MEIODIACIDADE & MAIS – 2-11/8/2018
NOVAS SÉRIES DE WILLIAM LAGOS
Meiodiacidade (VI) – 2 ago 18
RETORNO (IV) – 3 AGO 18
OSCILAÇÃO (IV) – 4 AGO 18
ONDAS FURTIVAS (IV) – 5 AGO 18
CONTRA-ONDAS (III) – 6 AGO 18
EVOLUÇÃO INVERSA (III) – 7 AGO 18
QUESTÃO DE DESORDEM (IV) – 8 AGO 18
MANTO DE INSETOS (III) – 9 AGO 18
ENGANO PARADISÍACO (vi) – 10 AGO 18
PROMESSAS ARDENTES (VI) – 11 AGO 18
MEIODIACIDADE I – 2 AGO 2018
Que o meio-dia existe é coisa certa.
bem denunciado pelo Sol a pino,
sobre um gnômon o efeito é pequenino, (*)
em varinha vertical sombra deserta;
já a meia-noite meio que desconcerta
o olhar ansioso de humilde peregrino,
salvo quando é senhor de seu destino
e pela posição dos céus se acerta.
(*) Relógio de sol.
Mesmo assim, em noite bem nublada,
não é possível se orientar pelo luar;
e a posição também varia do lunar
conforme o dia que o ano tem tocado
e a situação que ocupa geográfica,
também efeito a implicar sobre essa
prática.
MEIODIACIDADE II
Já o clarão do Sol, mesmo nublado,
a não ser que cem relâmpagos cintilem
e suas sombras adicionais desfilem,
sempre é possível que seja calculado;
mas por que há doze horas de contado?
Se com os dedos das mãos não se perfilem,
mesmo que duas orelhas se assimilem,
adicional bem raro a ser considerado.
Será que esses Sumérios que as criaram
nas mãos mostravam hexadactilia?
Seis dedos em cada mão explicariam,
mas esqueletos nunca se encontraram,
salvo que aqueles que revelou a
arqueologia
em um oásis do Egito a eles pertenciam.
MEIODIACIDADE III
Isso é coisa que os Egípcios rejeitam,
por mais tenham aparência diferente;
talvez trezentas múmias se acrescente
à multidão das que em Khem se aceitam;
(*)
mas mesmo essas cinco dedos apresentam,
portanto alhures há razão premente
para o duodécimo ali estar presente...
Os doze signos do Zodíaco o complementam?
(*) Nome da terra em egípcio faraônico.
Mas isto é causa confundir com
consequência;
os doze meses é que se representaram
nas constelações a que o Sol percorreria
e dentre astrônomos de real sapiência
o sistema geocêntrico não funcionaria,
salvo se as crenças religiosas o declaram.
MEIODIACIDADE IV
Será que houve um antigo galileu
por heresias condenado a uma fogueira
ou a outra pena de morte costumeira
ao afirmar que a Terra se moveu?
Muito raro um terremoto já ocorreu
na Mesopotâmia, cujo solo bem ligeiro
por sedimentação formou-se inteiro.
Só inundações com frequência conheceu.
Mas o calendário somente era lunar,
com treze meses por ano, não com doze
e o calendário solar tem dias de sobra,
média a fazer-se de forma singular...
Mas de onde a dúzia retirou sua pose?
Dúvida esta que resposta ainda me
cobra...
MEIODIACIDADE V
Segundo os tabletes de argila nos
afirmam,
doze deusas originaram o ser humano,
que hoje habitam certo planeta arcano,
com longas órbitas que pelo espaço giram;
e quando aqui na Terra elas se firmam
só encontraram um povo sub-humano,
bem limitados e, num gesto soberano,
uma parte de seu sangue então retiram.
Usando o sangue para as deusas fecundar,
sendo as mães para os pais de nossa raça,
óvulos e esperma em clara alegoria,
um novo povo a que pudessem ensinar,
aos quais meia-divindade se repassa,
que o “Povo de Cabeça Preta” se dizia.
