MARIA CLARA I – 3 NOV 2023
(Deanna Durbin, apogeu de Hollywood)
“De hora em hora, Deus melhora,”
era o ditado de minha tia “Caíta”;
conheci já velha, mas fora bem bonita,
lamentei muito quando partiu embora.
Essa confiança da velha senhora,
manifestada da forma mais contrita,
revelava sua alma em nada aflita,
apesar do que sofreu de hora em hora.
Não se casou, com o tempo encarquilhou,
já era corcunda quando a conheci,
mas me tratava com maternal carinho;
foi o câncer do intestino que a levou,
porém em seu ditado igual eu cri,
por mais tropeços encontrei no meu caminho.
MARIA CLARA II
“Deus tudo fez bem, mas os humanos
se desviaram por ínvios caminhos.”
O livre-arbítrio nos torna pequeninhos,
ante as escolhas de milenares anos,
em que nossos antepassados mais insanos
foram fazendo por caprichos mais mesquinhos,
a construir a imperfeição de nossos ninhos,
só tendo em conta seus desejos soberanos.
Destarte, por mais que arbítrio existe,
nossas escolhas se foram limitando,
o que podemos escolher é bem menor;
talvez pareça ser um destino triste,
mas de nosso coração voz escutando,
sempre se encontra um mínimo melhor.
MARIA CLARA III
Mas neste mundo de quântica interação,
sempre é possível escolher algum caminho,
mas com a certeza e mágoa como espinho,
de que o contrário terá igual realização
e mais todos os meandros que ali estão,
intermediando cada detalhe pequeninho,
alternativas a ocorrer em comezinho
leque de tantos opções nessa ocasião.
Algum de nós agirá bem ao contrário,
muitos de nós terão caminho intermediário,
qual de nós realmente se acertou?
Ou haverá, de fato, algum acerto
e as mil escolhas formam um concerto,
nessa harmonia que Deus, de fato, melhorou?
MARIPOSA I – 4 NOV 2023
Eu me percebo mariposa aqui pousada,
filha dos ovos do desconhecimento,
outros irmãos a eclodir nesse momento,
em qualquer folha por nascer contaminada;
talvez eu seja a mariposa despojada
de suas asas, condenada ao andamento,
presa na folha em seu padecimento,
a uma vida quase imóvel condenada.
mas meus irmãos e irmãs que já voaram
já alimentaram as aves que os notaram,
quiçá nenhum alcançou sobrevivência,
enquanto eu, preso na imobilidade,
não vejo o mundo na sua integridade,
mas me conservo em meu período de latência.
MARIPOSA II
Nunca soube como as asas me cortaram,
mas em minha folha encontro o alimento,
vou devorando sem sofrer impedimento,
aves do entorno nunca me notaram
e embora as irmandades que voaram
tenham do solo visto o vasto movimento,
cobrindo os prados ao sabor do vento,
quem sabe par adequado até encontraram?
Tiveram tempo, talvez, de desovar,
antes que um bico as tragasse, mais faminto,
enquanto eu nunca achei na folha um par
e só me resta destarte o desenhar,
nesses sulcos da folha que pressinto,
única herança que poderei deixar.
MARIPOSA III
Já desconheço meus antepassados,
não hei de ver futuros descendentes,
apenas versos são de mim nascentes,
sou mariposa sem asa e sem pecados;
mas se voasse, quais dons atribulados
teria achado nos prados mais virentes,
seria a luz do sol graus contundentes
ou me acalentaria em tons dourados?
Do Sol encontro apenas o reflexo,
espelhado no orvalho de uma bolha,
como posso nesta vida encontrar nexo?
Posso apenas me dar ao luxo de escrever,
nesta parte inferior de cada folha,
os sentimentos que nem cheguei a ter.
MARIMBONDO I – 5 NOVEMBRO 2023
Eu não me queixo de minha insignificância,
mas escritos espalho em cada canto,
minhas canções no coro de meu canto,
minhas orações repetidas em constância;
por algum prêmio não sinto premência,
por quaisquer dores não derramo pranto,
por minhas ações não serei jamais um santo,
mas cá estou, já no final de minha existência,
sem encarar um sinal dessa impotência,
sei-me viril, ainda que apenas em meus versos,
que talvez ainda fecundem quaisquer mentes,
tantas melhore através desta vivência,
quantos milhares abandonei dispersos,
alguns tão nobres, tantos indecentes...
MARIMBONDO II
Mas me parece terem destino certo,
para alguns poderão trazer o bem,
quem sabe o mal não causarão também,
apenas sinto quando o verso chega perto
e então recolho num soneto cada verso,
qualquer mensagem nas estrofes se contém,
quaisquer enganos a distribuir além,
eu sou insignificante, mas disperso.
Não rolo pelas ruas, só observo,
enquanto os rolos de papel escritos
vão rolando ao longo das calçadas,
talvez encontrem só função de servo,
para ajudar a limpar sonhos malditos
ou esfregar vidraças embaçadas.
MARIMBONDO III
Contudo eu sei que pior seja o poema,
de alguma forma o seu valor redondo
pode picar, tal qual um marimbondo,
deixando a marca de prazer ou pena,
porém jamais escolherei tal cena,
durante o dia a projetar-me sondo,
pelas sarjetas durante as noites rondo,
sou apenas servo desse arcano esquema.
As asas bato com fragor zunido,
dizem cientistas que não poderia voar,
amigos próximos eu sei nunca me leem,
mas o marimbondo ainda encontra o seu sentido,
cada desfecho encontra o seu luar,
mas nem meus olhos novamente os veem.
MARIMBONDO IV
Alguns são órficos, um outro é altaneiro,
da maioria me esqueci inteiramente
e me surpreendo quando algum se me apresente,
quantos amei para os perder ligeiro?
Sei não compuz um poema derradeiro,
talvez se abra um escaninho de minha mente,
em que se oculta o dom sobressalente,
o melhor épico a desenhar inteiro.
Julguei por certo que já havia terminado,
quando julguei a mim mesmo terminar,
mais de uma vez ao longo desta vida;
e após achei um tesouro abarrotado,
mil linhas tortas ansiando por voar,
marimbondeando em uma alegre despedida...
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