LIBÉLULAS DE PRATA I (2008)
Tu te persignas pelo sinal da cruz,
por fé ou por respeito ou proteção.
Move-se o braço entre testa e
coração,
a mente acalma e o coração reluz.
Tu te persignas pelo sinal do medo,
quando vês o inimigo ou assaltante,
quando vês um fantasma, delirante,
na própria sombra ou em fatal
segredo.
Tu te persignas pelo sinal do ódio,
ao partir em combate ou nesse ensejo
de uma vingança fria ou de calor.
Ou te persignas no subir ao pódio...
Não sou assim. Mas cada vez que
a vejo,
eu me persigno pelo sinal do amor.
LIBÉLULAS DE PRATA II
Falando sério, sou caçador de sonhos:
não existe hora para tal rodeio.
Eu giro o laço e logo me incendeio
desse rubor que brota dos bisonhos
e ingênuos devaneios, dos medonhos
e sádicos desejos, em que ateio
auto-de-fé e esgoto todo o veio
rebrotado dos horríveis ou risonhos
elocubrares sem dolo do inconsciente.
Por onde ando, eu capto os momentos
em que as almas se evaporam por narinas
e faço alheios versos, impaciente
por registrar alheios sentimentos,
extraídos sem cessar de tantas sinas...
LIBÉLULAS DE PRATA III (30 abr 11)
Pelo sinal da cruz, vejo libélulas:
para seus corpos, pequenas as
cabeças;
capturada, caso alguma meças,
pelos talhos marcados em tuas
férulas.
Verás nas asas nacaradas como
pérolas
que formam cruz exata, enquanto baças
camadas de quitina dessas raças
mostram na cauda mil e uma
esquírolas.
Assim, se te persignas, as invocas:
pequenos seres alados como fadas,
essas sílfides longas, quadrialadas,
pequenas cruzes vitais, pequenas
bocas,
tão fáceis de partir, em tua maldade
quanto o teu sinal da cruz é
falsidade.
LIBÉLULAS DE PRATA IV – 9 NOVEMBRO 2023
Tu te persignas pelo sinal da cruz,
como prova de fé ou superstição.
Também os mouros tocam coração,
a boca e a testa, em saudação de luz,
como símbolo de paz, que os lábios nus
não te dirão mentira ou ocultarão
em todo o ar que lhes sobe do pulmão,
má intenção que à guerra assim conduz.
Outros povos também pedem proteção:
traçam símbolos no ar, como a cabala
ou invocam com suas mãos a deusa-lua,
ou juram pelo Sol, cuja atenção
a vida inteira sobre a Terra engala,
no brando orvalho que em
manhã flutua.
LIBÉLULAS
DE PRATA V
Tu te
persignas pelo sinal do medo,
quando o
remorso encarar te faz fantasmas,
quando
se erguem do pântano os miasmas,
quando
não queres revelar o teu segredo.
Um certo
grau de fé eu te concedo,
quando
em doença o corpo inteiro espasmas,
ou
quando te persignas enquanto orgasmas
sobre um
corpo de mulher em sonho ledo
ou
quando um homem tomas nos teus braços:
repara
que é uma cruz o ser humano,
juntos
os pés, os braços estendidos
e quando
os dobras para os teus abraços,
curva-se
a cruz no mais remoto arcano,
em tais
momentos de glória concedidos.
LIBÉLULAS DE PRATA VI
Tu te persignas pelo sinal do ódio,
porque reservas o inferno aos inimigos;
para os que amas, concebes mil abrigos,
num paraíso de portões de ródio;
porém condenas, ao subir de um pódio,
ao púlpito ou à tribuna, esses antigos
desafetos, enquanto aos teus amigos
ofereces a paz, o pão e o sódio,
que nessa antiga oferta, pão e sal,
os refugias em proteção vital,
mesmo quando te persignas ao contrário;
mas antes da batalha, é outro sinal,
pedes a morte de teu adversário,
nesse gesto de pendor quase final.