MEIODIACIDADE VI
Dos seis casais de humanos iniciais,
compondo seis adãos e suas seis evas,
ali ensinados a combater as trevas,
não como filhos, mas escravos naturais;
talvez daqui surjam de doze esses totais,
doze horas mais doze em duas levas,
a inteligência transmitindo sem reservas,
aos quais dotaram das ideias seminais
para o fogo, a construção, a agricultura,
esse planeta há milênios já partindo
para do espaço sideral imensidões;
hoje ao menos noventa séculos se assegura
foi a civilização suméria então
surgindo...
Foi essa a origem de nossas tantas
multidões?
RETORNO I – 3 AGO 18
(Sugerido por parágrafo de Mervyn Peake)
Certo dia, o viandante retornou,
depois de anos passados no estrangeiro,
estacionado ante o familiar terreiro
desse amor que certo dia desprezou.
Igual que antes a antiga amada divisou,
o mesmo aspecto anteriormente lisongeiro,
o mesmo brilho em seu olhar brejeiro...
Bem lentamente, então, se aproximou.
“Vais entrar ou ficar aí parado?”
Ela indagou tal qual em saudação –
“Sou eu mesma e você parece igual.”
O seu olhar sobre ela derramado,
estudando gravemente a situação:
seu retorno incompreensível no total.
RETORNO II
“Tenho cogumelos para seu jantar,”
disse-lhe a bela, “ou ovos de codorna...”
“Não tenho fome,” o viandante torna,
ainda simplesmente a contemplar.
“Pois então fique aí. Eu vou
entrar,”
lhe redarguiu em voz suave e morna,
em seus ouvidos a soar como bigorna.
“Se me permite, só queria conversar...”
Mas vendo a sombra que lançava ela,
do peregrino contraiu-se o coração,
que no seu passo alguma coisa persistia,
inexplicável tal sensação ao vê-la,
qual seu retorno, sem ter qualquer razão
ou o que pensara falecer ainda vivia?
RETORNO III
Foi como se sofresse inundação
dos perdidos sentimentos do passado,
imagem após retrato recordado,
beijo após beijo, em sombria inconclusão,
seus pensamentos em conflagração,
logo o inicial a ser desafiado
por um novo, a seguir sendo empurrado
por um terceiro, veloz em sucessão...
Como se diques se quebrassem ou represa,
brotando de seu peito sem controle,
desativadas todas as eclusas...
Porque então ele
partira de sua mesa
e de seu leito? – a lhe soprarem como fole,
a contestar de si quaisquer recusas...
RETORNO IV
Quantas
vezes em rancor a contemplara
e tantas
outras a transbordar de amor
por suas
feições e por seu corpo sedutor,
pelas ideias
que nela admirara!...
E quantas
vezes no passado acompanhara
a sua sombra
esguia e sem calor
dele
afastar-se, negando-lhe favor,
quando parte
de sua alma lhe rasgara!
E contra a luz que da porta lhe brotara,
manifestou-se idêntica silhueta,
com idênticos meneios dos quadris;
mas nessa confusão que o dominara,
à tona vieram mil sentimentos vis,
enrodilhados nessa paixão secreta...
OSCILAÇÃO I – 4 AGOSTO 2018
Por tantos sentimentos transtornado,
o viandante sobre os pés girou
e de volta a seu veículo marchou,
só enxergando o que havia contemplado;
atrás de si, com fragor dissimulado,
a porta firmemente se fechou,
mas a figura sua mente conservou,
contra o trinco do automóvel apoiado.
Ela era a mesma, depois de tantos anos,
seus quadris tal qual esbelto sino,
as costas firmes, quase militares,
seu pescoço cilíndrico qual canos,
o licor a transportar de seu destino,
num meandro de prazeres e de azares...
OSCILAÇÃO II
O mais estranho é que a visão lhe parecia
ser a sua própria, de maneira imponderável,
tanto que dela em si trazia memorável,
tanto de si que a ela apenas pertencia,
por tantas noites que em seu leito adormecia
e se assentara ante sua mesa impecável;
nada lhe dera de concreto e ponderável,
mas de fato quanto dele ela trazia!
