A ÁGUIA &
MAIS
William Lagos
VIVEIRO II – A ÁGUIA I – 18/7/06
A que compararei o meu amor?
À águia altiva, de olhos penetrantes,
Senhora dos espaços cintilantes.
A mostrar, corajosa, esse valor
Que conquistou, com tanto sacrifício,
Depois de sofrer muito, pelos erros
Que cometeu, ao longo dos desterros,
Que lhe trouxeram tanto malefício...
Porque essa águia real, essa mulher,
Que encontrei um dia, malferida,
Por um antigo amor desiludida,
Um dia há de tornar-se o que mais quer:
E quando seus tesouros compartir,
Seu coração em glória há de expandir.
A
ÁGUIA II – 12 JUN 14
Toda
águia é olhada de soslaio
Pelos
pássaros que voam menos alto,
Em
especial pelos que vivem em sobressalto
De
seu súbito mergulho, qual um raio,
Quando
em suas garras cai pardal e gaio,
Para
depois pousar em algum ressalto,
Depressa
a devorar repasto falto
Sem
grande substância e pouco ensaio.
Também
a águia de soslaio é olhada
Por
aqueles que no solo têm assento
E
mesmo nunca se atrevem a voar,
Ou
que intentaram uma fraca revoada,
Sem
nos ares conseguirem seu sustento
E
desistiram, por temor de se aleijar!
A
ÁGUIA III
Mesmo
uma águia necessita de aprender
Como
apoiar a vasta envergadura,
Com
os remígios calcular a distância pura
E
sobre as nuvens suas asas esbater;
Enquanto
jovem, sempre pode-se perder,
Dos
turbilhões do vento na conjura
Ou
dos calores, em sua ardente agrura
E
ao velho ninho não mais pode pertencer.
Quando
demora a voar a pobre agleta
E
não percorre os ares como seta,
A
própria mãe a empurra para o abismo;
Não
conseguindo dominar a cada aleta,
A
pobre ave seu voo não completa
E
então desaba para o próprio cataclismo.
A
ÁGUIA IV
Não
têm as águias a consideração
Da
maioria dos humanos aos filhotes;
Em
breve chega o tempo dos rebotes:
Que
então dominem sua própria aviação!
Pois
nessa queda vem o instinto em atenção
E
as correntes ascendentes tais frangotes
Conseguem
empregar para seus botes,
Em
breves voos de progressiva ampliação.
Mas
ai daquelas que nessas tentativas
Só
encontram as correntes descendentes
E
terminam esfaceladas nos rochedos!
Ou
que insistem dos ninhos ser cativas,
De
suas mães a desejar os colos quentes,
Que
as lançarão com os bicos aos degredos!
A
ÁGUIA V
Cada
agleta deve ser independente
E
aprender, sem auxílio, a alimentar-se;
Muito
em breve irá crescer e aclimatar-se
Em
outro pico íngreme e inclemente
E
deverá seu par buscar urgente,
Para
nova geração então formar-se,
Um
novo ninho assim a completar-se,
Todo
o processo repetindo novamente!
Também
conosco é assim, se houver vitória,
Se
for possível nos ares ter ingresso,
Completada,
afinal, a educação,
Hoje
mais longa que na antiga história,
Dos
pais ainda recebendo o seu apreço,
Enquanto
as asas débeis ainda são.
A
ÁGUIA VI
Eu
a encontrei do voo no retorno,
“Com
os dedos por arco-íris anelados,
Imponderáveis”
os amores conquistados,
Desconhecida
de si e olhando em torno;
Então
lhe dei o meu regaço morno,
Nas
muitas vezes em que dormimos abraçados,
Nas
outras vezes em que ficamos apartados,
Cheio
de amor, sem para mim buscar adorno.
Ainda
hoje aguardo a sua expansão:
Fiz
o que pude para a permitir,
Mas
sem querer, talvez a reprimisse,
Toda
fechada no meu coração,
Que
liberdade lhe dava a me iludir
Enquanto
tal amor se compartisse...
