quinta-feira, 18 de setembro de 2014





O PEQUENO HERÓI (MALI PAPRIKA)
(Folclore sérvio, versão poética de William Lagos, 16 set 2014)
(A letra J se pronuncia em sérvio como I; e o grupo ZH como J.  Mali Paprika significa “Pimentãozinho”.  O episódio do dragão é bastante semelhante a uma das peripécias da história de João e Maria, conforme recolhida por Silvio Romero e já narrada em versos por este autor.)

O PEQUENO HERÓI I

Em uma aldeia sérvia morava uma mulher
casada há anos, que não tivera filhos
e suplicava a Bozhe (Deus), diariamente,
que ao menos um ela pudesse ter,
mesmo que fosse mirradinho em parecer,
do tamanho de um pequeno pimentão...
E tanto ela seguiu da prece os trilhos
que Deus Pai compadeceu-se, finalmente,
enviando fada que lhe disse: “Hoje é mister
que eu te atenda, pois tens fé no coração!...”

A pobre aldeã se horrorizou com a aparição
e se lançou por terra, apavorada:
“Sou muito pobre, não me faça mal
e não me cegue pela sua presença!...”
“Ksenija, vim atender-te a crença;
o Santo Bozhe ouviu o seu pedido!...”
“Deus Pai me ouviu?” – disse ela, desconfiada.
“Sim, Bozhe, o Santo Pai!... E seu torchal
trago brilhante na concha de minha mão!
O seu desejo será hoje atendido!...”

“Erga a cabeça, Ksenija, para mim!...
“Como conhece meu nome?” – quis saber
a pobre camponesa.  “Porque sou fada:
eu sou Dobenka e foi Deus quem me mandou.
Vou repetir-lhe: suas preces escutou
e lhe dará esse filho que deseja...”
“Dobenka, a Fada?  Mas o pope ouvi dizer
para escutar aos anjos e a mais nada...”
“Eu sirvo a Bozhe, que enviou-me assim
Para o milagre efetivar que hoje se enseja...”

Ora, Dobenka, no passado, era invocada
na proteção do parto e dos nenês:
ela expulsava a Lâmia e a Feiticeira...
Mas com a chegada da nova religião,
fora objeto da mesma maldição
imposta aos deuses da religião antiga...
“Se crês no Santo Pai, em mim tu crês.
Ergue a cabeça para a chama alvissareira!...”
Ksenija se ergueu e assim foi abençoada
pela chama que lhe trouxera a fada amiga...

O PEQUENO HERÓI II

Quando a flama tocou em sua cabeça,
sentiu calor a percorrer-lhe o corpo inteiro
e uma certeza de que iria engravidar...
“Santa Dobenka,” – atreveu-se a perguntar,
“já estou esperando?”  “Teu marido irá ajudar...”
sorriu-lhe com ternura a mensageira.
“Nasce a semente quando posta no terreiro,
mas tua esterilidade fiz hoje terminar.
Assim que teu trigal dois palmos meça,
nesse dia irá dar fruto a sementeira...”

“À tua horta vai daqui a uma semana;
lá colherás o mais vermelho pimentão;
come-o inteiro, de forma natural,
sem cozer, sem pôr sal e nem azeite;
será o reforço para o teu deleite
e após sete meses e um dia, bem contado,
à luz darás o teu próprio botão,
bem pequenino, sem dor ou qualquer mal;
cuida bem dele, que aos heróis se irmana;
leva-o à igreja, para que seja batizado...”

“De Berislav o nome lhe darás:
terá saúde e grande robustez,
porém será pequeno e irá crescer
somente após realizar um grande feito,
que ser mirrado não é nenhum defeito
e foi isso que pediste, não é mesmo?...”
Ksenija concordou, com timidez.
“A São Cirilo mandou Deus o livro ler
e lhe disse: Nenhum registro encontrarás,
então o inscreve, que não nasça a esmo...

A Fada Dobenka, em clarão desvaneceu
e ficou ainda assombrada a camponesa.
Mas era Bozhe, o Grande Deus, que a havia mandado!
Por que um anjo não poderia ser mulher?
Parecem homens porque um pintor o quer!
Mas estava certa de ter sido abençoada
e daí a uma semana, com certeza,
foi colher o pimentão recomendado
e quando dois palmos seu trigal cresceu,
teve certeza de haver engravidado!...

