domingo, 19 de novembro de 2023


 

 

LIBÉLULAS DE PRATA I  (2008)

Tu te persignas pelo sinal da cruz,

por fé ou por respeito ou proteção.

Move-se o braço entre testa e coração,

a mente acalma e o coração reluz. 

Tu te persignas pelo sinal do medo,

quando vês o inimigo ou assaltante,

quando vês um fantasma, delirante,

na própria sombra ou em fatal segredo.

Tu te persignas pelo sinal do ódio,

ao partir em combate ou nesse ensejo

de uma vingança fria ou de calor.

Ou te persignas no subir ao pódio...

Não sou assim.  Mas cada vez que a vejo,

eu me persigno pelo sinal do amor.

 

LIBÉLULAS DE PRATA II

Falando sério, sou caçador de sonhos:

não existe hora para tal rodeio.

Eu giro o laço e logo me incendeio

desse rubor que brota dos bisonhos

e ingênuos devaneios, dos medonhos

e sádicos desejos, em que ateio

auto-de-fé e esgoto todo o veio

rebrotado dos horríveis ou risonhos

elocubrares sem dolo do inconsciente.

Por onde ando, eu capto os momentos

em que as almas se evaporam por narinas

e faço alheios versos, impaciente

por registrar alheios sentimentos,

extraídos sem cessar de tantas sinas...

 

LIBÉLULAS DE PRATA III (30 abr 11)

Pelo sinal da cruz, vejo libélulas:

para seus corpos, pequenas as cabeças;

capturada, caso alguma meças,

pelos talhos marcados em tuas férulas.

Verás nas asas nacaradas como pérolas

que formam cruz exata, enquanto baças

camadas de quitina dessas raças

mostram na cauda mil e uma esquírolas.

Assim, se te persignas, as invocas:

pequenos seres alados como fadas,

essas sílfides longas, quadrialadas,

pequenas cruzes vitais, pequenas bocas,

tão fáceis de partir, em tua maldade

quanto o teu sinal da cruz é falsidade.

 

LIBÉLULAS DE PRATA IV – 9 NOVEMBRO 2023

Tu te persignas pelo sinal da cruz,

como prova de fé ou superstição.

Também os mouros tocam coração,

a boca e a testa, em saudação de luz,

como símbolo de paz, que os lábios nus

não te dirão mentira ou ocultarão

em todo o ar que lhes sobe do pulmão,

má intenção que à guerra assim conduz.

Outros povos também pedem proteção:

traçam símbolos no ar, como a cabala

ou invocam com suas mãos a deusa-lua,

ou juram pelo Sol, cuja atenção

a vida inteira sobre a Terra engala,

no brando orvalho que em manhã flutua.

 

LIBÉLULAS DE PRATA V

Tu te persignas pelo sinal do medo,

quando o remorso encarar te faz fantasmas,

quando se erguem do pântano os miasmas,

quando não queres revelar o teu segredo.

Um certo grau de fé eu te concedo,

quando em doença o corpo inteiro espasmas,

ou quando te persignas enquanto orgasmas

sobre um corpo de mulher em sonho ledo

ou quando um homem tomas nos teus braços:

repara que é uma cruz o ser humano,

juntos os pés, os braços estendidos

e quando os dobras para os teus abraços,

curva-se a cruz no mais remoto arcano,

em tais momentos de glória concedidos.

 

LIBÉLULAS DE PRATA VI

Tu te persignas pelo sinal do ódio,

porque reservas o inferno aos inimigos;

para os que amas, concebes mil abrigos,

num paraíso de portões de ródio;

porém condenas, ao subir de um pódio,

ao púlpito ou à tribuna, esses antigos

desafetos, enquanto aos teus amigos

ofereces a paz, o pão e o sódio,

que nessa antiga oferta, pão e sal,

os refugias em proteção vital,

mesmo quando te persignas ao contrário;

mas antes da batalha, é outro sinal,

pedes a morte de teu adversário,

nesse gesto de pendor quase final.

