A VINGANÇA DO DRAGÃO
(Folclore francês, recolhido por Viriato Padilha em Histórias do
Arco da Velha,
versão poética de William Lagos, 17 SET 14)
A VINGANÇA DO DRAGÃO I
Segundo contam, uma região da
França,
chamada até hoje de Franco Condado,
costuma frequentar dragão alado,
cuja potência a água e o ar alcança,
como um relâmpago que voa pelos ares
e as águas ilumina desde o fundo
de algum lago ou de rio mais
profundo,
porém de fato mora em uma caverna
em que leva existência quase eterna
e já de longe se escutam seus
cantares.
Porém a coisa que de fato é
magnífica,
é que o dragão possui jóia fabulosa,
ainda mais rica que as da coroa
portentosa
do rei da França ou as que a igreja
santifica
nos altares para o Virgem ou seus
santos,
nas paredes das imensas catedrais,
revestidas de ouro e de vitrais...
Em sua testa o dragão traz um
diamante,
maior que todos na Terra e mais
brilhante
dos que os escravos mineram em suor
e prantos.
O nome do dragão ninguém sabia
até o momento em que transcorre a
história,
quando um rapaz pensou obter
vitória,
por ter roubado do animal quanto
queria...
Ocorre que essa fera, ao se banhar,
Corpo de gente adquiria temporário
e tal diamante, em lugar bem
solitário,
sobre a margem então depositava,
que em testa humana não se adaptava,
sempre buscando com cuidado o
ocultar...
Ora, em Mouthiers, uma pequena
aldeia,
esse costume conhecia toda a gente,
a provocar-lhes ambição crescente,
que o coração dos jovens
incendeia...
Na relva alta escondia o seu
diamante
ou o procurava entre caniços
ocultar,
sempre que ia nas águas mergulhar,
pois quem roubasse essa jóia tão
formosa
seria dono de fortuna fabulosa
e o senhor do futuro mais
brilhante!...
A VINGANÇA DO DRAGÃO II
Há poucas décadas, igual naquele
tempo,
era buscado por pequena multidão,
que o tentava conquistar pela
traição
ou emboscada, por pior fosse o
destempo,
passando noites nas margens
escondidos,
chegando alguns a morrer de
exposição
às intempéries ou até de inanição;
pois todos são pela cobiça
dominados,
seus familiares deixando desolados:
desgraças sofrem e ficam
desnutridos!
Habitavam em Mouthiers uns
vinhateiros,
de sobrenome Dubois, tendo seis
filhos,
os mais velhos a seguir do pai os
trilhos,
nos parreirais trabalhando dias
inteiros.
Paul, o mais moço, que inteligente
parecia,
fora no entanto encaminhado a
professor
considerado como sábio e até doutor,
porque fazia contas bem rapidamente
e qualquer carta sabia ler
corretamente,
para os iletrados, era quase uma
magia!...
Madame Dubois, tendo vastas ambições
para seu filho mais moço,
acreditando
que bom emprego acabaria arranjando
de secretário, com grandes dotações,
de um nobre importante ou
tabelião!...
Quem sabe entrasse no serviço de seu rei,
como fiscal, para ver cumprida a lei
ou ainda mesmo viesse a ser corregedor
do distrito ou quiçá até governador
da província!... Ai, que
nobre profissão!...
E conseguiu que algumas aulas de
latim
o pároco lhe desse, em seu
breviário,
mas não queria que seguisse o
seminário:
Paul casaria para lhe dar netos,
enfim...
Foi o menino nos estudos aplicado
e um dia, ele chegou, muito
contente,
mostrando um livro que ganhara de
presente
daquele pobre professor de aldeia,
que ensinar-lhe não poder mais se
arreceia
e o considerava em suas classes
aprovado...
A VINGANÇA DO DRAGÃO III
Porém, para o maior desapontamento
de sua mãe e do rapaz também,
seu pai achou que já estava muito
bem;
que ele já tinha muito maior
conhecimento
que o seu próprio e mais não
precisava...
