NOITES VERDES
Novas séries de William Lagos –
29/10—7/11/2018
Noites Verdes (IV) ... ... ... 29 out 2018
Noites Roxas (III) ... ... ... 30 out 2018
Noites de Mostarda (III) ... ... ... 31 out 2018
Noites de Percalina (III) ... ... ... 1º nov 2018
Histórias de Fadas (VI) ... ... ... 2 nov 2018
Proglótides de Lendas (III) ... ... ... 3 nov 2018
Carpimento (III) ... ... ... 4 nov 2018
“De Mel” com Deus (IV) ... ... ... 5 nov 2018
A Pedra no Caminho (IV) ... ... ... 6 nov 2018
Amar sem Sexo (VI) ... ... ... 7 nov 2018
NOITES VERDES I – 29 OUT 18
Em noites verdes me agonio na amplidão,
Em cada estrela um suspiro mais faminto,
Em cada rasgo sem cor de novo sinto
Em mim o agudo mordiscar da inspiração,
Em seu ranger uma senil conotação,
Em suas eternas mortes que pressinto
Em mim milênios de meu alvéolo tinto,
Em uma pródiga e intensa radiação...
Em sua estéril e indolente difusão,
Em sua talhada insondável do infinito,
Em incontável rugir de som aflito,
Em silencioso arpejo de atração,
Em cadavérico fogo-fátuo de espavento,
Em seu vento mil estrelas de lamento.
NOITES VERDES II
Por noites verdes eu rasgo a escuridão,
Por campos negros de clara inspiração,
Por flores brancas em catavento de
emoção,
Por pradarias de pertinaz perseguição,
Por noites verdes-claras, sem noção,
Por meu assento em marcha sem moção,
Por minha caneta a sangrar exaltação,
Por sangue verde a estancar-me
humilhação,
Por roído sonho que não se realizou,
Por tanto verso que nunca se escutou,
Por tanto tempo que em pé se desgastou,
Por tanta luz que só por mim brilhou,
Por tanta alma de verso que chorou
Por noites verdes e nem sequer brotou.
NOITES VERDES III
De noites verdes o estigma consagro,
De noites verdes testamento de loucura,
De noites verdes de cruel brandura,
De noites verdes em que a mim me apago!
De noites verdes em que me faço mago,
De noites verdes de cintilar tortura,
De noites verdes de mentirosa jura,
De noites verdes em que espírito me
flagro!
De noites verdes de correto descaminho,
De noites verdes em que percorro o céu,
De noites verdes a rasgar seu véu,
De noites verdes a conversar sozinho,
De noites verdes a mastigar minha sina,
De noites verdes em que sou minha
lamparina...
NOITES VERDES IV
Para essas noites verdes eu me apresto,
Para o ranger das adagas de papel,
Para o sangrar de meu poema em fel,
Para a rasura de meu palimpsexto!
Para o desgaste me preparo lesto,
Para essa mágoa despida de ouropel,
Para o dever desapontado menestrel,
Para o infinito em permanente incesto!
Para essas noites devorar na madrugada,
Para essas noites verdes de negror,
Para essas noites maliciosas de verdor,
Para essas noites em que o sonhar
degrada,
Para o silêncio que os mortos percorrem,
Para essas noites em que as palavras correm...
NOITES ROXAS I – 30 OUT 18
Em noites roxas minha alma se abandona,
Em noites roxas meu corpo se exanguina,
Em noites roxas minha semente se fascina,
Em noites roxas seu fecundar retoma,
Em noites roxas a mão se faz redoma,
Em noites roxas ao alquimiar se inclina,
Em noites roxas o alambique se refina,
Em noites roxas minhas súcubos doma;
Em noites roxas em íncubo me transmuto,
Em noites roxas sua semente recolhida,
Em noites roxas para aqui polispermiar,
Em noites roxas o cego olhar arguto
Em noites roxas para a alma malferida
Em noites roxas que encontro a me
esperar.
