ACUPUNTURA – WILLIAM LAGOS
ACUPUNTURA I
eu deixaria outro furo no horizonte
para cada aeroplano que me aponte
o voo em vão
na exaltação
do furacão
a sua fumaça no liquidificador
garantiria muito mais sabor
o pôr do sol
preso em anzol
é um caracol
os helicópteros pescaria que pendessem
para a vida intrauterina em que se aquecem
no caos perfeito
sempre eu ajeito
qualquer direito
nesse escuro totalmente cintilante
meu coração transtornado num diamante
qual elefante
oscilante
num barbante
ACUPUNTURA
II
nesta
concreta mensagem do impossível,
na
existência irreal e memorável
bebendo
a cor
lambendo
amor
encontro
pouco ardor
no
gélido calor em que tanjo o inacessível
nos
rasgões das costuras do inconsútil (*)
fenômeno
paralipômeno
(**)
prolegômeno
(+)
toda
essa cor eu já bebi do arco-íris
tornou-se
a escala gris em que tu gires
vestes
talares (1)
sem
alamares (2)
com
desgastares
dos
paramentos sagrados que hoje envergas
com
desgastares finos em que enxergas
espectrografia
geografia
fria
(*) Pano sem costuras. (**) Crônica.
(+) Introdução.
(1) Trajos sacerdotais. (2) Enfeites de
uniforme.
ACUPUNTURA
III
e
não importa quanta pompa entones
são
apenas circunstâncias que abandones
a
longa praia
a
curta saia
sem
qualquer vaia
essa
paleta se dissolve em negror branco
cada
toque do pincel em novo arranco
corredor
manco
o
joelho espanco
o
sonho tranco
e
o resultado final destarte estanco
dança
a aquarela pintada sobre a água
plúmbeo
cinzor
sem
o frescor
do
amor
as
cores brandas eu guardo dentro dalma
e
as devoro lentamente em pura calma
no
amarelado
dente
quebrado
no
meu passado
ACUPUNTURA IV
eu te convido a aquarelar todo o universo
e a repicar o carrilhão em brando terso
acupuntura
a alma perfura
em canelura (*)
dobre a finados para todo o verso
que no futuro já lancei disperso
mofados nós
vamos empós
do algoz
de novos filhos já pediste demissão
no assassinato de toda a ovulação
a cada mês
que não concebes
em rubra tês
futuricídio de qualquer concepção
destinada somente para o esgoto
abstinência
traz impotência
extensa
(*) Sulcos verticais em uma coluna.
ACUPUNTURA
V
destarte
à minha mãe devo dar graças
talvez
à tua mãe o mesmo faças
nada
que eu vi
nem
assisti
só
estou aqui
mas
ao fazê-lo tua própria ação embaças
pela
memória das sendas que não traças
no
sacrifício
um
dentifrício
vício
quando
deixaste de percorrer a via
que
te recomendou a biologia
que
a morte espia
quando
sorria
e
não nascia
a
minha mãe e a tua nos nutriram
e
imperceptivelmente nos uniram
querendo
mais
nunca
demais
corais
ACUPUNTURA
VI
mas
nossos mortos irmãos se diluíram
não
foi inútil, sempre eles serviram
são
dos insetos
os
objetos
fetos
e
alimentaram a multidão dos peixes
por
isso te suplico não me deixes
num
saco plástico
preso
em elástico
rústico
mas
tu que agora não queres mais gerar
qualquer
motivo para não engravidar
que
não me abortes
cordão
não cortes
sem
que te importes
pois
simplesmente apresentas demissão
de
teu emprego na concepção
tão
perdulário
o
triste horário
do
teu ovário
ACUPUNTURA VII
sem transmitir a tua beleza e graça
no deeneá que existe em ti da raça
em que congraça
leve desgraça
diante da praça
recortaram de meu sonho uma vidraça
com um diamante de espessura escassa
caixilhos
de olhares filhos
sem brilhos
vou recortar um postigo no arrebol
para tapar o buraco desse sol
na eclampsia
no eclipse
da silepse (*)
o pobre sol sairá brilhando sobre a mata
com um pacho no olho qual pirata (+)
seis raios pretos
traços discretos
mas não secretos
que toda a vida é afinal enviesada
quando a menstruação não leva a nada
sem que haja som
no meio-tom
bombom
(*) Concordância com o sentido e não com a
sintaxe.
(+) Pano negro tapando um olho.
ACUPUNTURA
VIII
são
virgens tolas que esqueceram o azeite
chegado
o noivo antes que suspeite
trompas
vazias
pois
não sorrias
por
novas crias
num
desrespeito à descoberta de Falópio
quando
o óvulo canta em tom de ópio
ao
meio-dia
temor
se via
dor
pressentia
mas
as mulheres dos povos mais selvagens
enfrentam
sem temor essas passagens
mesmo
no mato
junto
ao regato
ocorre
o fato
banhando
as crias na mesma água do rio
guardam
num cesto em que não sintam frio
mal
sentem dores
não
têm pavores
diversas
flores
ACUPUNTURA
IX
acredito
que nenhuma a bíblia leu
com
a maldição que nela se inscreveu
bem
diferente
de
cada crente
que
civilizadamente
firme
obedece o velho mandamento:
“teu
filhos parirás com sofrimento”
bem
ressentido
do
mal havido
ofídio
rito
que
redigiu decerto um sacerdote
mais
ressentido do feminino dote
a
pobre cobra
cabeça
dobra
e
a morte sobra
como
castigo da antiga tentação
que
lá do éden expulsou o velho adão
mas
os adinhos
em
pequeninhos
curtos
passinhos
ACUPUNTURA X
que nessa crença toda a culpa adorne
puramente a mulher serpentiforme
mulher carnal
feio canal
pecado original
como dizia tomás de aquino triunfal:
“erva não nasce onde cai sangue menstrual”
no chão lançado
fica empapado
o seu pecado
mas de acusá-lo eu peço demissão
surrealismo não me afeta o coração
verde implosão
na inação
da confissão
e à acupuntura voltarei agora
nas doces lágrimas de nossa senhora
se a praticasse
e a nós negasse
a alada graça
ACUPUNTURA
XI
que
estes poemas de falsa embriaguez
não
fui eu que escrevi, apollo o fez
criando
outrora
a
doce hora
do
meu agora
por
isso eu peço de toda a acupuntura
a
demissão completa e toda pura
que
dionyso
verso
deciso
cheio
de riso
transmita
sempre, sem aposentadoria
os
seus poemas no mosto que me envia
no
meu caminho
espinho
alinho
vou
recolher-me ao aposento do negror
a
inocência paralela do cinzor
em
semitom
de
puro som
no
dom
ACUPUNTURA
XII
as
suas paredes um dia foram verdes
mas
desse musgo o meio-tom já perdes
só
me protejo
de
algum desejo
mofo
não beijo
sob
este tronco que não é mais redondo
o
seu cilindro há muito não repondo
não
tenho sombra
somente
assombra
a
velha alfombra (*)
hoje
tornou-se cria de serraria
no
leito frio de uma carroceria
amassado
acarinhado
por
nada
como
estes versos que aqui terminem
sem
que meus dedos os sequer assinem
com
sangue fino
como
menino
sem
ter destino
(*) Tapete grosso no chão de dormitório.
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