sábado, 26 de julho de 2014






DEJANIRA -- COROA DE SONETOS
DEJANIRA I  (2006)

Oh, Zeus, meu pai, por que tanto me provaste?
Sei que me deste a força, porém invulnerável
Eu nunca fui, embora  inquebrantável
Consciência do dever tu me inspiraste.

Meus filhos não matei, somente os versos
Neguei-me a redigir durante tantos anos;
Agora chega a hora de doze desenganos
Transformar em poemas de acidez conversos.

Em gotas de matiz sonoro e adocicado,
Beleza por tortura, razão por desatino,
Coragem por perigo, sabor por azedume,

Mais que Herakles eu sofro, de tão atribulado,
Porque a história já li e sei que é meu destino
Morrer incinerado no manto do ciúme.

DEJANIRA II -- O JAVALI DE ERIMANTO

Oh, Zeus, meu pai, por que tanto me provaste?
Foi Hera, tua mulher, que me levou à loucura
E fez-me cego e surdo: em meio da tontura,
Matei meus próprios filhos e então me condenaste

A Doze Obras Terríveis, escravo dos humanos...
Primeiro um Javali, que foi capturado
Nas faldas do Erimanto, em fosso aprofundado
Passei-lhe a focinheira; seus saltos quase insanos

Interrompi com cordas; levei-o aprisionado
Para o Rei Euristeu, que não soube retê-lo
E deixou que fugisse, e dano incalculável

Causasse na cidade, até que fui chamado
Para matá-lo a flechas; e agora, em meu desvelo,
Sei que me deste a força, porém invulnerável!...

DEJANIRA III -- O LEÃO DA NEMÉIA

Sei que me deste a força, porém invulnerável
É o leão que assola as plagas da Neméia;
Ordena a Pallas que me inspire a idéia
Para vencer tal fera inigualável...

E assim a deusa veio dar ao herói
A inspiração para a tremenda luta;
As flechas se entortaram na disputa,
Rompeu-se a clava e o monstro não destrói.

Foi necessário montar sobre o leão:
Não pude sufocá-lo, mas a espinha
Enfim partiu-se, não era comparável

À pele inconquistável, que revestiu-me então.
Porque invulnerável, na luta que foi minha,
Eu nunca fui, embora inquebrantável.

DEJANIRA IV -- AS ÉGUAS DE DIOMEDES

Eu nunca fui, embora inquebrantável
Vontade de vencer me tenha acompanhado,
Aonde quer que fui, guerreiro abandonado,
Minerva me ajudou de forma imponderável.

Foi assim que enfrentei as éguas de Diomedes,
Lampônia e Ianto, Deno e enfim, Podargo,
Pelo rei acostumadas a um amargo
Festim de alfafa e carne, em que percebes

O alcance doido da humana perversão.
Joguei-lhes Diomedes, por repasto,
Levei-as a Euristeu, como mandaste,

E se tornaram dos lobos refeição.
Sabes bem a razão do esforço gasto:
Consciência do dever tu me inspiraste.
   
DEJANIRA V - OS BOIS DE GERIÃO. 

Consciência do dever tu me inspiraste,
Por isso fui a Erítia, onde Gerião,
Seis braços, três cabeças, se reveste
De sólida couraça até o chão.

Matei ali primeiro seu pastor,
Eurítion, também de duas cabeças;
Frechei os sete olhos de um horror:
Destruí um dragão e quanto mais me peças.

E quando Gerião, coberto de armadura,
Lançou-se contra mim, seus joelhos descobertos
Foram meu alvo; e dei-lhe sepultura,

Após fender-lhe os crânios e os dispersos
Rebanhos eu levei; Senhor, de olhos abertos,
Meus filhos não matei: somente os versos!

DEJANIRA VI -- OS ESTÁBULOS DE ÁUGIAS

Meus filhos não matei, somente os versos
Cantaram sobre mim a explanação
De porque, em trabalhos tão diversos,
Minhas forças desgastei, sem negação.