NOITES ROXAS II
Nas noites roxas me ponho a transpirar,
Nas noites roxas meus líquidos comburo,
Nas noites roxas os serafins depuro,
Nas noites roxas em meu furtivo
perpassar,
Nas noites roxas sem meus versos publicar,
Nas noites roxas só os ares eu faturo,
Nas noites roxas dou-lhes fado puro,
Nas noites roxas em que os posso
conspurcar,
Nas noites roxas com o rir de meu penar,
Nas noites roxas com o salmo do sofrer,
Nas noites roxas em seu leito vou deitar,
Nas noites roxas em que passo a murmurar,
Nas noites roxas o sacrilégio do viver,
Nas noites roxas meu poema a incinerar.
NOITES ROXAS III
Para tais noites roxas então vou aprestar
Para tais noites roxas meu trajo de gala,
Para tais noites roxas vestido só de
fala,
Para tais noites roxas minha nudez vou
apregoar,
Para tais noites roxas ladainha a
murmurar,
Para tais noites roxas em estridor de
bala,
Para tais noites roxas o proibido não se
cala,
Para tais noites roxas a inserir no meu
cantar.
Para tais noites roxas em segurança me
iludir,
Para tais noites roxas de que algo
restará,
Para tais noites roxas se minha noite
chegará,
Para tais noites roxas finalmente indo
dormir,
Para tais noites roxas todo o roxo
desbotado,
Para tais noites roxas quando enfim for
dispersado.
NOITES DE MOSTARDA I – 31 OUT 18
Venho em noites a mostarda te espalhar,
Venho em noites na curva de teu rosto,
Venho em noites, muito após o Sol já posto,
Venho em noites o condimento a te mostrar,
Venho em noites o pão da alma te entregar,
Venho em noites, com o queijo do desgosto,
Venho em noites, com o azedo de algum mosto,
Venho em noites a eucaristia a te forçar,
Venho em noites para teu comungatório,
Venho em noites com meu jeito de simplório,
Venho em noites apresentar-te meu cibório,
Venho em noites de indolente caridade,
Venho em noites sem te impor a minha vontade,
Venho em noites limitando a ubiquidade.
NOITES DE MOSTARDA II
Nessas noites de mostarda mal e mal
aparecendo,
Nessas noites de mostarda em singeleza te
prendendo,
Nessas noites de mostarda a fímbria da
alma te mordendo,
Nessas noites de mostarda o mel que achar
ali pendendo,
Nessas noites de mostarda para te dar
refresco novo,
Nessas noites de mostarda impalpável meu
renovo,
Nessas noites de mostarda a mensagem para
o povo,
Nessas noites de mostarda em que imóvel me
removo,
Nessas noites de mostarda as quimeras te
adivinho,
Nessas noites de mostarda vejo o
inflamado espinho,
Nessas noites de mostarda o teu pé sobre
o caminho,
Nessas noites de mostarda guiarei com meu
carinho,
Nessas noites de mostarda quando em
cismas me avizinho,
Nessas noites de mostarda, em negra
chispa de carinho.
NOITES DE MOSTARDA III
Por entre noites de mostarda serei gentil ladrão,
Por entre noites de mostarda de tua mente furtarei,
Por entre noites de mostarda, qualquer dor que encontrarei,
Por entre noites de mostarda, encravada ao coração;
Por entre noites de mostarda dedos mortos te darão
Por entre noites de mostarda o que de mim roubei,
Por entre noites de mostarda pela pleura em que rasguei,
Por entre noites de mostarda cada alvéolo do pulmão,
Por entre noites de mostarda dou-te o espólio de minha vida,
Por entre noites de mostarda, que a guardes tua inteiramente,
Por entre noites de mostarda, no cerne da alma protegida,
Por entre noites de mostarda hei de morrer em feliz,
Por entre noites de mostarda, meu cimento em ti se aventa,
Por entre noites de mostarda, na argamassa que hoje eu fiz.
