CICLONES DE NUVENS I (Dez 2008)
(Constance Talmadge, dama do cinema mudo)
Peguei a Lua e a enrolei: um embrulho,
mas não de nuvens de insatisfeitos nexos,
nesses fantasmas que nem sequer têm sexos
mas se recusam a aceitar qualquer esbulho.
Peguei a Lua e a lancei no mesmo entulho,
em que guardo o abandono, triste amplexo,
movido assim por impulso desconexo:
que apodrecera a Lua e dava engulho!...
Talvez que fosse o cheiro dessas almas
que usei para embrulhar o luar de queijo:
nem sei por que me revoltei contra sua luz.
Lancei a Lua ali e bati palmas:
meus dedos pus na boca e dei-lhes beijo,
livre, afinal, dessa algoz que me seduz.
CICLONES DE NUVENS II
E logo eu!... Que tanta vez a Lua
tivera por fanal para meu passo,
que me aclarara quando, em teu regaço,
eu ofegava ao ver-te toda nua...
Em tal sofreguidão, nessa ânsia crua,
que preenchia da alma todo o espaço,
que me esvaziava total em teu abraço,
cérebro cego e a mente inteira tua...
Mas agora que o luar já lancei fora,
percebo, incauto, que ainda me ilumina
a claridade da estrela vespertina...
A mesma Vênus adorada outrora
e que desvendo, no esgar dessa paixão,
como essa luz que te sai do coração.
CICLONES DE NUVENS III
Quem não me agrada é o sol deste verão,
com seus raios sem escudo e sem ozônio,
a radiação descendo, em pandemônio,
a tudo destruir quanto se fez...
Que eu sinto me penetra ao coração
esse punhal redondo de antimônio,
dourado e em leve odor de pelargônio,
que penetra em minhas narinas como grês.
Ai, quem me dera então ter outro inverno!
Em que perceba um sol muito mais terno,
que não me fira os olhos feito adaga!...
Mas este sol de luz ultravioleta,
somente mal de câncer me secreta
e a vontade de viver até me apaga!...
CICLONES DE NUVENS IV – 28 OUTUBRO 2023
Pois vou tomar duas estrelas como esporas
e prender às alpargatas qual o vento!...
Cavalgarei a Lua, em tal portento,
na doce calcedônia das memórias...
No crisópraso dourado dos agoras,
esfregarei da Lua o seu lamento,
rasgarei suas crateras em alento
e dois cometas esvair-se-ão em glórias...
Mas de que me servirá a cavalgada,
senão para te ver, na descuidada
passagem do banheiro para o quarto?
E assim fecundar-te-ei pelos cometas:
nem saberás de crias tão secretas,
até o momento em que chegar-te o parto!
CICLONES DE NUVENS V
Meu barco, qual satélite vistoso,
é impulsionado por vento invisível e solar,
já não preciso de oxigênio a respirar,
o meu pulmão é muito mais airoso,
vou deslizando nesse mar viscoso
da cosmosfera, no peito o respingar
de meteoros, em breve acariciar
que meu esterno repele, vigoroso.
Em meus cabelos se acumula a poeira
das partículas de cósmica radiação,
mil raios beta e gama em profusão,
contudo a mente permanece inteira,
elas se entranham tão só pelos cabelos
e me lacram para os astros com seus selos!
CICLONES DE NUVENS VI
Ao invés de machucarem, favorecem
e minha carne, de queimada, gaseifica,
minha mente chega à órbita, onde fica
Saturno, que em seus anéis coroa tem
como múltipla tiara e permanecem
nesse laurel que tal nobreza indica;
sou gás e é gás Saturno e nessa rica
mecânica celeste e desfalecem
os meus limites com esse planeta:
a ele me misturo, em tal secreta,
arcana mescla que meu sonho traz,
já seus anéis são meus e essa coroa
de meu barco astral enfeita a proa,
num devaneio que em névoa se desfaz.