LIBÉLULAS DE PRATA VII – 10 NOVEMBRO
23
E eu me persigno pelo sinal do amor:
crio em meus versos libélulas de
prata,
de minhas emoções escolho a nata
para meus cantos do mais gentil
vigor.
Minhas libélulas te perseguem com
candor:
que cada asinha só levemente bata
sobre teu rosto nessa clara data
em que te despertará maior calor.
Minhas libélulas são células singelas,
quando as envio pelo sinal da cruz,
voando pelos ares, sem maldade,
eu as mando ao peitoril de tuas janelas,
para que acordes quando o sol reluz
e recebas meus recados de saudade.
LIBÉLULAS DE PRATA VIII
Os sonhos que cacei em minhas tocaias,
perdidos pelos ares, sem destino,
azafamados no mais puro desatino,
postos em fuga pelo som das vaias,
têm mais valor que as predições dos Maias
ou daqueles que arremedam seu ensino;
no fulgor das matinas bate o sino,
a advertir que em tentações não caias...
Os sonhos que peguei, os desvairados
desejos de momentos impensados,
nem sempre igualam os sonhos que sonhei,
antes pertencem aos que sofrem pesadelos,
porém me esforço a transformá-los em
desvelos,
pelas libélulas que em inocência te
enviei.
LIBÉLULAS DE PRATA IX
Meus sonhos são bordados liquefeitos,
tecidos com os fios de minhas
quimeras,
mas derretidos pelas lavas das
crateras
que se derramam do cérebro nos eitos;
são aquarelas pintadas sem defeitos,
mas sobre telas que afeiçoei em
ceras,
não têm papel ou molduras verdadeiras
e se derretem ao descer em nossos
leitos,
a cada vez que para o mundo
despertamos,
pois sonhos são assim, visões
sublimes
que as libélulas transportam em suas
danças;
mas quando no real nos acordamos,
viram suores, porém não os
subestimes,
que são retalhos de lembranças de
crianças.
LIBÉLULAS DE PRATA X – 11 novembro 2023
Os sonhos que te envio delineados
já foram gastos da maldade que nutri,
minhas malícias que aos poucos descobri
na tessitura rosada dos pecados;
contudo foram no cadinho acrisolados,
com maçaricos seus fogos acendi,
em mil fogueiras queimei o que vivi,
quando diamantes e rubis foram gerados,
que engastei nessas pequenas asas
de minhas libélulas, as belas
mensageiras,
as quadrialadas fadas da ternura;
por isso, quando invadem outras casas,
trazem mais que serenatas seresteiras
e o sal que levam é feito de doçura.
LIBÉLULAS DE PRATA XI
Pois vejo quando os sonhos são
largados
pelas narinas, em inadvertidamentes,
essas almas de giz, tristezas
quentes,
ainda lembrando cálidos passados
e antes que se percam, desmanchados,
os pensamentos descartados pelas
gentes,
uso redes de filó para os gementes
fantasmas destituídos, com cuidados
capturar, sem as asas lhes quebrar,
ou sem danificar os seus casulos,
antes que estejam prontos para o sol
e em minhas libélulas os irei moldar,
mas os invólucros que deixaram nulos
serão mais barcas para o meu farol.
LIBÉLULAS DE PRATA XII
Verei em cada ideia nova cruz,
persignando assim os pensamentos,
escoimando-os de falsos julgamentos,
para acolhê-los em minha mente que reluz
e para mais belos destinos os conduz,
purificados por meus próprios sentimentos,
na luz humana de divinais portentos,
transmogrifados em mil versos nus,
cada libélula a reluzir em prata,
em poemas persignados de amizade,
mil arcabouços para o teu sentir,
na vã esperança de que me sejas grata,
porque tais versos pertencem à humanidade,
mas a ti suplico que os faças reluzir!...
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