TIRADENTES & MAIS
Novas séries de William Guedes, 3-12/3/16
HERÓIS NO
INVERNO IX – TIRADENTES – 3 MAR 16
Aqui me
encontro, nesta melancolia,
Por entre
grades a contemplar o mundo;
Meus
companheiros já seguiram a sua via,
Fiquei sozinho
no ergástulo profundo;
Cláudio Manoel
morreu e se dizia
Que foi
assassinado, mas imundo
Boato afirma
que a própria vida tiraria...
E a sepultura
sagrada assim negou
A Igreja, que
além dos muros o enterrou!
Thomaz Gonzaga
está em Moçambique,
Com alguns
outros também lá exilados;
José Rolim em
Portugal está – e por lá fique,
Que embora
padre, era rico de pecados;
Muito embora a
evidência assim indique
Que o chefe
fosse de nós, os rebelados;
Mas toda a
culpa eu assumo plenamente,
Pois sem
dúvida, eu fui Inconfidente!...
Tive uma vida
nobre como alferes
E fui dentista,
brandindo o boticão;
Considera meu
trabalho qual quiseres,
Que o pratiquei
até mesmo na prisão;
Joaquim
Silvério foi traidor, mas não esperes
Que eu me
rebele e faça igual traição:
Passo por chefe
e já fui condenado
A ser em breve
no patíbulo enforcado!...
Pouco me
importa, seria bem pior
Se condenado
fora a esquartejamento,
Como Felipe dos
Santos, meu mentor:
Será bem rápido
o meu padecimento,
Que enfrentarei
com calma e com valor;
Por meu país eu
sofrerei esse momento,
Pois jamais,
segundo creio, um povo vil
Há de habitar a
extensão de meu Brasil!...
HERÓIS NO
INVERNO X – D. PEDRO II – 04 MAR 16
Aqui me
encontro exilado nesta França,
Após tudo
quanto fiz pelo Brasil,
No coração
extinta já a esperança
De tornar a
rever seu céu de anil;
Por muitas
lutas o conduzi à bonança,
Contra inimigos
do pendor mais vil
E de repente,
sem qualquer aviso,
Expulso eu fui
e seu solo não mais piso!
Em meu governo
desse vasto Império
Eu o levei à
maior prosperidade,
Da corrupção
evitei o despautério,
Sempre meu povo
a dominar com equidade,
A seus anseios
trazendo refrigério,
Desde o
momento em que a maioridade
Foi decretada,
pondo fim às convulsões
Que o chão
rasgavam com revoluções!
Nunca um país
tão rápido progresso
Alcançou igual
que minha nação;
Quando parti,
logo entrou em retrocesso;
Eu permiti da
escravatura a abolição:
Mais devagar eu
a queria, confesso,
Mas Isabel
tinha um nobre coração
E os
fazendeiros, sentindo-se espoliados
Se revoltaram e
assim fomos exilados!
Contudo, fiz
encher um travesseiro
Com um punhado
da abençoada terra
Que me chegou a
bordo de um veleiro,
Junto a
notícias de que o país está em guerra...
Mas nele posso
adormecer ligeiro,
Pois sei minha
vida muito em breve encerra...
E ainda espero,
com certeza peremptória,
“A justiça de
Deus, na voz da história!...”
O SONETO DO
IMPERADOR
DOM PEDRO
SEGUNDO
Espavorida,
agita-se a criança:
De fantasmas
noturnos tem receio.
Mas se abrigo
lhe dá materno seio,
Fecha os olhos
doridos e descansa...
Perdida é para
mim toda a esperança
De volver ao
Brasil. De lá me veio
Um pugilo de
terra e nesta creio,
Brando será meu
sono e sem tardança...
Qual infante a
dormir em peito amigo,
Tristes sombras
varrendo da memória,
Ó pátria minha,
sonharei contigo!...
E entre visões
de paz, de luz, de glória,
Sereno
aguardarei no meu jazigo,
A justiça de
Deus, na voz da história!...
