MOISÉS & MAIS
Novas séries de William Lagos 21/2-01/3/16
HERÓIS NO INVERNO VII – MOISÉS – 21/2/2016
Agora eu subo pelo Monte Nebo,
amparado por Caleb e por Josué;
minhas finais instruções de Ti recebo,
ó grande Deus, em Quem depus minha fé;
a Terra Prometida só concebo,
pois em tal solo não porei meu pé;
deste-me a ordem para galgar o monte:
que o final desta história um outro conte!
Qual ancestrais, fiz cento e vinte anos
e já de mim apartou-se meu vigor;
meu povo protegi de ideais profanos,
enquanto os dominei como senhor;
Dez Mandamentos em seus pétreos arcanos
fui receber de Jeová no meu fervor;
não sei por quanto tempo os seguirão,
porém confio de Deus na proteção!
No Monte Horeb O contemplei no fogo
da sarça que jamais se consumia;
sobre o Sinai Ele atendeu meu rogo,
dando-me as leis que em pedra redigia;
mas como idólatras o povo encontrei logo
e em minha cólera as tábuas quebraria...
Moshe Rebbanu me referem com
louvor,
como quem fala: “o nosso professor”...
Os meus dois filhos, Gershon e Eliezer,
Deus rejeitou como meus sucessores,
filhos de Séfora, minha gentil mulher;
os meus sobrinhos a receber pendores
do sacerdócio no aarônico mister... (*)
Subo o monte pela mão de ajudadores
e aqui do alto enfim contemplo Canaã,
breve consolo para minha glória vã!...
(*) Relativo a Aarão, irmão de Moisés e o sumo-sacerdote.
HERÓIS NO INVERNO VIII – NAPOLEÃO – 22 FEV 16
Diariamente percorro esta campina,
os penhascos e as praias desta ilha,
acompanhado por meus guardas, triste sina!
De minha família ninguém mais partilha...
Da Europa segurei a longa crina,
qual meteoro que o universo encilha...
Mas o que resta de todo o meu sucesso?
Ver minha pátria de novo em vão eu peço!...
Ninguém obteve algum triunfo igual ao meu:
de simples cabo cheguei a Imperador...
Maria Luiza, minha princesa, me esqueceu;
de mil mulheres fui amo e senhor,
não sei, porém, se alguma concebeu...
O Rei de Roma, meu filho e sucessor,
vive na Áustria, jamais foi coroado
e de fato, apenas duque foi nomeado...
Durante décadas venci cada batalha,
até buscar a Rússia conquistar
e finalmente Marte ali me falha,
só o longo Inverno minha tropa a derrotar...
Fui preso em Elba, mas fraca foi sua malha,
meu exílio facilmente a abandonar!
Pois retornei em breve ao continente,
meu velho exército a me aceitar contente!
Mas Waterloo!... Minha
melhor cavalaria,
igual que o mundo jamais antes conhecera
contra um fosso inesperado se perdia,
que minha vanguarda não reconhecera...
Minha Velha Guarda a seguir lá perecia:
meu bravo Ney a própria vida ali perdera...
E aqui eu fico, marchando diariamente,
já velho e fraco, sem tropa nem tenente...
ENCARTE I – 03 SET 2007
O sono para mim é coisa estranha
e pouco necessária; e até queria
guardar o tempo que nele gastaria
para outros fins, cuja importância
ganha
em meu espírito valor que em nada
acanha
ante o das horas que para o sono
perderia,
porém nem sei se a adormecer me
deixaria
prestes iria para um mundo de
mais sanha
ou pior que este mundo da
consciência...
De fato, tenho tantos interesses,
tantos desejos, tarefas e
prazeres,
que preferia furtar-me a essa
inconsciência
e a rezar ousaria, entre
minhas preces
que o excluíssem em favor de meus
deveres!...
ENCARTE II – 23 FEV 16
Não obstante, uso lentes de
contato...
Um dos primeiros, de fato, no
Brasil;
desde sessenta e quatro as trago
no redil
de meus olhos, em seu míope
recato... (*)
(*) Curral de ovelhas, potreiro.
Cada noite as retiro, um simples
fato,
para meus olhos poupar de fado
vil;
há mais de meio século, em viril
resistência, que a ardências não
me abato!