ESTILITAS I –
13 JUN 14
Houve um
período, no Cristianismo antigo,
em que alguns
penitentes mais fanáticos
subiam a uma
coluna e, sorumbáticos,
ali ficavam
para sempre de castigo...
Não sei qual
parte do Evangelho amigo
justificava-lhes
esses atos tão enfáticos;
seriam de fato
à sua fé simpáticos
ou só de
orgulho enfrentavam tal perigo?
Como faquires
praticando a penitência,
alguns em pé
e outros ajoelhados,
talvez de
noite até mesmo ali deitados,
quando
ninguém observava a sua paciência
de sofrer em
pagamento de pecados,
sem esperar
em Cristo por clemência!...
ESTILITAS II
Dizem que
alguns por décadas viveram,
afastados do
mundo e tentações,
mas recebendo
do povo as refeições
e assim por
fome nunca pereceram...
Suportando o
sol e a chuva ali ficaram,
talvez
rezando rosários de orações,
talvez
queimando as próprias emoções
e seus
poleiros jamais abandonaram...
Só imagino
que suas necessidades
lançassem
simplesmente das beiradas...
Ou as
colocavam no cestinho da comida?
E no momento
de suas fatalidades,
ficavam suas
carcaças penduradas
ou serviam
para os corvos de guarida?
ESTILITAS III
Não acredito
em tal fingir de santidade,
bem diferente
do teor do texto velho:
“Ide por todo
o mundo e pregai o Evangelho!”
Como podiam
praticar ali a caridade
ou demonstrar
pura esperança, na verdade?
De que tipo
de fé eram o espelho?
Perante uma
coluna eu não me ajoelho,
neles não
vejo sequer sombra de humildade.
“Não veja a
esquerda o que faz a tua direita”,
também se
encontra nas Santas Escrituras...
Eles juravam
aguardar a Segunda Vinda,
sendo os
primeiros nos albores dessa feita,
a escutar dos
anjos vozes puras,
antes que a
própria vida fosse finda...
ESTILITAS IV
Esse costume
lhes chegou do Mitraísmo,
dos
sacerdotes que saudavam a alvorada,
do Deus-Sol a
quente túnica encarnada,
nessa crença
que surgiu do Zoroastrismo...
Mais admiro
de Nietzsche o ceticismo,
de Richard
Strauss a música encantada,
de
orquestração original e entusiasmada,
em “2001”
incluída por modismo...
Anacoretas
sempre posso respeitar;
suas
penitências sabiam isolar,
sem dos
demais procurar admiração;
contudo,
ainda mais, aos escriturários,
em seus
mosteiros, os pergaminhos vários
a preencher
para a futura geração.
ESTILITAS V
Até mesmo nos
seus palimpsextos,
ao apagarem
as escrituras dos pagãos,
substituídas
pelas preces dos cristãos,
nos
preservaram a cultura desses textos
e sob as
preces de seus pios contextos
hoje a
ciência, sem novos apagões,
poesia
desvenda de antigos corações
ou de
disputas filosóficas os pré-textos.
Ressurgem
hoje tais historiadores,
os geógrafos,
os médicos alquimistas,
alguma luz a
nos lançar sobre o passado,
mesmo as
disputas de teológicos doutores
a entusiasmar
os grandes saudosistas,
que o atual
presente querem pôr de lado!
ESTILITAS VI
Mas como é
breve a luz da ressurgência!
na efeméride
de um dia, abre-se a boca,
devora a cor
e o som e veste a touca
desocupada
pelo crânio da impotência.
Revive assim
seus delírios de impaciência
e ainda que o
faça, sua duração é pouca;
repete os
passos da mesma dança louca
da geração
anterior na impenitência.
Pois é, por
certo, inútil refazer
os caminhos
antigos, quando a sorte
se espalha
sobre nós num só momento;
fecha-se a
boca e vai adormecer,
deixa vazia
sua touca para a morte,
não mais que
um elo na cadeia do tormento...
