O boneco de gengibre
Folclore dos estados unidos, recontado e versificado por
william lagos, 27/9/2018
O Boneco de Gengibre (XII) – 27 set 2018
Pedinte à Porta (III)) – 28 set 2018
A Ronda dos “Ses” (IV) – 29 set 2018
Progredindo para o Nada (III) – 30 set 2018
Amputação Burral (III) – 1º out 2018
O BONECO DE GENGIBRE I
Era uma vez uma velhinha pequeninha,
Casada com um velhinho pequeninho,
Que moravam numa casinha pequeninha
E não tinham nem filhinha nem filhinho,
Nenhum grande e nenhum pequenininhoI
E aconteceu que a velhinha pequeninha,
Casada com um velhinho pequeninho,
Que moravam numa casinha pequeninha
E não tinham nem filhinha nem filhinho,
Nenhum grande e nenhum pequenininho
Começou a se sentir muito sozinha...
Foi procurar de receitas um livrinho
Que tinha sido de sua avó bruxinha
E ali acabou encontrando receitinha
Para fazer um garotinho ou garotinha
Com uma massa de pão de gengibrinho,
Que seria quase igual a um menininho
Ou a uma menininha bem vivinha!
Ela amassou de farinha um bocadinho,
Misturando com açúcar e leitinho,
De uma raiz de gengibre cortou um pedacinho,
Picou bastante e deixou bem moidinho,
Pegou fermento e misturou tudo juntinho!...
O BONECO DE GENGIBRE II
Ora, acontece que a velhinha
pequeninha,
Casada com um velhinho pequeninho,
Que moravam numa casinha
pequeninha
E não tinham nem filhinha nem
filhinho,
Nenhum grande e nenhum pequenininho,
Seguiu perfeitamente a receitinha,
Mas não lembrou de fazer o
encantinho.
Contudo, preparou a sua massinha,
De gengibre, leite, açúcar e
farinha
E espalhou sobre a mesa da
cozinha,
Deixou com o rolo de massa bem
lisinha
E depois foi pegar uma faquinha.
E foi cortando beiradinha a
beiradinha,
Até formar um perfeito retratinho
De um boneco todo marronzinho,
Não sei se garotinho ou garotinha,
Mas devia ficar bastante
gostosinho
E com o gengibre, um tanto
ardidozinho!...
O BONECO DE GENGIBRE III
Depois disso, a velhinha pequeninha,
Casada com um velhinho pequeninho,
Que moravam numa casinha pequeninha
E não tinham nem filhinha nem filhinho,
Nenhum grande e nenhum pequenininho.
Foi fazer de chocolate uma pastinha
E colocou um pouco sobre o bonequinho.
Assim deixou bem bonito um casaquinho,
Mas com creme de leite bem branquinho
Foi colocando cada botãozinho
Desde a gola e por toda a beiradinha
E depois disso, fabricou um chapeuzinho,
De açúcar-cândi com corante laranjinha
Que colocou sobre a sua cabecinha.
E a seguir, foi buscar numa latinha.
Açúcar mascavo, que é mais pretinho
E fez primeiro um bonito sapatinho
E depois outro, para não ficar sozinho
E pôs os dois nos pés do bonequinho.
Logo a seguir, desenhou um narizinho
Com fio de chocolate marronzinho
E pôs corante bem encarnadinho
Em um pouco de nata de leitinho
E de um lado, ela aplicou um olhinho,
Depois o outro, para não ficar sozinho!...
O BONECO DE GENGIBRE IV
E depois disso, a velhinha
pequeninha,
Casada com um velhinho pequeninho,
Que moravam numa casinha
pequeninha
E não tinham nem filhinha nem
filhinho,
Nenhum grande e nenhum pequenininho,
Passou o corante em mais
açucarzinho
E acrescentou uma boquinha
rosadinha.
Chegou então o velhinho
pequeninho,
Batendo palmas para a velhinha
pequeninha:
“Parabéns! Vai ficar bem gostosinho!”
“Não, senhor!” – disse a velhinha
pequeninha,
Tapando a boca do velhinho pequeninho:
“Este aqui vai ser nosso
filhinho!”
“Eu preferia que fosse uma
filhinha!
Podias ter botado um
vestidinho...”
“Não, senhor! Eu quero é um garotinho!