NOITES DE PERCALINA I – 1º NOV 18
De percalina eu forrarei tua alma,
após meus versos nela encadernar,
com mil cuidados a lombada a colocar,
que em ti apenas encontrarão a calma.
Com percalina meu coração te embalma,
o pergaminho só em ti pude encontrar,
tábula rasa após tudo lhe apagar,
palimpsexto raspado de minhalma.
De percalina será o revestimento
de cada página que em branco redigiste,
depois que minha leitura te conquiste,
De percalina será igual teu sentimento,
são teus motivos que ali reencontrarei
e não os inúteis sonhos que enviei.
NOITES DE PERCALINA II
A percalina recortei de meu sudário,
de minha pele imaculada de tatuagem,
deixando a carne exposta com coragem,
para que a cubram meus calos de operário,
com as plaquetas senís do meu fadário,
sonhos doentes transportando de carruagem
por essa noite azul de tua paisagem:
na percalina nada há de extraordinário
e nem nos versos que essa noite em ti
gerou,
são versos mortos sem a tua leitura
e quando os lês os fazes teus
inteiramente;
não foi minhalma que em ti se
transplantou,
mas só o oculto de tua alma pura,
que se enxertou sobre ela totalmente.
NOITES DE PERCALINA III
De percalina revestirei tuas loas,
com cada verso de amor desconhecido,
com cada sonho de amor incompreendido,
cada tristeza que em minhalma roas;
de percalina revestirei lembranças boas,
que estes versos garimparão do olvido,
a sepultar de tua alma o entristecido,
tal qual tisana a que três vezes coas.
As ilusões dos teus tempos de menina,
que o troar do mundo mau destemperou,
no verdadeiro desapego de tua sina;
mas nessas noites em que nunca me verás,
todo o teu belo para mim revelarás,
para que o possa revestir de percalina!
HISTÓRIAS
DE FADAS I – 2 NOV 18
Por
que contar ou poetar contos de fadas?
Alguns
insistem seres coisas irreais,
bem
diversas dos eventos naturais
e
que as crianças seriam até prejudicadas,
porque
as sílfides jamais serão no mundo achadas
e
nem as bruxas de tendências infernais,
que
esses monstros nem existem, ademais,
e
que é preciso serem disso preservadas...
Podem
de fato até ficar amedrontadas
e
até mesmo sem conciliar o sono,
mas
se até cantam sobre o tal Bicho Papão!
E
sobre o Boi da Cara Preta a essas coitadas;
o
Homem do Saco a lhes trazer inquietação,
a
Velha do Sol sem lhes dar qualquer abono!
HISTÓRIAS
DE FADAS II
A
verdade está no oposto, justamente:
fadas
existem, que são as boas pessoas,
bruxas
existem, criaturas mais atoas,
disso
é preciso preveni-las diariamente!
Pois
algum monstro estará sempre presente;
vivo
na esquina a murmurar palavras boas,
qualquer
carona, sorvete, algumas broas,
e
de seu lar a criança fica ausente!...
Ou
em nossa sociedade cruel e violenta,
surge
um monstro de carro, embriagado,
para
qualquer descuidado atropelar,
ou
então um tiroteio se apresenta,
qualquer
criança assim sendo alvejada,
pois
não souberam quais precauções tomar...
HISTÓRIAS
DE FADAS III
A
gente antiga bem sabia prevenir
contra
os perigos que espreitam das florestas,
mas
as de hoje pouco pensam nessas festas,
como
lugares de que alguém deva fugir.
Qual
o problema com as fadas? Ao dormir,
na
véspera de Natal ou antes das sestas,
falam
no Papai Noel ou as imagens bestas
desse
Coelhinho da Páscoa a transmitir,
que
então confundem com o “Papai do Céu”,
para
sofrer, pouco a pouco, o desaponto,
pois
se não há Papai Noel, tampouco há Deus;
se
não há bruxas, não se levanta o véu
sobre
o Mal verdadeiro em cada ponto,
a
espreitar sobre os passinhos seus!