BATOLOGIA
I – 05 MAR 16 (*)
(*) Repetição, gaguez.
Chamamos
“dar exemplo” a este dever
que temos,
para com nossa sociedade
agir
corretamente e sem maldade,
qual um
modelo de correto proceder.
Pois te
observam, sem teu perceber!
E existe
quem te imite, na verdade,
nisso não
vês a racionalidade,
porém
copiam quanto te veem fazer.
Talvez a
forma incorreta de tua vida,
por mais
que sejas apontado como errado:
sempre
haverá quem queira te copiar.
Melhor
então, antes de tua despedida
deixar um
bom exemplo, que imitado,
de algum
modo possa ao mundo melhorar...
BATOLOGIA
II
À unidade
de imitação chama-se mima,
tal como
do significado existe a sema
ou para o
som destina-se o fonema
(mas que
eu saiba não há unidade para a rima).
Na
macaquice do inglês, que hoje domina,
falam em meme, mal copiado como tema,
que em
inglês se diz “mime”, mas é lema,
ignorando-se
o que nosso idioma ensina...
Copiaram
mal os termos desse inglês...
Não que
contrário eu seja a essa linguagem,
mas com
Bilac, eu prefiro a “inculta e bela”:
nossa
língua portuguesa... E sem dobrez,
pretendo
defendê-la com coragem,
enquanto o
coração em mim não gela...
BATOLOGIA
III
Contudo,
encontro aqui repetição
dos
conselhos que vêm de antepassados,
na maioria
a dever ser conservados,
embora
algum já caduque em ocasião...
Com
insistência repetir certa noção
é uma
forma de gaguez, tristes pecados,
os
preconceitos ali firme revelados,
já por
séculos mantidos sem razão.
Mas “dar
exemplo” não é coisa batológica;
bem ao
contrário, remar contra a corrente
é um bem
dificultoso empreendimento,
ao
contrariarmos tanta fala demagógica
da
autoridade sobre nós presente,
seu cargo
a defender com grande intento!
BATOLOGIA
IV
Para
ninguém pretendo ser modelo:
ser
autêntico sempre foi o meu normal;
se me
respeitam e me tomam por sinal,
veem em
tal procedimento algo de belo.
Contra o
medíocre, contudo, me encastelo,
por mais
que a corrupção se torne atual
e o
pornográfico como coisa natural,
para tais
práticas me recuso a dar um selo.
Eu sou eu
mesmo e sempre fui assim;
se alguém
me segue, não é por culpa minha
que algum exemplo
meu assim espelha;
mas
seguirei a apresentar meu outrossim,
mesmo
apoiando aquilo que espezinha
a
sociedade, em seu balir de ovelha!...
OLHOS DE ACENDALHA I – 6 mar 16 (*)
(*) Combustível, gravetos, brasas.
Eu já me acostumei. Por
toda a vida
soube de coisas que mais ninguém achava;
o que eu dizia, todo mundo discordava
e a opinião pública me levava de vencida...
Eu era o louco, o bobo, era a guarida
da troça alheia, até que se provava
que a razão era minha e vindicava
minhas velhas opiniões de tanta lida...
Mas quem disse que era então reconhecido?
Muito ao contrário, os outros “esqueciam”
a troça e a injúria e não reconheciam
que sem motivo me haviam perseguido.
E eu pasmava, ao ver como fingiam
que sempre apoio me haviam concedido...
OLHOS DE ACENDALHA II
Ainda hoje, em minha própria casa,
sou contrariado quase diariamente
e quando os fatos demonstram, finalmente
que a minha opinião ao certo embasa,
a mim encaram, na expressão mais rasa;
se reafirmo, me chamam “inconveniente”.
“Eu nunca disse isso”, a me afirmar frequente –
“Não foi assim que joguei naquela vasa!...”
Mas foi-se o tempo em que tal me atormentava:
o mundo encaro com longanimidade,
toda dobrez e falsidade em ironia...
E a quem me diz que comigo concordava
ou se recorda inversamente da verdade,
a minha memória só permite que sorria!...
