DEJANIRA -- COROA DE
SONETOS
DEJANIRA I (2006)
Oh, Zeus, meu pai, por que
tanto me provaste?
Sei que me deste a força, porém
invulnerável
Eu nunca fui, embora inquebrantável
Consciência do dever tu me
inspiraste.
Meus filhos não matei, somente
os versos
Neguei-me a redigir durante
tantos anos;
Agora chega a hora de doze
desenganos
Transformar em poemas de acidez
conversos.
Em gotas de matiz sonoro e
adocicado,
Beleza por tortura, razão por
desatino,
Coragem por perigo, sabor por
azedume,
Mais que Herakles eu sofro, de
tão atribulado,
Porque a história já li e sei
que é meu destino
Morrer incinerado no manto do
ciúme.
DEJANIRA II -- O JAVALI
DE ERIMANTO
Oh, Zeus, meu pai, por
que tanto me provaste?
Foi Hera, tua mulher,
que me levou à loucura
E fez-me cego e surdo:
em meio da tontura,
Matei meus próprios
filhos e então me condenaste
A Doze Obras Terríveis,
escravo dos humanos...
Primeiro um Javali, que
foi capturado
Nas faldas do Erimanto,
em fosso aprofundado
Passei-lhe a focinheira;
seus saltos quase insanos
Interrompi com cordas;
levei-o aprisionado
Para o Rei Euristeu, que
não soube retê-lo
E deixou que fugisse, e
dano incalculável
Causasse na cidade, até
que fui chamado
Para matá-lo a flechas;
e agora, em meu desvelo,
Sei que me deste a
força, porém invulnerável!...
DEJANIRA III -- O LEÃO
DA NEMÉIA
Sei que me deste a
força, porém invulnerável
É o leão que assola as
plagas da Neméia;
Ordena a Pallas que me
inspire a idéia
Para vencer tal fera
inigualável...
E assim a deusa veio dar
ao herói
A inspiração para a
tremenda luta;
As flechas se entortaram
na disputa,
Rompeu-se a clava e o
monstro não destrói.
Foi necessário montar
sobre o leão:
Não pude sufocá-lo, mas
a espinha
Enfim partiu-se, não era
comparável
À pele inconquistável,
que revestiu-me então.
Porque invulnerável, na
luta que foi minha,
Eu nunca fui, embora
inquebrantável.
DEJANIRA
IV -- AS ÉGUAS DE DIOMEDES
Eu nunca fui,
embora inquebrantável
Vontade de vencer
me tenha acompanhado,
Aonde quer que fui,
guerreiro abandonado,
Minerva me ajudou
de forma imponderável.
Foi assim que
enfrentei as éguas de Diomedes,
Lampônia e Ianto,
Deno e enfim, Podargo,
Pelo rei
acostumadas a um amargo
Festim de alfafa e
carne, em que percebes
O alcance doido da
humana perversão.
Joguei-lhes
Diomedes, por repasto,
Levei-as a
Euristeu, como mandaste,
E se tornaram dos
lobos refeição.
Sabes bem a razão
do esforço gasto:
Consciência do
dever tu me inspiraste.
DEJANIRA V - OS BOIS DE
GERIÃO.
Consciência do dever tu me
inspiraste,
Por isso fui a
Erítia, onde Gerião,
Seis braços, três
cabeças, se reveste
De sólida couraça
até o chão.
Matei ali primeiro
seu pastor,
Eurítion, também de
duas cabeças;
Frechei os sete
olhos de um horror:
Destruí um dragão e
quanto mais me peças.
E quando Gerião,
coberto de armadura,
Lançou-se contra
mim, seus joelhos descobertos
Foram meu alvo; e
dei-lhe sepultura,
Após fender-lhe os
crânios e os dispersos
Rebanhos eu levei;
Senhor, de olhos abertos,
Meus filhos não
matei: somente os versos!
DEJANIRA VI -- OS
ESTÁBULOS DE ÁUGIAS
Meus filhos não matei,
somente os versos
Cantaram sobre mim a
explanação
De porque, em trabalhos
tão diversos,
Minhas forças desgastei,
sem negação.
