FACES MORTAS I (17
MAIO 2024)
ISABELLE ADJANI, época de ouro francesa.
É estranho que não seja
mais estranha
essa atitude que me mostra
a minha amada,
que parecia sempre
transformada
de um dia para outro e que
tamanha
variedade, assim
inesperada
me apresentasse, em
verdadeira sanha
de ser novas mulheres...
Quanta manha
eu tive de mostrar ao
enfrentar cada
dessas mulheres de seu
corpo inquilinas!
Mas agora, há dois meses
que não muda
e eu só fico a imaginar o
que me espera...
Quais novas vastas tricas
femininas,
que ao não mudar, de certo
modo iluda,
a preparar-me as ciladas
de uma fera?
FACES MORTAS II
Acho ser parte da natureza feminina
esse seu vezo de ser tão inconstante.
Apenas me pergunto, em algum instante,
se por deliberação assim se inclina
ou se é inconsciente a malha fina
com que me envolve qualquer nova ocupante,
participando agora da fragrante
vida exterior a que emerge e me fascina.
Só me parece, às vezes, mal saber
quem sou eu e tampouco se importar,
em seu esforço para reconhecer
o novo ambiente e os detalhes do lugar,
que até demonstra em rancor permanecer,
se incauto chego em busca de a beijar...
FACES MORTAS III
É como estranho fora totalmente
para essa nova pessoa dominante,
que me olha de viés, por um instante,
menos zangada do que indiferente,
até que outra informação ingente
aflora nela, em fervor expectante:
"Esse é o nosso marido!" Que alarmante
saber qual brotará desse inconsciente!
E são facetas de uma alma, tão somente,
ou realmente emerge gente morta,
das brumas do passado, suas parentes,
ou amigas de um afeto permanente,
encarnações de antanho, que comporta,
ou meandros obscuros em sementes?
FACES MORTAS IV – 18 MAIO
24
Quem são as almas aqui
enoveladas?
É tudo efeito de
esquizofrenia
ou personalidade múltipla,
que agia
sobre os neurônios de
mentes alienadas
ou são antes essas mentes
enroscadas
por liames personais,
vozes que um dia
relacionaram-se, na mente
que assistia
e que as captou,
asserpenteadas...?
Será que existem
territórios demarcados
nos microtúbulos das redes
suas neurais,
cujas fronteiras são mal
definidas
ou são só as vibrações
descompassadas
de tambores e bombos
triunfais:
marchas marciais, porém
mal percutidas?
FACES MORTAS V
Outros dirão, a me troçar, porém;
“Não é melhor ter cem noivas em casa,
embora apenas numa cama, em que se embasa
dezenas de odaliscas nesse harém?”
Mas tal suposição é um pouco rasa,
é um só e mesmo corpo a ocupar, também,
é o mesmo cheiro nas narinas que se tem,
podem ser cem, mas numa mesma vaza...
E como já é difícil uma só entender,
ter de adular para se fazer amor
com tal frequência que se desejara
E que dirá desconhecidas convencer,
que não demonstram por mim nenhum calor,
depois que a anterior se deslocara?
FACES MORTAS VI
E ainda existe esse conflito interno,
essa luta por vezes inconsciente,
entre uma personalidade mais ingente
e outra que já está do
lado externo?
Quando não há no olhar nada de terno,
até os olhos tem nuance diferente
e se concentra a atenção, plangente,
nessa disputa, que
até parece inferno!
Só imagino como seria comigo,
caso outras mentes me quisessem dominar
e minhas memórias até mesmo apagar
e simplesmente a tanto não consigo,
porque meus alter-egos
logo dominaria
e a redigir meus versos
por igual obrigaria!
FACES MORTAS VII – 19 MAIO
24
Na verdade, até as chamei
de vozes mudas,
que não escuto dentro ou
fora assim,
tão somente agitações dentro de mim,
essas tendências e
propensões desnudas,
sem que experimente lutas
mais agudas
e nem recordo tê-las
ouvido, enfim,
tentar me dominar até hoje
nin-
guém me pareceu, ainda que
aludes
a tais mudanças que em mim
causei,
pois sou hoje bem diverso
do que fui,
ainda que creia que
aprendi com a vida
e a mim mesmo aos poucos
transformei,
enquanto sinto que a
maioria se dilui
e deixa a vida levá-los de
vencida!
FACES MORTAS VIII
Mas não me flagro em qualquer conflito,
não sinto em mim caracteres secundários,
os meus demônios se tornaram solidários,
nesse coral que tenho por bendito,
nessa cachoeira que já tenho escrito,
em que se mesclam cientistas e operários,
cada um dos quais a traçar itinerários
de bem diverso rumo a que os incito.
Mas esta saga de versos já sem conta
ainda experimento sem ter discordância,
não me aparece um jovem amoroso,
nem um velho resmungão se me desponta,
cochicham só com alguma elegância,
o que procuro tornar mais primoroso.
FACES MORTAS IX
Mas ela, oh deuses! Mil
almas ter parece!
Até concordo que isto seja um exagero,
são facetas, afinal, avatar mero,
que passados alguns dias, logo esquece,
enquanto o nome que ela usa não perece
e não me venha ninguém com lero-lero,
que em diferentes olhares eu me abeiro,
não outra alma que dentro dela desce...
A diferença é real, em seus caminhos:
ou ela busca atender ao seu
jardim
horas a fio, ou no sofá se assenta,
a contemplar destinos pequeninhos,
nessa lâmpada quadrada de Aladdim,
em que tanta maravilha se apresenta..
FACES MORTAS X – 20 MAIO
24
E destarte, nunca sei o
que esperar,
se ela aparece cheia de
energia,
ou se a manhã inteira ela
gemia,
de dores múltiplas para se
queixar
e se apenas fico,
cauteloso, a observar
a senda e de que modo a
trilharia,
a estranha luz que em suas
vistas brilharia
ou qual o tom de voz que
vou escutar.
Não que me dê isto razão
para brincar,
as nuances ali vêm de madrugada,
tal qual meninas jogando
amarelinha,
cada uma delas por seu
turno a aguardar,
nesse abandono da infância
bem amada,
em que a criança já morta
se avizinha.
FACES MORTAS XI
Porém nem sempre é calmo esse alternar,
parece às vezes uma real disputa,
ela encerrada em distante gruta,
sem que me atreva suas rochas a franquear
e então explode num
deblaterar
e usa a menor coisa que me escuta
para pretexto de rancor ou luta,
sem que a si mesma pareça até escutar.
A impressão que então me passa até
é que as palavras nem passam por sua mente,
porém se formam direto na garganta
ou em algum ponto do esôfago tenham sé,
destinadas a magoar pungentemente,
com tal crueza que a alma mata e espanta.
FACES MORTAS XII
Não me parece ser assim toda a mulher,
já convivi com outras diferentes,
menos complexas, talvez mais inocentes,
se é que inocência tem mulher qualquer...
mas quando um beijo, afinal,
ela me der,
as malquerenças se apagam, indolentes,
em endorfinas que sei não serem permanentes,
mas que apagam todo amargor
e desprazer.
Feroz é então o amar dessa amazona,
se bem seu cinto nunca me outorgou,
a minha hipólita que traz na língua a lança...
que ainda perdura de meu peito a dona,
por toda a mágoa que na vida me causou
no peito que rasgou em acenos de esperança.
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