EQUIMOSES – William
Lagos, 2010
EQUIMOSES
I
As nossas tristezas,
temores, cuidados,
são caleidoscópios de
amores manchados,
cartas marcadas na
vida presente,
sem outro querer
que manter-nos cercados.
A grã maioria nem
sequer os pressente,
que tais sentimentos
têm força potente,
de nós se aproveitam,
sendo alimentados,
mas chegam de fora, do
mundo inclemente.
Apenas julgamos reais
as tristezas
e lhes atribuímos
motivos atuais,
externos ou internos,
não importa quais sejam
e tudo é ilusão, só se
assentam às mesas
e nós lhes servimos
pedaços reais
dos sonhos da vida,
que enfim nos aleijam.
EQUIMOSES II
Em tais desprazeres,
febrentos, manchados,
esperam momentos dos
que descuidamos.
Em nossa fraqueza, até
mesmo aceitamos
os hóspedes magros,
sem vida, esfaimados.
Iguais parasitas, eles
saltam, alados,
de alguém esvaziado ao
qual acercamos,
do ombro de amigo, a
quem consolamos,
e nos sobem às costas,
sem grandes cuidados.
Às vezes, saíram das
almas dos mortos,
de quem já não tiram
qualquer nutrição,
pois tudo sugaram que
deles podiam.
E lançam as âncoras no
cais de outros portos,
na busca aleatória por
embarcação
com carga melhor, que
a seguir esvaziam.
EQUIMOSES III
Sedentos de orvalho,
tão avidamente
se acercam de nós tais
indesejáveis,
à cata de abrigo,
locais agradáveis,
em que possam sorver a
energia da mente.
Assim se apresentam,
em trajar impecáveis,
como sendo de nós uma
parte aparente
e nos bebem aos
poucos, eficientemente,
vampiros em busca de
presas saudáveis.
E assim que se esgota
o inicial suprimento,
projetam na alma, com
ardilosidade,
cuidados e penas que
nem existiam
e o mundo encaramos à
luz do tormento,
que esses seres nos
trazem de indignidade
e nos levam a ver da
igual forma que viam...
EQUIMOSES IV
Seu canto incessante
nos tem enjaulado,
nos sugam por dentro e
nos cercam de fora
tais entes malignos
gerados no outrora,
que ao longo das eras
apascentam seu gado.
À guerra e massacres
nos têm liderado,
direto nas mentes nos
cravam a espora
e quando uma vida se
acaba no agora,
felizes se alegram na
dor e em pecado,
que as almas libertas
tão subitamente
já não servem de fato
como seu alimento,
mas liberam também
toda a mágoa que guardam
e são essas mágoas que
acolhem, em quente
abraço materno de
amparo potente,
no seio das almas que
firmes albardam! (*)
(*) Arreiam.
EQUIMOSES V
No instante em que
mágoas se soltam nos ares
em névoa a oscilar,
quase a se dissolverem,
os hóspedes malignos
já as vão recolherem,
em suas garras
prendendo-as e em rudes esgares.
No início as conservam
em seus paladares:
saboreiam contentes até se amargarem,
usando-as depois a fim
de incrementarem
no novo hospedeiro
suas dores e azares...
Contudo, é um
propósito tão somente inicial:
satisfeito o apetite e
aguçado o tormento,
de quem parasitam,
passam a fortalecer
a colheita de mágoas
em seu berço irreal,
para soltá-las
consoante seu mau julgamento,
para a um novo
hospedeiro poder-se prender!
EQUIMOSES VI
E desta forma se
redobram as tristezas,
que de alma em alma
são reproduzidas,
as crias novas para
outrem transferidas,
se o mundo percorrem
sem cuidado ou defesas...
Mas depois de
instaladas, com plenas certezas,
dentro em ti essas
mágoas são reconstituídas,
vilezas forjando,
dentro em ti concebidas,
tal e qual ainda fazem
em quaisquer outras presas...
Sem elas, seríamos por
certo melhores,
que são responsáveis
pelo leque dos atos,
que até praticamos sem
sabermos porquê
e geram em nós
sentimentos piores:
nem ao menos são
nossos, mas vêm dos contatos
com esses maus
hóspedes que sequer alguém vê!