E então veio à luz o seu fracasso,
ele mesmo a destruir tal relação
e então, de súbito, outra iluminação:
também houvera a derrota em seu abraço,
que ambos haviam de si feito doação,
até que o brilho desse amor ficasse baço!
OSCILAÇÃO III
Sem dúvida, ele a tratara com carinho,
ao contemplar-lhe o rosto clássico fremente,
que até no amor se mostrara independente,
de certo modo, cada um no seu caminho,
paralelos, unidos, mas qual vinagre e vinho,
alguma coisa semidesnuda e transparente
a interpor-se contra a entrega permanente:
ele era um cardo e ela um rosmaninho.
O que, de fato, havia dado errado?
Talvez se houvessem conhecido bem demais,
sem a insurgente inserção de algum mistério,
quantas minúsculas coisas no passado,
tantas pequenas dissensões enfim fatais,
sem que ocorresse qualquer embate sério...
OSCILAÇÃO IV
Reconheceu que de permeio a seu fervor,
houvera instâncias de infidelidade,
que seu egoísmo mostrava-se à vontade,
o seu orgulho demonstrando igual valor;
que a tudo isso ela perdoara com amor,
mas cada vez com menor sinceridade,
de cada vez mais ferida a sua vaidade,
até esgotarem-se as palavras de calor;
por que então o sentimento poderoso,
seu olhar a segui-la em ansiedade,
por que, afinal, ele havia retornado?
porque o amor de agora era apenas
generoso,
no coração a lhe restar só a amizade,
menos por ele que por lembranças do
passado...
ONDAS FURTIVAS I – 5 AGO 18
Isso que chamam de “meme” já foi
voga,
já foi vírus, foi mania, imitação;
surpresa causa-me a facilidade que
terão
de revestir-se de tão diversa
toga...
Esse costume pouco ou nada roga
para imiscuir-se em mente e
coração,
mais femininas necessidades são,
para o homem a ser precisa corda e
soga,
quanto mais velhos, mais difíceis
de mover,
quanto mais jovens, quase em
desafio
abraçando o inesperado parecer,
logo todos entre si a reconhecer,
na novidade que os une como um
fio:
“É tecnológica!” – afirmando com
prazer.
ONDAS FURTIVAS II
Assim os códigos e as abreviaturas,
nos celulares expostos mil segredos,
debicados pela ponta de seus dedos,
só quem conhece entende suas torturas;
a ultrapassada meme dos torpedos,
a obrigação de ligações impuras,
nessas redes de pequenas diabruras,
o tempo a desgastar nesses degredos;
numa sala quatro ou cinco a digitar,
apenas vendo rostos à distância,
nesses clarões de espantos hipnóticos,
sem uns com os outros apenas
conversar,
jamais a solidão com igual potência
que no domínio dos tuitares fóticos!
ONDAS FURTIVAS III
Cada uma dessas vozes poderosas
inscrita no inconsciente coletivo,
seu potencial maléfico e furtivo
em captura das multidões ociosas;
têm vida própria tais palavras
asquerosas,
que pelos olhos penetram qual ser
vivo,
interceptando o movimento ativo:
são criaturas de fato maliciosas,
que te mastigam o tempo e te devoram,
que claramente te impedem de pensar,
iguais que drogas em destruição
potente.
Porém a mim, até hoje, não exploram,
sequer comprei o meu primeiro celular,
digamos ser “meu ódio mais valente”...
ONDAS FURTIVAS IV
Parafraseando Gregório de Mattos Guerra, (*)
“eu sou só e eles são
tantos!” Afinal
como se atreve qualquer mente
individual
a combater os fortes memes desta terra?
(*) Advogado e poeta brasileiro,
1636-1696.
Mesmo erro gramatical aqui se
encerra,
porque MIMA é a expressão
tradicional
e MIME se pronuncia no original
do “meme” inglês que assim nos
ferra!
Serei retrógrado neste meu pensar,
que as redes só emprego a difundir
os meus poemas, nem sequer
fotografias!
Sou “primo pobre” que irão
ignorar,
pois quem deseja de versos se
nutrir,
sendo viciado em tais mensagens
frias?