Porém resulta daí que sem as
lentes
minhas ações se fazem limitadas ,
se bem que possa ler
perfeitamente;
mas ante meu computador são
impotentes,
para o trabalho são elas
convocadas
e é preciso que em leitura me contente...
ENCARTE III
Então ocorre, muito simplesmente,
que o sono venha em mister
subreptício;
não mais encarte, mas poderoso
vício,
que me força ao descanso,
impertinente!
Então me encontro num plano
diferente,
do qual recordo, em geral, tão só
resquício,
sob Morfeu no onipresente
auspício, (*)
em aventuras de espanto
permanente!
(*) Patrocínio, domínio.
Há quem diga sejam só
alucinações,
que o sonho é irmão-gêmeo da
loucura,
somente fuga à inclinação da
realidade;
mas nele encontro totais aceitações:
há som e cor, essencial magia
pura,
qual se outro mundo eu pisasse na
verdade!
ENCARTE IV
Assim, se
contra o sono eu deblatero,
por tantas
coisas que tenho de fazer,
devo ao sonhar
igualmente pertencer,
nessa onírica
vaga que me espera...
Não sei se
existe ou sensações eu gero,
mas são
idênticas às do mundo em que sofrer
é o outro prato
na balança do prazer,
com sua face
zombeteira de Megera!
Nesse outro
mundo o cansaço não existe:
tudo
experimento, exceto qualquer dor,
só tendo acesso
se a tal sono me entrego,
que certamente,
com fervor, insiste,
e cedo ou tarde
me agarra, protetor,
no firme beijo
de seu constante apego!...
CHANTRE I – 04 SET 2007 (*)
Cantar queria as
trovas do passado
a teu ouvido, ao som do bandolim;
queria acariciar-te, bem assim,
sabendo ficarias do meu lado
por todo o tempo que o coração alado
se dispusesse a tocar, como Arlequim
e a bimbalhar os sinos do outrossim,
no reviver do sonho amarfanhado...
Porém te vejo longe, inda que perto,
teu coração é tão polivalente
quanto inconstante o fremir de uma paixão...
E, assim, minha voz só canta no deserto,
apenas desejando ser potente
para tocar-te, de longe, o coração.
(*) Cantor
solista durante a missa.
CHANTRE II – 24 fev 16
Eu cantarei para ti missa profana,
os hinos de louvor à virgindade,
do amor materno a religiosidade,
da gravidez a sacra e pura chama.
Eu cantarei a queda dessa escama
que traz aos olhos dos homens a maldade,
em seu temor da vaginalidade,
que ocultos dentes à castração proclama.
Eu cantarei de teu sexo o louvor,
toda a grandeza da feminilidade,
todo o poder do ventre consensual
e cantarei teu místico pendor
que te leva a estender a humanidade
em poderoso milagre material!
CHANTRE III
Não cantarei um louvor ao imponderável
da Deusa-Mãe hipotética e imortal,
mas os tangíveis louvores do fanal
que em ser mulher acendes indomável.
Não cantarei da estátua o riso afável.
mas a mulher do quotidiano aval,
que possa amar de forma natural,
ter em meus braços como prêmio incontestável.
Por mais que seja um prêmio transitório,
mas que me acolha na gruta do segredo,
nessa ânsia materna do sexual,
de cujo seio vá fluir leite emunctório
nas gotas brancas do divino albedo,
filha da Lua em seu luzir imemorial!
CHANTRE IV
Não se destina a qualquer deusa este meu canto,
na missa ímpia do meu coração:
sou teu idólatra somente, na paixão
da eucaristia rebrotada de meu pranto.
Quando em templo me revisto deste manto,
minhas estolas descendo até o chão,
dando minha carne a comer neste sermão,
dando meu choro em lugar do vinho santo.
Assim celebro o teu vaso mulheril,
sem homilias arcanas de um missal,
amareladas pelo sebo do folheio,
um falho acólito e rebelde pueril,
neste amor que não traz bem e não traz mal,
longa novena que descanto sem receio!
HIEROFANTE I – 05 SET 07
De alguma coisa manchei
este papel
que comigo
trazia... se bem que veja
que embora mácula na
fímbria dele esteja,
não me azinhavra a pompa
do ouropel.