POEMANIA I –
14 JUN 14
Os meus
versos de amor não correspondem
exatamente
àquilo que hoje sinto;
por muitas
vez com a verdade finto,
somente a
imaginar que amores rondem.
Ao ver um
rosto qualquer, quando me sondem
olhares de
soslaio, então eu pinto
o que podia
ser, mas eu não minto
ao descrever
sentimentos que me assombrem.
São tão
sinceros em seu desconhecimento
dessas dúzias
de rostos de passagem,
quanto é
fremente esta imaginação,
que me leva a
sentir, por um momento,
como seria a
vida em tal paisagem,
concretizada
em breve fúria de paixão!
POEMANIA II
Não é que os
busque com sinceridade:
toda mulher
necessita de carinho;
também eu
preciso dele em meu caminho,
porém hoje
quero mais tranquilidade...
Sair de casa,
cortejando veleidade!?
Bem melhor permanecer
no meu cantinho,
mil versos
redigindo de mansinho,
sem sequer a
eles dar publicidade...
Pois afinal,
têm mania de cachoeira!
Jorram igual
que as fontes do Iguaçu,
a “água
grande” em ameríndia voz...
E só recordo,
no conforto da cadeira,
esses assaltos
de coquetismo cru,
sem de
qualquer um deles ir empós!...
POEMANIA III
Os versos
todos que lancei na rede
de quem
quiser ponho à disposição:
até mesmo de
autoria já abro a mão,
que minha
vaidade é pouca e mais não pede
que outras
bocas, com a mesma sede,
os bebam
gentilmente e sem paixão;
nem espero me
ofereçam o coração,
só o
lugarzinho que ao poema se concede...
Não por mim e
nem sequer pela mensagem,
mas pela
emoção que despertar
em quem no Google se põe a navegar
ou que minhas
longas séries, com coragem,
se dispuserem
a roer, qual um cupim
os fragmentos
a enterrar em seu jardim...
PÉROLAS MORTAS I – 15 JUN 14
RASGANDO NUVENS DE ESPUMA
DESCEM JOVENS DESTEMIDOS
PARA OS RECIFES PERDIDOS
EM QUE A PÉROLA RESSUMA
JUNTAM OSTRAS NUMA RUMA
EM SAQUITEIS CONDUZIDOS
POBRES BICHOS PERSEGUIDOS
CUJA VIDA ASSIM SE ESFUMA!
DEPOIS SE ASSENTAM NA PRAIA
ABRINDO CADA ANIMAL
SOERGUENDO CADA FENDA
POR RIQUEZA QUE LHES CAIA
SOBRE AS PALMAS AFINAL
POBRE ALÍVIO DE SUA VIDA!
PÉROLAS MORTAS II
SÃO BRAVOS MERGULHADORES
LOGO PRESA DA SURDEZ
OU DA CEGUEIRA TALVEZ
DAS BIVALVAS OPRESSORES
ESSAS OSTRAS NOS TEMORES
QUE COM LÁSTIMA SE FEZ
CADA PÉROLA EM MUDEZ
MADREPÉROLA DE DORES!
OS COLARES DELICADOS
LUCRO DOS INTERMEDIÁRIOS
DE QUEM PESCA O SOFRIMENTO
IMPERFEITOS REBUSCADOS
EXPLORANDO PERDULÁRIOS
NOS FAVORES DO MOMENTO!
PÉROLAS MORTAS III
ESSAS LÁGRIMAS MACIÇAS
DAS POBRES OSTRAS CINZENTAS
QUE A FOME NÃO ALIMENTAS
SALVO EM VAIDADES POSTIÇAS
POBRES PÉROLAS CASTIÇAS
COM QUE O ORGULHO CONTENTAS
NA RIQUEZA QUE ALI OSTENTAS
PRODUTO DE TANTAS LIÇAS!
AINDA HOJE ORIENTAIS
AS DERRETEM NO SEU VINHO
QUAL SUPOSTO AFRODISÍACO
MAS PARA MIM SERVEM MAIS
COMO PEDRAS NO CAMINHO
DO MEU VERSO DIONISÍACO!
