segunda-feira, 22 de janeiro de 2024


 

E é a própria imagem que me espelha,

em sua risada que solta derradeira,

quando partiu-me, no final,  meu coração.

 

ABELHAS CARMESIM I (2009)

(Colleen Moore, cinema mudo)

 

A pele contra a pele... Imaculado

é o ato de amor com quem se ama,

que muito mais ao coração reclama

do que outro coito apenas esboçado.

 

Não é o vazio do corpo entrelaçado

preenchido por outro que derrama

sangue de fel no ato em que proclama

tersa paixão em rojão deliberado,

 

num vácuo de despeito, luz sem brilho:

é jaça de diamante, é voz calada,

escuro no horizonte, negro sol,

 

apenas a explosão com que te encilho

e mil nêutrons em corrida amargurada

à radiação repentina do arrebol.

 

ABELHAS CARMESIM II (2 setembro 2011)

 

Eu te darei leite e mel pela manhã

e lamberei doces gotas nos cabelos,

depois te lembrarei de meus desvelos,

na comunhão de vinho e de romã.

 

Eu te darei a graça mais louçã,

na tessitura de pele e peitos belos

e deixarei sobre teu ventre os selos

da melopeia suave e temporã.

 

Pois serás minha, desnuda e revestida,

na cadência pueril da aurora muda

de teu antanho toda engalanada:

 

de madressilvas e pitangas, luz e vida,

na secular harmonia que te escuda,

pela certeza de saber-te amada!...

 

ABELHAS CARMESIM III  

 

E pela tarde, de novo me darás

o mel que de tua boca se refina

e o leite destilado da vagina,

o leite e mel que de manhã receberás.

 

E enquanto sobre nós vela a cortina

e impede nos perturbem vistas más

ou as galhofas de mil nuvens de gás

do hálito mau que ao amor sempre assassina,

 

eu te devolverei leite de amor

e minha própria seiva será doce,

enquanto me recobre teu suor,

 

como se mirra e especiaria fosse;

e na urna de alabastro o meu calor

mais uma vez a extinguir-se expôs-se.

 

ABELHAS CARMESIM IV – 10 dezembro 2023

 

E quando me hospedar no camarote,

para a viagem a que o vento me impulsiona,

canto das ondas na cocleia me ressona,

peixes de fósforo voejando sobre o bote

 

e assim o rosto teu, como lingote

de ouro puro, envolto nessa coma

de estrelas cintilantes, nessa goma

de visgo e de azevinho, no chicote

 

que teus cabelos vergastam em minha face;

e que tuas coxas me prendam, exigentes,

sem permitirem me afaste um só momento;

 

que seja o seio o aroma que perpasse

toda a réstia de sonhos refulgentes,

a me toldarem inteiro o julgamento.

 

ABELHAS CARMESIM V

 

Mas os mamilos de rosa aureolados

são iguais a duas abelhas carmesim

a picarem minha lingua, pois assim

ferrão me cravam nos lábios inclinados.

 

Então irei preencher os teus alados

véus membranosos de um ideal comum,

enquanto ela sorri-se no sem-fim

desses beijos de amor descompassados.

 

E que tuas mãos segurem minha cabeça

e a prendem firme contra o púbis nu,

ansiando ser permanente o movimento,

 

lábios e língua de que jamais se esqueça,

nesse sabor que me derramas tu,

qual elixir do eterno esquecimento.

 

ABELHAS CARMESIM VI

 

E que te faça gritar entre meus braços,

nesse arremedo de dor de tua expressão,

quando em teus olhos se rcvela a exultação,

nesse prazer supremo dos abraços,

 

que reconheça no esgar dos traços

a dor que manifesta em confissão

dessa entrega total, pura paixão,

na luz esquiva de teus olhos garços!

 

Coma dourada em orgasmo cintilante,

que seja o teu prazer que mais me afoga,

que me espedace nas falésias de teus beijos

 

e que seja só nosso o eterno instante,

em que nas nuvens a casa inteira voga,

na implosão incontrolável dos desejos.

