: Reina agora sobre nós
e nas disputas ouviremos a tua voz!
Quereis vós que não mais produza figos?
Meus frutos doces de que humanos são amigos?
De modo algum!  Não me agrada ser rainha!
Da Parreira então as demais se aproximaram
Vem e reina sobre nós, árvore bela!
Quereis que eu deixe o que as uvas fermentaram?
Que agrada aos homens em alegria hospitaleira,
e até de Deus Jeová no santuário se avizinha?
De modo algum o aceitarei! – respondeu ela.”

“Ficaram as árvores tão desapontadas,
vendo uma a uma se recusar ligeiro,
que finalmente convidaram o Espinheiro
e lhe disseram: Reina sobre nós!
Pois respondeu o Espinheiro em rouca voz:
Eu certamente aceitarei ser vosso rei,
porém em tudo obediência exigirei!...
Por mais escassa que seja minha folhagem,
a sombra de meus galhos vos darei,
mas se minhas súditas não fordes dedicadas,
com o meu fogo eu vos consumirei
e desolada há de ficar toda a paisagem!”

“E se voltardes atrás, de modo igual,
agora que vos dei consentimento,
destruir-vos-ei por vosso atrevimento
e de vós farei subir alta fogueira
que até o Líbano se estenderá ligeira!
Dizei-me agora se bem vós procedestes:
meu pai lançou de sobre vós os inimigos
e quarenta anos de paz vos garantiu!...
Para Gideão Jerubaal fostes amigos
ou o bem que fez lhe pagastes com o mal...?
A Abimeleque por rei entronizastes,
só porque era vosso irmão e vos pediu!...”

O ANTI-HERÓI ABIMELEQUE VI

“Ao invés disso, assassinastes-lhe os filhos,
setenta homens a morrer em tal local,
por setenta moedas de prata de Baal!...
Acreditais que agradastes a Jeová?
Pois impiedade maior que tal não há!
Se procedestes então bem com Abimeleque,
que se alegre convosco e vós também,
comendo o gado que era de meu pai!
Caso contrário, a vós, ó povo de Siquém
e Beth-Milo, que seguistes iguais trilhos,
de vosso rei sairá fogo como um leque
que a ele e a vós consumir depressa vai!”

Nesse momento, agitou-se o novo rei
e ordenou que prendessem a Yothão,
porém este se escapou de seu irmão
e partiu para Beer, lugar distante,
da história a retirar-se neste instante.
Abimeleque reinou por mais três anos,
a cometer desatinos em Siquém!...
Lembrou-se o povo das palavras que escutaram
e murmuraram: Abimeleque é nosso rei, porém
é o Espinheiro que vai queimar toda a sua grei!
Pois cometeu tantos atos desumanos
que finalmente contra ele conspiraram!

Mas se portaram com aleivosia, (*)
não se atrevendo ao desafio direto,
por temor de sua vingança o desafeto
e assim armaram contra o rei uma emboscada
por sobre os montes, ao voltar de uma caçada.
Abimeleque, porém, dela se escapou
e ordenou desses homens a prisão;
mas sobre os montes estavam escondidos,
seus soldados a matar em cada ação;
e em salteadores essa gente se fazia,
assaltando cada qual que ali passou,
queimando os campos em gestos atrevidos!
(*) Falsidade, dobrez.

Tudo isso a Abimeleque revelaram,
mas nada fez que os conseguisse coibir,
às suas guerrilhas não tinha força de impedir,
não se animava a enfrentar as emboscadas,
sofria o povo já da fome as aguilhadas!
Porém Gaal, filho de Ebede, apresentou-se,
perante ele essa guerrilha debandou-se,
porque fizera com os tais combinação
e a Abimeleque qual vassalo demonstrou-se;
os seus irmãos na cidade se assentaram
e com os seus cidadãos acomodou-se,
os alimentos já a chegar em profusão!...

O ANTI-HERÓI ABIMELEQUE VII

E da cidade saíram os habitantes,
colhendo uvas e fabricando vinho,
os seus trigais ceifando com carinho,
a caça que encontraram capturando,
cabras e ovelhas escondidas encontrando;
grande festim ante Baal-Berite
realizaram, após os sacrifícios
e Abimeleque mandou buscar sua parte,
que interpretaram como sendo malefícios,
pois proteção nenhuma dera dantes;
que a prepotência mais que antes os irrite:
Que mal lhe faça a carne que hoje o farte!

