quinta-feira, 17 de julho de 2014






OS TRÊS CONSELHOS
William Lagos – 12 jul 2014
(Conforme texto em prosa de Walter Oliveira Dias)

OS TRÊS CONSELHOS I

Em certa chácara viviam um agricultor
e sua esposa, com quem casara há pouco;
mas veio a seca, deixando-o quase louco,
a plantação estiolando com o calor.

E ao perceber que a produção agora
já não bastava para alimentar os dois,
pensou bastante e decidiu depois:
“Minha querida, é melhor que eu vá embora.”

“Mas por que isso, não me ama mais?”
“Vou deixá-la, porque a amo ternamente;
a nossa horta só não basta para a gente;
morreu o gado e a seca está demais...”

“Porém, se eu for em busca de trabalho
em algum lugar melhor de situação,
a horta chega para a sua alimentação;
vou justamente porque ao amor não falho.”

OS TRÊS CONSELHOS II

“Assim que melhorar o nosso clima,
retornarei com o dinheiro que ganhar;
gado e sementes poderei comprar
e lhe darei o que merece, minha menina!”

Mas ela disse: “Você não vai voltar.
Facilmente encontrará outra mulher
que o tratará do melhor jeito que quiser.
Se for agora, é que vai me abandonar.”

“Não, minha esposa, faço hoje um juramento:
que dia e noite me manterei fiel;
não provarei qualquer alheio mel;
isto prometo no maior contentamento.”

“Somente quero que prometa o mesmo:
que manterá total fidelidade,
por mais que escute galanteios de maldade
para roubar-me seu amor a esmo.”

OS TRÊS CONSELHOS III

“Pois eu lhe juro com igual veracidade:
a nenhum outro darei sequer um beijo;
você é o único homem que desejo;
serei fiel na maior adversidade.”

Partiu o agricultor, já com saudade;
na sua mochila carregava sua tristeza,
no seu cantil a água da incerteza,
receando muito seu futuro, na verdade.

E no começo, foi a maior dificuldade,
pois a seca largas terras castigava,
e o chacareiro sempre adiante caminhava:
Em algum ponto encontrarei felicidade!

Enfim, após marchar um mês e um dia,
divisou os campos verdes de fazenda,
abriu a porteira, foi seguindo pela senda,
achou o dono e explicou o que queria.

OS TRÊS CONSELHOS IV

“Você me parece ser um homem forte,
apesar de faminto e tão cansado.
Vou recebê-lo sob o meu telhado:
descanse uns dias e recobrará seu porte.”

“Em uma semana, teremos a colheita,
uma tarefa para a qual sempre contrato
empregados avulsos de bom trato;
dar-lhe-ei o emprego, portanto, desta feita.”

“Agradeço sua bondade, meu patrão
e vou mostrar ser um ótimo empregado;
logo verá que, estando descansado,
mereço sua confiança.  Mas há uma condição.”

“E qual seria?” – disse o homem, desconfiado.
“É que eu não quero meu salário receber;
quero que o guarde enquanto eu estiver
a trabalhar somente como seu apaniguado...”

OS TRÊS CONSELHOS V

“Eu me contento com roupas e comida
e uma pousada lá no seu galpão;
pois não quero no dinheiro pôr a mão
até o dia de minha despedida...”

“Está certo, guardarei o seu dinheiro,
igual que fosse do banco uma poupança;
mas não coloque no juro sua esperança:
isso não faço, porque não sou banqueiro.”

E num contrato de boca se acertaram,
ambos agindo com confiança e honestidade;
nenhum o mal pretendia, na verdade
e um ao outro jamais prejudicaram.

O tempo foi passando e realmente
ele mostrou ser um ótimo empregado,
trabalhador, cumpridor, bem humorado,
tão leal quanto pode ser a gente...

OS TRÊS CONSELHOS VI

E o tempo foi passando, sem sentir;
ele cumpriu seu juramento, fielmente;
mas um dia percebeu já estar ausente
por vinte anos!  Deste modo, quis partir.

O patrão ficou um tanto aborrecido:
“Caro amigo, a sua falta sentirei,
mas seu dinheiro até hoje conservei;
se o quiser receber, será servido!”

“Porém uma proposta lhe farei:
Dou três conselhos ao invés do pagamento;
dando o dinheiro, não dou aconselhamento;
dando conselhos, seu dinheiro não darei.”

O camponês ficou um tanto perplexo,
mas era homem sensato e assim pensou:
Na minha terra o tempo melhorou
e meu patrão sempre mostrou ter nexo...”