O PEQUENO HERÓI III

De fato, após sete meses e um dia,
um menino lhe nasceu, sem dor nem mal
e só depois é que chegou a parteira,
muito espantada com o tamanho da criança...
“É tão pequeno!  De viver não há esperança!
Só mais dois meses e teria melhor nutrir...”
Mas o levaram até a pia batismal,
sua parentela reuniu-se, bem ligeira.
“Seu nome é Berislav!...” – ela dizia
E o pope o batizou sem discutir...

Passou-se o tempo e o menino não crescia,
embora falasse e bem ligeiro caminhasse,
forte e corado, igual que um pimentão!...
De Mali Paprika logo o apelidaram...
Ingenuamente, os pais logo revelaram
a história do pimentão e toda a profecia,
embora Dobenka nenhum deles mencionasse,
talvez com medo de alguma punição...
Logo o menino pelo capim corria;
como floresta o trigal lhe parecia!...

A pobre Ksenija de vergonha padecia
com o apelido que lhe impuseram os demais;
Mali Paprika, porém, não se importava,
embora não tivesse companheiros...
Montava escaravelhos nos terreiros,
contra as formigas combatia com espinho,
lascas de pedra como espadas naturais
e já no uso da lança se adestrava;
minúsculo arco seu pai lhe construía
para defesa contra aranhas no caminho...

Porém a mãe chorava, ao entardecer,
vendo os filhos das outras, que cresciam;
porém a Bozhe não se mostrava ingrata:
pedira um filho que fosse mirradinho
e Mali Paprika era qual pimentãozinho...
Deus a atendera, bem exatamente...
Mas pai e filho já melhor se entendiam,
enquanto a mãe o acariciava como gata,
ao rapazinho depressa a aborrecer,
com o treinamento do pai bem mais contente!

O PEQUENO HERÓI IV

Mas completados nove anos e um dia,
apareceu-lhe Dobenka, novamente
e lhe disse: “Ksenija, não deves chorar mais,
logo teu filho para o mundo sairá
e seu magnífico futuro encontrará.”
“E depois disso, não mais o verei...?”
“Após onze anos e um dia, justamente,
terá a glória obtido e no ademais
será alto e forte, tal que só o reconheceria
um olhar de mãe...  Poderoso como um rei!”

De fato, na manhã do dia seguinte,
Berislav, ou Mali Paprika, apresentou-se
diante dos pais, pedindo permissão
para o mundo percorrer em aventuras...
De Dobenka recordaram as frases puras
e o pai o abençoou, sem discutir.
A receber qualquer dinheiro ele negou-se:
“Moedas de cobre são pesadas e farão
que menos força e habilidade no requinte
de minhas armas eu consiga usufruir...”

“Sou tão pequeno que qualquer frutinha eu como
e caso entrasse pela porta de estalagem,
o mais provável é que me pisoteassem!
Bandos de ratos precisaria combater;
todo esse peso só me irá enfraquecer...
Basta levar comigo uns biscoitinhos,
em um saquinho feito de aniagem...”
Considerava que suas armas lhe bastassem.
“Se me cansar, escaravelho eu domo,
para me transportar pelos caminhos!...”

“Queridos pais, não esqueçam a profecia:
quando eu voltar, serei homem valente,
robusto e alto, igual que algum gigante
e ainda rico e poderoso como um rei!...”
E lá se foi, cumprindo a antiga lei,
sem ter amigos de quem se despedir,
ponta de sílex em sua lança potente,
espada feita com espinho; e oscilante
na sua aljava, cada flecha que trazia
e que seu pai o ensinara a desferir...

O PEQUENO HERÓI V

Durante muitos dias caminhou,
mas avistava ainda ao longe a aldeia...
Como as proezas assim realizarei!?
Então encontrou uma libélula pousada...
Com uma liana fez-lhe uma laçada,
já encilhada quando tentou voar!...
E de cair nem um pouco se arreceia,
mas pelos ares sentia ser um rei!...
E muito além o inseto o transportou,
até num galho de árvore pousar!...

Olhando em volta, era o pátio de um castelo
e se encontrava no meio de um pomar...
Assentada na raiz, jovem chorava!...
Mesmo pequeno, possuía uma voz forte,
sem revelar quão minúsculo era seu porte;
e sem descer do galho, ele indagou:
“Por que, princesa, vos estais a lastimar?”
Ela espantou-se ao ver quem lhe falava:
“És um elfo ou algum duende belo?...”
“Não, só um humano que ao nascer mirrou...”