OLHOS DE ACENDALHA III
Mas do fundo de meus olhos salta o brilho,
numa mescla de perdão e zombaria,
ao ver que alguém falseava o que dizia
e assim tentava me afastar do trilho...
Porém lembranças prendi sempre com atilho,
arame firme que a ferrugem não feria,
a lamentar, talvez, o que faria
no seu pensar a verdade pôr no exílio...
E afinal, qual é a importância disso?
Todos precisam a si mesmo respeitar
e a lembrança é mesmo coisa tão fugaz!
Meu fogo-fátuo já nem sequer atiço,
se agora podem igual a mim pensar
quem comigo hoje concorda, mal não faz!
ISIS i – 7 MARÇO 2016
LEMBRANÇAS TRAGO DE ISIS, DEUSA ANTIGA
QUE SE TORNOU POPULAR ENTRE OS ROMANOS
NAQUELA ÉPOCA DO MUNDO SOBERANOS,
A QUEM CERCEAVA SOMENTE O PARTA AURIGA
ASCENDENTE DOS PRESENTES IRANIANOS
EM CUJA TERRA ACREDITO NÃO PROSSIGA
NINGUÉM O CULTO DA ISIS QUE BENDIGA
SOMENTE O EGITO EM SEUS RITUAIS ARCANOS.
ALGUNS INDICAM SEREM RITOS NOBRES
DIFÍCIL DE ENTENDER SUA INTENSIDADE
ENVOLTOS EM MAGIA E MISTICISMO;
OUTROS DESCREVEM CERIMÔNIAS BEM MAIS POBRES
SEM UM RESQUÍCIO DE ESPIRITUALIDADE
NUM ORGIÁSTICO ESPLENDOR DE SENSUALISMO!
ISIS II
POIS ERAM QUATRO IRMÃOS: A BELA ISIS
DE OSIRIS A ESPOSA SACROSSANTA
SETHI A SERPENTE QUE NA PLAGA SE ALEVANTA
E SUA ESPOSA A QUEM CHAMAVAM NEPHTHYS
ANTES QUE HOUVESSEM AS HUMANAS CRISES
AOS DOIS CASAIS O MUNDO INTEIRO IMANTA
É O GRANDE NILO QUE SEU LOUVOR MAIS CANTA
CRUZANDO A AREIA QUE SOB OS PÉS ALISES.
PORÉM SETHI MOVIDO DE AMBIÇÃO
OU TALVEZ IMPULSIONADO POR INVEJA
FOI O PRIMEIRO A MATAR O PRÓPRIO IRMÃO
E NA REVOLTA POSTERIOR QUE ENSEJA
A PRÓPRIA NEPHTHYS NEGOU-LHE SEU PERDÃO
NA COMPAIXÃO COM QUE A IRMÃ ISIS BEIJA!
ISIS III
SETHI TEMIA QUE OSIRIS RETORNASSE
E O ESQUARTEJOU EM MÚLTIPLOS PEDAÇOS
POR TODO O NILO A PROCURAR-LHE OS TRAÇOS
AS IRMÃS QUE HÓRUS TALVEZ ACOMPANHASSE
EMBORA AFIRMEM QUE ESSE FILHO SÓ NASCESSE
TEMPOS DEPOIS DE ISIS NOS ABRAÇOS
SERES HUMANOS ACALMANDO DOS CANSAÇOS
O POVO ANTIGO QUE MAIS TARDE ALI SE ACHASSE.
COM MUITO ESFORÇO O CADÁVER COSTURARAM
SÓ UM PEDAÇO LHES FALTOU ACHAR
QUE CERTO PEIXE ATREVIDO DEVORARA
DE LONGE OS RISOS DE SETHI LHES SOARAM
SENDO SEUS ÓRGÃOS SEXUAIS A LHE FALTAR
NO INFERIOR MUNDO OSIRIS
RETORNARA!