OS TRÊS CONSELHOS VII

“Sem dinheiro, já estou acostumado,
tenho boas roupas, alimentei-me bem;
um bom quartinho ele me deu também:
por meu trabalho já fui bem recompensado...”

Então lhe disse: “Conselhos, meu patrão,
acho que valem até mais do que o dinheiro...”
“Muito bem; então aqui vai o primeiro:
não tome atalhos para encurtar sua direção.”

“O seu trajeto será de vinte dias,
mas ao seguir por local desconhecido
bem facilmente acabará perdido:
conserve o passo nas regulares vias!”

“O segundo conselho que lhe dou:
de qualquer mal evite ser curioso;
ele pode ser mortal e perigoso,
até o gato, de curioso, se finou!...”

OS TRÊS CONSELHOS VIII

“E finalmente, nunca tome decisões
em seus momentos de ódio ou de dor;
arrependimento tardio não tem valor,
depois de ter partido corações!...”

Ficou o agricultor meio confuso:
Será que enfim fizera boa troca?
Desistir do pagamento que lhe toca
por três conselhos de desgastado uso...?

Sua confusão compreendeu o fazendeiro,
que lhe disse: “Alguns trocados de presente
eu lhe darei.  Não fique descontente:
para comer e beber terá dinheiro...”

“E também lhe darei três grandes pães,
bisnagas longas, que a minha senhora faz;
verá que boa sorte isto lhe traz:
é o pão que come junto com os peões...”

OS TRÊS CONSELHOS IX

“Os dois primeiros, você pode comer;
vão enrolados em um bom saco de trigo;
mas o terceiro conserve, meu amigo,
para comer só ao encontrar a sua mulher.”

O camponês pegou os pães e agradeceu
por alguns cobres para sua viagem;
levou as roupas na mochila, de bagagem;
não esquecer os conselhos prometeu.

Depois de alguns dias caminhando
encontrou no caminho outro rapaz
que insistentemente a sugestão lhe faz:
“Dobre à direita, há bom atalho lhe esperando.”

“Em sua casa chegará bem mais depressa...”
Mas o campônio não lhe aceitou o conselho.
“Desculpe, meu amigo, já estou velho,
sigo o caminho demarcado, sem ter pressa...”

OS TRÊS CONSELHOS IX

Um dos pães já devorara da mochila
e logo num povoado ele chegou;
numa pequena taverna se hospedou
e lá contou-lhe a gente dessa vila:

“Aqui por perto há um bando de assaltantes,
que se escondem num atalho retirado;
cada vez que alguém passa, descuidado,
roubam e matam os pobres viajantes!...”

Mentalmente, agradeceu pelo conselho
que lhe dera na partida o seu patrão:
Mais que dinheiro me serviu esta lição!
Se eu tomo atalho, não vou morrer de velho!

Como algumas moedas ainda tinha,
um quarto ele alugou na hospedaria;
durante a noite, ouviu uma gritaria
que desde a praça fronteira até ali vinha.

OS TRÊS CONSELHOS X

Por um momento, pensou em levantar,
mas calculou: Isso só pode ser maldade;
não vou deixar que minha curiosidade
de um modo ou de outro me vá prejudicar...

Nessa manhã, depois que levantou,
foi encarado com grande surpresa
pelo dono do albergue; e gentileza
pela sua esposa, quando o observou.

“Mas ainda bem que só agora despertou!”
Os donos da estalagem lhe falaram.
“Três outros hóspedes esta noite levantaram:
foram à praça atrás de quem gritou...”

“Mas era um louco, meio endemoniado,
que os atacou e os foi matando, um por um!
O delegado não conseguiu salvar nenhum,
mesmo depois desse infeliz ter alvejado!”

OS TRÊS CONSELHOS XI

Mais uma vez, o camponês agradeceu
ao seu patrão, pensando simplesmente:
Teria morrido, igual que a pobre gente,
se não fora o conselho que me deu!

O caminho para casa retomou,
seguindo sempre na reta direção;
comeu inteiro o seu segundo pão;
durante as noites, sob árvores acampou.

Até que um dia viu sua chácara, finalmente,
que parecia mostrar prosperidade;
a seca há muito se fora, bem verdade:
para voltar fora um pouco negligente...

Sua pobre esposa a cuidar da plantação
todo esse tempo, a trabalhar sozinha...
Na verdade, nem sabia se ele vinha...
E o remorso lhe mordeu o coração...

OS TRÊS CONSELHOS XII

Sem dúvida, fora fiel, integralmente,
todo esse tempo de seu longo mutirão
mas só lhe trazia essa bisnaga de pão
e os três conselhos do patrão inteligente...