CONTRA-ONDAS I – 6 AGO 2018
Quem sabe ocorra, em breve, reação,
mas que interesse tem nisso a governança?
Um meme vem e a
sociedade amansa,
facilitando o disfarce da opressão.
Já ocorreram tais revoltas de antemão,
o socialismo utópico se lança
contra o industrial que tanto avança:
num ideal de volta à terra pensarão.
Mas é difícil dedicar-se ao coletivo,
muito mais fácil quando havia escravos
e assim tais movimentos fracassaram.
No pós-moderno o modelo é explosivo,
milhões de dedos em teclados como cravos,
que ao coletivo assim se escravizaram.
CONTRA-ONDAS II
Mas se surgir um “anti-meme” movimento,
como pode realmente funcionar,
o boca-a-boca sem mais nada provocar,
salvo em momentos de algum afogamento...
Pois o que eu vejo neste atual momento
é realmente o povo a se afogar,
na montante maré do celular
ou nos chips para
pronto atendimento,
dentro em breve como meme
a se implantar,
pois quem se importa em manter a integridade
de próprio corpo em nossa atualidade?
Com tantos piercings
sua carne a perfurar
mais a meme das
tatuagens dominantes,
nenhuma pele glabra e lisa como dantes...
CONTRA-ONDAS III
Contudo eu vejo, com certo desalento,
da mesma forma que camisetas a mostrar
sob a blusa ou a camisa a se ostentar,
deselegância sem qualquer impedimento,
que para a contra-onda ter alento,
as redes sociais se terá de utilizar
e para a ideia se “viralizar”,
tornar-se um meme novo
em tal momento!
E que adianta reclamar de fake
news,
de trolling, vírus ou
onipresente bullying,
quando mente e corações expõem-se nus
e os sentimentos alheios se espoliem,
nesses rituais de malignidade crus
em que seus ritos midiáticos associem?
EVOLUÇÃO INVERSA I – 7 AGO 18
Quando surgiste, pensei que a própria Lua
havia descido desde o céu distante,
talvez pensando em trair o antigo amante,
esse Sol que a contemplava toda nua;
pensei tivesse abordado uma falua (*)
e me esforçado em seus remos, delirante,
para colher-te no líquido espumante,
lunar reflexo em que o amor flutua;
(*) Pequeno barco usado em Portugal.
quando surgiste, sem mais moderação,
voltou-se todo para ti o meu instinto,
a alma e a mente dominados pelo espanto,
a ponto de inverter-se a evolução
e me prender nesse instante de amor tinto
que aos ancestrais dominou com riso e pranto.
EVOLUÇÃO INVERSA II
Eu te adorei pelas ideias caprichosas,
tão diversas das que antes esposava;
de minhas próprias, a seguir, me divorciava,
mergulhado em tuas ondas portentosas,
em ilusões para mim maravilhosas,
enquanto inteiro em ti me dispersava;
nem era eu, só o amor me dominava,
mas não se faz o amor de apens rosas.
Pouco a pouco abordei teus preconceitos,
que sendo tais, eram igual irracionais,
como parte de teu charme tais defeitos;
e por que insisto em mencioná-los tais,
se reconheço em ti plenos direitos
de me amar só por razões preconceituais?
EVOLUÇÃO INVERSA III
E então contemplo o mundo que me envolve:
quão raramente ali vejo o racional!
E como é raro o hodierno espiritual
nessa falta de convicção que tudo solve,
nessa rede digital em que revolve
a maior parte do mundo material,
por mais que seja inconcreta no total,
de que modo tal conundro se resolve? (*)
(*) Enigma, dilema.
Continuarei fiel a meu amor
nele não vejo razão de desconfiança,
mesmo passada sua inicial bonança
em ti ainda vejo esse lunar fervor,
embora a Lua ao Sol tenha voltado
com toda a prata de seu luar apaixonado!
QUESTÃO
DE DESORDEM I – 8 ago 18
Inesquecível
como gato aos mios,
na
insistência de ser obedecido;
impiedoso
o rabecar em fios
desse
mosquito ao alimento constrangido;
irremediável
como o gato em cios,
lutas
terríveis tendo já assistido,
o
resultado desss firmes brios
sendo
um bichano totalmente malferido.