“Não quero que ande por aí, todo
elegante,
os seus irmãos no trabalho ainda
estafante;
de meus pais e meus avós herdei a
terra;
plantamos nela vinhas desde a serra:
agora aprender a trabalhar
necessitava...”
A pobre mãe ficou muito sentida,
mas já sabia que qualquer resolução
de seu marido não aceitava apelação,
segundo toda a experiência de sua
vida...
No dia seguinte, Paul acompanhou
toda a família ao trabalho,
docilmente,
sendo bem claro que era inexperiente
e a menor obra precisava de
aprender,
suas mãos finas as primeiras a
sofrer...
Porém, sem protestar, tudo aceitou.
Os irmãos, que certa inveja haviam
sentido,
agora procuravam-no poupar
e das tarefas mais difíceis aliviar,
mesmo porque, embora bem nutrido,
não era forte a sua constituição...
Mas ele logo aprendeu como podar
e novas cepas no solo replantar,
participando ativamente da colheita,
pois à vontade paterna se sujeita,
no fim das tardes já próximo à
exaustão...
Sempre escutara, quando ao pé do
fogão,
todas as lendas e histórias do
local,
sobre fadas e duendes, afinal,
mas sobretudo a respeito do dragão.
Assim ansiava conseguir o tal
diamante,
que seus irmãos acreditavam ser
bobagem,
mas para ele transformou-se na
miragem
que o perseguia o dia inteiro e a
noite;
e nos domingos passeava com afoite,
junto ao rio Doubs, em sonho
delirante...
A VINGANÇA DO DRAGÃO IV
Mas por acaso ou como recompensa
de tanto empenho, certa noite ele
chegava
justo ao local em que o dragão
banhava
e viu um brilho dentre a relva
densa...
Era o diamante!... Pegou-o num instante
e então saiu a correr desatinado,
o grito a ouvir do pobre despojado,
que algum remorso até lhe despertou,
mas ao lamento lancinante desprezou
e para casa correu com o
brilhante...
Manteve a jóia por baixo do casaco
e no seu quarto depressa se
encerrou...
Para o jantar a mãe o convidou:
tomou a sopa e mal e mal um naco
de pão engolir só conseguiu...
O diamante nas cobertas enrolado,
sem a ninguém contar que o havia
achado,
mas a fazer seus planos com
paciência
e no trabalho, em discreta
permanência,
uma semana inteira prosseguiu...
E quando o próximo domingo então
chegou,
sem mais medo que o descobrisse o
tal dragão
ou que seu pai inventasse uma razão
para dispor dessa jóia que
encontrou,
um certo mal-estar ele alegou
e não seguiu com a família para a
igreja;
era a primeira oportunidade que se
enseja;
já mentira para a mãe e para o pai
e falta bem maior cometer vai,
pois a casa paterna então deixou...
Toda a aldeia na igrejinha
congregada,
pôs suas roupas numa trouxa e então
saiu;
pela estrada de Besançon ele partiu,
contra seu peito a jóia aconchegada,
no bolso os cobres da magra
economia...
Besançon era do distrito a capital
e já a conhecia, mal e mal...
Mas precisava encontrar um
negociante
e alguma pensão, barata o bastante
para pagar com as moedas que
trazia...
A VINGANÇA DO DRAGÃO V
Estava em busca de uma tabuleta,
quando dele um homenzinho
aproximou-se,
todo vestido de preto e
apresentou-se:
“Meu nome é Finlappi e não me é
secreta
a sua indecisão em escolher
alojamento...
Vejo bem que é um perfeito
cavalheiro,
mas que se acha mal provido de
dinheiro;
portanto, lhe indicarei uma
estalagem
em que se pode instalar até a
viagem,
lugar barato, mas de bom
atendimento...”
“De fato, eu mesmo estou parando ali
e lhe garanto que não cobram caro,
a comida é deliciosa e de bom faro;
se a recomendo, é porque dela já
comi...
Mas vamos conversar pelo caminho;
conheço bem esta cidade, Besançon
e lhe indicarei o quanto tem de
bom...
