ACÚLEOS I – 13 DEZEMBRO 2023
(Agnetha Faltskog, cinema islandês)
Toda beleza tem dentes aguçados,
Pode morder para te dar prazer
Ou por prazer pode querer morder,
Pingos de sangue de forma ou outra derramados.
Assim os corações são mastigados
Por essa dor que só pode conceder
Esse carinho em que a beleza há de morrer
Dos beijos todos sobre a carne descartados.
Mesmo essa carne que não mais existe,
Mas que nos pôde ferir enquanto bela,
Em seu anseio venenoso de carinho,
Cada saliva de beijo um ideal triste,
Que se derrama sobre a pele e ainda apela,
Após aberta toda a roupa em desalinho.
ACÚLEOS II
Mesmo na ausência da mais fera
intenção,
A beleza nos queima e fundo
desce,
Cada beijo a expressão de egoísta
prece,
Buscando apenas alcançar
satisfação;
Percorrem dentes toda a pele sem
noção,
Mas a saliva aos poucos
desfalece,
Enquanto o tempo sem perdão se
aquiesce
E destempera a mais perfeita
excitação.
Já a língua mais se mostra
generosa,
Deixando um rastro de si sem nos
morder,
Mais tempo leva sem se desfazer,
Mas em seu sendeiro ainda é-nos
impiedosa,
Insistindo em receber o quanto
quer,
Tal qual o espinho que acompanha
cada rosa.
ACÚLEOS III
Mas basta olhar o belo nos seus olhos,
Ele nos queima em altíssimo fulgor,
Raios de chama pretendendo ser amor,
Em cada lágrima o perigo dos escolhos,
Cada pupila um breve porto com seus molhos,
Um cristalino qual espelho em seu ardor,
Cada pestana a reforçar esse calor,
Que me investiga no tremor de seus refolhos.
Assim, se és bela, a alma me mordiscas,
Bem levemente, esquiva em teu prazer,
As tuas pestanas agudas em suas iscas,
Mas nesse anzol de tua beleza então me afogo,
No inexplicável fascínio da mulher,
Que tanto temo, mas para o qual me jogo.
SALTO NO ESCURO I – 14 DEZ 23
Ou contra quem quereria me jogar,
Mas não me atrevo, me fisga a circunstância,
Fico a beber a ausência dessa instância,
Somente ao vento consido me arrojar,
Para esse arrojo não consigo me entregar,
Por mais que dele admire sua elegância.
Mas minha ausência de arrojo tem constância,
Ante seus pés não consigo me ajoelhar.
Como é estranha essa tal subserviência
Ante os escolhos de cada convenção,
Fica o desejo entalado na garganta,
Não serei dela apesar de sua insistência,
Mesmo em suspeita de encontrar aceitação,
Nesse seu rosto suave que me imanta.
SALTO NO ESCURO II
Toda questão de desejo é relativa,
Na verdade, por mais que se deseja,
Somente as costas da mão é que se
beija,
Fica a esperança derrotada de
indecisa;
Mas não se trata de colher a
sempre-viva,
É o miosótis que sobre nós adeja,
Ele que escolhe o momento que se
enseja,
Não cabe a nós tornar a escolha
decisiva.
Porque sempre, ao longo de minha
vida,
Nunca escolhi, esperei que me
acolhessem,
Ou ao menos que essa escolha
sugerissem,
Fui pelo amor sempre a vítima
escolhida,
Mais que dar beijos espeei beijos me
dessem
E minha alma de certeza
revestissem...
SALTO NO ESCURO III
Que me olhem com desprezo é bem possível,
A tradição, afinal, é a cortesia,
Que seja o homem que primeiro se atrevia,
Na tentativa de obter quanto é exequível,
Mas no meu caso aguardo o incognoscível,
Sempre esperei a cornucópia que se abria
Ou o tapete mágico que me conduziria
Ao meu oásis de amor imperecível.
E o que me espanta é ter sido buscado,
Não um vez somente, porém tanto,
Que um par de lábios se abrisse de inopino,
Em tal instante de amor inesperado,
Que a meu redor tudo entoasse um canto,
Que me levasse ao mais perfeito desatino!
PTERODÁCTILO I – 15 DEZ 2023
Eu sou um beijo que nunca foi trocado,
Escondido junto às traves de teu teto,
Oculto ali no escaninho mais secreto.
Queria o beijo, afinal, ter-se abrigado
Nesses lábios de alguém sempre a meu lado,
Em cujas íris enxergo olhar dileto
E me aparentam transmitir mais do que afeto,
Mas sou um beijo na timidez de seu pecado.
Serei um beijo que nunca foi beijado,
Um meio-beijo sequer, ou beijo algum,
Um simples beijo partilhado com nenhum
Serei um beijo afinal tão acanhado,
Que só nas traves do teto se pendura,
Em vago anseio que por toda a vida dura?
PTERODÁCTILO II
Quem sabe tu serás beijo também,
Empoleirado sobre os cortinados,
Tem seu temor de abraços
encantados,
Aclimatado nesse vazio que ama
ninguém?