Fui eu que fiz e não pedi seu
conselhinho!”
“É que menina fica em casa mais
quietinha...”
“Não interessa! Vá calando a sua boquinha!”
O velhinho pequeninho ficou bem
caladinho
E a velhinha pequeninha pôs na
panela o bonequinho,
Junto com um pouco de banha de
porquinho;
Ela acendeu com cuidado o seu
forninho
E esperou que cozinhasse o
garotinho
Que ela queria que virasse o seu
filhinho!
O BONECO DE GENGIBRE V
Mas se esqueceu a velhinha pequeninha,
Casada com um velhinho pequeninho,
Que moravam numa casinha pequeninha
E não tinham nem filhinha nem filhinho,
Nenhum grande e nenhum pequenininho,
Que precisava de dizer um encantinho,
Que serviria para prender o bonequinho
Depois que fosse sair do seu forninho
E se pudesse levantar da panelinha
Para a velhinha não sentir-se mais sozinha!
Mas quando ela foi abrir o seu forninho
E com um guardanapo puxou a panelinha
E retirou com cuidado a sua tampinha,
Bem ligeiro se levantou o Bonequinho
E saltou fora com um rápido pulinho,
Diretamente no chão de sua cozinha!
Quando a velhinha quis pegar o Bonequinho,
Dizendo: “Que bom! Agora tenho o meu filhinho!”
Ele correu depressa até a portinha:
“Nã-nã-nã-não! Quero ser bem
livrezinho!”
E correu para o pátio ligeirinho!
Logo a seguir já estava no caminho!
O BONECO DE GENGIBRE VI
E depois disso, a velhinha
pequeninha,
Casada com um velhinho pequeninho,
Que moravam numa casinha
pequeninha
E não tinham nem filhinha nem
filhinho,
Nenhum grande e nenhum pequenininho,
Saiu correndo atrás do Bonequinho
E o velhinho pequeninho correu
atrás do Bonequinho,
Mas a velhinha era velha e
pequeninha
E o velhinho era velho e
pequeninho
E o boneco corria muito
ligeirinho,
Logo deixando para trás o
casalzinho!
A velhinha pequeninha soltou um
suspirinho,
O velhinho pequeninho também já
cansadinho,
O Boneco de Gengibre correndo
ligeirinho,
Sumiu depressa ao longo do
caminho!
E então falou o velhinho
pequeninho,
Repreendendo a velhinha
pequeninha:
“Eu te falei para fazer uma
garotinha,
Ela ficava aqui em casa bem
quietinha!”
Porém o espertalhão do Bonequinho
Corria feliz ao longo do caminho,
“Eu sou pequeno, mas muito
levezinho!
Que bom que eu nasci bem
ligeirinho,
Agora eu sou perfeitamente
livrezinho,
Não sou filhinho da velhinha
pequeninha,
Nem garotinho do velhinho
pequeninho!
O BONECO DE GENGIBRE VII
E o tempo todo ele dava risadinha
E ia cantando a sua musiquinha:
“Corre, corre, velhinha pequeninha!
Corre, corre, velhinho pequeninho!
Que eu corro sempre bem mais
depressinha,
Ninguém me pega, nem me dá pegadinha:
Porque eu sou de Gengibre o
Bonequinho!”
Assim correu até ficar sozinho
E no caminho encontrou uma vaquinha:
“Ai, que lindo, de gengibre um Bonequinho!
Chega aqui perto, meu belo garotinho,
Tu me pareces ser muito gostozinho,
Deixa eu te dar só uma mordidinha!”
O Bonequinho deu outra risadinha
E então cantou a sua musiquinha:
“Eu me escapei da velhinha pequeninha
Corri mais depressa que o velhinho
pequeninho!
Corre, corre, atrás de mim, vaca
bobinha
Que eu corro sempre bem mais
depressinha,
Ninguém me pega, nem me dá pegadinha:
Porque eu sou de Gengibre o
Bonequinho!”
E a vaquinha era muito pesadinha,
Logo parou depois da corridinha,
Não conseguiu pegar o Bonequinho!
O BONECO DE GENGIBRE VIII
Pois correu bem depressa o
Bonequinho:
Era pequeno, mas muito
levezinho...
Quando parou, encontrou um
cavalinho:
“Ora, ora, mas que lindo
Bonequinho!