O povo aqui é educado e bem
discreto:
aos estrangeiros recebem com afeto
e até mesmo com algum carinho...”
E de tal modo gentil se demonstrou
que Paul Dubois, com sua alma de
criança,
não demorou a lhe adquirir confiança
e então toda a sua história lhe
contou...
O homenzinho respondeu alegremente:
“Meu caro amigo, teve muito boa
sorte,
sou Messer Finlappi, joalheiro de bom porte;
mesmo italiano, aqui dei-me muito
bem:
não há colar, pulseira ou anel
também
que por minha mão não passasse
inicialmente...”
“Mas por favor, nada me mostre aqui
na rua,
somente dentro do meu alojamento;
posso avaliar essa jóia a seu
contento,
tenho olhar mais aguçado que uma
pua!...
Se realmente for o diamante do
dragão,
posso vendê-lo por quantia admirável
e adiantamento lhe dar
considerável...
Mas é melhor que vamos à Paris;
nosso encontro o destino foi que
quis!...
O seu lucro irá além de sua
ambição!...”
A VINGANÇA DO DRAGÃO VI
Ora, houve gente que bastante
suspeitasse
de que ele fosse o diabo
disfarçado...
Mas todos sabem que ele é meio
deformado;
anos mais tarde, não faltou quem
indagasse,
quando Paul Dubois sua história
revelou,
se ele tinha chifres ou um olhar de
fogo,
cascos nos pés, nas costas certo
jogo
que indicasse esconder asas de
morcego
ou uma cauda disfarçada pelo rego
de suas nádegas... Mas nada disso
ele notou.
“A única coisa um pouco diferente
que nele vi foi na testa... Contra a
luz
havia uma reentrância... Um avestruz
certa vez me bicou,
contou-me alegremente.”
“Amam
tais aves as coisas mais brilhantes
E no pescoço eu usava um camafeu...
Ele chegou e até me surpreendeu,
mas encolhi a cabeça bem depressa...
Por sorte, tenho a caveira muito espessa:
tirante a marca, ficou tudo como dantes...”
“Amanhã nós tomaremos a carruagem
e bem depressa estaremos em Paris...
Ótima clientela por lá eu já fiz
e sua pedra eu venderei com boa
vantagem...
Mas primeiro, façamos refeição:
fica tudo por minha conta, caro
amigo;
para esta noite teremos um bom
abrigo
e no meu quarto olharemos seu
diamante;
mesmo pequeno, dará um preço
interessante:
não me agradeça, terei boa
comissão!...”
Após chegarem a seu alojamento,
Mestre Finlappi o olhar arregalou:
“Mas sem dúvida essa pedra que
encontrou
é mais valiosa que o real
apartamento!
Eu vou vendê-la logo a algum
cardeal,
ou a um duque, um conde ou um
marquês;
quem sabe o próprio rei seja o
freguês!
Mas a seu quarto agora deve ir:
esconda a jóia quando for dormir,
pois atrair qualquer ladrão é
natural!...”
A VINGANÇA DO DRAGÃO VII
“Quem sabe o senhor a guarda para
mim?”
sugeriu Paul. Mas Finlappi recusou:
“Se eu lhe disser que de noite
alguém roubou,
irá você acreditar-me assim...?
Não, meu amigo, essa responsabilidade
é muito grande... Fique você com ela...”
Paul foi trancar sua porta e sua
janela,
passando a noite sem poder dormir,
por mais que tentasse, sem nada
conseguir,
algum assalto temendo de verdade...
No outro dia, a levantar foi o
primeiro
e com Finlappi foi pegar a carruagem
que parou mesmo à porta da
estalagem...
Só eles dois, nenhum outro
passageiro.
“Em que está pensando?” – o outro
indagou.
“Na minha boa estrela em
encontrá-lo,
no seu caráter, no generoso abalo
em desistir de outros negócios por
minha causa!”
“Meu amigo, em Besançon só faço
pausa,
moro mesmo é em Paris,” – Finlappi
declarou.
Durante a viagem, o joalheiro lhe
explicou:
“Será preciso apresentá-lo à
sociedade...