Opostamente, eles louvavam a Gaal,
filho de Ebede, o qual viu ser a ocasião,
tendo escutado tanta maldição
contra o Rei Abimeleque proferida,
vendo do povo a raiva já incontida
e então falou: “Mas quem é esse Abimeleque
para que nós de Siquém o obedeçamos?
Servi antes a Hamor, pai de Siquém,
mas que fez Abimeleque, que o sirvamos?
Ele é de Jeová, não de nosso deus Baal,
os celeiros esvazia, bebe vinho até que seque,
sempre incapaz de nos servir também!...”

“Não é um dos filhos do tal Jerubaal?
ou pelo menos, é o que sua mãe garante,
mas que certeza nos dá o seu desplante?
Se assim fora, logo o pai o acolheria,
junto aos setenta que em casa recolhia,
todos os quais cruelmente assassinou!
Por que motivo havemos de o servir?
Quem dera o povo estivesse na minha mão!
Abimeleque logo eu faria partir!...
Nossas armas tomaríamos sob Baal
e venceríamos os asseclas que juntou,
fácil reunimos uma grande multidão!...”

Abimeleque para Opra se mudara,
de novo o épode para lá levando,
seu juramento aos sacerdotes quebrantando;
pois na consulta do divinatório manto
voltava o povo a honrar esse recanto!...
Naturalmente, enraivecera os sacerdotes:
setenta ciclos lhe haviam dado do tesouro
para poder seus mercenários contratar
e foi bem fácil explorar o seu desdouro:
logo o povo a Gaal todo apoiara
e como rei lhe ofereceram dotes,
grande tropa já iniciando a preparar!

O ANTI-HERÓI ABIMELEQUE VIII

Ora, Zebul governava essa cidade
depois que Abimeleque em Opra estava
e presente no banquete se encontrava,
mas ficou quieto, temendo por sua vida,
fingindo a tal discurso dar guarida;
porém no coração brotou sua ira
e um mensageiro enviou secretamente
até a mansão em que o rei ora habitava,
dizendo: “Esse Gaal, o teu Tenente,
toda a gente alvoroça, na verdade,
os corações de todo o povo vira:
Siquém inteira qual um rei o declarava!”

“Levanta, pois, antes que nasça o sol
e com teus homens arma uma emboscada
e dá de golpe sobre a gente revoltada,
tão logo abram as portas da cidade,
que inesperadamente então invade
e faz o que quiseres com essa gente!...
Eu, contudo, teu fiel servo permaneço
e meu aviso ora te envio, com prudência!”
Mas embora Abimeleque a Siquém desça,
com seu exército, bem antes do arrebol,
também Gaal reunira tropa bem valente,
retardatários a esperar com impaciência!

E aguardando junto às portas da cidade,
olhando o campo, da emboscada suspeitou:
“Eu vejo gente que nos montes se ajuntou!”
Disse Zebul: “São as sombras das colinas
ao invés de homens...  Ao receio já te inclinas.”
Porém Gaal tornou a lhe falar:
“Tenho certeza que dos montes desce gente
e uma tropa se aproxima do carvalho
em que a adivinhação se faz frequente!...”
Então Zebul lhe disse, com maldade:
“Onde está agora a tua boca a se gabar?
É Abimeleque, que arremete qual um malho!”

“Tens a tua tropa... Sai, pois, a combater!”
Saiu Gaal para enfrentar Abimeleque,
porém suas tropas o envolveram como um leque,
os cidadãos sem qualquer treino para a luta:
dezenas foram mortos na disputa!...
E então Zebul fechou-lhe as portas da cidade,
sem deixar que ali pudessem retornar!...
Não obstante, de Gaal os partidários
foram a Zebul e sua guarda massacrar,
de novo abrigo aos restantes conceder.
Abimeleque aguardou fora, em sobriedade:
que se entregassem ordenou por emissários!

O ANTI-HERÓI ABIMELEQUE IX

Mas ao contrário, bem cedo de manhã,
saiu Gaal para travar novo combate:
era valente e sua coragem não se abate,
mesmo sabendo ter exército inferior
ao comandado pelo rei predecessor.
Abimeleque, porém, homem esperto,
sua tropa em três companhias dividiu,
deixar à vista só uma delas ele faz...
Gaal para o local se dirigiu,
mas sua coragem foi totalmente vã,
quando desses que enxergava chegou perto,
veio a outra tropa e o atacou por trás!...