Venha até a beirada da cerquinha,
Chegue pertinho e dê uma
paradinha,
Você parece ser muito gostozinho,
Eu vou lhe dar só uma
mordidinha!...”
Mas o Bonequinho deu outra
risadinha
E de novo cantou a sua musiquinha:
“Eu me escapei da velhinha pequeninha
Corri mais depressa que o velhinho
pequeninho!
Eu corri mais ligeiro que a vaquinha
Corre, corre, atrás de mim, seu
cavalinho!
Que eu corro sempre bem mais
depressinha,
Ninguém me pega, nem me dá pegadinha:
Porque eu sou de Gengibre o
Bonequinho!”
E o cavalo correu atrás do
Bonequinho,
Mas estava preso dentro da
cerquinha,
Não conseguiu pegar o Bonequinho!
E assim correu bem depressa o
Bonequinho:
Era pequeno, mas muito
levezinho...
Quando parou, chegou numa
fazendinha,
E ali achou dez lindas mocinhas
Colhendo milho muito depressinha:
“Chegue até aqui, meu lindo
Bonequinho!
Chegue à beirada do nosso
celeirinho,
Você parece ser muito gostozinho,
Queremos todas comer você inteirinho!...”
O BONECO DE GENGIBRE IX
O Bonequinho deu outra risadinha
E então cantou a sua musiquinha:
“Eu me escapei da velhinha pequeninha
Corri mais depressa que o velhinho
pequeninho!
Eu corri mais ligeiro que a vaquinha
E mais veloz eu corri que o cavalinho!
Corram, corram, atrás de mim, belas
mocinhas!
Que eu corro sempre bem mais depressinha,
Ninguém me pega, nem me dá pegadinha:
Porque eu sou de Gengibre o
Bonequinho!”
Ele correu tão depressa que as mocinhas
Logo pararam com suas corridinhas
E retornaram para seu trabalhinho,
Junto à beirada de um vermelho celeirinho,
Sem conseguirem pegar o Bonequinho!
Porque correu bem depressa o Bonequinho:
Era pequeno, mas muito levezinho...
Quando parou, achou numa florestinha
Dez lenhadores com suas machadinhas,
Ocupados a cortar as arvorezinhas:
“Corre até aqui, ligeiro Bonequinho,
Tu pareces ser muito gostozinho
E nós queremos te comer todinho!”
Pois o Bonequinho deu outra risadinha
E então cantou outra vez sua musiquinha:
“Eu me escapei da velhinha pequeninha
Corri mais depressa que o velhinho
pequeninho!
Eu corri mais ligeiro que a vaquinha
E mais veloz eu corri que o cavalinho!
Corri mais depressa que dez belas
mocinhas!
Corram, corram, atrás de mim,
lenhadorzinhos!
Que eu corro sempre bem mais
depressinha,
Ninguém me pega, nem me dá pegadinha:
Porque eu sou de Gengibre o Bonequinho!”
E os lenhadores com suas machadinhas
Desistiram de dar suas corridinhas,
Sem conseguirem pegar o Bonequinho!
O BONECO DE GENGIBRE X
Porque corria bem depressa o
Bonequinho:
Era pequeno, mas muito
levezinho...
Quando parou, deu uma suspiradinha
E de repente, encontrou uma
raposinha!
“Você também quer me comer,
bobinha?
Ninguém corre mais que este
Bonequinho!
Ele soltou mais uma risadinha
E de novo cantou sua musiquinha:
“Eu me escapei da velhinha pequeninha
Corri mais depressa que o velhinho pequeninho!
Eu corri mais ligeiro que a vaquinha
E mais veloz eu corri que o cavalinho!
Corri mais depressa que dez belas
mocinhas!
Bem mais ligeiro que dez
lenhadorzinhos!
Que eu corro sempre bem mais
depressinha,
Ninguém me pega, nem me dá pegadinha:
Porque eu sou de Gengibre o
Bonequinho!”
Mas a raposa só lambeu o focinho:
“Eu gosto mesmo é de caçar
galinha!
Só como carne, você é bobo,
Bonequinho!
Não me parece que seja gostozinho,
Não vou lhe dar nem uma
lambidinha!
Ficou o boneco meio
desapontadinho,
Mas continuou meio
desconfiadinho...