Vamos parar na próxima cidade,
que será Dijon... Roupas novas já lhe
dou;
não pode ir a Paris qual camponês,
que o povo de você irá troçar
ou achar que é um alvo fácil de
roubar...
Logo ao chegar, vai comprar um bom
cavalo;
não se preocupe, nisso também vou
ajudá-lo,
comprando arreios do melhor jaez...”
“Há um correio na cidade de Dijon?”
Finlappi o olhou, um tanto
zombeteiro:
“Qualquer cidade importante tem
correio;
podia a um ter ido em Besançon...
contudo, se me permite, o que
deseja?”
“Quero dizer à minha mãe que estou
bem
e minha boa sorte lhe revelar
também...”
“Espere um pouco mais... Após a
venda,
com boas roupas e um criado que lhe
atenda,
volte a Mouthiers, para que ela o
veja...”
A VINGANÇA DO DRAGÃO VIII
“Minha mãe sempre quis o meu
progresso,
tenho vontade de a tranquilizar...”
“Se eu fosse você, iria esperar
até chegar em Paris... Um bom começo
será alugar uma bela residência,
que irá comprar após vender o seu
diamante...
Melhor que carta, seria mais
interessante
comprar um relógio de ouro para seu
pai,
vestido de seda que para sua mãe
vai,
para os irmãos, três arcabuzes de
potência...”
“Pode enviar os pacotes por correio
ou se quiser, entregá-los
pessoalmente;
colares e anéis, bem facilmente
obterei para suas irmãs no meio
do vasto estoque com reuni em
Paris...”
“Meu pai deseja que eu seja
vinhateiro...”
“Pois outras vinhas compre bem
ligeiro,
contrate gente para nelas
trabalhar...
Mas na capital é bem melhor morar,
pois lá há de encontrar o quanto
quis...”
Assim os dois chegaram a Dijon
e Finlappi o levou a um alfaiate;
com um escudo de ouro de acicate,
prometeu-lhe completar um trajo bom
até o entardecer do mesmo dia...
Finlappi foi novas botas lhe
comprar,
um bom chapéu e cinturão, tudo a
pagar;
depois fizeram uma excelente
refeição;
de escrever até esqueceu-se da
intenção;
logo a seguir foram a uma
estrebaria.
Ali escolheram o melhor cavalo,
Paul Dubois em total encantamento,
maravilhado com todo esse portento,
mais as palavras de Finlappi a
adulá-lo...
Ao alfaiate retornaram à tardinha
e o novo traje lhe serviu
perfeitamente;
tudo pagou o joalheiro, prontamente;
Paul Dubois fez montar em seu
cavalo,
enquanto andava a pé a
acompanhá-lo...
De gratidão, o camponês mal se
continha...
A VINGANÇA DO DRAGÃO IX
A seguir, ele o levou a um grande
hotel:
“Meu amigo, aqui a noite passará...
A conta de manhã já encontrará
paga por mim e o procurará um bedel,
que até a estação de posta o
levará... (*)
Porém eu tenho negócios na idade;
então assim, só por formalidade,
assine este recibo e lhe darei
quinhentos escudos que hoje
adiantarei:
depois da venda, você me pagará...”
(*) Serviço de carruagens que transportavam o correio postal
e ainda passageiros. Também chamadas “diligências”.
“Mas com o diamante, me diga, o que
farei?”
“Ora, o que fez até agora...
Guarde-o bem,
pois muita gente o cobiçará também,
mas por ele não me
responsabilizarei...”
Depois disso, lhe entregou bolsa de
couro:
“Abra-a agora, por favor, meu caro
amigo,
aqui no quarto não há qualquer
perigo,
porém não ande se exibindo sem
recato!...”
Paul foi abrir a bolsa de imediato
e nela achou quinhentas moedas de
ouro!...
De Finlappi ele então se despediu,
em quem confiava cada vez mais,
porque os conselhos que lhe dava
eram iguais
àqueles com que o padre da aldeia o
instruiu...
Mas outra vez, mal pôde dormir,
preocupado com seu fatal diamante...
