quarta-feira, 19 de junho de 2019




O LOBO DA ESTOPA – 24(28)/10/2018
Folklore afro-norteamericano,Tradução, ADAPTAÇÃO E VERSÃO POÉTICA de william lagos para “the gunny wolf”
(Não confundir com “O Lobo da Estepe”, de Hermann Hesse, 1927!...)

O Lobo da Estopa ... ... ... 24 Out 2018
Hoje é Domingo (Parlenda) ... ... ... 25 Out 2018
Vontade de Combater ... ... ... 25 Out 2018
Vontade de Crescer ... ... ... 25 Out 2018
Vontade de Voar ... ... ... 26 Out 2018
Vontade de Ser Ofídio ... ... ... 26 Out 2018
Vontades do Futuro ... ... ... 26 Out 2018
A Refeição do Engenheiro (IV) ... ... ... 27 Out 2018
A Visita (IV) ... ... ... 28 Out 2018




O LOBO DA ESTOPA I – 24/10/2018

Um homem vivia só com sua filhinha
em uma casinha bem perto da floresta;
era um homem muito escuro e havia fugido
da escravidão com sua garotinha,
em certo dia, com a plantação em festa
e a sua fuga não haviam percebido;
a sua mulher na cozinha trabalhava
e assim não os pudera acompanhar,
pai e filha bastante a lamentar,
mas o mundo era mau e assim girava...

É bem verdade que o Papai a convidara,
mas ela disse não querer fugir:
“Toda a vida eu morei na plantação:
aqui eu nasci...” ao marido ela falara.
“O mundo é mau e vão nos perseguir
e nem preciso mais colher o algodão;
muito melhor trabalhar de cozinheira...”
“Porém a nossa filha eu vou levar!”
“Vou sentir falta, se nos separar,
mas por aqui eu vou ficar a vida inteira!”

“O amo é bom e boa é a senhora,
tenho boas roupas e me alimento bem
e eles até nos deram um quartinho!
O mundo é mau, por que você quer ir embora?”
“Quero ser livre e me governar também!
E se nos vendem para esse vizinho
que não é bom e nem boa a sua mulher?”
“Minha ama prometeu não me vender,
nem nossa filha quando ela crescer,
mas você faça como bem quiser!...”

Assim o homem fugiu para a floresta,
a filha dentro de um saco de aninhagem
e ninguém assim percebeu que ele a levasse;
e como estavam todos nessa festa,
correu por entre os campos com coragem
até o lugar que o destino lhe indicasse
e chegou bem longe, onde não havia povoação
e lá, aos poucos, construiu a sua choupana,
fez vários móveis, de madeira e cana:
Nunca mais vou trabalhar na plantação!

Mas certa noite, um uivo ele escutou:
Existem lobos na floresta abandonada!
E aos poucos, foi erguendo paliçada
e seu terreno assim delimitou,
deixando sua filhinha bem guardada,
que pelos lobos não pudesse ser roubada!
Consigo ele trouxera o seu machado,
mais um serrote que havia pegado,
tinha um machete também, muito afiado
e só entrava na floresta com cuidado!

O LOBO DA ESTOPA II

Mas à menina sempre recomendava:
“Nunca entre na floresta, minha querida
e nunca saia para fora do portão!...
Há lobos por aqui!” – ele explicava.
“Podem te machucar e mesmo a vida
tirar de ti e assim partir meu coração!...”
E ali dentro os dois plantaram uma horta
e mesmo umas laranjas e macieiras;
o pai trazia cestas básicas inteiras...
Eles têm tanto!  Essa gente nem se importa!

Mas a menina olhava sobre o muro,
enquanto se assentava na janela:
Não sei porque meu Papai me prende aqui!
Tá bem de noite, quando fica escuro,
mas eu não sou mais menina, sou donzela:
eu tenho sete anos!  Já cresci!...
E em certo dia, quando o pai foi viajar,
ela foi as suas tarefas realizando,
as laranjas e maçãs foi carregando,
as hortaliças nos canteiros a buscar...

Poucas florzinhas havia no terreiro,
O pai dizia serem erva daninha,
“Tiram o lugar de nossa boa comida!”
Três ou quatro ela colheu primeiro;
da paliçada espiou por uma frestinha:
Lá fora havia tanta florzinha colorida!
Que é que tem se eu só abrir o portão?
Esses lobos o Papai é que inventou,
há muito tempo que nenhum uivou
e estou sentindo tanta solidão!...