PÉROLAS MORTAS IV
UM DIA PÉROLAS VIVAS
TIRADAS DAS CONCHAS MORTAS
SÃO CADÁVERES QUE PORTAS
EM ALIANÇAS FURTIVAS
TRAZEM LEMBRANÇAS CATIVAS
DAS AUDIÇÕES QUE CONFORTAS
DOS OLHARES QUE RECORTAS
NO COLO DE HUMANAS DIVAS!
MORTA A OSTRA QUE AS PRODUZ
MORTA A MÃO DA PESCADORA
MORTA A ANTIGA POSSUIDORA
DA PULSEIRA QUE RELUZ
MORTO O OURIVES QUE A CONDUZ
AO PULSO DA TUA SENHORA!
PÉROLAS MORTAS V
HOJE HÁ, NATURALMENTE,
AS QUE CHAMAM CULTIVADAS
COM PEDRINHAS ENFIADAS
GRÃO DE AREIA EM DOR PUNGENTE
NOS RASOS TANQUES TAL GENTE
USA REDES FABRICADAS
TALVEZ ATÉ ENFARADAS
PELO QUE COMEM FREQUENTE!
MAS AS OSTRAS AINDA MORREM
E AS PÉROLAS NÃO GANHAM VIDA
POR MORTE DAS HOSPEDEIRAS
QUE PERLÍFERAS CONCORREM
NESSA FAINA DOLORIDA
PARA O BRILHO DAS FACEIRAS!
PÉROLAS MORTAS VI
MAS DIZEM QUE GANHAM VIDA
QUANDO ROUBAM ENERGIA
DE QUEM À PÉROLA FRIA
SOBRE O PEITO DA GUARIDA
NA VINGANÇA CONSEGUIDA
ESSES ZUMBIS DE HARMONIA
SE ALIMENTAM DA ALEGRIA
PELOS SALÕES OBTIDA!
PORÉM EM ESTOJO GUARDADAS
ELAS MORREM FINALMENTE
E ALI SE EMBAÇA SEU BRILHO
SOBRE VELUDO MOSTRADAS
DORMINDO EM TRISTE PINGENTE
COMO MURCHA O BRANCO LÍRIO!
DANÇA DAS GÍRIAS I – 16 JUN 14
Eu não procuro ostentar vocabulário.
De fato, o que desejo é que
compreendam
palavras rasas que o
significado vendam
salvo consulta direta ao dicionário!...
Algumas vezes me dizem, ao
contrário,
que tais consultas feitas os
surpreendam
e o próprio linguajar assim
estendam,
ao decifrar seu conteúdo
vário...
Mas em geral, agi com inocência,
julgando serem de pleno
entendimento
e algumas incomuns até
explico,
talvez diretamente, com
clemência,
ou no contexto do
desenvolvimento
desse conceito que facilmente aplico...
DANÇA DAS GÍRIAS II
Palavra é código, que só significa
para aquele que dele tem a
chave;
período longo composto num
conclave
em nada o teu saber magnífica...
É inútil ter cesura ou rima
rica
ou o sonho a descrever que
traz o agave
ou o pesadelo que traz maior
agrave
se tal criptografia não se
explica.
A palavra que se encontra, se conquista,
talvez baixando sua ponte
levadiça,
após quebrar as correntes
que a sustentam;
não basta um dicionário
dar-nos pista,
ao defini-la em sua função
castiça
quando atuais acepções já não contemplam.
DANÇA DAS GÍRIAS III
Muitas palavras são pegas pelo ar
ou pelo seu contexto
calculadas,
de quando em vez totalmente
deformadas
ou retorcidas no seu significar.
Durante as décadas veem-se
transformar,
por novos gostos a que são
condicionadas,
a necessidades diversas
adaptadas,
até um ponto que se não
possa adivinhar.
Enquanto outras preenchem o seu nicho
para dizer o que foi
criptografado
de uma forma diversa do
buscado
ou num leque se expandem ou
em esguicho
negando às vezes o original
de seu teor
e contrariando o próprio código anterior...