HISTÓRIAS
DE FADAS IV
Existem
monstros que surgem do atavismo,
como
frutos do inconsciente coletivo,
no
hipotálamo algum vestígio vivo
dos
velhos tempos do primitivismo
e
seus medos sobrevivem, sem modismo,
a
diferença será o papel ativo
que
uma criança assume de incisivo,
para
o monstro derrotar em paroxismo!
Isto
é importante para a sua segurança:
que
não precise ser sempre protegida,
mas
que é capaz de se antepor ao mundo,
sem
ser igual à Chapeuzinho da lambança,
que
o Caçador retira, ainda vestida,
do
estranho estômago daquele Lobo imundo!
HISTÓRIAS
DE FADAS V
Não
existe mal em se pensar que sob a ponte
habite
um Troll ou um animal faminto;
carros
velozes percorrem tal precinto
e
alguns Sem-teto nos quais o mal desponte;
ou
sendo um rio, borbulhando de sua fonte:
parece
belo, mas quem dirá que minto,
se
de uma criança o afogar-se pinto,
arrastada
até perder-se no horizonte?
Já
de outra espécie são os monstros do lar,
esse
que vive por baixo da caminha,
ou
que se esconde no seu guarda-roupa!
Nenhuma
história popular a provocar
o
medo atávico que sente a criaturinha
que
um contador de histórias até lhe poupa!
HISTÓRIAS
DE FADAS VI
E
finalmente, por que as escrevo em versos?
Há
poucos dias seis prebendas registrei,
suas
frases tontas da memória retirei,
não
tendo em si quaisquer sinais perversos;
porém
é fácil decorar seus versos tersos,
mesmo
que delas muitas versões achei,
quando
a meus netos ensinar tentei:
pedem
de novo, em alegria imersos!...
Se
um conto de fadas redijo em poemetos,
é
bem mais fácil de se memorizar:
quando
criança, decorei versos completos
e
sua cadência não só desperta seus afetos,
como
seu ritmo as leva ao sono se entregar
e
forma um liame mais difícil de apagar!...
Proglótides
de Lendas 1 – 3 nov 2018
Hoje
por muitos é a poesia abandonada,
Com
seus “quatro demônios” sorridentes,
Métrica
e rima, cesura e ritmos frequentes,
Por
prosa poética estando a ser trocada,
Desde
a tendência do “modernismo” malfadada,
Que
ainda perdura após décadas transientes,
Postos
de lado os modelos permanentes,
Por
quem não sabe prosseguir em tal jornada,
Por
esse grupo de cronistas excelentes,
Que
nos mentiram escrever poesia,
Tão
bem aceitos em tais mediocridades
Por
analfabetos funcionais subjacentes,
Em
que a poesia raramente alguém ouvia,
A
contentar-se com tais senilidades...
Proglótides
de Lendas 2
Porque,
de fato, o “modernismo” tem cem anos!
E
mais de geração morreu e está enterrada,
Que
então louvou essa memória ultrapassada!
(Hão
de dizer serem os românticos mais arcanos!)
Mas
o soneto e os alexandrinos que louvamos,
Seis
séculos já percorreram de enfiada,
Muita
poesia a traduzirem por mancada,
Em
versos livres de mais simples afanos.
Em
adolescente, decorei Camões,
Castro
Alves, Gonçalves Dias, Bilac,
Guimarães
Júnior e muitos outros mais,
Proglótides
a deixar de corações,
Que
em mim cresceram a rufo de atabaque,
Para
serem reproduzidos em meus ais!
Proglótides
de Lendas 3
Vamos
dizer, para assim simplificar,
Que
de vermes os proglótides são ovos,
Querendo
dar à luz os seus renovos,
Pelas
vias naturais a eliminar...
Mas
os proglótides de sonho vão brotar
Em
teu cérebro, que da alma vêm dos povos
E
de onde nascem os escritores novos,
Sete
poetas meu espírito a pintar;
Por
isso escrevo em versos essas lendas,
De
preferência as pouco relembradas,
Com
meu toque pessoal aqui e acolá,
Sabendo
bem que não são como parlendas,
Dificilmente
poderão ser decoradas...