Queria livrar-se dele nesse
instante,
mas já devia demais ao joalheiro
e precisava de lhe pagar primeiro...
A noite inteira ficou ruídos a
ouvir!...
No outro dia, bem cedo levantou
e ao refeitório desceu de seu hotel;
lá no saguão já encontrou o tal bedel
que logo uma mensagem apresentou:
No Hôtel de France nos veremos em Paris
escrevera Finlappi. Cuidado
com o que diz!
Já na porta o aguardava seu cavalo.
Disse o bedel: “Eu devo acompanhá-lo
até a carruagem que o senhor seu pai
alugou...
A VINGANÇA DO DRAGÃO X
Por um momento, teve um sobressalto,
mas percebeu que se referia ao
joalheiro...
“O seu débito já está pago por
inteiro...
Boa viagem!” – lhe desejou, bem
alto,
o gerente do hotel. Então partiu,
e na estação de posta o seu cavalo
acompanhou a carruagem, a montá-lo
um estribeiro que Finlappi
contratara;
pelo caminho a sua hospedagem já
pagara
e em Paris, finalmente, ele se
viu...
Mas no momento em que desceu diante
do hotel,
só imaginem quem veio a recebê-lo!?
O joalheiro, respeitoso e com desvelo,
frases gentis como manteiga e
mel!...
“Mas pensei que estivesse ainda em
Dijon!”
“Como vê, estou aqui com a mesma
roupa,
vim a cavalo, numa corrida louca,
pois só lhe dei essas moedas de
ouro,
mas não pode exibir esse tesouro:
para as despesas, a prata é de bom
tom!...”
“Mas já tomei a liberdade de alugar
uma pequena mansão, lá no Palais-Royal...
No Hôtel de France o senhor não fica mal,
mas não é, de fato, um lugar para
morar.
Vamos primeiro ver o seu apartamento
e depois lhe mostrarei minha residência
e o lugar em que trabalho com
paciência...
Mas hoje deixe seu cavalo descansar,
aqui no centro é mais fácil
caminhar,
com tanta gente passando no
momento...”
Os dois caminharam até uma lojinha,
pequena e de aparência bem modesta.
“Um joalheiro sua riqueza não
atesta:
dos ladrões a atenção não me
convinha...”
Mas no interior avistou grande
riqueza,
mil joias em armários e balcões...
“No escritório é que eu faço
transações...
Naturalmente, não perdeu o seu
diamante?
Porque agora será mais interessante
que eu o guarde comigo, com
certeza...”
A VINGANÇA DO DRAGÃO XI
Paul o entregou, sem nada desconfiar
sentindo-se de fato até aliviado...
Finlappi a contemplá-lo, já
extasiado...
“Preciso dele para aos clientes
apresentar...”
Examinou-o com lupa bem potente.
“Vale dez vezes o que eu estava a
imaginar;
vamos agora a sua casa a mobiliar
e alguns milhares de escudos, no
momento,
eu mandarei como novo
adiantamento...
Gaste à vontade!... Dinheiro é
indiferente!”
Não há nada com que a gente se
acostume
mais facilmente que com o gozo da
riqueza,
principalmente após vida de
pobreza...
Do novo-rico a posição logo ele
assume:
ao ver a casa ricamente mobiliada,
com uma dúzia de criados a servi-lo,
deixou de lado da consciência o
grilo...
Tornou-se logo imperioso e gastador,
o seu mordomo um perfeito indicador
de onde espalhar a fortuna
acumulada...
Logo passaram a tratá-lo de “barão”
e suas gorjetas distribuía como
água;
dava fim ao dinheiro sem ter mágoa,
mandando buscar uma nova provisão...
Finlappi lhe apresentava
promissórias
e lhe dizia que não se preocupasse,
que por mais moedas que gastasse,
o seu diamante valeria muito mais...
O seu preço era tanto que, ademais,
somente o rei mereceria tantas
glórias...
A negociação já se achava em
andamento,
tudo ia bem e o saldo então
acertaria;
dava-lhe todo o numerário que pedia;
Paul assinava sem qualquer
pressentimento.
