ESSÊNCIA I (2005)
Mortal esse aroma que o vento trescala:
Desnuda em minhalma um sabor de arrepio,
De suspiro e deleite e de um leque arredio
De emoções e sentidos que a mente avassala.
Mortal é o perfume que vejo nas palmas,
Sulcadas de traços de um fero destino,
Sensuais na assunção de um total desatino
E portanto intocadas da angústia das almas.
Mortal é o perfume e apenas um toque:
Essas palmas se esbatem e estrugem a sós,
Ovacionam tecendo estridor de cipós
Que outralma aprisionam no estranho berloque,
Da busca da glória, na mente escondida
E no ardor da vitória na carne auferida...
ESSÊNCIA II (16 SET 14)
Há perfume existente em qualquer transeunte,
O almíscar sutil subjacente à pele,
Que sua fertilidade traiçoeiro revele,
Por mais que sua derme com essências rejunte,
Por mais que os cabelos com xampus ela unte,
Que o perfume da fêmea a passagem lhe sele
E nenhum desodorante de fato o cancele,
Mas inerentemente o seu corpo conjunte.
Porém não percebe a donzela que passa
Que é o olor hormonal que a torna atraente,
Bem mais que fragrância por Chanel numerada;
É sua parte secreta e sagrada é sua graça
Que assim individua sua presença frequente,
Superalma sutil que a faz desejada...
ESSÊNCIA III
Jamais entendi o que leva a mulher
A achar repelente sua própria fragrância;
Correto se lave com bastante constância,
Mas é o cheiro da rosa que o homem mais quer.
Há séculos foge ao segredo qualquer
E cosméticos buscam em tal manigância,
Seu odor a ocultar em sinal de elegância
Quando muito mais puro ostentá-lo é mister.
E se acaso algum dia lhe elogio o perfume,
A mulher imagina, por pura tolice,
Que refiro esse aroma de teor dispendioso.
E aos poucos, até, fui perdendo o costume,
Já que nunca entenderam que essa frase que disse
Mencionava o fluir de seu corpo oloroso...
ESSÊNCIA IV
Não é de espantar que até taras existam
Na busca direta de tais vestimentas
Que o almíscar conservam e excitam as ventas
Daqueles que os panos apenas excitam.
Contudo, é espantoso que tanto resistam
De aceitar o sexor de emanações tão lentas...
Por acaso o odor dos nenês que acalentas
Também te repele nos hormônios que invistam?
E assim o elogio que se faz ao perfume
É logo explicado por aroma qualquer,
Com exótico nome de flor ou secreto
Local oriental, em que amor vem a lume,
O cheiro a esquecer de seu ventre dileto
Que a semente enraíza em fecunda mulher...
ESVAIMENTO
I (2005)
a
morte é para todos; já o Amor
é
escasso como o sol da Meia-noite;
como
é comum ter da paixão o Açoite,
tanto
mais raro e puro é o seu Candor,
esse
infletir da alma, esse Pendor
para
de outrem ser apenas, esse Afoite
em
tudo partilhar, esse Tresnoite
a
cada vez que olha em Derredor
e
não se encontra o rosto Bem-Amado,
não
por ciúme vão ou Insegurança,
não
por temer que amor alguém lhe Tire;
mas
por que seu coração sente Aleijado
quando
está longe de nós esta Bonança
e a
própria vida então de nós Retire...
ESVAIMENTO
II (17 SET 14)
bem
raro é se encontrar amor que seja Amor,
embora
fácil se ache qualquer tipo de Morte;
há
longa morte e breve morte de outra Sorte:
a
morte mais comum de quando esvai-se Ardor.
há
morte pela ausência, na falta de Esplendor;
há a
morte por desdém, fatal nesse seu Corte;
há a
morte da presença, talhar de menor Porte;
há a
morte do desejo, perdido o seu Calor...
porém
existe amor de mais vasta Permanência,
quando
se encontra amor no dom Subjacente,
que
só o desejo aceita quando ali se acha Presente,
mas
não vive em desejo, habita na Imanência
de
tal amor real que só o ardor Alcança
no
beijo multicor e manso da Confiança.