EQUIMOSES VII
Algumas vezes, de
“demônios” são chamados,
já que esses seres só
nos vêm atormentar
com “tentações” nos
dizem provocar
e que nos fazem
cometer tantos “pecados”;
mas na verdade, são
bem menos consagrados
à tarefa fugaz de ao
“inferno” enviar;
mais que tudo desejam
é se alimentar
(e nunca foram para
batalhas convocados),
porque de fato são
criados por nós mesmos,
ainda que de outros
também os herdemos,
com bem mais certeza que bens materiais,
mas cuida! – não podem
dominar-nos a esmos,
pois no momento em que
os reconhecermos
sempre é possível
expulsar esses chacais!
EQUIMOSES VIII
Eu os imagino como
sendo as equimoses,
negras e azuis na pele
de minhalma;
vão troçando de mim,
tirando essa palma
de ao mundo montrar as
minhas próprias poses;
mas as procuro encarar
com grande calma,
pois medo e a raiva,
até em pequenas doses,
lhes servem de
alimento. Mas te digo que as toses,
enquanto guardares em
controle a tua alma!
Porque tais hóspedes
podem mesmo ser expulsos,
depois que a mente os
tenha controlado,
tranquilamente e sem
exaltação!...
Desde que cortes todos
os impulsos
que até hoje os mantêm
alimentados
com o sangue vivo de
teu coração!...
EQUIMOSES IX
Mas é preciso exercer
certo critério,
que não se trata simplesmente
de expulsar,
pois de algum outro
poderão se alimentar
e contra a ética
existe aqui atentado sério!...
E nem os podes soltar
num cemitério,
porque os vivos vêm
aos mortos visitar
e eles podem tais
momentos agarrar
em que há tristeza
real, sem refrigério.
Esses entes devem
então ser isolados:
como a um câncer ter
cortado o suprimento
de sangue e de
emoção. Sem energia vital
vão pouco a pouco
morrendo de esfaimados,
exorcizados por teu
próprio julgamento,
do qual o espírito é o
teu mestre natural!...
EQUIMOSES X
São equimoses somente
tais tormentas:
não cravam lanças no
teu coração;
melancolias vistas
soltas na canção
essas tristezas que
conter não tentas;
esses períodos de
indolências lentas,
difuso anseio por
aniquilação
de todo o teu passado,
essa emoção
com que teu ódio no
imo peito esquentas...
E não te iludas, teus
ciúmes não são teus:
toda a emoção pungente
e dolorosa
foi promovida em ti
por esses seres,
que a mente te
habitam, tal e qual os meus
e assim te denigram
toda emoção formosa,
pois só nas aflições
encontram seus prazeres!...
EQUIMOSES XI
São equimoses os
malévolos duendes
que te acicatam para
mais fracassos,
que te chibatam para
longe dos abraços,
que te impulsionam aos
espinhos de que pendes
as mãos da alma, as
cordas em que prendes
os pés do espírito, em
venenosos laços,
olhos da mente em
busca de maus passos,
lábios sem corpo com
os quais ao outro ofendes...
Magro retorno por todo
o sacrifício
com que buscas nutrir
teus amos milenares
que à morte levam a
todos os humanos,
que recompensam em
franco malefício
todo o sabor adquirido
nos manjares
devorados de ti!... E
há tantos anos!...
EQUIMOSES XII
Mas cura existe para
tais capetas,
só que é preciso que
acredites neles,
pois tua descrença vem
em favor deles,
quando saciam suas
fomes mais diletas...
Não deixes suas ações
serem secretas!
Dá nutrição às emoções
mais belas
e não te deixes levar
pelas procelas
que os tais insuflam
com venenosas setas!
Mas sobretudo, não os
leves muito a peito:
são reais, certamente,
mas poder
possuem somente por
teu próprio siso!...
Não tenhas medo deles,
nem respeito
e busca o quanto te
dará prazer,
pois não conseguem é
suportar teu riso!...
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