ISIS IV
TORNOU-SE ENTÃO O JULGADOR DOS MORTOS
ENQUANTO ISIS ERA A SANTA MÃE DA VIDA
A FÉRTIL TERRA POR ELA PROTEGIDA
LEVANDO NAVES DE PAPIRO ATÉ OS PORTOS
AS MÃES HUMANAS PROTEGENDO DOS ABORTOS
CRESCENDO O TRIGO SOB SUA MÃO QUERIDA
DOS ANIMAIS CADA FÊMEA PROTEGIDA
RETIFICANDO DOS HOMENS ATOS TORTOS.
QUANDO CLEÓPATRA VEIO A ROMA DESDE O EGITO
DE ISIS A DEVOÇÃO TROUXE CONSIGO
QUE SE TORNOU POPULAR ENTRE AS MULHERES
SEUS VELHOS DEUSES OLVIDANDO NESSE AGITO
SENSUALIDADE OU MISTICISMO A DAR ABRIGO
PONDO DE LADO A PRESTIMOSA DEUSA CERES!
ISIS v
DEUSA ROMANA DE FATO ERA DEMETER
COM A HELENA CERES LOGO ASSIMILADA
À FERTILIDADE CADA QUAL RELACIONADA
TAL QUAL A VELHA BONA DEA
MATER.
BEM MAIS ANTIGA E DE IDÊNTICO CARÁTER
QUE ENTRE CAMPÔNIOS SEGUIU SENDO ADORADA
E PELA IGREJA AFINAL SINCRETIZADA
QUAL SANTA MÃO DO CRISTO
PANTOCRÁTOR. (*)
(*) SENHOR DE TUDO,
SENHOR DEUS DO UNIVERSO.
A ESSA ALTURA JÁ HAVIA O MITRAÍSMO
E MAIS OS CULTOS PROIBIDOS DA GNOSE
VINDOS DA ÁSIA TRAZENDO O DUALISMO,
PARA AS MULHERES COM MÍNIMA ATRAÇÃO
E O JUDAÍSMO QUE GRANDE VOGA GOZE,
PERDIDA A CRENÇA NO ANTIGO PANTEÃO!
ISIS VI
ASSIM DE ISIS BEM RAPIDAMENTE
EXPANDIU-SE SEU CULTO MILAGROSO
MISTÉRIOS LÚGUBRES DE CUNHO TENEBROSO
PRODÍGIOS VIVE QUEM O TEMPLO SEU FREQUENTE
BULWER-LYTTON RELATOU-NOS IGUALMENTE (*)
NOS “ULTIMOS DIAS DE POMPEIA” SEU FAMOSO
ROMANCE A DESCREVER O PAVOROSO
VULCÃO VESÚVIO EM ERUPÇÃO POTENTE.
(*) Sir Edward George bulwer,
barão de luytton, 1803-73.
NO QUAL DOS OLHOS DE ISIS LUZ BROTOU
QUENTE E INCISIVA NOS FIEIS SE PROJETOU
FORTALECENDO-LHES A CREDIBILIDADE
RIVAL TERRIVEL DO NASCENTE CRISTIANISMO
IMAGEM VIVA NO POPULAR MODISMO
QUE ATÉ O PRESENTE RECORDA A HUMANIDADE!
FLOR DESPETALADA I – 8 MAR 16
As flores brotam nos canteiros do jardim,
ali reunidas em grande profusão,
de toda ordem natural em alteração,
desafiando clima, erva e capim!...
Existem outras a recobrir assim
os verdes campos durante a floração,
espécie única, clonada em multidão,
jorram perfume qual um toque de clarim!
Nossas narinas atinge, agreste odor,
cinestesia nos ouvidos despertando,
cada flor tendo a própria melodia;
segundo a física quântica, em seu valor,
por suas raízes talvez até comunicando
cada uma delas o quanto mais temia!
FLOR DESPETADA II
Com os poetas quem sabe até falassem
e de algum modo as pudessem escutar;
presidem ninfas seu manso rebrotar,
talvez com elas se comunicassem!...
Quiçá de noite o seu olor buscassem,
entre as aleias, vendo flores a fechar;
somente o Sol as consegue despertar...