“Mas como sabes que sou uma princesa?”
“Ora, me encontro no pomar de teu castelo,
tens ricas vestes e és muito formosa...
Que és princesa, fácil é de adivinhar...
Não és rainha, sem aliança a ostentar...
Meu nome é Berislav, mas me chamam Pimentão,
ou Mali Paprika, pelo tamanho e cor do pelo...”
“Então és filho de alguma fada poderosa?”
“Meus pais são camponeses, linda Alteza...”
“Meu nome é Lyubitsa,” – ela falou com emoção.

“Linda Lyubitsa, tão amável quanto bela,
não me contaste o que é que te lastima...”
“Ah, Berislav, ocorreu-me uma desgraça!
Conforme adivinhaste, eu sou princesa
e meu pai, o Rei Mihajlo, convocou toda a nobreza
para um grande milagre apresentar,
pois três maçãs de ouro quis a sina
que da macieira brotassem, em plena graça
e meu pai me encarregou: Pura donzela,
minhas três maçãs somente tu podes guardar!”

O PEQUENO HERÓI VI

“E assim, ao pé da árvore me assentei,
porém esta manhã chegou um dragão,
cuja aparência me deixou horrorizada
e dessas três maçãs se apoderou;
para sua toca sob o lago ele voou
e não sei como o vou contar ao pai,
pois de vergonha terá grande comoção
quando a nobreza por ele convocada
pensar que foi mentira de seu rei!...
Acreditar na minha história ninguém vai!”

“Eu acredito e talvez descubra a solução,”
então lhe disse Berislav.  “Tens confiança
em dois criados robustos e bem fortes?
Ordena-lhes que matem dois carneiros
e em quartos dividam os dois inteiros,
pondo os pedaços em dois sacos de bons portes.
Duas cordas finas mas de robusta trança
também precisarei, dessas de longos cortes;
E que os coloques à minha disposição,
pois da obediência dependerão as nossas sortes.”

Lyubitsa mandou chamar os dois criados
e ordenou que matassem os dois carneiros
e que ficassem à sua total disposição,
em tudo que o rapaz lhes ordenasse;
que a integridade do reino se salvasse
dependeria de seus atos, afinal!...
Os dois voltaram com os sacos, bem ligeiros,
e os dois rolos de corda pela mão.
E do palácio saíram, ainda espantados
com o anãozinho e sua montada artificial...

Chegaram ao lago em que morava Tzimey,
o dragão que as maçãs arrebatara;
a libélula de Berislav pousou na margem
e ele ordenou que as cordas amarrassem
em troncos fortes de árvore e o baixassem,
preso a uma delas, até o fundo da lagoa;
os dois sacos de carne ele amarrara
na outra corda e foram descidos com coragem.
Para voltar, com três puxões avisaria:
“Mas me icem logo, sem gastar o tempo à toa!”

O PEQUENO HERÓI VII

Mali Paprika era pequeno, porém forte
e firmemente prendeu a respiração,
até chegar, sem passar por grande mágoa,
do lago ao fundo e lá ele encontrou
bastante ar e depressa respirou...
Pisava agora dentro de um jardim,
no meio do qual se erguia uma mansão,
sob uma abóbada toda feita de água
e foi correndo, mesmo com pequeno porte,
até alcançar a grande porta, enfim...

Sem mesmo saber como, conseguiu
os dois pesados sacos arrastar,
contendo os oito quartos de carneiro.
Por sorte, ele encontra a porta aberta
E com sua carga não se desconcerta...
Viu Tzimey em frente a um caldeirão,
a sua forma humana a apresentar
e uma velhinha, com ar meio brejeiro
que com colher o caldo inteiro gira,
conversando em linguagem de dragão...

Um saco abriu e com seus músculos potentes
jogou um pedaço de carneiro pelo chão!
Tzimey foi atraído pelo cheiro,
lançou-se à carne, a devorar avidamente,
mas a velhota do caldeirão indiferente...
Mali Paprika, porém, lançou outro pedaço
e a mulher transformou-se num dragão
e à nova carne se atirou ligeiro;
à sua passagem os dois meio inconscientes,
ele correu ao caldeirão, em veloz passo!...

