sexta-feira, 10 de novembro de 2023


 

 

CICLONES DE NUVENS  I  (Dez 2008)

(Constance Talmadge, dama do cinema mudo)

 

Peguei a Lua e a enrolei: um embrulho,

mas não de nuvens de insatisfeitos nexos,

nesses fantasmas que nem sequer têm sexos

mas se recusam a aceitar qualquer esbulho.

 

Peguei a Lua e a lancei no mesmo entulho,

em que guardo o abandono, triste amplexo,

movido assim por impulso desconexo:

que apodrecera a Lua e dava engulho!...

 

Talvez que fosse o cheiro dessas almas

que usei para embrulhar o luar de queijo:

nem sei por que me revoltei contra sua luz.

 

Lancei a Lua ali e bati palmas:

meus dedos pus na boca e dei-lhes beijo,

livre, afinal, dessa algoz que me seduz.

 

CICLONES DE NUVENS II

 

E logo eu!... Que tanta vez a Lua

tivera por fanal para meu passo,

que me aclarara quando, em teu regaço,

eu ofegava ao ver-te toda nua...

 

Em tal sofreguidão, nessa ânsia crua,

que preenchia da alma todo o espaço,

que me esvaziava total em teu abraço,

cérebro cego e a mente inteira tua...

 

Mas agora que o luar já lancei fora,

percebo, incauto, que ainda me ilumina

a claridade da estrela vespertina...

 

A mesma Vênus adorada outrora

e que desvendo, no esgar dessa paixão,

como essa luz que te sai do coração.

 

CICLONES DE NUVENS III

 

Quem não me agrada é o sol deste verão,

com seus raios sem escudo e sem ozônio,

a radiação descendo, em pandemônio,

a tudo destruir quanto se fez...

 

Que eu sinto me penetra ao coração

esse punhal redondo de antimônio,

dourado e em leve odor de pelargônio,

que penetra em minhas narinas como grês.

 

Ai, quem me dera então ter outro inverno!

Em que perceba um sol muito mais terno,

que não me fira os olhos feito adaga!...

 

Mas este sol de luz ultravioleta,

somente mal de câncer me secreta

e a vontade de viver até me apaga!...

 

CICLONES DE NUVENS IV – 28 OUTUBRO 2023

 

Pois vou tomar duas estrelas como esporas

e prender às alpargatas qual o vento!...

Cavalgarei a Lua, em tal portento,

na doce calcedônia das memórias...

 

No crisópraso dourado dos agoras,

esfregarei da Lua o seu lamento,

rasgarei suas crateras em alento

e dois cometas esvair-se-ão em glórias...

 

Mas de que me servirá a cavalgada,

senão para te ver, na descuidada

passagem do banheiro para o quarto?

 

E assim fecundar-te-ei pelos cometas:

nem saberás de crias tão secretas,

até o momento em que chegar-te o parto!

 

CICLONES DE NUVENS V

 

Meu barco, qual satélite vistoso,

é impulsionado por vento invisível e solar,

já não preciso de oxigênio a respirar,

o meu pulmão é muito mais airoso,

 

vou deslizando nesse mar viscoso

da cosmosfera, no peito o respingar

de meteoros, em breve acariciar

que meu esterno repele, vigoroso.

 

Em meus cabelos se acumula a poeira

das partículas de cósmica radiação,

mil raios beta e gama em profusão,

 

contudo a mente permanece inteira,

elas se entranham tão só pelos cabelos

e me lacram para os astros com seus selos!

 

CICLONES DE NUVENS VI

 

Ao invés de machucarem, favorecem

e minha carne, de queimada,  gaseifica,

minha mente chega à órbita, onde fica

Saturno, que em seus anéis coroa tem

 

como múltipla tiara e permanecem

nesse laurel que tal nobreza indica;

sou gás e é gás Saturno e nessa rica

mecânica celeste e desfalecem

 

os meus limites com esse planeta:

a ele me misturo, em tal secreta,

arcana mescla que meu sonho traz,

 

já seus anéis são meus e essa coroa

de meu barco astral enfeita a proa,

num devaneio que em névoa se desfaz.

