LOKESWARA
WILLIAM LAGOS
LOKESWARA I
(Metamorfo em sânscrito)
Dizem que amor é
mistério, mas não vejo
o que exista de estranho
em seu segredo.
Amor é vagabundo, sonho
andejo,
companheiro e adversário
de teu medo.
Amor é glória exposta,
amor é pejo.
amor é vero e não passa
de arremedo.
Amor se esconde e se
expõe impunemente,
mas nisso tudo não há
qualquer mistério...
É mais enigma a quimera
dessa gente
que busca amor por demais
levar a sério.
Amor é coisa que surge,
simplesmente,
explicar o quanto seja é
despautério.
É a natureza humana, em
seu pendor,
que amor atiça até que
amor se esvai,
buscando o próprio amor
com mais ardor.
E eu acho graça, ao ver o
que me cai
e permaneço assim,
sentindo amor,
como essa coisa grudada,
que não sai.
LOKESWARA II
Eu já cheguei a crer que
amor assim pudesse
em alguém inspirar, de
modo bem completo,
amor abnegado que tudo o
mais quisesse
em grau menor que a mim,
amor meio secreto,
que a qualquer
sacrifício por mim se dispusesse,
que comigo partilhasse a
cor do mesmo espectro.
E muito eu escrevi sobre
esse estranho amor,
que todos já sentiram,
mas que ninguém conhece,
amor feito hipoteca, em
todo o seu valor...
Amor perante o qual o eu
desaparece,
ansiando por queimar-se
na fonte do calor,
amor de ladainha, no
ângelus da prece.
Perante tal amor, eu fui
um metamorfo:
a cada qual que vinha,
eu era o que esperava,
mostrando a concretude
de meu ideal amorfo,
por perceber, enfim, que
o mesmo eu encontrava:
mostravam para mim do
coração o escorço,
enquanto as almas mesmas
eu nunca conquistava.
LOKESWARA III
Em cada amor existe um
metamorfo,
que a seu par só
apresenta o melhor lado
ou, pelo menos, dele
traz o escorço.
Ninguém se esforça por
mostrar o seu pecado
ao se encontrar no
empenho da conquista,
seu lado mau na
aparência conquistado.
Se for possível, sem
revelar-lhe a pista,
enquanto busca se
mostrar a seu parceiro
um ser bondoso,
delicado e altruísta.
Também ela, por pendor
interesseiro,
tenta esconder quanto
for desagradável
e seu lado mais
volúvel faz brejeiro...
Quando pretende
tornar-se desejável,
com água doce é que os
pássaros se caçam,
para a gaiola de ouro
imponderável.
E mutuamente as
qualidades passam,
ardentemente a lhes
curvar o dorso,
no mesmo ardil com que
esses dois se abraçam...
LOKESWARA IV
Não se pode esperar que,
opostamente,
queiram mostrar o seu
aspecto pior,
dele esperando resultado
diferente.
Busca o homem
demonstrar-se sedutor
e a mulher ser seu desejo
para a vida,
nessa emoção
convencional, chamada Amor.
Ele não quer ser tido por
molóide; de aguerrida
a fama ter não é o desejo
da mulher:
talvez o espante ao invés
de ser querida.
Pois nessa união, cada um
tem seu mister:
deve o homem ser o macho
defensor
e que ela seja carinhosa
é o que se quer.
Na pré-história era o
homem o caçador,
também guerreiro por
necessidade
e a mulher dava aos
filhos seu calor.
Tais preconceitos
conserva ainda a humanidade,
por mais que a vida nos
pareça ser clemente,
ou mesmo fácil conviver
em sociedade.
LOKESWARA V
Mas por mais que seja a
índole diversa,
sempre se mostra um
aspecto melhor,
enquanto a escolha se realiza, tersa.
Ainda que alguns até
mostrem seu pior,
a tal levados por
desapontamento,
fundo marcados por
qualquer sombra anterior.
E dessa forma, será
menor o sofrimento,
caso essa nova relação
falhar:
perda marcada por menor
lamento.
Se não deu certo, não
foi por falta de avisar
sobre as falhas de
caráter mais mesquinhas;
quem insistiu, não pode
se queixar...
E estranhamente, se
tornam pequeninhas
pelo afeto e paciência
do parceiro
ou da parceira que se
quer acarinhar...
Mais duradouro que o
esfarelar ligeiro,
ao descobrir-se pessoas
bem diversas
dessas tocadas durante o
amor primeiro.
LOKESWARA VI
Enquanto o amor
recente se escoava,
para os defeitos
mostrava-se cegueira
e somente em
qualidades se atentava.
Mas ao ver-se a
realidade mais certeira,
de espanto e mágoa se
enche o coração,
como se a outra fosse
só interesseira.
E é então que nos
brota a sensação
de uma burla que em
nada foi sincera
e até assume um
caráter de traição.
E facilmente a
separação se gera,
em resultado de tal
metamorfose,
o antigo anjo
transmogrifado em fera...
E por mais que um
certo amor ainda se goze,
não é o bastante para
o elo conservar,
muito em breve
dividido por mitose.
Por isso é bom a alma
perscrutar
no fundo desses olhos
– a ver se achava
a alma-irmã que se
queria conservar...