Soube
de um de que arrancaram o focinho!
Não
sei se o devorou o adversário
ou
simplesmente sobre as telhas o cuspiu;
em
breves dias faleceu o bichinho,
sua
dona até o levou ao veterinário,
mas
não havia como subsistir!...
QUESTÃO
DE DESORDEM II
Inesquecível
como os mosquiteiros
nos
quais os humanos se enjaulavam,
com
liberdade os mosquitos cavorteiros,
que
por intersticios até tentavam
penetrar,
mas quando muito se apertavam,
sem
entrar e sem sair, bichos arteiros,
que
em vampirismo tanto se esforçavam,
mas
do tule permaneciam forasteiros...
Certas
vezes, durante o dia se escondiam,
quando
as pontas não estavam apertadas,
para
de noite descerem lá de cima;
porém
aos tapas facilmente pereciam,
sem
muito jogo para suas revoadas,
palmas
batidas a aplaudir canto sem rima!
QUESTÃO
DE DESORDEM III
Imperdoável
como o que ocorre nas sessões
que
algumas vezes em tevê assistimos:
zumbem
deputados de oposição ferinos,
miam
senadores contra as oposições...
Eu
me envergonho destas situações,
querem
o sangue nos sugar esses meninos,
brigas
de gatos em plenário vimos,
seu
desdecoro nos expõem televisões!
Simplesmente
sem mostrar dignidade,
iguais
que cães a defender seu osso...
Isso
é conduta de um parlamentar?
Aos
eleitores demonstrando, em falsidade:
Sou
minoria, porém gritar em posso!
Para
qualquer reforma atrapalhar!
QUESTÃO
DE DESORDEM IV
Bem
sei que Outubro trará nova eleição
e
os deputados de vulgar comportamento
serão
sujeitos a um novo julgamento...
Quem
sabe ocorre até renovação?
Mas
se saírem estes que aqui estão,
terão
os novos melhor procedimento,
sem
interesse no progresso da nação?
Agora
dentro desse novo mosquiteiro,
podem
sugar todo o sangue popular
e
como gatos em cio a digladiar:
garras
e dentes sobre seu telheiro,
uns
a outros atacando com miados,
tendo
em resposta só zumbidos animados!
MANTO
DE INSETOS I – 9 AGOSTO 2018
Insetos
como pétalas de rosa
me
recobrem as mãos em dom suave;
eu
me transformo assim na mesma nave
que
os transporta pela vida airosa.
Esses
insetos de visão formosa
(mesmo
sem viajar na mesma clave
em
que sempre me enxerguei) são como cave,
no
porão de minha pele em luz vistosa
e
minhas mãos se agasalham nessas luvas,
igual
que gruta que a pele me protege,
talvez
tomando-me de empréstimo o alento,
mil
quanta vivos essas vidas fulvas,
essa
camada multicor, náutilos bege,
que
assim protege meu sonho e meu lamento.
MANTO
DE INSETOS II
Ai,
se eu pudesse os mosquitos transformar
nesses
insetos de carinho portentoso,
imateriais
no meu sonho mais fogoso,
mas
concretos no meu sonho milenar!
Mas
tão diversos estes são a perpassar!
São
como serafins de amor frutuoso,
ou
mil cupidos de maliciar ditoso,
somente
nalma podendo-me picar!
Que
então me envolvem com olhar trocista,
efemérides
de luz, róseo lunar,
cálido
sol no inverno a me aquecer,
do
mundo interiro a sugerir conquista,
embora
em outro mundo este solar
no
qual um dia eu possa inteiro me esquecer!
MANTO
DE INSETOS III
De
certo modo, completam-me armadura,
proteção
com que até hoje eu fui contar,
melífluos
anjos da guarda a deslizar,
sem
que me firam as garras dessa agrura
que
a meu redor sempre a clamar perdura,
pétalas
secas de monstruoso digladiar,
seus
maus esporos viróticos a empurrar,
que
meus pulmões conservam, como pura
expressão
fantasmagórica do ser,
que
os pensamentos alheios não respire,
mas
somente a se apoiar no coração,
para
o que eu mesmo imaginar um dia ver
e
se não vier, que a emoção perspire
nesses
mil versos que me dançam sobre a mão!