E foi andando, ao longo do caminho,
mas de repente, seus passos estacava!
A sua mulher a um homem abraçava,
muito mais jovem!  E o beijava com carinho!

Sua mão foi logo ao cabo do facão,
sentindo o impulso de matar os dois...
Mas o campônio se acalmou, logo depois:
Com ódio ou dor, nunca tome decisão!

Se a matasse, se arrependeria...
Melhor seria conversar com sua mulher
e repreendê-la pela quebra do dever...
Há vinte anos, afinal, que não a via!...

OS TRÊS CONSELHOS XIII

E como os dois eram analfabetos,
nenhuma carta se haviam escrito;
nem sequer um recado fora dito:
seus paradeiros, afinal, sempre secretos!

Quem deveria ter mandado algum recado
era ele!... Mas ninguém ele encontrara
que fosse para a zona onde morara...
E assim, nem um bilhete havia mandado...

Decerto ela pensara que morrera
ou que, de fato, a havia abandonado...
Sozinha, não daria conta do roçado;
fora ajudada por alguém que conhecera...

Então, em uma moita se ocultou
e esperou a passagem do rapaz...
Era, sem dúvida, um roceiro bem capaz
e até simpático o considerou...

OS TRÊS CONSELHOS XIV

Seguiu então até a sua casinha;
a sua mulher estava em frente do fogão;
a porta ele abriu, com safanão:
“Estou em casa, afinal, minha esposinha!”

A sua esposa se sobressaltou,
mas logo a seguir, o conheceu;
mostrou o sorriso que um dia fora seu
e nos seus braços, alegre, se atirou!

Mas bem depressa, um passo ele recuou.
“Não seja falsa, querida, por favor!
Sei que falhei como seu protetor,
mas me quebrou a promessa que jurou!”

“Como assim?” – disse ela, surpreendida.
“Eu fui fiel a você por vinte anos!”
“Fiel fui eu, não me venha com enganos!
Já sei que tem um namorado na sua vida...”

OS TRÊS CONSELHOS XV

“Mas, querido, de onde tiraste tal ideia?
Não recebi notícias, nem recado,
mas nunca tive amigo ou namorado:
pode indagar em toda a nossa aldeia!”

“Mas eu vi esse homem que abraçava!
Podia ser seu filho, que vergonha!
Todo esse tempo a minha mente sonha
com este dia em que de novo a encontrava!”

Ela mostrou um sorriso diferente...
“Viu o rapaz que saiu daqui, com a enxada?”
“Com ele estava há bem pouco abraçada...
Não pôde mais esperar, naturalmente...”

Então, ela soltou uma gargalhada:
“Querido, logo depois que foi embora
eu descobri estar grávida, na hora!...
Esse é o rapaz com quem me viu abraçada.”

OS TRÊS CONSELHOS XVI

“Não acredito!   Você não quer dizer...?”
“Claro que sim!   Esse é o nosso filho,
cresceu saudável, seguiu igual seu trilho,
milho e batatas a plantar e a colher...”

Envergonhado, desculpou-se o lavrador,
dando graças a Deus pelo conselho
que recordara de seu patrão velho...
“O nosso filho...?  Perdoe, meu amor!...”

“Mas eu não tenho nada a lhe perdoar...
É natural que, ao vê-lo, se enganasse...
Por vinte anos, sem que lhe comunicasse,
mas não sabia sequer onde o encontrar...”

Feitas as pazes, foram botar em dia
essas notícias que já tinham vinte anos...
Voltou o rapaz, surpreso com os enganos,
mas logo ao pai sua bênção lhe pedia...

OS TRÊS CONSELHOS XVII

Então, o terceiro pão desembrulharam...
“Já está duro, por isso é tão pesado...”
“Sempre podemos comê-lo requentado,
porém é grande...” Com a faca então cortaram...

Mas o pão se partiu pela metade
e um rolo sobre a mesa foi caindo,
cem moedas de prata ali tinindo:
todo o dinheiro que ganhara, na verdade!

Todo o salário de vinte anos de labuta,
mais algum juro com justiça acrescentado!
Do seu patrão o presente inesperado
para quem os seus conselhos bem escuta!...

E a casinha pai e filho reformaram,
pois o rapaz também queria se casar;
mais alguns cômodos a acrescentar,
muito felizes após tudo o que passaram!

EPÍLOGO

Recorde você mesmo os três conselhos:
não tome atalhos por desonestidade
ou por preguiça; e a sua curiosidade
saiba curvar perante os maus espelhos.

Mas de sua raiva busque a liberdade
e sobretudo, evite a violência;
de seus rancores mantendo independência
irá viver com maior felicidade!...



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