Alguns mesmos talvez as desposassem!...
Nunca encontrei essas sílfides pequenas,
que foram flores, abandonando os talos,
pairando gráceis sobre toda a brotação,
ou quiçá disfarçadas de falenas,
despetaladas as flores em gargalos
ou arrefecidas, já cumprida a sua missão...
FLOR DESPETALADA III
Mas se uma flor sem culpa for cortada
e colocada a agonizar em vaso,
é incontestável que não será o caso
de ser numa fadinha transformada!...
Cortam-se as flores por vaidade despeitada:
depressa ao belo humano chega o ocaso;
mesmo que as flores recebam menor prazo,
pode uma sílfide de cada uma ser formada!...
Vai-se a beleza da flor para o adejar,
transmogrifada, quiçá, em borboleta,
mas o que ocorre com a beleza da mulher?
Talvez por isso tantas queiram preservar
a sua nudez nas melodias secretas
de um quadro a óleo em perpétuo bem-me-quer!
FLOR DESPETALADA IV
Falei um dia que talvez as borboletas,
prevendo o fim de sua breve vida.
de alguma planta a permissão fosse pedida,
tornando em pétalas a cor de suas aletas!...
Mas hoje penso em feições menos secretas:
que a beleza da flor emurchecida
nessas fadinhas se transforme, engrandecida,
preservando suas ternuras mais diletas!...
Pois talvez disso suspeitem as mulheres,
querendo vê-las despetalar-se em vaso...
Mas eu contemplo essas flores do jardim
e penso então nos meus próprios misteres:
tantos sonetos escrevi... Não será o caso
que sejam flores que os murmurem para mim...?
EIRALUNA
I – 9 mar 16
Neste templo
de versos, um operário
apenas
sou, pois dependo do arquiteto;
chinês
eu fosse, primeiro punha o teto,
para
depois erguer paredes do sacrário...
Costume
estranho, porém não perdulário
do
tempo, para todos tão dileto,
pois o
trabalho é protegido por completo
por
altos postes nos cantos do santuário...
Assim,
se chove, a obra continua:
quando
as paredes estiverem completadas,
retiram-se
os pilares e o telhado
se
deposita, com o auxílio de uma grua,
e
estando partes do exterior inacabadas,
o
material vai nesse espaço armazenado...
EIRALUNA
II
Porém
não sou chinês, naturalmente:
para o
final da obra fica a eira;
sobre as
paredes Luna brilha companheira,
pedra
angular disposta finalmente;
Em
Portugal, num mosteiro foi assente (*)
uma abóbada,
com mil pedras beira a beira,
altos
andaimes a sustentar certeira,
a
garantir que não tombasse de repente...
(*)
Segundo lembro, no Mosteiro da Batalha.
Houve
temores de que desabasse
e o
arquiteto colocou uma cadeira
diretamente
no ponto mais central,
mandando
então que a madeira se tirasse:
pedra
angular a garantir toda a fileira...
Confiou
na cúpula, sem sofrer o menor mal.
EIRALUNA
III
O
Arquiteto do Universo tem um plano:
sobre a
Terra dispôs pedra angular:
pálida
Luna, protegendo em seu pairar
dos
meteoros ou de um cometa mais insano.
Todo o
tecido do céu, imenso pano,
lateralmente
contra Luna a se apoiar:
a
humanidade bem tranquila a caminhar,
sem que
o teto se despenque ou cause dano...
Sou
operário, nem ao menos engenheiro,
as mil
tarefas a receber diariamente,
pensando,
às vezes, que tudo pode desabar...
E meu
salário ao crepúsculo, ligeiro
recebo,
a agradecer honestamente
por mais
um dia que acabo de ganhar.
EIRALUNA
IV
Hoje
executo com buril e com cinzel
de meus versos
diariamente uma parcela;
eles me
sobem do íntimo em procela,
tal qual
Canaan, a manar-me leite e mel...