São manchas feias,
na barra do burel,
que indignidade perante
o altar enseja,
inda que a deusa, mesmo
assim, proteja
e purifique, em banho de
hidromel...
De alguma coisa também
manchei a alma:
queria puro ser,
tornei-me humano,
anjo imperfeito e opaca
divindade...
Porém a mangra não me
afetou a palma:
graças à malha, meu
pudor reclamo,
para aspirar à divina
opacidade...
HIEROFANTE II – 25 FEV 16
Tão só o ambiente mancho a meu redor,
restos de mim involuntários, sem razão,
deixo que escorram os humores da visão,
úmida poeira madrepérola de cor...
correm de mim tristezas sem valor,
sêmen e sangue a fecundar toda a região;
por onde passo deixo marcas de emoção,
última vela nas profundas do negror...
Embora assim eu conspurque o derredor,
nada me sobra de impuro no organismo;
interiormente todo grácil me apresento;
correm de mim apenas laivos de estertor,
mas o meu corpo sobrevive enquanto cismo,
diariamente na unção de meu lamento.
HIEROFANTE III
Tão só na alma registrei a mancha,
enquanto peito e mente resguardava
e a meus discípulos os mistérios ensinava,
nas obscuras profundezas desta cancha.
O teu pecado na alma minha se arrancha,
contra minha ingenuidade que aguardava
e a cada dia mais de mim se alimentava
como o barqueiro do Hades em sua lancha.
Contudo encaro em mim conspurcação
como experiência humana e necessária,
sacerdotal apanágio à minha função,
enriquecida a alma solidária
por cada grumo e cicatriz que vão
acrescentar–se à saudade perdulária.
HIEROFANTE IV
Mas o meu corpo é puro externamente
e não semeia ao redor dissipação:
branduras fala, sem qualquer imprecação,
nesse lótus e mistério da semente...
Nessas cavernas de escuridão potente
ainda brilha meu olhar de compaixão,
a minha mágoa a te expungir do coração
toda a revolta e teu rancor subjacente.
E a ti recebo na mais santa confissão,
os teus malfeitos a sugar para minhalma,
para poder administrar-te a extrema unção,
quando absorvo teu pecado em plena calma,
a dar-te a plena e total absolvição,
sopro final que a punição te embalma.
BALISTICA I – 05 SET 2007
SOU FILHO DE MEUS PAIS, ISSO É
INEGÁVEL:
LANÇARAM-ME NA VIDA QUAL
FOGUETE.
MAS ISSO NÃO ME CAUSA A
INELUTÁVEL
TRAJETÓRIA RETILÍNEA DE UM
JOGUETE.
FUI CAUSADO NESSE INSTANTE
IMPONDERÁVEL
RESULTADO DE UMA AÇÃO, NUNCA DE
SETE
NASCEM BEBÊS DE UM JORRO DE
CONFETE
BREVE CANAAN DE QUE MANA LEITE E
MEL.
OS PAIS APENAS APONTAM
TRAJETÓRIAS,
A QUE ME ATIVE SOMENTE ENQUANTO
QUIS
[POR DIFÍCIL TENHA SIDO ME
ESCAPAR].
NÃO SÃO OS PAIS QUE CAUSAM AS
HISTÓRIAS:
DE TEUS PROBLEMAS, O ÚNICO JUIZ
SERÁS TU MESMO, SE OS
PUDERES CONDENAR...
BALÍSTICA II – 26 FEV 16
DESTE MODO, JAMAIS CULPES TEUS
PAIS
POR NÃO TE DAREM A DEVIDA
EDUCAÇÃO
OU TE TRATAREM COM BEM PESADA
MÃO,
POIS TEUS CAMINHOS DEMARCASTE
NO ADEMAIS.
REPASSARAM-TE SUAS CRENÇAS
NATURAIS
E FICA EM TI O REGISTRO DA
INFUSÃO
MAS SEMPRE PODES NOTAR SER ILUSÃO,
CABENDO A TI RESOLUÇÕES
ESPIRITUAIS.