ESVAIMENTO
III
mas
se amor é transitório e a morte é Permanente,
que
existe no desvão que a morte e o amor Separa?
para
onde amor esvai, quando o tédio se Declara,
que
chama impura é essa que se torna Indiferente?
ou a
morte é transitória e o amor um Componente
dessa
falência vã, até que a morte Aclara;
amor
por outra morte em que a vida se Depara,
em
exaurida morte de amor bem mais Potente?
para
onde corre a chama, quando o amor se Esvai
nessa
pequena morte, como tantos Afirmaram,
marcando
o fim vibrante de todo o amor Carnal?
para
onde vai a morte, quando amor se Sobressai
nessa
pequena vida que dois em amor Geraram
e
trazem para a luz em gesto Triunfal...?
ESVAIMENTO
IV
será
que amor se aleija, quando termina a Dança
e a
farsa se revela na carne Manifesta,
gota
de amor final permeando cada Festa,
seu
último esvair quando o exultar Descansa?
será
que amor renova, no instante da Bonança
e
por quaisquer segundos a morte se Contesta
e em
caçapa metafórica o taco amor Encesta,
a
bola negra olvidada no instante da Esperança?
ou
são amor e morte só duas faces da Moeda
que
loucamente gira, até sua final Queda,
em
que seu resultado é a pura Indiferença?
só
dedos a correr no pano verde em Chama,
o
amor lento suplício, a morte viva Flama,
nesse
abraço final que desafia a Crença?...
CORAÇÃO DA COROA I – 18 SET 14
como o troll se faz em pedra
ao toque da luz do sol,
como ao vampiro o arrebol
em cinza e poeira transforma,
como a rosa apenas medra
no egoísmo do seu farol,
como ao peixe fere o anzol
na surpresa que o deforma,
assim amor também se petrifica
ao concentrar-se no objeto amado
e mais espaço exige ao seu redor,
qual a roseira mais o ramo estica
se nada mais se planta do seu lado
e se estiola ao partilhar calor.
CORAÇÃO DA COROA II
e de idêntica maneira
todo o amor estratifica
quando junto de alguém fica
em noção interesseira;
fica a alma soalheira
abafada nessa rica
partilha que tudo indica
excluindo uma terceira
partenaire da longa dança
que é somente pas-de-deux
e o estranho apenas vê
como alheio nessa trança
que mistura dois cabelos
e rejeita outros desvelos.
CORAÇÃO DA COROA III
sendo amor régia coroa
na testa do coração
não permite intromissão
ou intervenção à toa;
só a introversão é boa,
alheia à malversação,
como um terceiro pulmão
que lugar no peito roa.
mas nessa exclusividade
escurece a percepção,
alhures só vê senão,
nenhum brilho de verdade
e lentamente se enquista,
pois nenhures mais avista.
CORAÇÃO DA COROA IV
e no ciúme que a outrem então rejeita,
amor de liana que outro alguém sujeita,
amor que exige e somente a si enfeita,
amor se torna em pedra indiferente;
não é amor o que sufoca seu parente,
que poda a relação mais inocente,
não se demonstra em nada complacente
e se enrijece ante a menor desfeita.
e desse modo, mesmo o arrebol
que deveria força dar e energia
é rejeitado como intrometido;
coroa de ouro no peito, qual farol
que artéria aperta e coração asfixia
ódio cansado e por si mesmo desnutrido.
OSSOS DE AREIA
I – 19 SET 14
Perdida sobre
a terra, essa esperança
desistiu de
ser nua e agora veste
apenas os
sinais que tu me deste,
parcos e raros
como tua lembrança.
De tanto
aguardo, cansou-se sem tardança,
perdida no
fulgor de um novo leste,
vagando na
caligem de outro oeste,
veste de ouro
com fuligem por bonança.
Mas a única
esperança que nos sói
é aquela pura
e totalmente nua,
da plena
rendição intencional,
que essa outra
esperança apenas dói,
vestida em
lantejoula, sem ser sua,
mas tão
somente uma centelha artificial.