DANÇA DAS GÍRIAS IV
Não é o mesmo que escutar língua
estrangeira,
considerada somente por seu
tom,
tendo seu ritmo e sua
métrica no som,
bem diversos da noção mais corriqueira.
Pois já se espera que nos
seja forasteira,
enquanto alguém a emprega
por bom-tom
e outros degustam expressões
como um bombom
em vaidade a impressionar
gente rasteira...
Nem é a linguagem interna de uma técnica,
usando os termos com plena
precisão,
mas antes um disfarçar
deliberado,
tal qual o computadorês de
nossa época,
do inglês corrente só a
contrafação,
aporrinhando quem for menos informado...
DANÇA DAS GÍRIAS V
Talvez não haja maior demonstração
de ignorância que tal código
secreto;
para quem o formou do inglês
dileto,
por não saber o português com correção...
Que o vocabulário da
programação,
assim usado, com orgulhoso
afeto,
coloca um tema forasteiro
sob o teto,
no descuidado descartar da
tradução...
É natural que se aprove o “deletar”,
com indeléveis raízes no
latim,
mas não monstrinhos tais
como esse “upar”,
quando podiam simplesmente
“introduzir”
na rede de um programa o seu
afim,
já que, afinal, é um simples “inserir”!
DANÇA DAS GÍRIAS VI
Mas a semântica foi sempre caprichosa:
prazer existe em se
encontrar palavras
pouco comuns em
contemporâneas lavras:
mente iniciante sentindo-se orgulhosa...
Assim se adota uma expressão
por ser formosa,
porém de acepções muito mais
magras,
que então se impõe igual que
antigas pragas
sobre anterior declaração
mais vigorosa.
Eu mesmo o fiz na minha juventude,
movido por vaidade e por
orgulho,
sabendo hoje demonstrar
minha boa vontade
por nova gíria que nem
sequer me ilude,
e desse modo ainda certa
glória arrulho
por divertir-me em sua expressividade..
OVOS FABERGÊ I (YAYTSA FABERZHE)– 17 jun 14
Em teus olhos castanhos eu me atolo,
princesa antiga, de singular fulgor!
Do sugadouro me protege o meu vigor;
busco no amor a solidez do solo...
Mas nesse olhar intrépido me enrolo,
deixando-me prender, mas sem temor,
às vezes gélido, em outras num calor
que não encontro em qualquer estranho colo.
Pois em toda mulher jaz um perigo,
à espreita de qualquer vítima incauta,
que a jaula abre na palha de seu ninho;
mas é com plena consciência que me abrigo;
sem imprudência nessa tocaia em pauta,
na longa espera por momentos de carinho...
OVOS FABERGÊ II
Foi na Rússia, durante a era imperial
que o joalheiro Peter Carl Fabergé
criou tais maravilhas, que se crê
para os tzares fossem prêmio triunfal...
Pérolas mansas e pedraria fatal
empregava Fabergé em seu buffet,
criando as extravagâncias que se vê
como exemplo de um gosto até banal...
Contudo, ele empregava um material
com intrínseco valor de joalheria;
os que ainda existem, são peças de museu.
Mas dois ovos encontrei ao natural,
merecedores de exposição em galeria,
cujo valor para mim permaneceu...
OVOS FABERGÉ III
Nessas pérolas de auréolas castanhas
eu encontrei melhor artesanato;
em geral, escondidas com recato,
para melhor servir como artimanhas...
Atoladouros marrom com que me ganhas,
em duas colinas de precioso trato,
erguidas para mim, em sonho grato,
tecidas em marfim por duas aranhas...
Não durarão quanto os Ovos Fabergé
e nem serão expostas em museus,
mas os escalvados picos foram meus...
E na sua escultura ainda se lê
de um ourives a arte e envergadura,
no cinzel e no buril de sua obra pura...
OVOS FABERGÊ IV
Para minha sorte, não estavam em vitrina,
nem com guardas postados lado a lado;
cada pináculo foi por mim manipulado,
castanhas pérolas a marchetar-me a sina...