O TEU CAMINHO ENTÃO ESCOLHE,
POR DIFÍCIL
QUE TE PAREÇA E POR MAIS TEMPO
LEVE
A LONGA INJÚRIA QUE AO CORAÇÃO
SE ATREVE;
MAS O CARÁTER AINDA É MATÉRIA
FÍSSIL,
SEMPRE O PODES DERRETER E
REMOLDAR,
TENDO SOMENTE A TI PARA
INCULPAR.
BALÍSTICA III
TAMPOUCO LOUVES O ESFORÇO DE
TEUS PAIS,
SE TE SEMEARAM BONS
ENSINAMENTOS,
CASO ACEITASTE SEUS SINCEROS
JULGAMENTOS
E TRIUNFASTE NOS SUCESSOS
MATERIAIS.
NÃO SÃO CONSELHOS OBJETOS
PERENAIS
NEM GARANTIA DE SEUS PRÓPRIOS CUMPRIMENTOS,
TU QUE ESCOLHESTE TEUS MIL E UM
MOMENTOS,
SE REJEITAVAS OU ESCOLHIAS TAIS
FINAIS.
CASO OS DEIXASTE UM DIA NO
ABANDONO
E ACERTOS HOUVE, ESSE MÉRITO É
SÓ TEU:
PODERIAS PLENAMENTE TER ERRADO.
AO INVÉS DE TRABALHAR,
LANÇAR-TE AO SONO,
OU AO INVÉS DE ACREDITAR,
TORNAR-TE ATEU,
NO TEU DESTINO POR TI MESMO
DELINEADO.
BALISTICA IV
MAS RECONHEÇO QUE NÃO É BEM
ASSIM;
COMO UM FOGUETE TIVESTE A
TRAJETÓRIA
CALCULADA COM FIRMEZA
PEREMPTÓRIA
OU NO MAIOR DESCASO DO
OUTROSSIM.
FOI PARA DISSO TE LEMBRAR QUE
AGORA VIM,
SEMPRE HÁ PONTO INICIAL EM CADA
HISTÓRIA,
A PLATAFORMA FUTURA DE TUA
GLÓRIA
OU MAGRO INÍCIO PARA UM MAGRO
FIM.
MAS A PARTIR DO PRIMEIRO
LANÇAMENTO,
TUA PRÓPRIA MENTE AINDA PODES
PROJETAR
NUM UNIVERSO SEM NADA DE
EUCLIDIANO.(*)
(*) GEOMETRIA PLANA, APENAS NO PAPEL OU PARA SUPERFÍCIES
LIMITADAS.
RESPEITA A TI POR TEU CORRETO
JULGAMENTO,
ACEITA A CULPA POR TEU PRÓPRIO
ERRAR
NA PRÓPRIA ÓRBITA DO DESTINO
QUOTIDIANO.
OLHOS FURTIVOS I –
27 FEV 16
TEUS OLHOS ME
MOSTRAM, LENTAMENTE,
NUMA CASCATA DE
SONHOS TRITURADOS,
RAÇÃO PARA OUTRAS
VIDAS, MISTURADOS
À AVEIA MORTA DE
UMA ALHEIA MENTE.
TEUS OLHOS ME
CORROEM, AVIDAMENTE,
A CADA VEZ QUE ME
OLHAS, ALVEJADOS
POR UMA MULTIDÃO DE
TEUS PECADOS,
QUE ESCAVAM MINHA
PUREZA PLENAMENTE.
PORQUE TUDO QUE TE
DISSE ERA BEM PURO,
EU REALMENTE TE
AMAVA DE PAIXÃO
E TEUS OLHOS
IRRADIAVAM MEU CAMINHO,
MAS TEU OLHAR SE
FOI TORNANDO ESCURO,
POUCO A POUCO ME
FATIASTE O CORAÇÃO
E DEGLUTISTE, AOS
POUCOS, MEU CARINHO.
OLHOS FURTIVOS II
TEUS OLHOS ME
DEIXARAM IMPOTENTE
PARA SEQUER
LASTIMAR O MEU GRILHÃO,
MINHALMA INTEIRA
SOFRENDO MUTAÇÃO,
AOS VALORES QUE
NUTRIA INDIFERENTE.
TEU OLHAR NA
RISPIDEZ DE UMA CADENTE
ESTRELA A ME TOMBAR
NO CORAÇÃO,
UM METEORO A
RASGAR-ME DE EMOÇÃO,
POR MAIS QUE FOSSE
O RESULTADO INCONSEQUENTE.