Foi assim que limpei as
cavalariças
Do Rei Áugias, pois
desviei dois rios,
O Alfeu e o Peneu: águas
mortiças
Correram por semanas,
até que os fios
De água cristalina
rebrotaram.
De modo semelhante, os
perversos
Sentimentos da
alma, os desenganos
Se foram empilhando e
armazenaram
Tristeza e mágoa, pois
que tantos versos
Neguei-me a redigir por
tantos anos...
DEJANIRA VII -- A HIDRA
DE LERNA
Neguei-me a redigir por
tantos anos
Versos quaisquer de amor
ou filosóficos,
Mas agora ressurgem,
teosóficos,
Na encarnação feroz
de meus enganos.
Pois têm sete cabeças,
como a Hidra
De Lerna, que tenho a
destruir:
Não basta uma cortar,
que a reluzir
Já brotam duas, como a
clepsidra
Dos deveres por tempos
esquecidos.
Preciso agora de um
acompanhante,
Iolau, que aplique o
archote chamejante
Para conter dos versos
novos danos,
Pois se Hércules doze
monstros tem vencidos,
Agora chega a hora de
doze desenganos.
DEJANIRA VIII -- O
TOURO DE CRETA
Agora chega a hora de
doze desenganos
Transformar em poemas a
serem desprezados:
Doze tentos reuniu
Hércules e, trançados,
De quatro em quatro,
contra grandes danos
Os fortaleceu, a fim de
o touro forte,
Que assolava furioso o
chão de Creta
Pudesse capturar, em
laço que intercepta
Os ataques do touro e os
golpes da má sorte.
Porém Juno enviou, para
roer o couro,
Camundongos famintos em
bandos inumanos.
São ratos que eu
enfrento, como um touro,
Tais como buscam,
racionais, meus versos,
Neste projeto os doze
labores herculanos
Transformar em poemas de
acidez conversos.
DEJANIRA IX -- O
POMO DAS HESPÉRIDES
Transformar em
poemas de acidez conversos
As façanhas de
Hércules é também
Uma empreitada
hercúlea; que se tem
De reunir sonhos
bem ou mal dispersos.
Como Hércules as
Hespérides visitou,
Matou o dragão que
a elas custodiava,
Pelos pomos de amor
que Hera reservava
Para si própria; e
o prêmio conquistou:
Égle e Erítia,
Héstia e Arethusa,
As quatro
Hespérides, filhas de um titã,
Atlas, que o céu
nas costas carregado
Tinha por séculos,
no imenso afã;
E delas recebeu os
frutos, sem recusa,
Em gotas de matiz
sonoro e adocicado.
DEJANIRA X - AS AVES DO LAGO ESTÍNFALE
Em gotas de matiz sonoro e adocicado,
O crocitar das aves que assolavam
De Estínfale o lago e assassinavam
A quantos se atrevessem ao descuidado
Passeio por suas margens caminhar.
Eram aves de bronze e carne humana
Seria o seu festim; em extrema gana,
Sacudiam suas asas, por lançar
As penas afiadas qual punhal.
Mas Pallas enviou ao seu herói
Címbalos de som estridulante e fino.
Hércules os sacudiu; e o som fatal
Expulsa as aves; e assim ele constrói
Beleza por tortura, razão por desatino.
DEJANIRA XI -- A CORÇA
DE CERINO
Beleza por tortura,
razão por desatino,
Ao ver que Herakles os
monstros derribava,
Com igual facilidade: se
não prendia, matava,
Euristeu determinou-lhe
um feito pequenino:
Caçar a bela corça do
monte de Cerino,
Com chifres feitos
d'ouro e a Diana consagrada;
Cem vezes tenta o herói
vencê-la de cansada,
Ou por cem armadilhas de
estro peregrino,
Sem nunca conseguir,
pois sempre lhe escapava,
Até lembrar, por fim, de
estender-lhe a rede
Entre as colunas do
templo; e do perfume
De incenso recobri-las,
que assim lhe disfarçava
O cheiro do cordame; e
então a prende e mede
Coragem por perigo,
sabor por azedume...