Foi assim que limpei as cavalariças
Do Rei Áugias, pois desviei dois rios,
O Alfeu e o Peneu: águas mortiças
Correram por semanas, até que os fios

De água cristalina rebrotaram.
De modo semelhante, os perversos
Sentimentos da alma, os desenganos

Se foram empilhando e armazenaram
Tristeza e mágoa, pois que tantos versos
Neguei-me a redigir por tantos anos...

DEJANIRA VII -- A HIDRA DE LERNA

Neguei-me a redigir por tantos anos
Versos quaisquer de amor ou filosóficos,
Mas agora ressurgem, teosóficos,
Na encarnação feroz de meus enganos.

Pois têm sete cabeças, como a Hidra
De Lerna, que tenho a destruir:
Não basta uma cortar, que a reluzir
Já brotam duas, como a clepsidra

Dos deveres por tempos esquecidos.
Preciso agora de um acompanhante,
Iolau, que aplique o archote chamejante

Para conter dos versos novos danos,
Pois se Hércules doze monstros tem vencidos,
Agora chega a hora de doze desenganos.
  
DEJANIRA VIII -- O TOURO DE CRETA

Agora chega a hora de doze desenganos
Transformar em poemas a serem desprezados:
Doze tentos reuniu Hércules e, trançados,
De quatro em quatro, contra grandes danos

Os fortaleceu, a fim de o touro forte,
Que assolava furioso o chão de Creta
Pudesse capturar, em laço que intercepta
Os ataques do touro e os golpes da má sorte.

Porém Juno enviou, para roer o couro,
Camundongos famintos em bandos inumanos.
São ratos que eu enfrento, como um touro,

Tais como buscam, racionais, meus versos,
Neste projeto os doze labores herculanos
Transformar em poemas de acidez conversos.

DEJANIRA IX -- O POMO DAS HESPÉRIDES

Transformar em poemas de acidez conversos
As façanhas de Hércules é também
Uma empreitada hercúlea; que se tem
De reunir sonhos bem ou mal dispersos.

Como Hércules as Hespérides visitou,
Matou o dragão que a elas custodiava,
Pelos pomos de amor que Hera reservava
Para si própria; e o prêmio conquistou:

Égle e Erítia, Héstia e Arethusa,
As quatro Hespérides, filhas de um titã,
Atlas, que o céu nas costas carregado

Tinha por séculos, no imenso afã;
E delas recebeu os frutos, sem recusa,
Em gotas de matiz sonoro e adocicado.

DEJANIRA X - AS AVES DO LAGO ESTÍNFALE

Em gotas de matiz sonoro e adocicado,
O crocitar das aves que assolavam
De Estínfale o lago e assassinavam
A quantos se atrevessem ao descuidado

Passeio por suas margens caminhar.
Eram aves de bronze e carne humana
Seria o seu festim; em extrema gana,
Sacudiam suas asas, por lançar

As penas afiadas qual punhal.
Mas Pallas enviou ao seu herói
Címbalos de som estridulante e fino.

Hércules os sacudiu; e o som fatal
Expulsa as aves; e assim ele constrói
Beleza por tortura, razão por desatino.

DEJANIRA XI -- A CORÇA DE CERINO

Beleza por tortura, razão por desatino,
Ao ver que Herakles os monstros derribava,
Com igual facilidade: se não prendia, matava,
Euristeu determinou-lhe um feito pequenino:

Caçar a bela corça do monte de Cerino,
Com chifres feitos d'ouro e a Diana consagrada;
Cem vezes tenta o herói vencê-la de cansada,
Ou por cem armadilhas de estro peregrino,

Sem nunca conseguir, pois sempre lhe escapava,
Até lembrar, por fim, de estender-lhe a rede
Entre as colunas do templo; e do perfume

De incenso recobri-las, que assim lhe disfarçava
O cheiro do cordame; e então a prende e mede
Coragem por perigo, sabor por azedume...