Quiçá
um proglótide em tua alma nascerá...?
CARPIMENTO
1 – 4 NOV 2018
em
prece aguda, cada carpideira
por
qualquer desconhecido ali suplica,
uma
emoção plangente então fabrica,
em
que mastiga a indiferença inteira!
em
cada alma coexiste a lavadeira
dos
pecados e dos sonhos e ali fica,
numa
tristeza irreal a que se aplica,
cada
vez mais enquanto a morte abeira;
dos
que se vão sentimos a saudade,
mas
com um certo alívio até mesclada,
que
a nossa vez então parece ser adiada.
e
se carpimos, lamentamos a ansiedade
de
nos tornarmos em pouco mais que nada
ao
no tocar finalmente a mortandade.
CARPIMENTO
2
existem
ainda hoje as carpideiras,
vão
a velórios só para fofoquear
e
os carpideiros, piadas a contar,
pela
copa ou em refeições ligeiras.
algum
sanduíche quando do bar te abeiras,
enquanto
um trago te vai reconfortar,
o
teu alívio assim a disfarçar,
por
mais que as lástimas sejam verdadeiras,
porque
essas lavadeiras de tua alma
continuamente
enxáguam tua certeza...
e
em falsa negativa que te embalma,
dizem
que a todos alcançará o destino cru:
morrerão
todos, porém ficarás tu!
CARPIMENTO
3
alimento
te aportam para a tua ur-defesa
de
que te escapas da mortalidade
e
de que serás eterno, na verdade,
da
terra os frutos gozando com riqueza.
com
disfarces conservando a tua beleza,
a
se esvair na mais fiel celeridade
e
até ao final, com a possibilidade
de
que um servo onipotente, que te preza,
irá
impedir que para sempre morras,
mas,
complacente, te dará a vida eterna
ou
ainda mais, uma bênção mais superna!
restaurará
tua juventude e assim corras,
novamente,
para o arco-íris cintilante,
uma
nova encarnação levando avante!...
“DE MEL” COM DEUS I – 5 NOV 18
Se não me engano, era com Santo
Antonio,
caso uma graça pedida não lhe desse
e um belo noivo não lhe concedesse,
menos coisa de santo que demônio,
a jovem lhe amarrava, no osso do
perônio,
uma cordinha, para que o pendurasse,
cabeça para baixo, de modo que o
forçasse
a cumprir logo o seu dever icôneo!
E coitadinho do santo! – para o poço
ela o levava, no seu ressentimento:
“Se não atendes minha prece, seu
nojento,
e não me encontras logo um belo
moço,
ficarás aí dentro, sem o sustento
de minha promessa por um círio
grosso!”
“DE
MEL” COM DEUS II
Há
entre nós uma crença transmitida
de
que Santo Antonio é um casamenteiro;
eu
nunca li de algum milagre inteiro,
mas
certamente não terá guarida
em
matrimônio de sua própria vida:
celibatário
já foi ele primeiro
e
assim ficou até o momento derradeiro...
Por
que por ele se escutaria um tal pedido?
Mesmo
porque existe tanto foguetama,
muito
ruidosa em seu dia consagrado:
a
festa fazem com o máximo alvoroço!
Mesmo
de surdo sem ostentar a fama,
como
o santinho poderá ter escutado
Esse
pedido por mais um noivo moço!?
“DE
MEL” COM DEUS III
Foi
assim que a infeliz ficou “de mal”
com
Santo Antonio, porque não se atreveu;
desdém
algum para Jesus cedeu:
Ele
é o juiz dos mortos, afinal!...
Melhor
um santo castigar, é natural,
quando
a promessa não quis nem atendeu
e
a pobre imagem no poço apodreceu,
sem
dar à jovem um prazer matrimonial!
Por
que só ela continuou encalhada?
“Ai,
que santo de cabeça mais safada!
Pois
fica então aí embaixo, nesse frio!”