Versos
doces alguns, outros de fel,
alguns
sonetos de harmonia plena e bela,
outros
revoltos, que o coração congela,
pura
acendalha, sem arco-íris ou ouropel...
Mas como
posso com tais versos ajudar
na
construção de um templo tão dileto?
Até
parece que o possam corroer!...
Mas tudo
escrevo, sem nunca protestar,
pois
como os posso descartar, se o Arquiteto
é autor
de plano que mal posso compreender?
VÁRZEAS VAZIAS I – 10 MAR 16
Enquanto jovem só se pensa
no futuro,
nas mil promessas que se
espera à frente,
de mil amores se tornando
pretendente,
mil aventuras
espreitando-nos do escuro...
Sinto saudades desse bem tão
obscuro
que em mim esbarra direto ou
apenas rente;
saudade apenas de um ser
inconsequente
alegre ante o infinito,
coração bem puro!
Na meia-idade, já a saudade
é do presente,
de muitas coisas que se
possa controlar,
mais cautelosos, perdida a
gabolice!...
Mas quando o tempo sobre nós
é assente,
diversas décadas do passado
a relembrar,
resta a saudade tão mais
frágil da velhice...
VÁRZEAS VAZIAS II
Há uma saudade bem mais do
que passou
que do provável ou possível
do presente;
algum temor do que o dia me
apresente:
dores mais fortes das que o
ontem me entregou...
Há uma saudade neste corpo
que ficou
do corpo antigo de saúde
mais potente,
não me lastimo, mas não sou
indiferente,
pois dia a dia o tempo algo
roubou!...
Não é saudade, de fato, do
passado,
mas da esperança que já
nutriu meu dia
do que faria e que agora já
está feito...
O branco arroz da várzea já
cortado,
a vida inteira que um só ano
resumia,
neste dezembro a que
encontro-me sujeito...
VÁRZEAS VAZIAS III
Metáfora que seja minha vida
comparar
aos doze meses que perfaz um
ano,
muita colheita severa e
muito engano
e quantas mais poderei ainda
ceifar?
Sinto saudades da obra a
completar,
que venho realizando com
afano;
não me limito a lamentar o
dano
desses dias de cristal a
estraçalhar.
A minha saudade é dos versos
que se agitam
no interior da mente ou de
meu peito,
e que talvez nunca consiga
redigir...
Quando as várzeas dos dias
se limitam,
restando a foice a reclamar
o seu direito
de algum descanso, por já
deixar de reluzir!...
PSICOPOMPO I –
05 SET 2007 (*)
(*) Condutor de almas, seguindo o gnosticismo.
Minha mãe
surgiu em sonhos à minha filha
anos após sua
morte, protestando
estar cansada
de continuar cuidando
dos bisnetos a
quem na Terra a trilha
não estava
ainda aberta, pois seus netos,
a quem amava
muito e que eram nove,
não aceitavam o
anseio que comove
a gerar vidas
no abraço dos afetos...
O sonho é de
minha filha, ainda solteira,
que não
confeccionou, para tais almas,
assim
expectantes, organismos...
Sua avó, por
isso, continua toda inteira
a cuidar de seu
pequeno curral d'almas,
que nem
transpõem da vida os paroxismos.
PSICOPOMPO II –
11 MAR 16
Segundo o
Bramanismo, em outro plano,
almas esperam
por reencarnação,
na expectativa
de cumprir a sua missão,
em seu retorno
periódico e cigano.
Desde o antigo Rig-Veda, o livro Indiano,
brota a
doutrina da peregrinação:
qualidade a
experimentar por ocasião,
até esgotar-se
todo o atributo humano.
Então, cumprida
a última gota da experiência,
cruzam do
cosmos a fronteira altiva
e enriquecem
destarte a divindade,
que as
contemplou na maior condescendência
a permitir-lhes
uma escolha rediviva
de outro
apanágio qualquer da humanidade.
PSICOPOMPO III
Aqui na Terra
com outras se encontraram,
seja em ódio,
ou em amor cruas disputas,
muito mais
longas as amorosas lutas
que atos de
ódio, os quais depressa terminaram.