 

ABELHAS CARMESIM VII – 11 dezembro 23

 

Que então me tomes em sofreguidão,

primeiro a glande em farejar secreto,

depois a língua a implorar afeto,

depois os lábios em maior exploração

 

e a boca inteira me recolha então,

em compassado ardor mais indiscreto

e que de novo a língua, como inseto,

abelhas carmesim colha em botão!

 

A minha boca na tua boca de segredos,

a tua boca na espada da lascívia,

enquanto os corpos sobre o leito giram

 

e sobre a carne das nádegas os dedos

ainda corram sobre a pele nívea,

enquanto a derradeira gota me retiram.

 

ABELHAS CARMESIM VIII

 

Porém que seja por momento breve

e após de novo tua boca me ilumine

e de teu hálito o cheiro me fascine,

para depressa concluir minha greve,

 

que novamente sobre ti meu corpo deve

esforçar-se à função que se destine,

enquanto tua testa se erga e bailarine

e a um pas-de-deux com mais vigor se atreve

 

e novamente os teus gemidos misturados

sejam aos meus, embora mais contidos,

enquanto orgasmos procuram ser retidos,

 

até que sejam os fluidos derramados

e quantos gritos de paixão havidos,

antes que sejam em zigotos combinados.

 

ABELHAS CARMESIM IX

 

Entre as avencas do ventre há outra abelha,

oculta em suas folhagens carmesim,

tripla armadilha de pudor assim,

para escudar a raça que se espelha;

 

pois no clitóris encontra-se a corbelha

e o zângão a ela se projeta enfim,

em seu  voo sideral, qual Aladdim,

lustrando em âmbar sua lâmparina velha,

 

que assim lhe surja um gênio multicor,

mais um botão da magia que se assanha

e só conceda um tipo de desejos,

 

na geração do fruto desse amor,

depois que a flor o lavrador amanha

e a desperte como mãe de muitos beijos.

 

ABELHAS CARMESIM X – 12 dez 2023

 

De certo modo, meu destino se assemelha

ao fado curto de qualquer macho de abelha;

criado apenas para a fecundação

da abelha-mestra, cumpre sua função

 

somente por um dia esse zângão

e logo morre sem mágoa ou pranteação,

enquanto o macho humano tem parelha

permanência nessa vida, em que se espelha

 

na fêmea humana de tão frágeis crias;

se assim não fosse, de mui pouco servirias,

tu, homem meu irmão, na natureza,

 

senão para menter em segurança

a mulher grávida que qualquer fera alcança,

nessa sua glória pesada e sem leveza...

 

ABELHAS CARMESIM XI

 

Por isso é que se pode fantasmar

e erguer odes fantasiadas de poesia,

nesse amor puro de pura idolatria,

nesse mais que puro e simples procriar.

 

Por isso é que se pode assim louvar

o arcano ato da sexuada alvenaria,

em que a criança se constrói e cria,

pelo impulso fulgurante de orgasmar,

 

enquanto vê-se essa vasta maioria

dos mamiferos tão próximos de nós

abandonar esse muro bem depressa,

 

enquanto dos humanos a flébil cria

durante anos não se deixa a sós,

que em nós buscar amparo nunca cessa.

 

ABELHAS CARMESIM XII

 

É assim que a pele, em plena juventude

trescala um cheiro de límpido sabor,

que sobre a língua espalha o seu olor

e como sede o nosso olfato ilude,

 

que é armadilha, sim, que Deus me ajude!

Mas só no sexo não se alcança tal amor,

por mais que tanto o tenha descrito com ardor

e no entretanto possa às vezes ser bem rude!

 

Contudo existe amor na madressilva,

amor suave tal como a melopeia,

enquanto ressonamos lado a lado,

 

porque esse amor igual serpente silva

e se crava venenoso em nossa ideia

e o zângão morre em tal carinho conservado.

 

 

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