Ela abriu do portão só uma frestinha
e a meio metro avistou flor amarela...
Que é que tem se eu der só dois passinhos?
Quero pegar para mim essa florzinha,
quero deixar nossa casinha bela!
Não tenho medo de quaisquer bichinhos!
E assim saiu pelo portão essa arteirinha,
a flor amarela depressa ela pegou
e uma outra flor vermelha divisou:
Essa encarnada vai também ser minha!

E logo viu uma porção de flores!
Eu vou depressa meu saco buscar
e encher de flores para me alegrar!
O meu Papai é cheio de temores,
mas não existe nenhum lobo no lugar!
Assim o seu saco de estopa foi pegar
e logo muitas flores foi colhendo,
cada vez mais pertinho da floresta...
É tão bonito aqui!  Eu gosto desta
porção de flores que vejo aqui nascendo!

O LOBO DA ESTOPA III

E cada vez mais longe da casinha!
E cada vez mais perto da floresta!
O saco de estopa cada vez mais cheio:
desobediente foi a meninazinha!
Medinho algum no seu peito já lhe resta,
Medinho algum de qualquer lobinho feio!
Logo a seguir já começou a criar
letra inventada para a velha canção
que escutava quando colhiam o algodão...
Foi esta a letra que começou a cantar:

Traiblablá-blablá! Traiblablá-bla-blá!
Kimoquimô Kinkuá!
Tralalalá-lalá! Tralalalá-lalá!
A floresta não é má!
Tralalali-lili!  Tralalali-lili!
Eu gostei de vir aqui!

À ordem de seu pai em desafio,
ela cantava cada vez mais alto,
pondo no saco mais uma florzinha...
Mas, de repente, sentiu um calafrio!
Seu coração pulou num sobressalto:
pois percebeu que não estava mais sozinha!
Por entre as árvores, um lobo apareceu,
igual que estopa, era cinza-amarelado...
veio chegando devagar para seu lado:
de sua alegria a menina se esqueceu!

Aquele lobo era bem maior que ela,
tinha olhos de pupilas reluzentes,
no seu focinho mostrava enormes dentes!
“Gostei de sua canção, menina bela!
As palavras de sua letra são valentes
e quero ouvi-la cantar mais um pouquinho...
Não tenha medo, só quero ouvir cantar...
Mas está vendo que eu não tenho roupa,
então me cubra com seu saco de estopa,
vou me aquecer e depressa me deitar...

Então a menina começou a cantar:
Traiblablá-blablá! Traiblablá-bla-blá!
Kimoquimô Kinkuá!
Tralalalá-lalá! Tralalalá-lalá!
A floresta não é má!
Tralalali-lili!  Tralalali-lili!
Eu gostei de vir aqui!
E deu ao lobo seu saco de estopa,
O qual então se deitou, devagarinho:
“Cante de novo, quero só escutar;
esse seu saco me serve bem de roupa
e ela cantou só mais um pedacinho:
Traiblablá-blablá! Traiblablá-bla-blá!
Kimoquimô Kinkuá!
Tralalalá-lalá! Tralalalá-lalá!
A floresta não é má!
Tralalali-lili!  Tralalali-lili!
Eu gostei de vir aqui!
E realmente, o lobo adormeceu
e ela seguiu cantando mais baixinho,
para depois ir saindo de mansinho,
roncava o lobo e nem ao menos se mexeu!
Pit-a-pat, pit-a-pat, pit-a-pat!
Pit-um-pé, pit-um-pé, pé ante pé!

Então um olho o lobo arregalou,
logo passando sua língua no focinho;
brilharam os seus dentes novamente
e vendo a menina já longe, levantou
e foi correndo até ela, ligeirinho!
“Cante de novo sua canção!” – falou contente,
a sua cauda comprida a sacudir:
Rankachá!  Rankachá! Rankachá!
“Vamos logo, eu quero escutar já!”
E de novo a canção se fez ouvir:
Traiblablá-blablá! Traiblablá-bla-blá!
Kimoquimô Kinkuá!
Tralalalá-lalá! Tralalalá-lalá!
A floresta não é má!
Tralalali-lili!  Tralalali-lili!
Eu gostei de vir aqui!