Obra a um só tempo humana e assaz divina,
de um joalheiro, que com o máximo cuidado,
em materiais impermanentes dedicado,
criou jóia que ao presente se destina...
Mas essas pérolas que vi no meu passado
e que ainda me encantam no presente
não durarão por muitas gerações...
Justo por isso, permaneço conquistado,
enquanto o toque de minha mão pressente
ainda um duplo palpitar de corações!...
BASILISSA i – 18 JUN 14
EM FOGO E GELO ENCONTRO A ESPUMA DA BELEZA,
RESINA E SEIVA FEITA ÂMBAR QUE FASCINA;
IGUAL QUE INSETO EM CAPTURA PEREGRINA,
A MENTE SE ATROPELA E ENTREGA SEM TRISTEZA.
DENTRO AO MAIS PURO AMOR SE ACHA A VILEZA,
POIS SEM EGOISMO OU NA POSSE FESCENINA,
NOS BASTA A SERVIDÃO, DELIBERADA E FINA,
NA ESCRAVIDÃO ENCONTRADA MAIS NOBREZA.
NA COBIÇA E NO DESEJO CONTROLE SE RETÉM,
PORÉM NO ROMANTISMO É A ENTREGA QUE SE BUSCA
E SE ACHA GRÃO TESOURO NO ESCRÍNIO DA POBREZA,
COMPROMETENDO O CORPO E ASSIM A ALMA TAMBÉM,
NESSA ILUSÃO PERENE QUE A VIDA AINDA ME OFUSCA,
MEU SANGUE ASSIM VERTENDO EM LÍQUIDA SURPRESA.
BASILISSA II
DIZIAM OS ANTIGOS QUE SÓ COM O OLHAR MATAVA
O MONSTRO BASILISCO, DA SALAMANDRA IRMÃO,
VIVENDO EM FOGO E CHAMA, NA FÚRIA DO VULCÃO,
AO CAMINHANTE INCAUTO, QUE DO SONO O DESPERTAVA.
MAS VI NO SEU OLHAR, QUE MINHALMA ENREGELAVA,
A FADA BASILISSA, EM CENTELHA E TURBILHÃO;
NÃO ME MATOU, POR CERTO, A ATROZ CONGELAÇÃO,
MAS NA PRISÃO DOS CÍLIOS INTEIRA ME GUARDAVA.
E NESSE GESTO SENHORA SE FAZIA E ENTÃO ESCRAVA,
POIS ME PRENDIA NA LIQUIDEZ DOS OLHOS
E MINHA PRESENÇA ALI TORNAVA-SE IMPORTUNA:
OU ME CHORAVA INTEIRO EM LÁGRIMAS DE LAVA
OU ME GUARDAVA TODO DAS PESTANAS NOS REFOLHOS,
MESCLADA COM A MINHA SUA MÁGICA FORTUNA!
BASILISSA III
BASILISSA INCLEMENTE EM SUA TEIA ME ENREDOU
E NO SEU ÂMBAR CONSERVOU-ME INTEIRAMENTE;
DEPOIS DESPIU-SE DE SUA RESINA REDOLENTE:
NA PALMA DE MINHA MÃO EM NUDEZ SE REVELOU.
NA MINHA BOCA ENTÃO SEU ENCANTO COLOCOU
COMO O FRUTO DE JASPE QUE A CONTINHA TOTALMENTE
E FEZ QUE A DEVORASSE, COM ÂNIMO INCLEMENTE,
TOLO E PENSANDO ASSIM DOMINAR QUEM DOMINOU!
PORÉM, TRAGADA, NÃO DESCEU PARA AS ENTRANHAS,
NEM POR ESÔFAGO, NEM POR FARINGE A MEU PULMÃO,
MAS PENETROU-ME POR VEIOS BEM DIVERSOS:
MEUS CAPILARES CRUZOU-ME, EM SUAS ESTRANHAS
DIABRURAS, ATÉ DOMAR-ME TODO O CORAÇÃO
E HOJE SE EXPÕE NO SANGUE PURO DE MEUS VERSOS!...