DEJANIRA XII - O CINTO DE HIPÓLITA

Coragem por perigo, sabor por azedume
O leva a cavalgar até a bela Hipólita,
Mas não de amor ou gozo, pela razão insólita
De roubar-lhe da cintura o cinto do ciúme,

Trançado pela mão do pai, o grande Marte;
E novamente a força de nada serve ao herói:
São tantas amazonas que o número destrói
Até mesmo o vigor... e apela para a arte:

Hipólita seduz e acaba em raptá-la.
Já no barco de volta, ela sente saudade
E anseia por voltar ao reino idolatrado...

O zóster ela deixa ao herói que diz amá-la;
E embora essa partida lhe dê infelicidade,
Mais que Herakles eu sofro, de tão atribulado.

DEJANIRA XIII -- O CÃO DO INFERNO

Mais que Herakles eu sofro, de tão atribulado:
Ao Hades não desci, mas sinto viver nele:
Os sonhos me constrangem, sem que fulgor revele
Uma bênção sequer, ao longo do passado...

O herói foi envolvido na pele invulnerável
A enfrentar Cérbero, o cão de três cabeças;
Falou-lhe o Rei dos Mortos:  "Agora não esqueças:
Não podes empregar, contra a fera indomável,

Coisa alguma que seja, somente a própria mão."
E assim ele lutou contra o feroz mastim:
Quebrou-lhe um dos pescoços e mutilou o canino,

Firmemente o amarrou e trouxe ao verde chão;
Mas livre embora Herakles, não libertou-me assim,
Porque a história já li e sei que é meu destino.

DEJANIRA XIV -- INTERLÚDIO

Porque a história já li e sei que é meu destino,
Por muito desejar livrar-me do trabalho,
Por muito me trair nos versos, em que espalho
Os meus desejos loucos, minha dor, meu desatino,

Não me libertarei com doze obras somente:
A corça é mais ligeira e o cão mais indomável;
O pomo é mais amargo e o leão, inquebrantável,
O cinto é inatingível e a hidra, mais potente.

Porque de meus irmãos humanos, são figuras,
Metáforas somente de lutas bem mais duras,
Que tive de enfrentar, ao longo do caminho,

Sem que deusas me ajudem, a patrulhar sozinho
Essa senda macabra e, enfim, sem azedume,
Morrer incinerado no manto do ciúme...

DEJANIRA XV -- A INCONCLUSÃO

Morrer incinerado no manto do ciúme,
Da inveja e da malícia daqueles que, a meu lado,
Deveriam marchar e têm-me abandonado;
Eu sinto ao coração o cheiro desse estrume,

Pior que o dos estábulos que Hércules limpou;
Em homens eu enfrento os bois, cavalos, touro,
As aves são mulheres, suas penas falso ouro,
E javali é o amigo que tanto me atraiçoou.

E assim, enfrento a vida, seguro em meu espanto:
Só choro de alegria e, então, nunca meu pranto
Me verão derramar, por mais que o bem se afaste.

Qual Hércules eu luto, em plena madrugada,
E repito seu brado, que eu sei não leva a nada:
Oh, Zeus, meu pai, por que tanto me provaste?...

DEJANIRA – A CANÇÃO DA COROA

Oh, Zeus, meu pai, por que tanto me provaste?
Sei que me deste a força, porém invulnerável
Eu nunca fui, embora  inquebrantável
Consciência do dever tu me inspiraste.

Meus filhos não matei, somente os versos
Neguei-me a redigir durante tantos anos;
Agora chega a hora de doze desenganos
Transformar em poemas de acidez conversos.

Em gotas de matiz sonoro e adocicado,
Beleza por tortura, razão por desatino,
Coragem por perigo, sabor por azedume,

Mais que Herakles eu sofro, de tão atribulado,
Porque a história já li e sei que é meu destino
Morrer incinerado no manto do ciúme.


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