O LOBO DA ESTOPA IV

Logo a seguir, o lobo ressonou,
bem encolhido no saco de estopa,
em que amassou, decerto, umas florzinhas!
Mas a menina cantava e entao pensou:
Ora, o meu saco esse lobo fez de roupa!
Mas é nele que eu guardei minhas florzinhas!
O que é que eu digo quando o Papai chegar?
Não vou contar que atravessei o portão!
Ele é capaz de me dar um bofetão!
O saco, ao menos, eu tenho de pegar!

Puxou o saco, então, devagarinho:
o lobo bocejou, deu um suspiro,
mas continuou no chão, todo enroscado
e ela fugiu, passinho por passinho,
para o outro lado o lobo deu um giro!
Mas continuou ressonando, descansado...
Pit-a-pat, pit-a-pat, pit-a-pat!
Pit-um-pé, pit-um-pé, pé ante pé!
Só que então, o lobo se acordou!
Rankachá!  Rankachá! Rankachá!
“Cante de novo!  Eu quero escutar já!”
E a menina, outra vez, assim cantou:
Traiblablá-blablá! Traiblablá-bla-blá!
Kimoquimô Kinkuá!
Tralalalá-lalá! Tralalalá-lalá!
A floresta não é má!
Tralalali-lili!  Tralalali-lili!
Eu gostei de vir aqui!

E com a música, de novo ele dormiu,
todo enroscado, deitado ali no chão
e a menina foi cantando, bem baixinho
e a seguir, devagarinho, ela fugiu:
Bongabong! Bongabong! o coração...
Já estava perto do seu portãozinho...
Só que então, o lobo se acordou!
Rankachá!  Rankachá! Rankachá!
“Cante de novo!  Eu quero escutar já!”
Ela cantou e novamente ele dormiu:
Traiblablá-blablá! Traiblablá-bla-blá!
Kimoquimô Kinkuá!
Tralalalá-lalá! Tralalalá-lalá!
A floresta não é má!
Tralalali-lili!  Tralalali-lili!
Eu gostei de vir aqui!

e com o saco bem seguro na sua mão.
A menina, Pit-um-pé, pé ante pé,
foi chegando até a paliçada
e bem depressa, atravessou o portão
e viu o lobo abrir um olho até:
“Não tenha medo, menina assustada!
Eu não pretendo fazer-lhe mal nenhum...
E daqui a pouco já tenho de ir embora,
o seu Papai vai chegar em meia hora:
Diga a verdade, que não lhe fará mal algum!”

“Eu gostei muito dessa sua canção...”
“O senhor deseja que eu cante novamente?”
“Não, minha querida, de novo eu vou dormir
e o seu Papai não vai me dar perdão!
Eu vou voltar para a floresta aqui presente,
do machado de seu Papai eu vou fugir!”
Nunca a menina foi outra vez desobediente,
fechou o portão e a porta ela trancou,
a sua casinha com as flores enfeitou,
esperando seu Papai muito contente!

HOJE É DOMINGO (PARLENDA) – 25 OUT 2018
(Transmitido por Laura Botelho Pérez, possivelmente trazida de Alagoas por seu pai, o poeta Joaquim Pinto Botelho).

Hoje é domingo, pede cachimbo;
Areia fina, deu no sino;
O sino é de prata, deu na barata;
A barata é de ouro, deu no besouro;
O besouro é valente, deu no tenente;
O Tenente é Rufino, deu no menino,
O menino é caolho: furou-lhe um olho!

Há muitas outras versões desta parlenda através do Brasil; segue abaixo um apanhado mais ou menos abrangente.

Hoje é domingo, pede cachimbo;
O cachimbo é de barro, bate no jarro;
O jarro é fino, bate no sino;
O sino é de ouro, bate no besouro;
O besouro é nojento, bate no sargento;
O sargento é malvado, bate no soldado;
O soldado é Rufino, bate no menino;
O menino é louro, bate no touro;
O touro é valente, bate na gente;
A gente é “fraco”, cai no buraco;
O buraco é fundo, acabou-se o mundo!

Seguem algumas piadas de Art Linkletter, que traduzi, adaptei e transformei em sonetos.

VONTADE DE COMBATER – 25/10/18

Um dia o garoto falou ao avozinho:
“Estou louco para fazer vinte e um anos!”
“Muita água vai passar por nossos canos,
você recém fez dez, meu amiguinho!...
Mas por que os vinte e um, caro netinho?”
“Quero lutar contra aqueles desumanos
do Viet Nam, esses caras sub-humanos!...”
“Eles são gente igual a nós, meu garotinho,
depois, a guerra do Viet Nam já terminou...”
“Então eu vou combater os Iraquianos!”
“Felizmente, esta também já se acabou...”
“Não temos guerra contra os muçulmanos?”
“Essa é uma que nem ao menos principiou...”
“Quando eu tiver vinte e um, já uma outra começou!”

