quarta-feira, 26 de junho de 2024


 

 

GENTES MORTAS 1 – 21 MAIO 24

JESSYE NORMAN, cantora lírica

De quais gentes me brota a inspiração?

De que ínvios rincões da humanidade

me atingem gritos de desesperalidade

ou ao contrário, de plena exultação?

Essas gentes já mortas aonde estão,

como  alcançaram ampla hospitalidade

deste meu cérebro a curta opacidade,

em minhas meninges como penetrarão?

Certo é que este altissonante versejar

não me parece originar-se em mim apenas:

de onde sopram as urtigas e verbenas

que de meus dedos sem pudor irão pingar?

Será que escuto vozes mudas ao luar

ou ao meio-dia insolentes cantilenas?

GENTES MORTAS 2

De que órgão de tubos e caniços

escuto essa intangível vibração?

Será que são as cuias que ali estão

sobre aramados de tão magro viço?

Será que são esponjas a serviço

de qualquer canto de mata no rincão

ou das corticeiras avermelha-se a canção,

de uma mata ciliar o som castiço?

Será o vento soprando nas tabuas

ou por entre as solidagas seminuas,

a sacudir sementes que repartirão

ou pelas várzeas se enrolam as lianas,

nesse capim de azevém e de campanas

que dentre as brisas se fazem brotação?

GENTES MORTAS 3

De quais pedras jazendo sobre o vale

descem as vozes mortas sem sossego

para as lianas rangendo no arvoredo,

nessa voz permanente que não cale?.

Será que existe da samambaia um xale

a murmurar soluços de segredos,

as pedras a rangir flores e medos,

areias finas em prefigura de algum caule?

Será que as gentes mortas se tornaram

em pedregulhos, caolim e pedra-moura,

em cada nuance a frágua de um tesouro,

em pedra-pomes suas vozes misturaram,

nesses resquícios em que o sol ainda doura,

voz de tambores a percutir-me o couro?

GENTES MORTAS 4 – 22 maio24

Será então que me brota dos pelegos

essa nuance eventual de carne morta,

esse aroma apodrecido que me corta

e que me fita sem orgulho em olhos cegos?

 

Será que ressequidos ainda há apegos,

sem que a artéria seca ainda se importa

e algo do sangue já vertido ainda me exporta

pelo calor dissipado em vãos arpejos?

Esses pelegos sacudindo ao vento,

depois de serem relegados ao relento

e balbuciando assim seus desenganos

para a pastagem de um coração humano,

sem fazer parte do aquerenciado plano,

somente o pelo farfalhando seus afanos?

GENTES MORTAS 5

Será que há outros sob os pés de samambaias,

que em Portugal chamam fetos sem segredos,

meninos mortos, que não cresceram ledos,

ali plantados como tantas faias

ou ali ainda se sacodem largas saias.

bem sob a terra ao percutir dos dedos,

de qualquer modo a transmitir albedos

para meu cérebro envolto em tantas mayas?

Por certo tíbias percutem sentimentos

do que viveram em tristezas e pecados,

ouço o crotalo sem saber seus lados,

talvez soem simplesmente guizos belos,

mas  a seu som meus dedos formam gelos,

haverá sabedoria em tais lamentos?

GENTES MORTAS 6

Será que encontro inspiração na cruz limosa,

feita por tíbias com tendões atadas,

nesses anúncios de tão pequenos nadas,

restos defuntos de uma vida esperançosa;

não que escute estalares de almofadas,

quem jaz ali não tem mortalha mais garbosa,

está talvez desmantelado e qualquer rosa

entranhou-se nas costelas desmanchadas,

apenas vejo ali macabro instante,

ao passo que uma vida segue avante,

tal gente morta talvez gerasse um só espinho

e contra as hastes ressequidas murmurasse,

num assobio que apenas me espelhasse

pobre refrão a atravancar o meu  caminho.

GENTES MORTAS 7 — 23 maio 2024

Que gente morta ali vai borbulhar,

no crocitar em quariqui de um sapo

ou no crotalo de amarelo papo,

que serpenteia ao longo do caudal?

Talvez alguém me sussurre no fanal

de flores belas que surgem dessa lama,

qual pobre gente que fez ali sua cama

e ainda me fala sem querer meu mal.

Quem dera que a canção desse sapinho

se pudesse transmutar em um soneto,

para saltar ao coração de gente viva;

quem dera se as pedras do caminho

trinassem algo, num cantar secreto,

para as jóias rebrilhantes de minha diva!

GENTES MORTAS 8

Será a mata plena em solidão

a fonte arguta de meu novo poema,

de que forma ressurgir em doce pena

o cipoal que se cruza na ocasião?

Seria a clareira a me surgir de sopetão

por entre as casuarinas, como gema,

a sacudir suas agulhas nesse lema,

para atrair-me ao assombrar da escuridão?