DEJANIRA XII - O CINTO DE HIPÓLITA
Coragem por perigo, sabor por azedume
O leva a cavalgar até a bela Hipólita,
Mas não de amor ou gozo, pela razão insólita
De roubar-lhe da cintura o cinto do ciúme,
Trançado pela mão do pai, o grande Marte;
E novamente a força de nada serve ao herói:
São tantas amazonas que o número destrói
Até mesmo o vigor... e apela para a arte:
Hipólita seduz e acaba em raptá-la.
Já no barco de volta, ela sente saudade
E anseia por voltar ao reino idolatrado...
O zóster ela deixa ao herói que diz amá-la;
E embora essa partida lhe dê infelicidade,
Mais que Herakles eu sofro, de tão atribulado.
DEJANIRA XIII -- O
CÃO DO INFERNO
Mais que Herakles
eu sofro, de tão atribulado:
Ao Hades não desci,
mas sinto viver nele:
Os sonhos me
constrangem, sem que fulgor revele
Uma bênção sequer,
ao longo do passado...
O herói foi
envolvido na pele invulnerável
A enfrentar
Cérbero, o cão de três cabeças;
Falou-lhe o Rei dos
Mortos: "Agora não esqueças:
Não podes empregar,
contra a fera indomável,
Coisa alguma que
seja, somente a própria mão."
E assim ele lutou
contra o feroz mastim:
Quebrou-lhe um
dos pescoços e mutilou o canino,
Firmemente o
amarrou e trouxe ao verde chão;
Mas livre embora
Herakles, não libertou-me assim,
Porque a história
já li e sei que é meu destino.
DEJANIRA XIV -- INTERLÚDIO
Porque a história já li e sei que é meu destino,
Por muito desejar livrar-me do trabalho,
Por muito me trair nos versos, em que espalho
Os meus desejos loucos, minha dor, meu desatino,
Não me libertarei com doze obras somente:
A corça é mais ligeira e o cão mais indomável;
O pomo é mais amargo e o leão, inquebrantável,
O cinto é inatingível e a hidra, mais potente.
Porque de meus irmãos humanos, são figuras,
Metáforas somente de lutas bem mais duras,
Que tive de enfrentar, ao longo do caminho,
Sem que deusas me ajudem, a patrulhar sozinho
Essa senda macabra e, enfim, sem azedume,
Morrer incinerado no manto do ciúme...
DEJANIRA XV -- A
INCONCLUSÃO
Morrer incinerado
no manto do ciúme,
Da inveja e da
malícia daqueles que, a meu lado,
Deveriam marchar e
têm-me abandonado;
Eu sinto ao coração
o cheiro desse estrume,
Pior que o dos
estábulos que Hércules limpou;
Em homens eu
enfrento os bois, cavalos, touro,
As aves são
mulheres, suas penas falso ouro,
E javali é o amigo
que tanto me atraiçoou.
E assim, enfrento a
vida, seguro em meu espanto:
Só choro de alegria
e, então, nunca meu pranto
Me verão derramar,
por mais que o bem se afaste.
Qual Hércules eu
luto, em plena madrugada,
E repito seu brado,
que eu sei não leva a nada:
Oh, Zeus, meu pai,
por que tanto me provaste?...
DEJANIRA – A CANÇÃO DA COROA
Oh, Zeus, meu pai, por que
tanto me provaste?
Sei que me deste a força, porém
invulnerável
Eu nunca fui, embora inquebrantável
Consciência do dever tu me
inspiraste.
Meus filhos não matei, somente
os versos
Neguei-me a redigir durante
tantos anos;
Agora chega a hora de doze
desenganos
Transformar em poemas de acidez
conversos.
Em gotas de matiz sonoro e
adocicado,
Beleza por tortura, razão por
desatino,
Coragem por perigo, sabor por
azedume,
Mais que Herakles eu sofro, de
tão atribulado,
Porque a história já li e sei
que é meu destino
Morrer incinerado no manto do
ciúme.
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