CICLONES DE NUVENS VII – 29 outubro 23
Com esses raios cósmicos meu manto
eu tecerei e empregarei a negra matéria
que existe entre as estrelas, numa artéria
a ser tecida para o lenço de meu pranto,
minha túnica costurada com meu canto,
com esses risos de expressão mais séria,
como um salário ou do comércio a féria,
redondilhada de constelar espanto;
na testa engastarei astro vermelho
e como brincos duas estrelas brancas,
com satélites enfiarei o meu colar
e da galáxia me tornarei o espelho
e nos buracos negros serão francas
as minhas entradas sem deles me espantar.
CICLONES DE NUVENS VIII
Irei tomar da cada constelação
quaisquer pulseiras ou luzente bracelete,
como tornozeleira eletrônica um confete,
que espargirei, sem grande confusão,
ao longo das canelas, que já estão
ungidas pelo óleo dessas Sete
Plêiades que espremi, em que projete
mil asteróides pingados de minha mão
e a Andrômeda então farei a corte:
as Nebulosas que chamam de Magalhães
serão os meus padrinhos de noivado
e a Via Láctea inteira a minha sorte
haverá de partilhar e até os Cães
do Caçador Celeste irão latir ao meu
agrado.
CICLONES DE NUVENS IX
O Cão Maior há de correr à minha direita
e o Cão Menor protegerá meu flanco,
irei a Sirius e sentarei como num banco,
nesse banquete nupcial que assim se ajeita
para mim o Demiurgo e se aproveita
para vestir-se do cristal mais branco
dos mundos paralelos, nesse arranco
em que expandir-se a galáxia se aceita.
Andrômeda, minha noiva esplendorosa,
da Via Láctea a mais próxima princesa,
se coroará de nuvens, com certeza,
de supernovas, em destino manifesto,
protegida por sua túnica de asbesto
desses relâmpagos que servirão a nossa
mesa.
CICLONES DE NUVENS X – 30 Out 2023
Os convidados serão nuvens de ciclones,
congregadas nos adros das
vastas catedrais,
compartilhando conosco pães e sais,
trarão presentes em escrínios de abalones,
ou de madréporas retorcidas em mil cones,
respigadas de mil oceanos siderais
e mil estrelas explodidas no jamais
serão servidas em terrinas, como clones.
Convidarei também para o banquete
Betelgeuse, Antares e Arcturos,
Bellatrix, Canopus e esse
cinto
De Órion, que a assembleia me complete,
Mintaka, Alnilan e os sonhos puros
De Alnitaka, cujo fulgor pressinto.
CICLONES DE NUVENS XI
De meu exército depois esses guerreiros
irão dançar com as fadas que flutuam,
serão ciclones de nuvens, em que estuam
os mil fragores dos combates derradeiros.
Serão o Sol e a Lua ou seus herdeiros
que beberei no vento em que se aguam
à sua saúde, porque sei como me atuam
esses fiéis e antigos companheiros.
Mas Marte e Vênus, que um dia foram deuses
e que me olham com esse esgar de inveja,
conservarei na cozinha e no lagar;
a Urano e a Júpiter abanarei adeuses,
darei Mercúrio ao Saturno que me enseja
os seus anéis de prata a rebrilhar.
CICLONES DE NUVENS XII
Se das galáxias inteiras sou o senhor,
por que me interessar por tais planetas?
Quando as núpcias galáticas mais secretas
já celebrei no mais astérico rigor...
Não que me esqueça de Netuno, em seu fragor
e nem sequer de Plutão, que os exegetas
exilaram, por falsas razões obsoletas,
como um astro secundário e sem valor.
Pois desde o início sempre me apoiaram
esses seres redondos, como um dia
narrou Platão, orgulhoso em seu candor,
terem sido os humanos que atentaram
tomar o Olimpo e a troco da ousadia
são divididos e assim anseiam por amor.
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