Que o cipoal recorda esse torneio

de cada verso em que me emaranho,

que me enleia em dédalo tamanho

para atrair-me à labirintina concussão,

mas cada poema redijo sem receio,

mesmo que saiba qual estranha sensação

pode afinal resultar em inspiração?

GENTES MORTAS 9

Talvez devesse inspirar-me a cordilheira

que Neruda descuidado rejeitou,

mas diferente breviário me alentou,

não penso em sangue a sibilar na esteira;

talvez devera me inspirar a cremalheira

que tanta pedra artificial gerou,

mas diferente é a planta que animou

o meu espírito e que de mim se abeira.

Ou então será a linha do horizonte,

nessa cópula do ar com cada serra,

a me escorrer da inspiração a fonte,

mas quem morreu a contemplar o arco

que pinga cada gota do céu com a dura terra,

por que deveria então soprar meu barco?

GENTES MORTAS 10 – 24 maio 24

Outros dirão que me projeta a Lua,

seus fios gélidos a aquecer-se em mim,

como feixe de ossamenta carmesim,

enquanto penso em vão senti-la nua,

pois tem dois chifres agudos como pua,

quando crescente, em seu trajo de arlequim,

mas não fecunda assim o meu jardim –

seria a Lua que sobre mim atua?

Ou ao contrário, vou procurar no asfalto

Esse negror patético de um verso,

ansiando por piscar revoluteante,

oculta a pedra antiga em tal ressalto,

essas feridas de esplendor inverso,

em que se hemoptisa meu sonho palpitante.

GENTES MORTAS 11

Há gentes mortas transmutadas em edifícios

ou simplesmente em casas paroquiais;

para o soneto a religião cobra demais,

ao permitir seu poder de precipício,

pois cada verso traz seu próprio malefício,

mesmo se alegre ou em cantos triunfaus

e ao mesmo tempo inspira sempre mais,

ao menos traços de um futuro frontispício.

Não sei por onde me assediam os chacais,

por que me espreitam de soslaio os jacarés,

Cada soneto pode ser um usucapião

desses molhes que apodrecem junto aos cais

ou os crucifixos metalicos das fés,

quais centopeias a me roer o coração.

GENTES MORTAS 12

Quiçá de insetos é que me brote a inspiração,

que afinal, sempre existe um louvadeus,

em seu bote preparado para os seus

vitimizados em cada refeição

e é de pensar qeu me mastigue o coração,

em mil partes remontando até os judeus,

dos sacerdotes cristãos sonhos ateus,

o meu sangue a dispersar na solidão.

Sou peregrino a aguardar meu sacrifício,

No  tempo e espaço das franjas de minhalma,

ao partilhar.da eucaristia dos mortais,

que só sussurram  sem sequer fazer bulício,

nas cristalinas vastidões da calma,

até que eu forje arcobotantes materais.

GENTES MORTAS 13 – 25 maio 2024

A inspiração, dir-me-ão, vem da cascata,

que do subsolo se alça em hesitação,

ou que se explode quase em borbotão

e se expande a degolar a verde mata;

logo outro filete de água se desata,

dentre três pedras, com olhos em botão,

a cortar gluglulejante toda a vegetação,

até outras pedras com quais se debata;

mas o que traz à superfície a simples fonte,

essa deidade ctônica e espeleológica,

a gente morta que no subsolo dorme

e com seus velhos sonhos, pobre arconte,

sem a sigízia de amor, sem qualquer lógica,

no ar se espalha enquanto  a imagem forme.

GENTES MORTAS 14

Ou é o relâmpago que amplia o coração,

em inesperado e metálico esplendor,

derrete a carne em versos de pavor,

em sua beleza de tonitruante divisão

ou será seu seguidor, surdo trovão,

que a seguir se enlaça em estridor,

que virá a dominar-me por temor,

nessa crueza triunfal de sua canção.

Lembra seu canto o pomo das Hespérides,

cuja conquista foi da hercúlea sensação

ou o rebanho dos bois de Gerião,

nesses arcanos repicar das efemérides,

ou o poder emanado deste a terra,

circumbrilhante nessa saga em que se encerra.

GENTES MORTAS 15

Tomo os olhos que saem dessas necrópoles,

de algum modo os transformo em emoção,

na busca álgida de uma nova sensação,

que em si contém minúsuclas metrópolis;

eu serei para esses olhos a egópolis,

somente em mim encontrarão aceitação,

podem contar-me vingança sem perdão,

mas em mim construirão as suas demópolis

e cada veso que sangrar de minhs falanges

será o sangue de ossos ressecados,

que assobiam em louvor dos assombrados

e em mim seus lábios se tornarão alfanges,

a sua boca eu serei em metempsicose,

em meu peito doentio a dourar cada neurose.

 

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