 

CICLONES DE NUVENS VII – 29 outubro 23

 

Com esses raios cósmicos meu manto

eu tecerei e empregarei a negra matéria

que existe entre as estrelas, numa artéria

a ser tecida para o lenço de meu pranto,

 

minha túnica costurada com meu canto,

com esses risos de expressão mais séria,

como um salário ou do comércio a féria,

redondilhada de constelar espanto;

 

na testa engastarei astro vermelho

e como brincos duas estrelas brancas,

com satélites enfiarei o meu colar

 

e da galáxia me tornarei o espelho

e nos buracos negros serão francas

as minhas entradas sem deles me espantar.

 

CICLONES DE NUVENS VIII

 

Irei tomar da cada constelação

quaisquer pulseiras ou luzente bracelete,

como tornozeleira eletrônica um confete,

que espargirei, sem grande confusão,

 

ao longo das canelas, que já estão

ungidas pelo óleo dessas Sete

Plêiades que espremi, em que projete

mil asteróides pingados de minha mão

 

e a Andrômeda então farei a corte:

as Nebulosas que chamam de Magalhães

serão os meus padrinhos de noivado

 

e a Via Láctea inteira a minha sorte

haverá de partilhar e até os Cães

do Caçador Celeste irão latir ao meu agrado.

 

CICLONES DE NUVENS IX

 

O Cão Maior há de correr à minha direita

e o Cão Menor protegerá meu flanco,

irei a Sirius e sentarei como num banco,

nesse banquete nupcial que assim se ajeita

 

para mim o Demiurgo e se aproveita

para vestir-se do cristal mais branco

dos mundos paralelos, nesse arranco

em que expandir-se a galáxia se aceita.

 

Andrômeda, minha noiva esplendorosa,

da Via Láctea a mais próxima princesa,

se coroará de nuvens, com certeza,

 

de supernovas, em destino manifesto,

protegida por sua túnica de asbesto

desses relâmpagos que servirão a nossa mesa.

 

CICLONES DE NUVENS X – 30 Out 2023

 

Os convidados serão nuvens de ciclones,

congregadas  nos adros das vastas catedrais,

compartilhando conosco pães e sais,

trarão presentes em escrínios de abalones,

 

ou de madréporas retorcidas em mil cones,

respigadas de mil oceanos siderais

e mil estrelas explodidas no jamais

serão servidas em terrinas, como clones.

 

Convidarei também para o banquete

Betelgeuse, Antares e Arcturos,

Bellatrix,  Canopus e esse cinto

 

De Órion, que a assembleia me complete,

Mintaka, Alnilan e os sonhos puros

De Alnitaka, cujo fulgor pressinto.

 

CICLONES DE NUVENS XI

 

De meu exército depois esses guerreiros

irão dançar com as fadas que flutuam,

serão ciclones de nuvens, em que estuam

os mil fragores dos combates derradeiros.

 

Serão o Sol e a Lua ou seus herdeiros

que beberei no vento em que se aguam

à sua saúde, porque sei como me atuam

esses fiéis e antigos companheiros.

 

Mas Marte e Vênus, que um dia foram deuses

e que me olham com esse esgar de inveja,

conservarei na cozinha e no lagar;

 

a Urano e a Júpiter abanarei adeuses,

darei Mercúrio ao Saturno que me enseja

os seus anéis de prata a rebrilhar.

 

CICLONES DE NUVENS XII

 

Se das galáxias inteiras sou o senhor,

por que me interessar por tais planetas?

Quando as núpcias galáticas mais secretas

já celebrei no mais astérico rigor...

 

Não que me esqueça de Netuno, em seu fragor

e nem sequer de Plutão, que os exegetas

exilaram, por falsas razões obsoletas,

como um astro secundário e sem valor.

 

Pois desde o início sempre me apoiaram

esses seres redondos, como um dia

narrou Platão, orgulhoso em seu candor,

 

terem sido os humanos que atentaram

tomar o Olimpo e a troco da ousadia

são divididos e assim anseiam por amor.

 


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