E
o confessor lhe sugere então Jesus:
que
vá a um convento de sagrado brio,
quem
sabe o seu destino é de outra luz?
“DE MEL” COM DEUS IV
Ao Santo Antonio vai retirar do
poço,
mas por despeito, o põe numa gaveta:
“Ali vais ver como a solidão é
preta!
Te recusaste a me arranjar um moço!
Mas se eu rezar direto a Deus, então
remoço,
que ele me atende na hora mais
secreta,
que ir ao convento, de fato, não me
afeta:
é muito quente aquela roupa até o
pescoço!”
“Mas Deus lá em cima, como pode me
escutar?
Contudo o mel ganhei no meu batismo,
certa magia deve haver na
colherinha!
E se um marido nem Ele me arranjar,
não mais me importo com o catecismo:
vou é roubar o marido da
vizinha!...”
a pedra no caminho 1 – 6 nov 2018
“quando pobre progride, logo dá topada!”
se não levar um tombo, rebenta com o dedão!
cntão fica pulando, agarrando com sua mão,
rasga o sapato e não sonha com mais nada!
chutou uma pedra, desgraceira mais danada!
olhando para a frente, não enxergou o chão,
que progresso de pobre é somente uma ilusão:
verdade é a pedra bem no meio de sua estrada!
sem ter mais sapato, terá de usar tamanco
e bateu logo com sua pobre unha encravada!
mas depois se recobra, já aguentado o tranco:
machucado ficou, mas não continuou manco,
lá na frente a esperança, ah, menina mais levada!
E a pobre da pedra?
Também ao meio foi rachada!...
a pedra no caminho 2
cada pobre que existe só herda a
esperança;
não fora a esperança, nem sairia na
estrada;
não fora essa estrada, nem daria a
topada;
não fora a topada, nem sequer ele
avança!
seus pais lhe contaram, quando era
criança:
“se alguém desistir, nunca terá qualquer
morada;
só poderá ganhar, quem nasceu sem
possuir nada;
quem espera, consegue; no final, algo se
alcança!
quem nunca teve nada, nada então pode
perder!”
arranja um emprego e então vai
trabalhar,
sempre existe a esperança de algo ganhar
e o mais surpreendente é tão raro se ver
esse pobre infeliz qualquer coisa a
roubar,
enquanto quem tem, sempre mais procura
ter!
a pedra no caminho 3
não é só uma pedra que se encontra na
estrada,
que a vida é constante em lhe passar
rasteira,
o que mais impressiona é a esperança tão
ligeira:
caso seja assaltado, vai perder bem
pouco ou nada...
e assim segue em frente essa gente
danada,
de quem só a fome é a fiel companheira;
para a sede, em geral, se encontra uma torneira,
se parece estar gordo, a barriga está
inchada!
de nada lhe adianta vale ter disso ou
daquilo;
o que um pobre precisa é de um bom
treinamento,
com quem possa obter um emprego a contento,
mas cesta básica equivale a um só quilo
dessa esperança que lhe dá
contentamento:
para os chineses, a esperança é só um
grilo!...
a pedra no caminho 4
talvez pareça este poema ser mesquinho;
não tenho o costume de qualquer ideologia
dando esperança aos que mais iludia:
“nenhuma pedra acharão no seu caminho!”
sempre que pude, ajudei a um pobrezinho,
especialmente aos que trabalhar eu via,
meu entusiasmo na escola eu lhes daria,
não a ilusão da ausência de um espinho!
para viver feliz, ninguém nasceu,
só para a busca de tal felicidade,
não na riqueza, mas na satisfação;
mas a esperança sendo quem morreu
depois de tudo, nem deixou saudade,
sem ter ninguém a chorar no seu caixão!
AMAR
SEM SEXO I – 7 NOV 2018
Parece
injusto que só o homem precisa
do
que a mulher, se disposta, lhe concede;
por
muitos séculos a recompensa lhe segrede,
pela
atenção ou presente que ela visa!