Logo Gaal percebeu a armadilha
e procurou para a cidade retornar,
para a terceira tropa ali encontrar,
que Abimeleque esgueirara de surpresa
e junto à porta os rebeldes foram presa:
morreu Gaal com os que o acompanhavam...
Abimeleque que lhe abrissem ordenou,
mas por suas vidas o povo ali temeu...
Com impaciência, as muralhas atacou;
levou um dia erguendo grande pilha
dos mortos que na luta o enfrentavam
e a cidade finalmente acometeu!...

Matou a todos, adultos e crianças,
e cada casa na cidade demoliu;
nos alicerces até sal ele esparziu!
Porém no templo havia uma alta torre
e por refúgio muito povo ali acorre
e em seu subterrâneo se escondeu!
Seria custoso tal torre derrubar,
mas denunciou-os um sobrevivente,
cruel tortura na esperança de evitar.
Sua tropa estava cansada das matanças
e um novo plano Abimeleque concebeu,
lenha no bosque a cortar rapidamente!

Ateou-lhe fogo sem a menor piedade,
após um monte fazer em volta à torre
e sufocado ali dentro o povo morre,
mais de mil velhos, crianças e mulheres,
o templo inteiro a desabar nesses misteres...
Cumpriu-se assim a profecia de Yothão:
de Abimeleque saiu fogo e consumiu
todo o povo da cidade de traidores!...
Toda a cidade o celerado destruiu
e ainda falou, com real temeridade:
“Não veio o fogo sobre mim nesta ocasião,
que me lançassem seus malditos moradores!”

O ANTI-HERÓI ABIMELEQUE X

Beth-Milo de imediato se rendeu
e suplicaram a Abimeleque que os poupasse:
“De Beth-Milo não há ninguém que rebelasse!”
Abimeleque procedeu sensatamente,
cobrando apenas um tributo dessa gente.
Contudo, havia a cidade de Tebés,
que da gente de Siquém eram parentes
e suas portas a Abimeleque não abriram;
seus homens já se achavam impacientes
e facilmente a cidade arremeteu,
os defensores calcando sob os pés!...
Mas novamente para a torre outros fugiram!

Nesta, contudo, subterrâneo não havia
e muitos deles subiram ao telhado,
tendo os restantes no interior se refugiado.
Abimeleque a torre então cercou
e novamente muita lenha acumulou,
na intenção de fazer como em Siquém!
Mas quando o incêndio pretendia começar,
certa mulher grande pedra lhe lançou,
de Abimeleque o crânio a arrebentar!
E ao perceber que sua vida se esvaía,
disse ao escudeiro: “Mata-me também,
que não se diga que mulher a mim matou!”

Sem hesitar, o moço o atravessou,
logo sua tropa começando a dispersar,
bem poucos deles querendo ao rei vingar,
mas a tocha que trazia na sua mão
as suas vestes prendeu fogo então
e o corpo totalmente lhe queimou,
cumprido assim o final da profecia!...
E vendo a gente que o exército se fora,
rapidamente ao fogo que subia,
desceu às pressas e ao incêndio debelou
e a cidade de Tebés recuperou,
de Abimeleque lançando o corpo embora!...

Assim cumpriu-se o destino do malvado
tal qual dissera a profecia de Yothão,
custando a vida a numerosa multidão!
Abimeleque era, de fato, o Espinheiro,
de parte a parte subiu fogo bem ligeiro!
Lançou Jeová sobre as cabeças dos ingratos
a iniquidade que tais haviam praticado,
mas preservou-se a semente de Gideão,
pelas cem filhas que tinha antes casado,
que netos e bisnetos lhe haviam dado,
apesar dos anteriores tristes fatos,
por certo filhos a ter também Yothão!

EPÍLOGO

Tampouco aqui mostro um final feliz,
mas resultado do crime e seu castigo;
de seus fiéis, Jeová se mostra amigo,
mas cedo ou tarde lança a punição
sobre os malvados, que leva à perdição!
Há quem diga: “Por que Deus isso permite?
Não poderia impedir a sua maldade?”
Sem liberdade, seríamos fantoches!
O mal que existe é pelos homens praticado,
quando da Lei de Deus fazem deboches!
Se o mal ocorre, foi que alguém o quis,
de nosso Deus emana só a bondade,
de que tanto a humanidade se afastou!...


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