Como a raposa vinha atrás,
devagarinho,
Ele correu até chegar a um
riozinho,
Que cortava pela metade o seu
caminho
E a raposa o alcançou, no seu passinho!...
O Boneco de Gengibre deu uma
espiadinha,
Ela chegou, lambendo o seu
focinho:
“Você quer atravessar esse
riozinho?
Já escuto gente a correr pelo
caminho...”
O Bonequinho ficou meio
assustadinho:
“Se eu correr rio acima, é
apertadinho!
Se descer rio abaixo, é
molhadinho!
Posso ficar todo desmanchadinho,
Mas como posso atravessar esse
riozinho?
Que coisa triste para este
Bonequinho!”
O BONECO DE GENGIBRE XI
“Ora, eu não vejo nenhum probleminha,”
Disse a raposa, bem tranquilazinha.
“Eu sei nadar bastante depressinha,
Você se agarra bem no meu rabinho!”
Assim o boneco aceitou o conselhinho:
Subiu no rabo daquela raposinha,
Que começou a atravessar logo o riozinho...
Mas quando estava a um metro da beirinha,
Ela virou para trás o seu focinho:
“Você pesa demais para este meu rabinho,
Vai cair e ficar todo molhadinho...
Se não quiser ficar desmanchadinho,
Venha subir para meu lombo depressinha!”
E o Bonequinho confiou na raposinha,
Que foi nadando cada vez mais ligeirinho,
Até chegar no meio do riozinho...
“Está ficando mais fundo, Bonequinho,
Logo a água vai chegar no meu lombinho!
Você vai ficar todo molhadinho
E depois vai ficar desmanchadinho!”
“Mas o que eu faço?” – disse o Bonequinho.
“Monte depressa no meu pescocinho,
Ali você ficará sempre sequinho,
Sem perigo de ficar desmanchadinho...”
E bem depressa obedeceu o Bonequinho...
Nadando em frente seguiu a raposinha,
Até chegar a três quartos do caminho...
O BONECO DE GENGIBRE XII
“O rio está ficando cada vez mais
fundinho,
Respinga água no meu pescocinho,
Você já deve estar ficando
molhadinho
E em seguida vai ficar
desmanchadinho...”
“E o que é que eu faço?” – gemeu o
Bonequinho.
“Passe depressa para minha
cabecinha,
Ela fica sempre bem levantadinha
E ali você pode continuar
sequinho...”
E o Bonequinho montou na
cabecinha,
Mas a seguir, lhe falou a Raposinha:
“Está mais forte o curso do
riozinho
E vai tapar até minha cabecinha!
Pule depressa para meu focinho!”
“Pois ali eu não fico molhadinho?”
Eu preciso respirar, não é,
bobinho?
O meu focinho fica bem
levantadinho...
E o Bonequinho passou para o focinho.
Seguiu depressa nadando a
raposinha,
Até chegarem na outra
margenzinha...
“Viu só? Você chegou todo sequinho!”
“Muito obrigado!” – falou o
Bonequinho.
“Não há de quê!” – replicou a
raposinha,
Mas assim que pôs os pés sobre a
terrinha
Sacudiu para o alto o seu focinho!
O Bonequinho, sem querer, deu um
pulinho
E a raposinha abriu a sua boquinha
E abocanhou pela metade o
Bonequinho!
“Ai de mim, que fiquei tão
pequeninho!”
“Não se preocupe...” – respondeu a
raposinha.
Com outra dentada engoliu o Bonequinho,
Muito contente a lamber o seu
focinho!
EPÍLOGO
Mas no outro dia, a velhinha
pequeninha,
Casada com um velhinho pequeninho,
Que moravam numa casinha
pequeninha
E não tinham nem filhinha nem
filhinho,
Nenhum grande e nenhum pequenininho.
Fez de gengibre mais outra
massinha
E se lembrou do conselho do
velhinho:
“Desta vez, vou botar um
vestidinho,
E vou fazer de Gengibre a
Bonequinha,
Porque menina fica em casa mais
quietinha...”
E foi assim que ela ganhou a sua
filhinha!
PEDINTE À PORTA I – 28
SET 2018
“Se peço algo, me
chamam de pidão,
mas sempre alguma
coisa se consegue;
há quem reclame,
também há quem negue,
mas se eu nada pedir,
nada me dão.