TEUS OLHOS BAÇOS DE
LASCÍVIA PURA,
A ME ABARCAR
INTEIRAMENTE A VIDA,
OLHOS OPACOS DE
SONHO INCANDESCENTE,
ERGÁSTULO OCULAR
QUE ME PERDURA,
LENTO SUSPIRO DA
ILUSÃO PERDIDA,
RITUAL SAGRADO EM
PLANO OPALESCENTE...
OLHOS FURTIVOS Iii
TEUS OLHOS DE
LIXÍVIA CONTURBADOS,
NA LUZ IMPURA DA
ESQUIZOFRENIA,
OS TEUS DEMÔNIOS EM
LENTA CONFRARIA,
A DIGLADIAR-SE HÁ
TANTO TEMPO E JÁ CANSADOS.
TEUS OLHOS DE
REPENTE DESLUMBRADOS,
A REFLETIR MEU
OLHAR EM HERESIA
QUE MINHA MENTE E
MEU CORPO DEGLUTIA,
OLHOS FAMINTOS, GULOSOS,
EXALTADOS.
TEUS OLHOS
ALTRUÍSTAS E EGOTISTAS,
UMA AMPULHETA EM
CONSTANTE REVIRAR,
UM DIA ARCO-ÍRIS,
NO OUTRO PERDIÇÃO,
TEUS OLHOS A
MOSTRAR E ESCONDER PISTAS,
QUE NUNCA PUDE
TOTALMENTE PALMILHAR,
MEUS OLHOS GASTOS
NA PEREGRINAÇÃO...
AMEIAS
E MERLÕES I – 28 FEV 16
Eu
não pretendo perfurar-te a alma,
nem
provocar aneurismas em tua mente:
apenas
quero te tornar presente
alguma
observação, em plena calma.
Tampouco
quero conquistar a palma,
nem
os louros de poeta permanente:
apenas
busco deixar-te bem patente
certas
certezas que já tive dentro dalma.
Algumas
são bem simples, quotidianas
luzes
do além que se me apresentaram,
outras
eivadas de um cunho mais complexo,
só
despertadas por teus risos doidivanas,
mas
não me escutas, qual nunca me escutaram
esses
cem outros a quem mostrei meu nexo.
AMEIAS
E MERLÕES II
Nesses
antigos castelos medievais
avistavam-se
as muralhas serrilhadas,
pelos
de hoje facilmente designadas
como
as ameias que os defendiam mais.
Mas
as ameias não são os pontos materiais,
tão
só os espaços que ali foram deixados
entre
os merlões, protetores destinados
aos
defensores das muralhas naturais.
Cada
quadrado que se vê no rendilhado,
atrás
do qual os homens se escondiam,
chamava-se
“merlão”, enquanto “ameia”
era o
vão entre dois merlões deixado,
que
“a meias” dessas pedras permitiam
pedras
lançar ou a flecha que asseteia.
AMEIAS
E MERLÕES III
Existe
ainda, ao redor de cada face,
curta
muralha, igualmente serrilhada,
porém
à sua feição acostumada
a
esconder de cada olhar que a cace.
A
espiar, quando o desejo a abrace,
por
cada ameia, na defesa preparada
entre
os merlões, em proteção alçada:
piscar
de olhos que outro olhar enlace.
Têm
os teus olhos ameias e merlões:
são
os merlões teus cílios encurvados,
são
as ameias os espaços lacrimados,
seu
quente azeite lançando às multidões,
cálidas
lágrimas igualmente contundentes,
que
mais me afetam que quaisquer águas ferventes.
EUFEMISMO FÊMEA I – 29 FEV 16
(IN MEMORIAM de minha tia
Maria Clara Ferreira, que foi minha segunda mãe e hoje completaria cento e
trinta anos...)
Estes versos eclodiram da
semente
que em cotilédones sobe desde
o chão,
numa festuca de plumas em
botão, (*)
descabelada pelo vento
impertinente,
(*) Gramínea com talos em
canudinhos encimados por painas.
ou devorada por algum pássaro
contente
ou pelo gado, sem pena ou
compaixão...
Horas depois, será cumprida a
sua missão,
bem mais além a enraizar-se
permanente...