VONTADE DE CRESCER – 25/10/2018

“Que idade você tem, meu amiguinho?”
“Eu tenho seis, mas vou logo fazer sete,
com essa idade, eu ganho um canivete,
faltam só onze meses, está pertinho!...”
“Ah, está perto?  Mas falta quase um aninho!”
“No aniversário tem bolo e tem confete!”
“Para os sete anos há algo que projete?”
“Eu quero é fazer onze!” – disse o garotinho.
“O tempo custa a passar para os humanos:
tem de estudar, brincar ainda para valer...”
“Quero ter onze, sem esperar demais!”
“Mas por que onze?  São mais cinco anos!”
“É que até lá, minha barriga vai crescer
e vou poder tomar sorvete muito mais!”

VONTADE DE VOAR – 26/10/2018

“Eu gostaria de ser um passarinho...”
“Tinha vontade de voar até o mar...?”
“Não, aqui por perto vou me contentar,
quero espiar pela janela do vizinho!”
“Mas espiar é muito feio, meu netinho!”
“Só que ninguém vai poder me segurar,
que sou apenas passarinho vão pensar
e assim eu olho tudo de pertinho!”
“Mas passarinho come só minhoca!”
“Alpiste dão pro passarinho da gaiola
e tem alguns que também ganham paçoca!
Mas se eles gostam, vou comer também!”
“Porém o gosto da minhoca não te amola?”
“Decerto é o gosto que espaguete tem!”

VONTADE DE SER OFÍDIO – 26/10/18

“O que eu queria era ser uma serpente!”
“Mas, meu querido, serpente não tem braços!”
“Ora, só assim eu me livro dos abraços
dessas velhas que vêm beijar a gente!”
“Mas então, não vais ter pernas, igualmente!”
“Ora, a cobra se retorce e deixa traços,
bem mais bonitos que marcas de passos...
Eu queria ser serpente, realmente!...”
“Mas por que ser uma cobra, meu amigo?”
“Eu quero ser uma serpente venenosa!
Se eu sou pessoa e enveneno um inimigo,
vão me botar numa cadeia pavorosa!
Mas se eu for cobra, me escapar consigo,
Em qualquer buraquinho acho um abrigo!”

VONTADES DO FUTURO – 26/10/2018

“Que coisa ou quem você queria ser?”
“Eu gostaria de ser um peixinho,
pois cada vez que tomasse meu banhinho,
a minha cauda eu conseguia remexer!”
“Ou então queria meus seis anos já fazer,
estou cansado de ser um garotinho,
com seis anos já vou ser um rapazinho,
desse jeito, só com cinco eu vou morrer!”
“Pensando bem, queria mesmo é ser soldado,
já cansei de brincar de soldadinho,
sempre ganham os garotos do outro lado!
Eu quero ser um fuzileiro bem malvado,
para dar um tiro no filho do vizinho:
quebrou brinquedo que eu recém tinha ganhado!”

A REFEIÇÃO DO ENGENHEIRO – 27/10/2018

Chegou o engenheiro num lugar remoto,
em que estavam construindo uma represa,
o alojamento aceitável, com certeza,
porém nem venda nesse local ignoto!
Com o capataz, ele foi tirar uma foto
da escavação que cortava a natureza.
(de certo modo, pareceu-lhe malvadeza
um tal trabalho colocar em moto...)

Ao meio-dia, a fome lhe apertou
e o capataz lhe mostrou o refeitório:
“É aqui que comemos nossa bosta!”
O engenheiro um tanto se assustou:
“Você deve estar brincano, Seu Honório!”
“Não estou, não!  É boa e a gente gosta!...”

No refeitório entrou o engenheiro
e avistou uma fila de operários,
outros sentados em lugares vários,
um prato verde esvaziando por inteiro!
“Senhor Doutor, pode passar primeiro.
É adicional para nossos salários,
os pratos estão à direita, nos armários:
fique à vontade!” – disse ele, hospitaleiro.

Mas comer bosta? Ninguém quero ofender...
“É boa a bosta?” – o coitado perguntou.
“Muito gostosa!” – toda a turma respondeu.
Pegou um prato e foi à esquerda ver
um enorme panelão, em que avistou
a coisa verde que o capataz lhe ofereceu...