“Em certas casas, mora
até mau coração,
que bem diversa
disposição persegue,
que só conselho a quem
lhe pede legue,
pois nem sequer ao
faminto estende a mão.
“Só me irá dizer: “Vá
embora trabalhar!”
mas nestes tempos de
tanto desemprego,
pedir de porta em
porta é o meu trabalho!
“E quando peço, alguém
sempre há de ajudar;
talvez seja muito
pouco, isso não nego,
ganhar esmola não é
mais que quebra-galho!”
PEDINTE À PORTA II
“O ideal seria me
dessem algum emprego,
mas raramente isso se
pode conseguir.
E o que farão se por
acaso eu for pedir:
“Capino o pátio, seus
canteiros rego...”
“Um pacote de alimento
não lhe nego,
já dinheiro é mais
difícil repartir,
não irá com droga ou
cachaça dividir,
mais que comida, por
isso tendo apego?”
Dá a quem te pede e não recuses
àquele que te pede que lhe emprestes
este é o conselho da
Bíblia Sagrada.
Se por acaso só lhe
dás o que não uses,
não é amor descartar
tuas velhas vestes,
o que de fato não te
custa quase nada!
PEDINTE À PORTA III
Mas quando teu
dinheiro está escasso
e as duas pontas é
difícil amarrar,
o próprio ato de com
pouco se ajudar
na direção do amor percorre
um passo.
O engraçado é que o
melhor abraço
costuma vir de quem
tem pouco para dar;
há muito rico que não
quer compartilhar,
pois não espera da
pobreza entrar no laço.
Mas o pobre, que já
passou necessidade
e que sabe como é não
se ter nada,
sempre possível nova
hora atribulada,
talvez por isso mais
demonstre caridade
e se algum dia ele ou
ela precisar
bater em porta e outra
gente lhe negar?
A RONDA DOS “SES” I – 29 SET 18
“Se eu tivesse!” – tanta gente pensa...
E se o “se” fosse um saco de feijão?
Ninguém de fome morreria na ocasião,
Porém um “se”, em geral, nada compensa.
E “se eu tivesse feito? – coisa densa
é remoer do passado a negação;
para o futuro resta apenas direção,
lamentar o teu passado é até ofensa,
não para Deus, nem para a sociedade,
mas uma injúria que fazes a ti mesmo,
pois de teus erros não aproveitaste nada!
Que reste apenas, dessa perdida idade,
qualquer lição que armazenaste a esmo,
como alicerce de uma hora ultrapassada!
A RONDA DOS “SES” II
“Ai, se eu tivesse nascido em outra parte!
Tenho certeza de que nasci em tempo errado,
pelos meus pais fui tão mal aquinhoado!
E se uma herança comigo alguém reparte?”
Porém a vida possui diversa arte,
o teu presente por ti foi trabalhado,
só por ti o teu futuro conquistado,
que nenhum dia dessa espera se descarte!
Pois se ficares pensando só no “se”,
dentro do “se” ficarás perpetuamente,
que nenhum desses “ses” jamais se vê,
se não souberes por tal “se” te esforçar,
de cada “se” arrancando mais um pouco,
pois só esperar pelo “se” é ideal de louco!
A RONDA DOS “SES” III
“Ah, se eu pudesse passar naquela prova,
um bom emprego para mim teria arranjado!
“Ai, se na mega-sena tivesse eu só
ganhado!”
Porém um “se” o teu volante não renova!
Mas se um “se”, ao contrário, te comprova
que o teu procedimento foi errado,
o mesmo erro sem repetir dobrado,
“se” conseguires, servirá de boa nova!
O “se”, contudo, não é nenhum vilão,
só representa outra escolha pela frente,
podes ficar sentado a “se pensar”
ou “se aprender” uma nova profissão
e “se” souberes competir com outra gente,
sem ficar preso no “se”, podes ganhar!
A RONDA DOS “SES” IV
“Se
parar o bicho pega,” diz ditado;
“Se correr, o bicho come”, é depressão.
Um dia, eu li na calçada a conclusão:
“Se unir, a gente vence!” – que pecado
gramatical! Confundir-se a conjunção
com o pronome reflexivo ali encontrado;
tudo seria bem menos complicado
se houvesse menos ignorância e desrazão!