ARCHOTE I – 19 JUN
14
Dizem que amor é
chama e assim se extingue
tão logo seque a
resina no torchal,
extinto ainda mais
veloz no carnaval,
durando a cera que
de uma vela pingue.
Dizem que amor é
catavento em carrossel,
no qual se montam
quimeras de ilusão,
azuis cavalos,
dragões em profusão,
sereias e baleias,
militares sem quartel.
Dizem que amor é
somente pão de mel,
que se devora no
gengibre do momento,
um bem-casado, mas
frouxo em seu recheio,
um chocolate
somente, que tirado do papel
na boca se derrete
ao morder do sentimento,
em caldo espesso e
num vazio dentro do seio.
ARCHOTE II
Amor só vive no
queimar do seu carvão
e em mais carvão se
torna se não vive;
o seu pavio sempre
é preciso que se ative
e se espevite com
frequência o seu morrão.
Amor é chama junto
à palha do galpão,
puro descuido de
quem amor cative;
queima-se o peito
de quem lhe sobrevive,
fica o chamusco na
mente e no pulmão!
Amor é manga de
lampião em seu brilhar
que o mundo inflama
e de cor de ouro reveste,
irmão da lua,
primo-terceiro da alvorada,
antiga flama a
consumir seu próprio altar,
almotolia votiva
que em peã se ponha e enceste
enquanto dure essa
faísca consagrada...
ARCHOTE III
Mas será que este
brilho transparente
que o semblante
transfigura e seu olhar
com outrem possa-se
então compartilhar
ou só pertence a
algum par unicamente?
Se for amor
egoísta, também será indiferente
ao sonho alheio que
o venha contemplar;
só causa inveja em
seu breve cintilar
e até rancor cria e
provoca em certa mente.
Será vaidade apenas
tal amor inconsequente
que busca pródigo
seu próprio crepitar
e se desgasta
inteiro, após tudo cremar,
deixando apenas uma
tristeza permanente,
como lembrança
esquiva a se guardar
ao ver amor luzir
nos olhos de outra gente?
ARCHOTE IV
Ou amor é um irmão
do crepitar do Sol,
que a todos
distribui, sem preferência,
o seu calor, com
piedade ou inclemência,
deste a primeira
fímbria do arrebol?
Dizem que um dia se
extinguirá este farol,
que por milênios já
desgasta a sua potência;
será que se
enegrece em minha vivência,
será que amor é
igual pródigo em seu rol?
Porque, sem dúvida,
essa apolínea chama
não foi criada tão
só por nosso bem;
surgiu a vida e adaptou-se
nessa flama,
tal qual podia ter
vingado em escuridão...
Filha adotiva é do
Sol e este a mantém
enquanto jorra seu
vigor no coração...
ARCHOTE V
Será que amor é tal
prodigalidade?
Não é o calor do
Sol intencional,
não se interessa
por nosso bem ou mal,
apenas queima em
sua pura intensidade.
A vida humana tem
bem outra qualidade:
a vida alheia
consome em dom fatal,
nessa constante
pesca de energia,
paladina feroz
contra a entropia.
Porque o Sol tão
somente se desgasta:
cai sobre nós só um
pixel da retícula
e o resto apenas se
difunde pelo espaço;
igual que a estrela
distante, que se afasta
e só nos deixa essa
mínima partícula
da imensa luz que
brotou de seu regaço.
ARCHOTE VI
Não acredito que
amor seja verdadeiro
quando se explode
tão só em claridade;
muito mais manso é
o gozo que me invade,
não se dissolve em
calor de fogareiro,
não se desgasta
qual tocha, por inteiro,
mas se preserva com
maior intensidade;
dorme e se acorda
revestido de bondade,
seu alvo enchendo
de calor alvissareiro.
É um amor simples,
sem mais voo condoreiro,
fiel e constante em
sua gentilidade,
que tudo dá, sem
nada requerer.
