BASTIDORES 1 – 29 ABRIL 24
traz ela um bordado em seu
bastidor,.
seu desenho é doméstico, mas tem
linhas de amor.
a minha própria mãe em bastior
bordava
e com delicadeza suas agulhas
destrocava,
numa passada me revelava igual
ardor,
era coisa de mulher, em singular
favor
e quando vi minha esposa que em
agulha se empenhava,
era prenda para o lar a roda que
empunhava,
mais de uma agulha nesse tecido
penetrava,
cada qual a pingar no pano nova
cor...
mas nunca a contemplei fazendo
qualquer renda.
bordava dentro de mim enquanto a
observava,
meu coração desenhado em nuances de
frescor,
cada passagem de uma agulha a
iniciar-me em nova senda...
BASTIDORES 2
já minha tia Lydia
repetia com frequência:
“lá vem obra, lá vem
obra,
tartaruga atrás da
cobra”
o meu sorriso a
escutava com paciência;
nunca soube bem desse
ditado a ingerência,
apenas sua lembrança
em minha memória sobra;
nas bandejas de meu
lanche sua cabeça dobra,
café e sanduíches
armados com ciência.
de certo modo, era uma
espécie de bordado,
os tons de margarina
distribuídos com fervor
e se acaso de algum
lanche se esquecia,
dentro de hora nova
bandeja me trazia,
não que buscasse de
tal modo me engordar,
mas nas pazinhas de
creme seu amor a demonstrar.
BASTIDORES 3
por seu irmão mais
moço um amor tivera parto,
nas páginas do missal
que alguém lhe traduziu
e tal amor por mim
certamente transferiu,
com sua madrasta e tia
a dormir no mesmo quarto
e nunca observei que
alguma a repreendesse,
do fundo de sua mente
quiçá se arrependesse,
as três acolheradas em
uma só colmeia,
seu carinho bordavam
em prestimosa teia;
estranha para mim sua
vida de campanha,
bem cedo levantando
para aquecer o fogão
e os alimentos
preparavam qual fora um bordado,
garfos e facas sua
experiência apanha,
cada prato de comida
linha do coração,
nessa felicidade
simples do alimento preparado...
CASTANHEDA 1 – 30 ABRIL 2024
quando ela me apresenta uma casca
escamosa
e uma língua de espinhos para me
dilacerarem
eu mastigo a noção de em minha alma
derramarem
veneno multicor de sua boca
prestimosa.
mas então me sorri, com sua boca
saborosa,
sem pranto eu percebo suas lágrimas
a banharem,
por tudo o que foi dito tão só por
me magoarem,
nessa inversão total de sua língua
deliciosa.
seus dentes me mordiscam em talhos
de marfim,
e sua saliva em mim já derramada
inteira,
nada mais é delicioso que um beijo
de mulher,
disfarçado em combate arbóreo de
jasmim,
que chego a desejar a fúria que se
abeira,
ao perceber instante em que a magoei
sequer.
CASTANHEDA 2
mas se então me
permite o toque de seus seios,
os mamilos pejados da
cor de outros esquilos,
as veias azuladas em
generosos filos,
o sangue a rebrotar
dentre meus devaneios;
não mais desejo a
morte, mas a vida em outros meios,
parte de mim se
expande no gozo de senti-los,
parte da vida morta
recobro nesses silos,
alimentada por beijos
eivados de receios.
eu nado no caudal de
castos capilares,
que envolvem=me
inteiro no poço dos desejos,
de alimento para os
filhos a dedicada sé
e assim somente provo
a cor desses manjares
e no meu pejo sequer
insisto-lhe em mais beijos,
por entre esses
novelos de impermanente fé.
CASTANHEDA 3
pois beijo seus
mamilos em súplica sensual
e as palavras amargas
de sua boca sao carícias,
minhas palavras por
perdão transformam-se em sevícias:
ela quer o meu amor,
mas nada mais sexual,
transmogrifada às
vezes num carinho maternal
e perco-me em seus
braços no instante desses laços,
cada recusa sua
tornada em mais delícias,
na mais pura matéria,
sem nada de virtual.
o outro tempo passou
como passa a eternidade,
o tempo o engoliu como
engole a menopausa;
por longo tempo
reposição fez hormonal,
mas enfim meu desejo
desfez-se em iniquidade,
só me resta a saudade
do ardor que ela me causa,
a doce companheira que
leve ao meu final.
MYSTICA
1 – 1º MAIO 2024
sob
a capa das tulpas andarei,
pisando
firme sobre a serapilheira,
são
folhas de sonhos a servir-me de esteira,
de
quem é a tulpa que eu cá contemplarei?
de
qual monge tibetano eu a receberei?
ela
recobre da pradaria a jeira,
mantos
de drusas oferecidos nesta feira,
perante
elas não me prostrarei
é
em formato de tulipa que me cobre a tulpa,
como
um abajur antigo a se mostrar,
bem
certamente me pretende iluminar,
a
esclarecer para mim o ignóbil de minha culpa,
a
luz acesa para me incriminar,
lâmpada
de ordálio para em vingança ainda me amar.
MYSTICA 2
sempre imagino que a tulpa me acompanha
desse morigerado monge tibetano;
por que da drusa ela completa o plano,
por que o bezoar tem amplidão tamanha?
às vezes rosto sobre mim se estanha
e me persegue qual perpétuo engano,
em libertar-me do pálio em vão me afano,
a recobrir-me em inacessível manha.
por que o monge me enviou sua tulpa,
por que perante mim o meu ideal extingue,
ao invés de ser-me possível proteção?
mas só ampliando destarte a minha culpa,
esta minha capa que meu viver distingue,
lâmpada cega que não me dá iluminação.
MYSTICA 3
em vão aguardo que esta tulpa me abandone,
me assola firme como um par de olhos,
para guiar-me coloca em mim antelhos,
para a trilha que deseja assim me dome.
por muito tempo eu pretendi o nome
de cavaleiro e protetor desses refolhos,
assolados por entidades em vastos molhos,
que eu próprio fosse a força, porém some
a minha força antiga e faz-se necessário
que minha amada me dê sua proteção,
mesmo que antes não me baseasse nela,
mas agora algo me empurra perdulário
e de meus passos retira-me a atenção,
talvez meu dorso ocupe em adamantina sela!
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