Era esterco, que dúvida!  Ora, é capim,
Não vai poder fazer-me muito mal,
Tudo pensado, é um alimento natural!
Pôs uma concha no seu prato, assim
E passou de volta pela fila, enfim,
Mostrando aos outros um sorriso bem social.
A turma olhava para aquele vegetal,
Cujo cheiro não era de jasmim...

Ele assentou-se a uma mesa, num cantinho
e enfiou a colher na misturada,
já os operários a se cutucar...
Com muito nojo, mastigou um pouquinho
e a turma toda caiu na gargalhada!
Mas o motivo não podia adivinhar!...

Decerto acham que eu quero me enturmar!
Pensou o rapaz, infeliz, mas engolindo
a gororoba a que o estavam introduzindo,
fazendo força para não vomitar!
O capataz viu então se aproximar,
bastante constrangido parecendo:
“Doutor, é bosta que o senhor está comendo!”
“Não é com isso que vão se alimentar?”

“Não, doutor, o senhor entendeu mal,
aquele panelão é o do canteiro,
a gente come mesmo é a salada!
Que a gente chama de bosta, é natural,
porque o adubo se espalhou primeiro,
mas lhe garanto que é muito bem lavada!...”

A VISITA – 28 OUT 2018
(Baseado num sketch de palco, muito popular em minha infância).
(Não confundir com “A Visita” peça de Friedrich Dürrenmatt,
que foi filmada com Ingrid Bergman e Anthony Quinn!...)

O estudante abriu a porta em noite escura:
“Muito boas noites, Dr. Filisberto!”
“Quem é você?” “Uai, eu sou o Sergisberto,
vim da fazenda, viagem muito dura!”
“Ah, entre logo!  No escuro, é certo,
que não o reconheci, mas que amargura!
Meu amigo de infância, vida pura,
os dois pescando sob o céu aberto!”

“Fique à vontade, vou lhe trazer um café,
umas fatias de pão, manteiga e queijo!”
“Muito obrigado, doutor!” – disse a visita,
grande apetite demonstrando até:
“Comida boa, doutor, quase me aleijo,
na rua escura, mas que deve ser bonita!”

“Mas que notícias me traz lá da terrinha?”
“Está tudo bem, doutor, tudo está bem,
o gado gordo, a plantação também,
deu pouca chuva, mas serviu a cacimbinha!”
“Nada de novo mesmo? Uai, ora, apoisbem,
morreu seu corvo, coitada da avezinha!”
“O corvo que eu criei?  Ora, ora, que peninha...
Eu gostava muito dele... Mas diga-me, porém,

“de que morreu o meu pobre corvinho,
nem era velho!” “Uai, morreu de indigestão,
comeu carne demais dos seus cavalos...”
“Mas que cavalos?  Os que ganhei do meu padrinho?”
“Pois é, morreram todos na ocasião,
de tanto carregar água dos valos!...”

“É pena que morreram, mas demais, tá tudo bem?”
“O senhor tem mais pão? Estou com fome,
no caminho não achei nada que se come,
e então pensei em lhe visitar também...”
“Mas que história é essa? Que outra notícia tem?
Morreu meu corvo de tanta estimação,,
diz que morreram meus cavalos “na ocasião”,
e ainda me diz que foi por fome que aqui vem?”

“Pois é, mas no fim, tudo dá certo.
a culpa é do corvo, que se empanturrou,
ninguém comer seus bichos lhe mandou!
Claro, foi o Sr. seu pai que autorizou,
a gente só fez o que o patrão recomendou,
mas já era tarde, não tinha mais conserto...”

“Mas carregaram água, meus cavalos de corrida!”
“Foi do defunto Sr. seu pai a decisão,
o coitado até morreu do coração!...”
“Meu pai morreu!?” “Sim, senhor, perdeu a vida...”
“E só agora me dá notícia tão sofrida...?”
“Mas tudo mais está bem na plantação,
foi um enterro muito lindo na ocasião...
até a missa foi muito concorrida...”

“Mas por que os cavalos foram água carregar?”
“Uai, era preciso, para o incêndio se apagar...
A casa inteira acabou se desmanchando...”
“Mas de que incêndio você está falando?...”
“Foi do velório de sua mãe, pobre senhora...”
“Minha mãe morreu e só me conta agora...?”

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
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