Tem voo raso o meu
amor certeiro,
mas permanece em
sua integralidade,
meu coração
queimando ao florescer...
BRASAS AZUIS I – 20 JUN 14
Antropomorfizo do remédio os comprimidos,
tal qual se fossem uns pobres prisioneiros,
retirados, um a um, para o suplício;
mas embora os veja assim, conservo o vício
de devorá-los diariamente, desvalidos,
criando angústia em seus tristes companheiros,
a se encolherem no fundo do tubinho,
para cima a empurrar cada vizinho...
Será igual conosco esta prisão?
Não que os outros nos empurrem, realmente,
pois só competem conosco nossos anos,
no fundo dalma acumulados, sem perdão,
até que nos vejamos frente a frente
com dedos magros que nos caçam sem enganos.
BRASAS AZUIS II
Antropomorfizo a chama do fogão,
como se fosse um espírito selvagem,
um fogo-fátuo luzindo com coragem,
transmitindo seu calor ao coração.
Um prisioneiro enjaulado em botijão,
porém que anseia por sair, miragem,
gênio da lâmpada, aquecendo beberagem
ou o alimento, em sua perpétua doação.
A vida antiga produziu essa explosão,
brasas azuis em plasma aveludado,
que se roubou do abismo mais profundo.
É a vida humana similar em duração,
queimando o coração brilho azulado,
seus próprios gases espalhando pelo mundo.
BRASAS AZUIS III
Antropomorfizo os dias como amigos,
quando se esvoam as nuvens em farrapos,
os vês dos pássaros arribando nos seu papos,
contra as brasas azuis de mil perigos.
Ou serão horas e dias inimigos,
a me envolver a vida em guardanapos,
na comissura dos lábios de seus trapos,
como alimento a tomar-me em seus abrigos?
Existirá essa real Dança das Horas,
que Amilcare Ponchielli fez famosa,
ou só as criamos por imaginação?
Ou serão elas que devoram, sem demoras,
a vida humana, seja alegre ou inditosa,
como brasas de sua própria criação?
BORBOLETAS SEM ASAS I – 21 JUN 14
Os lepidópteros têm desenhos caprichosos
em cada asinha e assim se reconhecem;
em suas revoadas, mal conhecem
humanos seres de olhares orgulhosos.
E se o fizessem, não seriam mais ditosos;
só veem dos pássaros os bicos em que padecem;
será que deuses imaginam que lhes descem
em proteção para seus corpos saborosos?
As monarcas fazem loucas revoadas,
asas azuis e brancas aos milhões
e até revestem, completa e inteiramente,
troncos de árvores em festas encantadas,
a maioria a morrer nas migrações,
mas seu instinto a seguirem cegamente...
BORBOLETAS SEM ASAS II
Para muitos, são os deuses borboletas,
fadas e sílfides e a pequena Tinkerbell,
das aventuras românticas diletas
de Peter Pan, numa infância sem bedel...
Têm os insetos suas religiões secretas
e em seus altares lhes queimam linfa e mel;
coleópteros envergando as suas aletas,
sobrepelizes coloridas por burel...
E para as borboletas enviam preces,
sem esperar que sejam escutadas,
puro e simples louvor de sua beleza...
Igual que tu, quando aos santos agradeces,
as tuas promessas pagando, devotadas,
por qualquer graça atribuída à sua nobreza...
BORBOLETAS SEM ASAS III
Na verdade, essas asas angelicais
não precisam ser de pássaros ou de aves;
melhor fariam em decorar as naves
de asas translúcidas de insetos virginais.
Asas de pombas ou de águias siderais
são mais pesadas do que flocos de neves;
tornar-se-iam seus voos bem mais breves,
sem transmitirem as mensagens divinais...
Talvez arcanjos sejam mesmo borboletas,
voando leves, sem o peso dessas asas,
já que são seres totalmente espirituais...
Foram humanos, com ambições secretas
que os reduziram a expressões mais rasas,
os céus enchendo com asas materiais!...
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