E nessas mil
permutas que esgotaram,
assumem mútuas
e místicas permutas:
O que eu te fiz, tu me farás, escutas...?
Ou tais ações
fora do tempo se passaram.
Talvez difícil
entender seja o conceito
dos
intercâmbios em simultaneidade
ou de dever a
si mesmo um compromisso,
mas quem
ferimos ou amamos tem direito
de nos cobrar
responsabilidade,
de algum modo
mais arcano que castiço.
PSICOPOMPO IV
Será possível
pensar que alma materna
contenha em si
da descendência o germe,
alimentando e
educando cada verme,
numa missão
permanente e quase eterna?
Quiçá minha
filha devassou essa caverna
que à sua
ascendência e também minha concerne,
nesse sonho que
à real forma se alterne,
visão fugaz a
que atingiu por linha paterna.
Anos depois,
finalmente engravidou,
mas qual
espírito em seu útero agora habita?
Pertenceu a
algum amigo ou antepassado?
E hoje minha
mãe psicopompa se aliviou
de algum serzinho
ansioso, que se agita
dentro do
ventre em que está sendo gestado?
SONETO MEDÍOCRE I – 6
set 2007
Um dia eu chegarei, sem
que ela espere (*)
ouvir de mim o som do
sentimento
e lhe direi, em vão, meu
pensamento,
que apenas os meus
lábios refrigere.
(*) Alusão ao poeta nordestino Judas Isgorogota.
Talvez... ela me espere,
em tal momento.
Que em seu olhar um
brilho reverbere,
que, com carinho, sua
mente me pondere
e me faça saber, meigo
portento,
que o tempo todo ansiava
por me ouvir,
sem esperar, mas não que
não quisesse,
nem ressonasse o mesmo
ideal fulgor.
Aguardando, tão somente,
retribuir
carinho por carinho, em
que me desse,
apenas num suspiro...
igual amor.
SONETO MEDÍOCRE II – 12
MAR 16
Talvez, bem ao
contrário, se recuse,
ou por já ter assumido
um compromisso
ou por se achar
totalmente alheia a isso
ou por temer que eu seja
mau e a abuse
ou só querendo que
intimorato eu cruze
qualquer limite que se
impôs, castiço
ou por se acovardar
perante o viço
de um sentimento que a
si jamais aduze, (*)
(*) Adicione.
ou quiçá tempo demais
tenha esperado,
o seu fluxo hormonal já
ressecado,
maturidade a presidir
seu julgamento;
ou quem sabe ainda se
tenha acomodado
com sua branda condição
de isolamento,
num ergástulo desnutrido
de pecado...
SONETO MEDÍOCRE III
Quiçá se encontre em mim
o desalento,
o temor da rejeição ou a
indolência,
as circunstâncias
exigindo-me paciência,
por timidez comprometido
o julgamento;
talvez espere dela algum
lamento,
quem sabe um só suspiro,
alguma ardência,
que no fundo de seus
olhos a imanência
me revele a esperança de
um assento...
Enquanto isso, meus
dedos se fascinam
com superfícies brancas
de papel,
amor total e puro a
descrever...
e enquanto só pelas
palavras se definam,
meu tempo urge num
galope de corcel
e só me reste lastimar
quando morrer.
SONETO MEDÍOCRE IV
Porque, afinal, já de
amor se disse tudo:
como evadir-me da
mediocridade?
Amor, ciúme, rancor,
ira, saudade,
tudo descrito em seu
mais vasto conteúdo.
Que original eu possa
ser já não me iludo:
até eu mesmo o descrevi
em saciedade;
nada mais resta da
luminosidade
que a um soneto afia e
torna agudo!...
Um dia, eu chegarei...
Mas que dizer,
se tudo quanto havia já
encontrou?
Mal saberia definir o
meu reclamo...
Será que alfim, ela só
espera receber
o mais medíocre canto
que escutou,
nessa frase tão batida
do “eu te amo”?
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