E como ele era frequentemente
convidado,
dava outras festas com liberalidade;
muitos amigos arranjou pela cidade,
que logo o ensinaram a jogar...
Com o que perdia, sem se preocupar
nem com o dinheiro que lhe pediam
emprestado...
A VINGANÇA DO DRAGÃO XII
Paul os atendia, sem o menor
cuidado;
ao emprestar-lhes, sentia-se até
honrado,
por ver tal bando com ele
endividado,
muito feliz em conservá-los a seu
lado!...
E embora houvesse quem o avisasse,
a tais conselhos sequer dava
atenção;
ao desperdício Finlappi dava
proteção
e nunca lhe negava mais dinheiro.
“Meu amigo, não sou interesseiro,
embora a venda ainda não se
realizasse...”
Em sua casa só pensava raramente
e para a mãe nem ao menos escreveu;
os tais presentes ele nunca remeteu,
mesmo gastando desbragadamente...
Porém um dia, seu mordomo retornou:
“Senhor, desculpe, porém o joalheiro
desta vez não quis mandar
dinheiro...”
Paul Dubois foi direto reclamar,
mas Finlappi nada mais quis-lhe
adiantar:
“Tudo a que tinha direito, já
gastou...”
“Eu o julgava bastante inexperiente,
mas em seis meses gastou uma fortuna
como se fosse a areia de uma duna:
nem nosso rei despende tanto,
realmente...”
“Porém estou agora precisando!...”
“Lamento, mas não tenho nada mais;
de fato, lhe adiantei até demais
do que vale a sua parte do
diamante...
Podemos acertar as contas neste
instante,
só os meus juros seu valor
ultrapassando...”
“Então, dê-me de volta o meu diamante!”
“É claro que o farei... Basta pagar
essa fortuna que estive a lhe
adiantar...”
“Mas é impossível!” – disse Paul, já
delirante.
“Por que não pede então a seus
amigos?
De seus empréstimos não tem as
promissórias?”
“Tive vergonha, pareciam ser inglórias...”
“Pois meu exemplo deveria ter
seguido:
com as suas, meu cofre está
entupido...
Peça de volta... Ou se tornaram
inimigos...?”
A VINGANÇA DO DRAGÃO X
Em desespero, Paul atacou o velho
amigo,
que a pedir socorro começou...
Chegou a guarda e de roubo o acusou:
“Quis me matar! Merece um bom castigo!”
Foi assim Paul para a Bastilha
agrilhoado;
Pediu papel e tinta e escreveu
para os fidalgos a quem tanto
atendeu,
porém não recebeu qualquer resposta,
que a tais amigos a pobreza só
desgosta
e assim Paul permaneceu
encarcerado...
Porém, ao prestar depoimento,
o juiz resolveu mandar deter
o tal joalheiro, por seu estranho
proceder,
cem promissórias mostrando no
momento,
alegando que o dinheiro só
emprestara
contra o diamante, que lhe era a
garantia;
mas ao juiz a linda jóia não traria
e este quis saber de onde tirara
a fabulosa quantia que emprestara:
certamente os seus impostos não
pagara!...
Mostrar o diamante Finlappi recusou,
porém à noite desapareceu
misteriosamente
de sua cela; foi enviado um intendente
que achou vazia a lojinha que
arrombou!
Então o juiz ao rapaz considerou
culpado apenas por ter espancado
o joalheiro e por ter desperdiçado
toda a fortuna que o outro lhe
adiantara;
quando foi solto, viu que a casa em
que morara
fora trancada e ali nem sequer
entrou!
E descobriu que, ao recobrar a
liberdade,
de sua riqueza não lhe sobrara
nada!...
Foi a um armeiro e lhe vendeu a
espada
para comer... e dias vagueou pela
cidade...
Tocado assim pelo arrependimento,
decidiu retornar a Besançon,
trocando as lindas roupas de bom tom
por roupas velhas de um camponês,
mais uns tamancos de grosseira
grês...
de seu cavalo nem sinal nesse
momento!...