E ali encontrou as três maçãs fervendo!
Pegou a primeira e depressa retornou,
para atirar aos dragões mais dois pedaços
e enquanto cada qual mais devorava,
as outras duas maçãs ele agarrava
e corria para a porta, as carregando...
Abriu o segundo saco e lhes lançou
mais dois pedaços, em seus sangrentos traços
e para fora se escapou, rapidamente,
na sua corda três puxões depressa dando!

O PEQUENO HERÓI VIII

Enquanto os dois criados o puxavam,
Tzimey o estratagema percebeu
e projetou-se pela água, velozmente,
mas Berislav o resto da carne lhe lançou
e o dragão não resistiu e a devorou!
Mas o rapaz viu a libélula menor
e então notou ter sido ele quem cresceu!
Desatrelou sua montaria, gentilmente,
subiu nos ombros de um dos que o esperavam
e fugiram bem depressa, em seu terror!

Ele entregou as maçãs à princesinha,
que o cobriu com agradecimentos,
mas ele despediu-se e foi embora;
um dos criados o soltou fora do castelo;
cortou a casca de uma árvore com o cutelo
e novas roupas bem depressa costurou,
rasgadas as anteriores nos momentos
em que crescera, sem o notar na hora.
Logo encontrou um filhote de doninha
e em sua nova montaria o transformou!...

Deste modo, ao chegarem os convidados,
mostrou o Rei Mihajlo, em uma bandeja,
as três maçãs de ouro, com os talos
ainda verdes e sem endurecer;
ninguém conseguiu da história desfazer,
mas Lyubitsa contara ao pai sobre o dragão
e o anãozinho, cujo valor enseja
a vitória sobre o monstro e seus abalos:
por via das dúvidas, confirmou com os dois criados....

Porém silêncio ordenou o velho rei.
Um dragão vindo furtar as minhas maçãs!
Um anãozinho enganando um tal dragão!...
Que vão pensar sobre isto os meus barões?
E o Patriarca pode enxergar conotações
com a religião que anteriormente foi banida!
Ou o povo pode nutrir ideias malsãs,
dessas que vem-lhes perturbar o coração!
Melhor não lembrar à minha obediente grei
a velha lenda do Tzimey, hoje esquecida!...

O PEQUENO HERÓI IX

E assim, organizaram o seu festim,
dizendo o rei que as maçãs, naturalmente,
haviam caído da macieira ao chão...
Talvez algum de ourives desconfiasse,
mas como os talos nas maçãs os enfiasse?
Seria precisa tremenda habilidade!...
E constataram na macieira, realmente,
marcas de talos contra o galho e então,
foi bem difícil duvidarem ainda assim
que das maçãs a brotação fosse verdade!

Mas logo tudo se veio a confirmar,
porque quanto o rei temia, sucedeu!
Sobre o castelo voou Tzimey, furioso,
algumas torres chegando a chamuscar,
com o fogo das narinas a bufar!...
Eram dezoito em suas nove cabeças!...
Lançaram flechas, porém nada aconteceu:
grossas escamas tinha o bicho pavoroso!
Com vasta voz, então, pôs-se a berrar
a sua vingança, por lhe pregarem peças!...

“Quero agora uma donzela por semana,
para cozer em meu vasto caldeirão!...
Cada semana me pagarão o preço!...
De minha fome saciar por longos anos
eu me abstive, porém meus desenganos
compensarei com multas e com juros!
Se uma semana meu resgate não me dão,
sobre a cidade veloz então me apresso
e a queimarei, do castelo até a cabana,
exterminando essa raça de perjuros!...”

Alguns anciãos foram parlamentar,
do vasto lago pairando junto à margem,
propondo um pagamento diferente,
mas o dragão os queimou com labareda!
Soubesse a gente qual fora a real vereda
que Mali Paprika havia antes tomado,
o prenderiam e o culpado da voragem
seria entregue pelo povo, bem contente!
Nas próprias casas os criados a revelar
o que de fato havia se passado!...

O PEQUENO HERÓI X

Mas ninguém descobrira o paradeiro
desse pequeno herói inusitado
e desta forma, decidiu-se por sorteio,
para escolher qual donzela da cidade
seria entregue à feroz rapacidade
desse dragão malvado e canibal!...
E um cortejo, num lamento desolado,
levou a primeira, tremendo de receio
até a praia.  Veio Tzimey, ligeiro,
e arrebatou-a no abraço seu fatal!...