OSSOS DE AREIA
II
Há esperança
de obter o que se quer,
como se diz em
Espanha, ao desjejum;
porém à noite,
passado o dia em jejum,
péssima ceia
que a ninguém nutre sequer.
Há esperança
no desfolhar do malmequer,
puro otimismo,
até sem ter nenhum
motivo
racional ou dom algum
que no futuro
nos garanta seu mister.
Porém há
esperança só de espera,
nesse vago
aguardar de um adiamento,
mero reflexo
que a cada dia se afasta,
triste
esperança que só o descaso gera,
sem qualquer
bênção para o seu sustento,
puro desdém
que só a si mesma basta.
OSSOS DE AREIA
III
Outra
esperança se embasa em ossos fortes,
músculos
firmes, invólucro ao arcabouço,
essa esperança
que ergue o teu pescoço
e te permite
enxergar além das sortes.
Há esperança
de que o destino entortes,
lenta ciranda
ao derredor do poço;
lanças moeda
que pagaria o almoço
nas loterias
de inusitados portes.
Grossos os
ossos que tens no esqueleto
e te permitem
marchar a firme passo,
nesse caminho
incerto do porvir,
sempre
aguardando obter prêmio dileto,
por mais que
antanho tenha sido um laço
que nunca quis
tuas preces permitir.
OSSOS DE AREIA
IV
Mas há
esperança alicerçada em areia,
que teus
quadris desfaz em osteoporose,
pobre
esperança que se serve em dose
insuficiente
para afastar o que receia
essa tua alma
pessimista que pranteia
já de antemão
e sofre por osmose,
sem pavimento
em que teu pé repouse
e que teu
passo tristemente arreia.
Mas visto
isso, ainda conservo a esperança
de amor nutrir
com que sempre sonhei
e que nos
beijos desfez-se em ilusão;
por esta fada
agita-se a criança
que de meu
peito nunca descartei
e ainda força
me imprime ao coração.
CILÍCIO I – 20 SET 14
Quem pensa saber tudo, nada sabe,
pois quem mais sabe, sabe quanto
há
para saber e quanto encontrará
que na mente e na memória não lhe
cabe.
Quem sempre encontra algum gentil
que o gabe,
entusiasmado, seus encômios beberá
e sua própria sabedoria aceitará,
na ignorância que dos lábios assim
babe.
Eu penso que o que sei foi-me
ensinado
ou pelos livros me chegou,
provavelmente,
a me chagar em polvorinho de
segredos;
mas quando penso em tantos erros
do passado,
queima-me a água o ventre,
lentamente,
enquanto o fogo pinga de meus
dedos...
CILÍCIO II
Em geral, ponho em dúvida elogios:
qual é o preço de tal delicadeza?
Alguma coisa talvez queiram, com certeza,
pois de suas bocas pingam doces
fios...
Os cumprimentos não me despertam
cios,
que sei qual é a extensão de minha
nobreza
e o vasto alcance da maior
pobreza:
gotas bebi, mas deixei passarem
rios...
E justamente por saber, lastimo
que pouco saiba do que queria
saber:
entrei no rio e me atolei no limo,
subi a montanha e me perdi do
cimo,
só achei nevoeiro e bruma para ver
e as águas passam como um vasto
mimo.
CILÍCIO III
E assim consigo apreciar justa
medida
do que queria saber e nunca soube,
da vastidão que na mente não me
coube
e da lembrança que já foi
perdida...
Temo ademais que me leve de
vencida
esse apanágio que o saber me
roube;
desgaste o tempo que eu julgava
adube
a biblioteca mental de minha
acolhida.
Minha memória espicaço com espinhos,
lembrando as nesgas desse meu
cantar
que no antanho já passou por ser
potente;
branda tortura dos faróis
mesquinhos,
quando no ventre trago um bezoar
em que se enroscam os sonhos de
minha mente.
PRETENSIOSO
I (2006)
Bem sei
que algum, tratado de poeta
produz
um texto pobre, que retoca,
com
grande esforço: quanto mais enfoca,
maior
distância tem do ideal de esteta...