ENGANO
PARADISÍACO I – 10 AGO 18
Alegres
voam pombos com chumbinho,
pelo
céu de minha terra, pré-assados,
também
os patos são “parbolizados”
e
mil moedas se recolhem com ancinho;
das
torneiras nos jorra verde vinho,
mesmo
meus tênis por ouro a ser folheados;
já
ninguém mais trabalha, respaldados
por
tanto imposto retirado do vizinho;
cada
fruta vem direto para a boca
e
já fatiadas para dar menos trabalho.
pois
nem sequer é preciso mastigar
e
nada temos de pagar em troca!
Tal
gigantesco paraíso falho
para
outras bocas vai-nos preparar?
ENGANO
PARADISÍACO II
Mais
me afigura ser risco medonho
este
mundo assim tão abundante!
Nem
sei ao menos se seria interessante
viver
assim qual em perpétuo sonho;
os
que viveram no inverno mais tristonho
e
que o tiveram de combater constante
para
obter seu alimento e avante
prosseguir
para o labor, de olhar risonho
foram
aqueles que realmente progrediram,
suas
casas a construir, peles unindo
para
suas roupas, o fogo persistindo,
suas
forjas de bronze constituindo
para
origem do aço e das cidades,
nesse
esforço que recompensa a humanidade.
ENGANO
PARADISÍACO III
Mas
esses povos em paraísos insulares,
no
usufruto de coqueiros abundantes,
peixes
fáceis de pescar a quaisquer instantes,
as
aves arribando pelos ares
ou
os povos das florestas regulares,
com
iguais condições concomitantes,
nunca
chegaram a evoluções constantes
e
nem pensaram em emigrar a outros lugares,
que
é justamente a real dificuldade,
porém
não sendo miséria insuperável,
que
leva um povo a abraçar a sua grandeza,
mas
com tudo na boca, a ociosidade
acaba
por tornar em miserável
quem
viveu na aparência de riqueza.
ENGANO
PARADISÍACO IV
Este
estado social em que o governo
vales
disso e daquilo distribui,
de
forma alguma sobre o povo influi
para
qualquer progresso mais superno;
mas
se o trabalho é com o descanso alterno,
a
dignidade na população reflui,
tendo
incentivo, que ao redor não rui
qual
sociedade a que o imposto aderna.
Mas
é tão fácil os votos se obter
de
um povo só de esmolas a viver,
sem
um esforço para maior progresso!
e
eu que passei a vida a trabalhar,
sem
em benefícios me locupletar,
ainda trabalho, sem o menor sucesso!
ENGANO
PARADISÍACO V
É
claro que não somos como aves
cevadas
em apertados galinheiros,
cedo
levadas para os açougueiros,
pendendo
nuas de ganchos como chaves,
ou
como o vinho com que tua angústia laves
toda
a tua gula nos lábios zombeteiros,
decapitadas
as rezes dos potreiros,
amortecidas
as dúvidas mais graves;
não
é que irao, de fato, nos comer,
que
após a morte nos guardam em gavetas,
mas
nos devoram suas intenções secretas
de
com nossa permissão enriquecer,
a
si o dinheiros das promessas destinando
dos infelizes que neles vão votando...
ENGANO
PARADISÍACO VI
Mas
sempre surge da Pátria um Salvador,
este
clamando combater Fascismo,
aquele
apelando contra o Comunismo
e
a tantos cega, pristino, o seu fulgor!
Porém
passado o instante desse ardor,
nas
suas poltronas exercitam puro egoísmo,
confabulando,
no maior cinismo,
com
adversários opostos em pendor!
Que
não existe paraíso proletário,
nem
brota o Éden do liberalismo,
restando
ao povo só sofrer mais um governo,
o
seu engano tão somente temporário
talvez
somente se cumpra no Anarquismo,
lobo
após lobo a te mostrar sorriso terno!