Nada se soube dela, desde então
e novamente foi lançada a sorte
e outra vez entregue uma donzela,
parentes e amigos lamentando mágoas,
pelo dragão carregada para as águas!
E cena idêntica se repetiu por seis semanas,
mas na sétima, foi sorteada para a morte
a própria Lyubitsa, a sua princesa bela!
O Rei Mihajlo explodiu em imprecação:
“Oh tu, azar, que a todos nos irmanas!...”

Enfim, deixaram a Lyubitsa amarrada
e por medo do dragão, foram embora...
Mas de repente, já montado num cachorro
(pois nesse ínterim crescera mais um pouco),
surgiu Berislav, correndo como um louco:
“Eu estive investigando por aí;
do acontecido só soube nesta hora...
Eis-me aqui, portanto, em seu socorro,
bela princesa, mas a encontro abandonada...
Nenhum guerreiro permaneceu aqui...?”

“Meu rapaz, todos temem o dragão...”
“Se eu o vencer, você casa comigo?”
“Era um outro que devia me salvar,
mas meu pequeno herói não retornou...”
“Lyubitsa, não percebes quem eu sou?”
“Você é Mali Paprika?  Mas cresceu!...
Reconhecê-lo já quase não consigo!...”
“Minha profecia se está a realizar:
proeza eu fiz de heroica avaliação
e o Santo Bozhe seu favor me concedeu!...”

O PEQUENO HERÓI XI

“Hoje pareces quase um adolescente!
Mas é claro que contigo eu casaria,
porém duvido que possas me salvar...
Pela cidade eu sou a vítima escolhida:
fuja depressa e vá salvar sua vida,
que ninguém pode combater esse dragão!”
“Se fosses tu morrer, também eu morreria,”
disse Berislav, a nova espada a afiar.
“Ele verá um homem à sua frente!
Sou jovem e pequeno, mas de forte coração!”

Quando Tzimey do seu lago emergiu,
viu um rapaz revestido da armadura
que Dobenka lhe dera, mais a espada,
disposto e pronto para o enfrentar...
E logo pôs-se a rugir e a chamejar:
“Prefiro carne de donzela, mas a sua
eu comerei, após fervida em cozedura!
Esses seus ferros não vão servir de nada!”
Porém queimá-lo o dragão não conseguiu...
“Ora, não importa!  Comerei sua carne crua!”

Mas a espada do rapaz era robusta
e de um só golpe, cortou-lhe uma cabeça!
As chamas envolviam-lhe a armadura
e até queimaram de Lyubitsa as cordas,
porém só as alcançaram pelas bordas,
já que o corpo do herói a protegia,
que foi cabeças decapitando a toda pressa,
cortando a última em uma só talhada pura
e na areia tombou a fera tão vetusta:
embora morta, sua cauda ainda tremia!...

Primeiro ele de Lyubitsa foi cuidar,
mas não tinha queimadura ou ferimentos.
“Princesa, ir-me-á cumprir a sua promessa?”
Ela jurou e então pediu-lhe, por penhor
o seu lenço chamuscado no calor...
Morta a fera, pegou as cabeças, calmamente,
cortando as línguas, sem padecimentos
e enrolando-as no lenço, sem ter pressa...
Depois lhe disse que não a iria acompanhar,
mas retornasse a seu castelo incontinenti...

O PEQUENO HERÓI XII

No seu cachorro montou e foi embora,
já ofegante com seu peso... Lyubitsa retornou,
mas no caminho encontrou um cavaleiro
de uma família das mais ricas do país,
que ouvir-lhe a história de imediato quis,
mas afirmou que não podia acreditar...
Colocou-a na garupa e assim voltou
até a beira do lago, bem ligeiro;
vendo o dragão ali morto, nessa hora
um estratagema depressa a arquitetar...

Pegou as cabeças e guardou-as na mochila;
sacou então da espada e a apontou
diretamente da princesa ao coração:
“Eu vou matá-la, se não confirmar
que foi a mim que viu o dragão matar!”
Lyubitsa ficou muda de terror
e Bojan, o cavaleiro, então marchou
até a cidade, afirmando à multidão
que ao dragão matara, sem feri-la
e exigiria recompensa de valor!,...