A VINGANÇA DO DRAGÃO XIV
E desse modo, a pé fez a viagem,
até chegar à casa de seus pais,
que o receberam com alegria até
demais,
após seis meses de vagabundagem...
Os seus irmãos também o abraçaram,
porque o julgavam morto, na verdade;
sendo aceito com toda a boa-vontade,
logo voltou a trabalhar qual
vinhateiro,
suas ambições esquecendo bem
ligeiro,
mas ao contar a sua história,
duvidaram...
E quando foi com o padre confessar,
o olhar com que o encarou foi muito
atento
e a seguir lhe revelou mais um
portento:
“Esse dragão de que veio me falar
fazem seis meses que não era
avistado,
embora muitos me jurassem escutar,
durante as noites, um triste
lamentar,
justamente quando você
desapareceu...
Porém cessou e o gemido se esqueceu;
Somente há pouco vi o céu ser
alumiado...”
“Ocorre agora igual que
antigamente...
Talvez um anjo por aqui passasse
e com suas asas tudo iluminasse,
sem que de nada eu saiba,
realmente...”
Mas as irmãs contaram seu relato
aos namorados e a história se
espalhou
dessa forma que até hoje nos
chegou...
O pároco o absolveu de seus pecados,
por penitência seus dias
atribulados;
tudo acabaram aceitando como um
fato.
Desde então, tem nome esse dragão
“Ele é Finlappi”, sussurram, bem
baixinho,
nas longas noites em que o frio
mesquinho
faz dos lares buscar a proteção...
Assim a lenda corre ainda pelas
bocas:
creem as crianças e os adolescentes,
quando crescem já ficando
indiferentes...
E existe ainda rapaz de mais coragem
que de noite sai a esmo pela margem
do rio Doubs, com esperanças
loucas...
A VINGANÇA DO DRAGÃO XV
Paul Dubois arduamente trabalhou
e como tinha algum conhecimento,
conseguiu faturar um rendimento
a escrever cartas... E depois casou
com a filha de um velho tabelião
e para a aldeia assim se transferiu;
suas escrituras e documentos redigiu
por conservar boa caligrafia
e no final, tal qual sua mãe queria,
do sogro aprendeu a profissão...
Quanto a Finlappi, ainda voa por
ali,
mas nos seus banhos, a jóia de seu
brio
agora esconde entre a lama do rio...
(Eu, pessoalmente, o diamante nunca
vi...)
Mas os registros da Bastilha ainda
incluíam
do joalheiro o seu
desaparecimento...
Foram queimados, porém, nesse
momento
em que a grande fortaleza demoliram;
na aldeia, contra o dragão se
preveniram:
porque cegava a todos os que o
viam!...
Mas se, de fato, forma humana ele
assumira
e a Paul Dubois localizara tão
ligeiro,
além de dispor de vastas somas de
dinheiro,
por que, simplesmente, não lhe tira
o seu diamante, com a maior
facilidade...?
Segundo explicam, deverá ser
devolvido
de cada vez que tiver sido perdido,
por determinação de qualquer lei
obscura,
enquanto Finlappi permaneceu em cave
escura
até enxergar com maior facilidade...
O mais provável foi querer uma lição
dar ao jovem e ingênuo camponês,
que por impulso tanto mal lhe fez,
sem avaliar a impiedade de sua ação.
Fê-lo entender a impermanência da
riqueza,
quando obtida demasiado facilmente
e lamentar a sua má sorte,
realmente,
pelas semanas de sua peregrinação;
como os amigos das festas falsos são
e perceber que no trabalho há mais
nobreza.
EPÍLOGO
Bastante raro é achar-se algum
diamante,
sendo melhor preparar o seu futuro;
trabalho e estudo, por mais que seja
duro
a sua vida irão tornar
interessante...
Muito dinheiro demasiado cedo
tédio e cansaço acabam por trazer,
todo o ócio facilmente a aborrecer
e quando a vida, enfim, perde sua
graça,
quanto jovem infeliz cai em desgraça!
Melhor a esse dragão olhar com
medo!...
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