Tenho certeza de que o autor desta sentença
até pensou estar sendo inteligente,
pois “se” não fosse dessa certeza crente,
“se não tivesse” ali deixando algo que
pensa,
teria decerto “se jogado” para trás!
Melhor quem erra de quem nunca nada faz!
PROGREDINDO PARA O NADA I – 30 SET 2018
“De mamando a caducando
a gente vai se educando...”
“No princípio, todos gostam,
mas no fim, muitos desgostam!”
quase todo nenê sabe mamar,
este é um instinto que vem antes do berço;
quase toda a freirinha reza o terço,
mas para isso, precisa se educar!
ao ver o seio, o nenê vai procurar
o seu mamilo, de biquinho terso;
qualquer pessoa pode escrever verso,
para poesia escrever, tem de treinar!
riscar palavras no coitado do papel
qualquer criança faz com dois aninhos!
existe gente que é um patriota natural,
outros que aprendem sobre a Pátria no quartel,
do Hino Nacional honrar belos versinhos,
mas Patriotismo é aprendizado individual!
PROGREDINDO PARA O NADA II
uma criança aprenderá a caminhar
talvez somente pela observação,
mas se houver boa estimulação,
bem mais depressa conseguirá marchar;
uma criança aprenderá a falar,
imitando os adultos que ali estão,
não há um instinto de conversação,
seu aparelho fonador tem de treinar!
já maiorzinha, de brincar vai aprender,
mas no princípio, para qualquer brinquedo
será preciso um modelo observar,
não há um instinto para tal saber,
será preciso desvendar esse segredo,
que inicialmente só bem longe irá jogar!
PROGREDINDO PARA O NADA III
também aos poucos se aprende a trabalhar,
a pintar quadros, a fazer poesia;
só a ciência e a matemática saberia
depois de a elas bom estudo consagrar!
mas para que se aprender a caducar?
ai, meu Deus! – será que instinto existiria
que as falhas da velhice ensinaria,
a vida inteira só nisso a se empregar?
quem sabe aos poucos, igual nos chega a dor
e nos ensina a gemer, com o mesmo ardor
a gente possa aprender desesperança!...
eu só espero a caducar não aprender,
de quase tudo que sei hoje me esquecer,
enquanto aprendo de novo a ser criança!
AMPUTAÇÃO
BURRAL I – 1º OUTUBRO 2018
Dizem
que não se corta o pé de um burro
só
porque nos deu um coice o infeliz!
Há
muita coisa nisso que o povo diz:
em
ponta de faca melhor não se dar murro!
É bem
provável que de dor se dê um urro...
Bem
certamente, isso é coisa que não fiz,
nem
nunca dei qualquer soco no nariz
de
qualquer um que me lançasse um zurro!
Aqui a
ideia não é só de paciência
e nem
ao menos de longanimidade,
nem
simplesmente de agir com complacência,
mas de
evitar um tolo desperdício,
que um
certo grau de magnanimidade
pode
até mesmo livrar alguém de um vício!
AMPUTAÇÃO BURRAL II
Diz, por exemplo, que não se deve
despedir
um operário só porque foi grosseiro
ou logo após cometer o erro
primeiro,
que uma outra chance se lhe deve
conferir.
Do mesmo modo, se um amigo nos
ferir,
por um engano, o que é bem
corriqueiro,
que não se deve dar um corte
derradeiro,
nessa amizade, para nunca mais
possuir.
Diz igualmente, para questões de
amor,
em que é comum haver certa
discordância,
sem que se queira depois fazer as
pazes,
que muito mais se perde do candor
por manter esse carinho a uma distância,
recomendando pensar bem em quanto
fazes!
AMPUTAÇÃO
BURRAL III
Mais do
que tudo, sempre é mais importante
não
fazer dos próprios pés a amputação,
a cada
vez que fracassar uma intenção,
no
desistir de tentativas ser constante!
É tão
comum uma tolice assaz gigante
de se
recuar ante qualquer contradição,
cortando
a obra que não teve aceitação
e num
descarte, nada mais levar adiante!
Não se
corta o pé do burro e nem do amigo,
nem uma
rusga se transforma em mal de amor
ninguém
ampute um dom que traz consigo!
Mas ao
contrário, ao burro a gente ensina,
pazes
se faz num momento de calor,
de um
bom futuro esperando ter a sina!
Recanto das Letras > Autores >
William Lagos
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