É como
uma parede, que reboca,
para
esconder qualquer imperfeição.
sem que
se lembre da continuação.
que no
futuro ainda se coloca...
Se o
outro busca ideias, as esbanjo:
elas se
espremem velozes na passagem,
que flui
entre meus dedos exauridos,
cortados
ao tinido desse banjo,
que
nunca para de gerar miragem,
em
longos versos nunca recolhidos...
PRETENSIOSO
II (21 set 14)
Não sou
pedreiro, mas tenho o meu fretacho
perfeitamente
cheio de argamassa,
que a
parede de papel assim repassa
a cada
golpe da colher e em verso a traço.
Mil
edifícios acolhi no meu regaço,
grossos
tijolos de uma velha praça:
esses
furados trazem-me desgraça,
que não
sustentam os archotes de meu facho.
Podem
ser bons para o peso diminuir
desses
prédios altivos nas cidades,
como
Nimrod, o céu a desafiar; (*)
mas cada
prego que ali busque inserir
esboroa
o reboco em falsidades,
meus
pobres quadros no chão a espatifar...
(*) Rei
da Mesopotâmia. Leia o livro de Gênesis.
PRETENSIOSO
III
E que
farei, quando os quadros se acumulam
e me
exigem atenção e mais espaço?
As
minhas ideias eu daria num abraço
a todos
esses que se esforçam e me emulam...
Porém
nada servirei aos que me adulam,
porque
vigor não trazem no seu braço;
longo
poema reduziriam a traço:
vazias
as folhas em que só letras ondulam.
Prazer
teria se seguissem meu exemplo
de para
os velhos modelos retornar,
mas esta
vida moderna rasga o templo,
de cima
a baixo o véu a despencar
e se
estraçalha a infeliz tapeçaria,
no
desperdício das ideias que eu daria.
PRETENSIOSO
IV
Se não o
podem, por que pretendem selo
e seu
lacre apor em palimpsexto?
Algumas
vezes vejo ideias nesse texto,
mas sem
do original ter o desvelo...
A frase
antiga foi arrancada com cabelo
e sobre
a folha desnuda o manifesto
muito
mais pobre desse seu apresto...
Tal
pergaminho eu também queria tê-lo,
embora a
apagá-lo não me atreva:
respeito
muito a antiga teogonia
e
gostaria que até fosse real,
mas
apenas redijo o quanto deva,
enquanto
Antanho me sussurra e espia,
na
desconfiança de que redija mal...
DANÇARINOS NOS CORISCOS
I (2006)
Hoje a chuva me afasta
das mensagens:
caem os raios de nova
tempestade,
os trovões se sucedem, como
pajens
da Rainha da Noite e das
miragens...
Hoje a vida me afasta
das tiragens
da sorte magra da
inequalidade:
por mais que procedera,
minhas coragens
não foram
suficientes... E as imagens
se refletiram nos cacos
da esperança,
que refrataram somente
fragmentos
de um agudo sentir, nos
desatentos
sorteios indolentes da
bonança,
que se apresenta apenas
como os nacos
ocasionais da glória
esfeita em cacos...
DANÇARINOS NOS CORISCOS II (22 SET 14)
Cobrem-me as cinzas dos pálidos vulcões,
arrependidos de sua iniquidade,
fértil a terra para novas plantações,
vinhas subindo em suaves direções...
Cobre-me o rosa das antigas tentações
desbotadas em nuances de bondade;
não mais partilho assim tribulações,
no ardor soprado das defuntas emoções
que antes os relâmpagos laçavam
e despencavam do céu como centelhas,
penhascos negros sob o sol de inverno,
falsos titãs que em rochas se tornavam,
líquens e urzes recobrindo as faces velhas,
na mais impura imitação do eterno.
DANÇARINOS NOS CORISCOS III
Qual os losangos caracterizam o arlequim
e as alongadas pétalas ao jardim,
os mil coriscos lambia como brasas:
queria o céu em estridor ter para mim...
A língua e os lábios fui queimando assim,
na ilusão de que seu fogo era cetim;
cada fagulha nas gengivas fez suas casas:
dentes de ogro a ostentar eu vim...