Quem sabe és tu os beijos que me
vêm
Pelas flores dos ventos
ressumbrados,
Em solidão igualmente
condensados,
Imóveis beijos do amor que não se
tem?
Beijos perdidos ao longo das
paredes,
Ressumbrados dos lábios em
receio,
Sem serem dados, só beijos de
permeio,
Com a solidão das mais arcanas
sedes,
Que se afastaram dos lábios,
desvairados,
Sem se apegar ao lábios mais
buscados?
PTERODÁCTILO III
Ai, pobres beijos com suas asas de morcegos,
Sobre lâminas e caixilhos ressecados,
Pobres beijos em timidez envelopados,
Beijos sem rumo, tristes beijos cegos,
Beijos perdidos, sem alcançar os regos
De outras bocas em que sentir-se amados,
Beijos de medo, de si mesmo renegados,
Beijos de gelo, temerosos dos apegos...
Ai, que esses beijos pudessem ser trocados,
Sem esperança, sem sentido, em desvario,
Beijos deixados perdidos para o cio,
De alheios lábios em temor apavorados,
Tais quais os beijos que nunca te darei
E os beijos doces que jamais receberei!
POMBAIS I – 16 dezembro 2023
Por que razão os ossos se conservam?
De forma alguma que guardem os meus!
Costume egípcio que passaram aos judeus,
Que os ocidentais sem razão ainda herdam;
Os campos de cultivo assim se alternam
Com tais necrópoles sem motivos seus...
Guardar os ossos agrada a qualquer deus?
Por que em tais covas os mortos se adornam?
Que seja a carne consumida pela terra,
Sem ataúde e sem qualquer mortalha,
Enquanto os ossos seu sono ela agasalha,
Pois alma alguma nesse chão se encerra,
Só nesse exílio se conservam os esqueletos,
Sem ressumbrar quaisquer ideais secretos...
POMBAIS II
Que então sejam os ossos exumados
Para enfim submeter-se à
cremação,
Sem desrespeito de qualquer
noção,
Para os céus finalmente
destinados,
Poeira dos nossos às nuvens
transladados,
Nada ficando para outras
gerações,
Sem grande esforço logo se
perderão,
Já pelas carnes foram campos
abençoados.
Melhor, no entanto, que desça o
pó ao pó,
Sem desperdício em tal
sepultação;
Serão arqueólogos no futuro que
virão,
Para estudar o que foi deixado
só,
Sem maior honra que os de
dinossauros,
Os nus calcários conservados em
ossários.
POMBAIS III
Assim espero ir logo ao crematório,
Sejam as cinzas restantes espalhadas,
Por que deveria legar as minhas ossadas
Para uma escola ou hospital inglório?
Pouco me importa o seu repositório,
Seja no mar sobre as vagas assopradas,
Seja do alto de um outeiro despejadas,
Ou até mesmo em galinheiro merecório.
Não é que tema ser por vermes consumido,
Somente espero tão só deixar de mim
A quantidade imaculada de meus versos,
Que ninguém possa negar ter recebido
Esses sonetos articulados no sem-fim,]
Que aos quatro ventos por mim foram
dispsersos.
COLUMBÁRIO I – 17 DESENBRO 23
No oeste existe dos Estados Unidos
Um vasto prédio e bastante suntuoso,
Cada parede ostenta em nicho prestimoso
O pó e as cinzas de tantos falecidos;
Após sua cremação a ser ali reunidos,
Prédio arejado e em nada tenebroso,
Restos mortais de um povo industrioso,
Que as vermes foram assim subtraídos.
É chamado o Columbário, em alusão
Aos pombais de mais antiga aceitação,
Conservados em cuidados permanentes,
Nem carne ou ossos nesse eremitério,
Só restos puros verticais em cemitério
Por trás de lápidas ali nomeados os presentes.
COLUMBÁRIO II
Em um futuro distante, depois que
a poluição
Tivesse as plantas e os animais
exterminados,
Por Soylent Green eram então alimentados
Os seres humanos sobreviventes na
ocasião;
Eventualmente se revelou a
solução
Por trás dos produtos assim
elaborados,
Em laboratórios com cuidado
manejados,
De onde as vitaminas teriam
obtenção?
Matéria-prima eram aqueles que
morriam,
Sua carne e ossos para alimento
destinados,
Dos cadáveres que em eutanásia
produziam,
De que calcário e os ingredientes
procediam,
Igual sendo os dejetos
reciclados,
Único meio de alimentar os que
viviam!
COLUMBÁRIO III
Nunca entendi essa estranha compulsão
De guardar cinzas após a cremação:
Pode ocorrer o descuido de um instante,
Ser provocado algum desastre delirante!
Igual que ocorreu naquele restaurante,
Quando um novo garçon itinerante
Introduziu novo tempero na ocasião,
Em melhoria do sabor da refeição.
O Sr. Chang, pareceu ter-se assustado:
”De que ‘tempelo’ você está falando?”
“Daquele vaso azul tão caprichado,
Naquela prateleira ali do lado...”
O proprietário foi logo o vaso destapando:
“São as cinzas do vovô, ‘blasileilo
desglaçado’!”
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