 

LIBÉLULAS DE PRATA VII – 10 NOVEMBRO 23

E eu me persigno pelo sinal do amor:

crio em meus versos libélulas de prata,

de minhas emoções escolho a nata

para meus cantos do mais gentil vigor.

Minhas libélulas te perseguem com candor:

que cada asinha só levemente bata

sobre teu rosto nessa clara data

em que te despertará maior calor.

Minhas libélulas são células singelas,

quando as envio pelo sinal da cruz,

voando pelos ares, sem maldade,

eu as mando ao peitoril de tuas janelas,

para que acordes quando  o sol reluz

e recebas meus recados de saudade.

 

LIBÉLULAS DE PRATA VIII

Os sonhos que cacei em minhas tocaias,

perdidos pelos ares, sem destino,

azafamados no mais puro desatino,

postos em fuga pelo som das vaias,

têm mais valor que as predições dos Maias

ou daqueles que arremedam seu ensino;

no fulgor das matinas bate o sino,

a advertir que em tentações não caias...

Os sonhos que peguei, os desvairados

desejos de momentos impensados,

nem sempre igualam os sonhos que sonhei,

antes pertencem aos que sofrem pesadelos,

porém me esforço a transformá-los em desvelos,

pelas libélulas que em inocência te enviei.

 

LIBÉLULAS DE PRATA IX

Meus sonhos são bordados liquefeitos,

tecidos com os fios de minhas quimeras,

mas derretidos pelas lavas das crateras

que se derramam do cérebro nos eitos;

são aquarelas pintadas sem defeitos,

mas sobre telas que afeiçoei em ceras,

não têm papel ou molduras verdadeiras

e se derretem ao descer em nossos leitos,

a cada vez que para o mundo despertamos,

pois sonhos são assim, visões sublimes

que as libélulas transportam em suas danças;

mas quando no real nos acordamos,

viram suores, porém não os subestimes,

que são retalhos de lembranças de crianças.

 

LIBÉLULAS DE PRATA X – 11 novembro 2023

Os sonhos que te envio delineados

já foram gastos da maldade que nutri,

minhas malícias que aos poucos descobri

na tessitura rosada dos pecados;

contudo foram no cadinho acrisolados,

com maçaricos seus fogos acendi,

em mil fogueiras queimei o que vivi,

quando diamantes e rubis foram gerados,

que engastei nessas pequenas asas

de minhas libélulas, as belas mensageiras,

as quadrialadas fadas da ternura;

por isso, quando invadem outras casas,

trazem mais que serenatas seresteiras

e o sal que levam é feito de doçura.

 

LIBÉLULAS DE PRATA XI

Pois vejo quando os sonhos são largados

pelas narinas, em inadvertidamentes,

essas almas de giz, tristezas quentes,

ainda lembrando cálidos passados

e antes que se percam, desmanchados,

os pensamentos descartados pelas gentes,

uso redes de filó para os gementes

fantasmas destituídos, com cuidados

capturar, sem as asas lhes quebrar,

ou sem danificar os seus casulos,

antes que estejam prontos para o sol

e em minhas libélulas os irei moldar,

mas os invólucros que deixaram nulos

serão mais barcas para o meu farol.

 

LIBÉLULAS DE PRATA XII

Verei em cada ideia nova cruz,

persignando assim os pensamentos,

escoimando-os de falsos julgamentos,

para acolhê-los em minha mente que reluz

e para mais belos destinos os conduz,

purificados por meus próprios sentimentos,

na luz humana de divinais portentos,

transmogrifados em mil versos nus,

cada libélula a reluzir em prata,

em poemas persignados de amizade,

mil arcabouços para o teu sentir,

na vã esperança de que me sejas grata,

porque tais versos pertencem à humanidade,

mas a ti suplico que os faças reluzir!...

Nenhum comentário:

Postar um comentário