A mastigar da madressilva os talos,
das ipomeias a cornucópia azul
o funcho feito em alma de alecrim,
enegrecendo os estames do jasmim,
o céu tragando no verde de meu sul,
enquanto os versos na língua formam calos...
DANÇARINOS NOS CORISCOS
IV
E se ainda existem
quaisquer cacos de esperança
nessa espera só
orientada de esquivança,
é que por mais que se
revele falha,
conservo em mim o miasma
da bonança
que no porvir cada vez
mais alcança
essa falsa sugestão de
uma abastança
que somente em poemas se
me talha:
talha-se o leite
enquanto o feijão rança...
Porém conto nos dedos os
meus dons
e vejo bem que as duas
mãos não bastam
nesse balé de tantos
dançarinos,
sempre esforçados, mas
nem todos bons,
que o queimar dos
coriscos ainda afastam
enquanto bailam ao glockenspiel dos sinos...
FARNEL I (2006)
Sempre é um alívio completar uma tarefa,
por agradável que seja. A sensação
de que está terminada essa sanefa
sempre nos enche de satisfação...
Foi assim com mais esta tradução
que fiz, praticamente em cinco dias...
Um livro inteiro, qual peregrinação
pela mente de um outro, em fugidias
mensagens de intenções bem generosas,
ou de teor maléfico... Ou simplesmente
uma história singela [ou mal contada]...
Ou uma obra imortal, tão alterosas
são essas mentes que, verdadeiramente,
controlam parte de minha vida esperdiçada...
FARNEL II (23 SET 14)
Não é igual a sensação quanto a poemas:
quando os completo, sinto um certo desprazer.
O que farei a seguir com meu viver?
De onde hão de me surgir os novos temas?
E no intermédio, revisto-me de semas,
as palavras apisoando o meu sofrer,
significando o que não posso ter:
palavras mudas sem os ecos de fonemas.
Até lastimo ter passado a limpo
mais uma dessas histórias de dragões
que me devoram, suas chamas retiradas
das páginas amarelas que repinto,
em que esgrimo com as loucas sensações
avermelhadas de mil mágoas apressadas.
FARNEL III
A vida assim procuro em minha mochila:
vou lá no fundo à caça de migalhas;
meus dedos queimo ao toque de acendalhas:
contra a costura rebotalhos fazem fila...
Ainda alguma alegria se perfila:
novos recrutas... No cabelo as palhas
dos celeiros do campo, novas talhas
tiradas a machado... A pobre ancila
desses versos que eram antes de nobreza
e que não mais consigo que imitar:
sobrou-me a raspa da velha inspiração;
surgem palavras com a antiga robusteza,
mas quais os temas que esqueci-me de cantar,
sem esternutar de mim em turbilhão?...
FARNEL IV
Falei dos braços de alterosa quilha,
dos quais eu era o inconteste capitão;
das mil palmeiras em arenosa ilha,
que transformei em bordel de cafetão;
falei da lástima que o coração perfilha
e sobre os campos a lancei em brotação;
falei dessa emoção que em mim se atilha,
mas permiti que a pisoteassem no salão;
falei da vida e confrangi a morte;
de meu amor por toda a humanidade,
da lealdade para com minha raça,
independente de cor ou de seu porte...
E que me resta, senão a vaga liberdade
de ainda atrelar cada nuvem que perpassa?
REGRAS DA VIDA XV (2006)
No tempo antigo,
sentia-me impaciente,
ansioso pela vida a
desfrutar,
mas deixei a paciência
penetrar,
pelo meu proceder, bem
lentamente...
Assim, evito me zangar,
e quando
me ofendem, de mim
zombam, tratam mal,
eu olho apenas, conservo-me,
afinal,
em plena
calma. Das emoções o bando
mantenho
controlado. E só procedo,
depois de pensar bem,
nunca em impulso.
E causa boa impressão,
até acredito,
porque imaginam que
albergue algum segredo
e não apenas somente
tenha o pulso
bastante firme...
enquanto a vida evito.