PROMESSAS ARDENTES I – 11 AGO 2018
O Sol ainda não brotou sobre os telhados
Na cobertura da cidade dessacrada;
Percebo apenas uma cepa avermelhada
Que irá cobrir os tetos mais cansados;
Cortado o Sol, seus raios decepados,
Estranho eclipse em nascente desfolhada;
Fonte amarela de poluição, um quase nada
Em esplendores de arco-íris desmaiados
E se levanto mais cedo, até confundo
A vasta luminária de minha rua,
Encarnada redondez de carne crua,
Com o astro-rei que traz a vida ao mundo,
Mas só por um instante... a escuridão
Logo enaltece minha plena solidão.
PROMESSAS ARDENTES II
Um dia o Sol prometeu a seus fiéis
Que lhes daria calor e luz frequentes,
Até o momento de lançar-se até os poentes,
Aonde em tenda ergueria os seus quartéis
E que nas poças do chão seus ouropéis
Faria cintilar ante as vistas persistentes,
Por toda a gama de luz dos mil orientes,
Dando aos planetas o fulgor de seus anéis;
Essas promessas de vitais ardências,
Sem demasiadas ser, nem encolhidas,
Passo a passo confessando suas falências,
A translação e a rotação em consequência
A apresentar mil variedades perseguidas,
As estaçoes de sul a norte em decadência.
PROMESSAS ARDENTES III
Se numa parte é
inverno, noutra é verão,
Se numa é outono e na
outra primavera,
Que tal girar
eixocêntrico nos gera,
Muitos já encaram o
Sol com suspeição;
Não é, no entanto,
pela oblonga translação
Que no verão calor
maior se espera,
Que no inverno por
frio então se altera,
De sua distância não
provém tal mutação;
Nem em sua tenda o Sol
vai descansar
Nesses contornos de
uma Terra plana,
Mas porque ela em um
viés se irmana,
Ao Sol volúvel e
caprichosa a contemplar,
Só a promessa da noite
é permanente,
Não importa úmida ou
seca se apresente.
PROMESSAS ARDENTES IV
Mas se a promessa do
Sol assim engana,
O jovem Hélios mais
potente no Equador,
O velho Loki mentiroso
em seu andor,
Que lá nos Polos vem
cortar-lhe a rama,
Que dirá isso que fala
a boca humana,
Tão mais propícia à
variência do pendor,
Na rotação que
manipula o seu humor,
Na rotação dos desejos
que reclama;
E quando ardentes
foram tais promessas,
É que se encontra,
então, amor a pino,
Pouca sombra a lançar
sobre quem ama
E se enfraquece em
sombras mais espessas,
Foi o sol do antigo
amor tão pequenino
Que só de leve
alimentou tal chama...
PROMESSAS ARDENTES V
E na verdade, quanto mais ardentes
Promessas foram, tanto mais desgastam,
Iguais que velas a estearina gastam,
Bem raramente de cera hoje aparentes;
Melhor pensar nos dias consequentes
Em que a mágoa e a dor fervor abatam,
Quando as promessas facilmente datam
De um passado de luzes permanentes;
Porém promessas sempre têm encanto,
Mesmo que o vento a nos zurzir lamento
Sempre ao redor vá sussurrar: “Nem tanto!”
Queima-te menos, guarda tua bonança,
Que assim na chama essa atração do vento
Mais lentamente vá queimar a tua esperança!
PROMESSAS ARDENTES VI
Quando as promessas escorrem facilmente,
Nas invenções de amor tradicionais,
Do coração esvaziando os embornais,
Pouca reserva nos sobra permanente;
Melhor então uma poupança contingente:
Votos de amor, talvez, mas não demais,
“Para sempre!” não são palavras imortais,
Por mais sinceras sejam no presente;
Antes promessas de menor ardência,
Para que o círio conserve a duração,
Mesmo menor parecendo sua potência;
Mais longo o Sol brilhante em permanência
Que um farol para o desgaste a ter premência
Na lamparina de tua humilde condição.
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