Estes meus versos precisam de
ser lidos,
por teus globos oculares
deglutidos,
em nutrição de teu tecido
cerebral,
até que um dia, os deixes
escorrer,
não mais podendo à tua mente
pertencer,
mas derramando pelo mundo o
seu fanal!...
EUFEMISMO FÊMEA II
Essa figura de linguagem, o
eufemismo,
é masculina gramaticalmente,
tal qual se fôra um apanágio permanente
do ser humano abrangido por
machismo.
Mas se é “figura”, por que
não em feminismo
classificada seria
opostamente,
pois seu emprego por mulher é
mais frequente,
na evitação de um tema ou
expressionismo?
Mais direto que o grosseiro
em sua finura,
para impedir que a qualquer
um já possa
ofender, em referência mais
direta;
enquanto os homens mais
empregam tal figura
por gentileza, talvez... ou
então por troça,
quando seu senso de humor
assim completa...
EUFEMISMO FÊMEA III
Mas na mulher o eufemismo é
natural,
em especial na presença de
crianças,
de sua inocência conservando
as esperanças,
(sem avaliar o quanto
entendem no final).
Antigamente, evitava-se o
casual
emprego do calão, em
esquivanças,
a educação sempre fonte de
bonanças,
mil eufemismos no mais vasto
cabedal.
É bem verdade que hoje falam
claramente
todas as jovens e aquelas já
nem tanto,
por influência do cinema e
das novelas;
não obstante, está o gentil
subjacente,
uma elegância menos vil em
cada canto,
das más palavras a ocultar-se
das procelas...
EUFEMISMO FÊMEA IV
Assim desejo reiterar esta
opinião:
que esta fonte de delicadeza,
mesmo causando, às vezes,
incerteza,
aceita seja em feminina
gestação;
que a eufemismo disfarce a
excitação,
para que seja cumprido com
nobreza
esse ritual, na máxima
pureza,
que a fêmea leve ao
cumprimento da missão
e que aquela a quem Destino
condenou
a uma existência de vaga
solidão,
em seu papel de mãe seja
eufemista,
para sobrinho ou prima a que
entregou
o bom tesouro de seu coração,
no meigo emprego do eufemismo
feminista!
EMBRASURAS I – 01 MARÇO 2016
No cristal cinza da tarde, a
luz que some
caleidoscópio de saudade
farfalhante,
abre passagem na fímbria mais
distante
de um horizonte que devora a
luz com fome...
Do lado oposto, a escuridão
que come
traços de brilho esmaecido
nesse instante,
queima-se a alma em esplendor
cegante,
nesse espetáculo que a
sensação consome...
Há batalha no céu, não
placidez,
no fim das tardes quentes de
verão,
alfanje agudo de rápido
negror,
que em cada canto do céu,
furo se fez,
dando passagem a boca de
canhão,
que logo em cinza desfaz todo
o brancor.
EMBRASURAS II
Tecnicamente, o nome de
embrasuras
é aplicado a aberturas em
muralhas,
por onde se disparam as
metralhas,
vidas humanas a ceifar em
tais agruras.
Mais tarde, dos piratas nas
torturas,
foi o nome atribuído igual às
falhas
nas amuradas de seus barcos.
Ali as malhas
da artilharia se expandiam em
lonjuras.
Aqui eu vejo, porém, travar
combate
esses canhões que projeta
cada noite
contra amuradas de navios
recuantes
ou contra as velas de luz, se
assim se trate,
recortadas no obscuro desse
açoite,
até o negror assumir totais
desplantes...
EMBRASURAS III
E vejo a noite nos cabelos de
minha amada,
quando se põe a revolver os
meus,
lanças esguias, qual desafio
a Deus,
superpostas à doutrina
revelada...
As embrasuras de seus olhos
perigeus (*)
a dominar a minha planície
desgarrada,
os fios do manto em tessitura
compassada,
rubra metralha a fulgir dos
olhos seus!
(*) Os pontos mais próximos.
Iguais canhões, seus olhos me
dardejam,
mais querendo dominar que
destruir,
redes lançando ao contorno
dos gramados,
para um domínio perpétuo que
me ensejam
tais aberturas de um castanho
reluzir,
o peito e a alma nessas
noites conquistados...
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