REGRAS DA VIDA XV-A (24
SET 14)
Não me lancei em prélios
ou carreiras,
nem à conquista de cada
bem que passa;
apenas aceitei quantas
perpassam
e por meu colo se
mostrem interesseiras.
Não fui empós das bocas zombeteiras,
somente àquelas que, em
cristalina graça,
se achegaram a mim até
que esfaçam
o espalhafato das luzes
altaneiras...
Fui sempre moderado (ou
fui covarde),
a evitar toda e qualquer
competição,
pelo pote de ouro da
traição;
a política descartei,
com seu alarde,
os bancos duros evitando
de banquetes
nos pratos rasos
cobertos de confetes.
REGRAS DA VIDA XV-B
Talvez devera ter agido
diferente,
nessa certeza em mim
sobressalente
de que o porvir chegaria
a me buscar
e nessa espera,
desesperei contente...
Para mim mesmo somente a
aquinhoar
com esse esforço que
soube demonstrar
pela força do trabalho
mais ingente:
meu alimento um lanoso
bezoar... (*)
Pois como um gato, meu
pelo então lambi,
esperando, quiçá, que
mais brilhasse
e qual felino, eu fosse
admirado...
Destarte, decepções eu
engoli,
que no fundo do ventre
acumulasse,
no aguardo inútil de
alcançar um dom alado.
(*) Bola de pelo ou cálcio no estômago de ovelhas ou felinos.
REGRAS DA VIDA XV-C
Mas no final, a
impaciência impacientou-se
de que não fosse mais
por mim acalentada;
no decorrer dos anos, em
zombaria debochada,
afastou-se de mim, por
que magoou-se...
Foi uma regra da vida ou
o fado trouxe
o desfastio, mesmo da
vida atribulada,
cada tristeza só em
ironia contemplada
e meu sucesso, sem ter
pouso, desgostou-se...
Que seja assim, pois no
meio está a virtude
e então no meio
permaneço da amargura,
com otimismo encarada...
ou com cinismo...
que alguma coisa no meu
fundo ainda se ilude
e pensa ter sido a mãe
de tal loucura,
no derradeiro estertor
do solipsismo...
clave
de lua i – 25 set 14
clave
de fá, um negro caracol,
porém
mais séria será clave de dó;
nas
partituras marcadas pelo pó
repouso
alegre nos traz clave de sol.
Mas
qual a clave em que canta o rouxinol
Ou a
cigarra, em lastimar de Jô,
O som
da teia de uma aranha só
Ou o
do grilo escondido num paiol?
É
lamentável, porém clave não há
Governada
pelo ré, que de per si
Os
orientais apreciam mais por lá...
Seria
original clave de mi
Nesses
trinados que sibilam acolá:
Quartos
de tom que por cá eu nunca vi...
Clave
de lua ii
Por
que não vemos qualquer clave de estrela
Ou
uma clave de relâmpago ou corisco,
Uma
clave de cometa sem aprisco,
de
nebulosa a clave ainda mais bela?
Por
que não temos clave de procela
Ou
uma clave redonda para o disco?
Qual
é a clave que reproduz o cisco,
Quando
um raio de luz corta a janela?
Como
seria a clave para o beijo?
Seriam
lábios mordendo melodia?
Ou
uma clave de lágrima no ensejo
Da
canção morta que mais lamentaria?
E
qual a clave para a velha salmodia
Que
acompanha dos mortos o cortejo?
clave
de lua iII
será
o sol assim feitor egoísta
que
imprime o látego em cada pentagrama
e sua
magnitude assim proclama
na
balada ou na marcha da conquista?
Cada
harmonia que no sol se enquista,
A
irradiar em cada espaço a chama,
Um
arco-íris de linhas sobre a lama
Em
que o pé do peregrino marca a pista?
Clave
de ré para a melodia maldita,
Clave
de dó para humanos direitos,
Clave
de sol iluminando a moça nua,
Clave
de cinza para a antiga fita,
Clave
de pena para os meus defeitos
A se
exibir num flutuar à luz da lua...
Nenhum comentário:
Postar um comentário