LOKESWARA VII
É bom lembrar-se das
fadas as histórias:
beijado o sapo, vira
Príncipe Encantado,
do atrevimento a
recompensa em glórias.
Porém duvido que o
castelo seja achado:
provavelmente foi
demorado o encanto
e desse príncipe já o
lugar foi ocupado.
Terão os dois de
arranjar-se qualquer canto,
talvez choupana com sua
pequena horta,
roupas de estopa a
envergar em vez de manto...
Algum romântico dirá que
pouco importa,
se o triste sapo retornou
a ser humano,
porém à jovem será que
isso conforta?
Beijara o sapo, nesse
gesto insano,
quando só fora banhar-se
na lagoa,
a seu futuro causando o
maior dano!
E bem no fundo, mesmo
isso é coisa boa:
e se no beijo do sapo
houvesse escórias
e a transformasse, ao
contrário, em sapa atoa?
LOKESWARA VIII
Ou então, se saltasse do
banhado
uma Senhora Sapa,
enraivecida,
casada há muito com seu
novo namorado?
Na verdade, é alegoria
aqui contida:
muita vez, quem parece
ter feiura,
ao ser beijado, tem
beleza adquirida.
E tanta face de perfeita
formosura
em verdadeiro sapo se
transforma,
pela maldade de sua alma
impura!...
É falsa essa elegância
que os adorna,
apenas capa ou então só
juventude,
que em senectude
indesejada torna,
mostrando à vida a
zombaria rude,
enquanto à tona pode vir
outra beleza
que o perpassar do tempo
mais escuda...
Porém piores são os
traços da maldade,
no rosto antes gentil
bem ocultada,
que se apresenta com o
passar da idade...
LOKESWARA IX
Por outra parte,
repetem-nos as lendas
que alguém se pode
transformar em Lobisomem,
se a Lua Cheia lhe
vier pratear as sendas...
Já bem mais raras são
histórias de Urso-homem
ou da mulher que se
transforma em Gata
ou em Raposa, sem se
olvidar o Leonomem!...
O folclore hindu por
certo nos relata
que o próprio Vishnu
encarnou em avatar (*)
em nada humano, mas
antes ser da mata.
(*)
O Deus Filho na Trindade Hindu, que retorna
para
salvar a humanidade, reencarnando a cada ciclo.
E existem histórias de
caráter singular
de Homens-serpentes ou
de Mulheres-Aves,
e outras variadas
mudanças a mostrar.
Ou então de peixes que
se tornam naves,
tal qual os humanos se
disfarçam de animais,
por isso a Ahimsa, se
a estudar desbraves
dar morte proíbe a
quaisquer seres naturais,
incluso os tigres que
teus fllhos comem:
nenhuma vida deverás
tirar jamais!...
LOKESWARA X
E não ficaste nunca
imaginando
porque as cabeças dos
seres divinais
que os egípcios passavam
adorando
não eram nunca humanas,
ademais?
(Alguns chamam tais
cabeças de Astronautas,
seus capacetes a
confundir com animais).
Numerosíssimas são as
lendas nessas pautas...
Mas não seria bem mais
fácil conceber
que tais histórias de
imaginação tão lautas
metamorfoses estivessem a
descrever,
tais criaturas sendo
então bem numerosas
e às quais o povo se
forçasse a obedecer?
E até que fossem tais
figuras poderosas
durante os dias, humanas
totalmente,
mas sob a luz da Lua,
monstruosas?
Sua lembrança nas
memórias imanente,
tais metamorfos em deuses
transformando,
no vasto espanto que lhes
invade a mente?
LOKESWARA XI
E que dizer desses seres
zoomórficos
que povoavam o universo
dos Helenos?
Ou, ao contrário,
semi-antropomórficos,
quais os Centauros, que
não pastavam fenos,
mas semi-humanos,
consumindo carne e vinho,
ou então esses Faunos
mais pequenos...
Seria possível qualquer
cruza no caminho,
tal qual se afirma do
Minotauro, claramente,
Pasifaé dando a um touro
o seu carinho...
Mesmo que fosse Zeus, o
deus potente,
que até mesmo se fizera
em chuva de ouro,
a fim de Dânae fecundar
impunemente?
Mas a genética põe tais
ideias em desdouro,
não se admite haver
qualquer miscigenação
nem com os símios, tanto
mais com touro...
Pois não seria de mais
fácil aceitação,
que existissem esses
seres metamórficos,
enquanto humanos a
realizar fecundação?
LOKESWARA XII
Na Mesopotâmia, os
reis possuíam asas
e corpos de leões, com
rosto humano;
será tão só na
imaginação que tal embasas?
E o que pensar do
universo Disneyano:
ratos e patos em
tantas aventuras,
que há décadas
atraem-nos, sem engano?
Entre os Aztecas e
Maias as vidas duras
conceberam
Quetzalcoatl, a cobra alada
e um alfabeto conformado
por figuras...
Será que os tótens não
representam nada
nessas tribos
Ameríndias e o Coyote
de longa história que
mesmo hoje é narrada?
Em toda parte a
mencionar-se o bote
desse Vampiro que
consegue ser Morcego,
após chupar-te o
sangue do congote?
Por tudo isso, meio a
sério alego
que talvez, ainda
hoje, em nossas casas
alguém da forma animal
conserve apego!...
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