Mas
o feminismo hoje feroz o solo pisa
e
igualdade, com fervor, exige e pede,
nos
protestos, exigências mais não mede,
mantendo
os privilégios, coisa incisa!...
Se
deve haver igualdade, então que morra
na
mesma faixa etário que o marido,
sem
ter por cinco anos ou mais sobrevivido!
ou
que num banco aposentadoria não recorra,
cinco
anos antes que ele a possa ter!
Onde
a igualdade que ela tanto diz querer?
AMAR SEM SEXO II
Com certeza, existe hoje uma tendência
para que qualquer mulher, com liberdade,
escolha seus parceiros à vontade
e que os possa receber com mais frequência;
mas será que existe aqui igual potência,
mesmo a quebrar os padrões da sociedade,
um presente do machismo, na verdade,
nelas sendo artificial essa existência?
Porque, de fato, é da mulher a atração,
seu corpo feito para a reprodução,
do homem recebendo só a semente...
Como então pode se zangar, se desejada?
só o homossexual a deixando rejeitada,
Mesmo que um filho não deseje realmente.
AMAR
SEM SEXO III
Na
menopausa, onde se acha a igualdade?
Desiste
o corpo e não mais copula;
remédios
toma, sem lhes ler a bula,
se
de seu par quiser ter fidelidade...
Na
decadência de sua fertilidade,
tentando
o homem conserver mediante a gula,
mantendo
o lar persistente qual a mula,
certo
rancor contra a masculinidade.
Porque
essa histíoria de andropausa é fantasia,
mesmo
em casos em que pior seja a saúde,
tal
qual se vê entre os mortos de fome,
órgãos
sexuais intactos até o momento da agonia,
sobrevivendo
à condição mais rude
que
o organismo inteiro então consome...
AMAR
SEM SEXO IV
Mas
como pode haver essa igualdade,
se
são os ventres a vida a suportar,
mulher
alguma no total a se realizar,
sem
a alegre dor de sua maternidade!
E
como pode algum homem, na verdade
a
dor do parto poder mesmo avaliar
e
as longas noites de seu vasto preocupar
pelos
filhos adultos, com perenidade?
Somente
atinge um certo grau de empatia,
visto
que sente que outros filhos geraria,
se
ainda houvesse uma oportunidade,
em
ventre jovem que encontrar podia...
Mas
ela sabe que outros filhos não terá,
se
algum que teve para a vida perderá.
AMAR SEM SEXO V
Mas como poder haver essa igualdade,
quando seus filhos crescerem para o mundo,
as suas filhas com ventre já fecundo?
Sente o abandono em sua totalidade,
mesmo que estejam de seu lado, na verdade,
pois então cresce nela esse profundo
ódio da vida, que seu ventre rotundo,
nunca mais irá deixar em saciedade.
Têm seus filhos sentimentos diferentes,
os das filhas em igualdade permanentes,
porém já pensam em seu próprio futuro,
quando seus filhos, por igual, crescerem,
longe de si no mundo a se perderem,
igual que a mãe a sofrer destino duro...
AMAR
SEM SEXO VI
Mas
como pode haver essa igualdade,,
quando
ela tem esse tesouro de beleza,
os
sentimentos de mais singeleza,
sendo
ela o esteio real da sociedade?
Que
o homem é o que faz dele, na verdade,
sua
educação muito mais, em sua inteireza,
guardiã
fiel da quimera e da tristeza,
enquanto
a vida lhe reduz capacidade.
E
como pode haver essa igualdade,
se
é a mulher a flor mais escolhida
e
homens orbitam ao redor de sua magia?
Mesmo
quando, em sua terceira idade,
sem
mais poder ser fonte de mais vida,
ainda
consegue ser sua fonte de alegria?
Recanto das Letras > Autores >
William Lagos
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também por William Lagos
Caro, escritor. Eu tinha lido no e mail e vim aqui deixa minha apreciação. Fabulosa coletânea. Amei noites verdes. Parabéns pela verve poética tão fluente e diversificada.
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