O Rei Mihajlo em Bojan acreditou,
ficando Lyubitsa totalmente silenciosa,
mas a Bojan concedeu-a em casamento
e para tal foi preparada a igreja...
Logo Berislav escutou o que se enseja
e apresentou-se, já montado num cavalo,
quase um gigante, mas de expressão formosa
e protestou contra o falso juramento;
como prova as nove línguas ao rei mostrou,
Lyubitsa como seu salvador a confirmá-lo!...

“Majestade, repare que as cabeças
não têm língua nenhuma, que as cortei!
Esse traidor só chegou depois de mim
e agora mente que matou o dragão,
que decapitado foi tão só pela minha mão!...”
E Lyubitsa quanto ele dizia confirmou.
Porém Bojan se curvou ante seu rei:
“Majestade, nada se passou assim!...
Lyubitsa fugira na maior das pressas
e o Tzimey morto na praia ali ficou...”

O PEQUENO HERÓI XIII

“Esse farsante tudo espreitou, decerto
e as línguas em minha ausência ele cortou;
não reparei no momento em que as guardei!...
Decerto da princesa é o namorado,
mas para a luta ele ficou acobardado!...
Ela só nega porque me acha feio,
mas foi a minha bravura que a salvou!
Minha recompensa novamente exigirei;
como sou nobre, sempre estive perto,
mas por estranho ir me trocar já me arreceio!”

Ficou Mihajlo bastante confundido...
Então Berislav o lenço lhe indicou:
“Majestade, esta prenda é da princesa;
ela me deu para as línguas conservar,
que melhor prova podeis agora desejar?”
Contudo, Bojan era bastante esperto:
“Ora, Lyubitsa durante a fuga o descartou!
Chamuscado não mais servia, com certeza...
Decerto o encontrou esse bandido:
roubou-me as línguas, tudo ali era deserto!...”

Em confusão, o Rei Mihajlo declarou:
“Sempre será amanhã o casamento!
Lyubitsa com o primeiro pretendente casará
que na catedral vier para a esperar!...
Já decidi, sem mais nada a acrescentar!...”
Pegou Lyubitsa e arrastou-a por um braço.
Ficou Bojan muito feliz com o julgamento:
Mas meu adversário aqui não pousará!
A seus asseclas ele logo declarou:
“Livrem-se dele, sem deixar-lhe um traço!...”

Mas a um gigante tão forte e de armadura
os seus esbirros não ousaram atacar.
Berislav montou em seu cavalo e se afastou,
Parecendo até da disputa desistir...
Fora das portas da cidade iria dormir!
Mas acontece que a mulher-dragoa,
que era a mãe de Tzimey, fora encontrar
o cadáver sem cabeça onde Bojan o deixou
e jurou matá-lo, na maior tortura!
Mas era velha e já quase não mais voa...

O PEQUENO HERÓI XIV

E disfarçada de mulher veio à cidade,
vindo a saber do referido casamento
da princesa com seu valente salvador,
ferozmente planejando a sua vingança,
mas no meio do povo não o alcança...
Ficou então escondida atrás da igreja,
aguardando com paciência o seu momento,
para cobrar-se do malvado executor
que o pobre filho degolara sem piedade,
nesse primeiro momento que se enseja...

Enquanto isso, Berislav cavalgou
até a beira do lago e ali despiu
cada pesada peça da armadura
e então nas suas águas mergulhou.
Logo o jardim submerso ele encontrou
e bem depressa entrou pela mansão.
Bem amarradas, as seis donzelas viu,
todas elas de grande formosura,
que a dragoa em escravas transformou,
libertando-as com grande exultação!...

Para a praia transportou-as, uma a uma;
pôs duas no cavalo e caminhou
com as outras quatro até a sua cidade,
gastando nesse passo a noite inteira,
levando em conta a vaidade interesseira
que Bojan de madrugada mostraria...
E dito e feito!  Mal a aurora despontou,
lá estava ele, todo elegante, na verdade;
para casar com a princesa ele se apruma,
sem perceber onde a inimiga se escondia...

E de repente, a mãe de Tzimey,
em dragoa de novo transformada,
atirou-se sobre Bojan e o devorou!...
Logo alçou voo por vez derradeira,
mas com o peso sofreu queda bem certeira,
caiu no lago e nas águas se afundou!...
Ruiu a mansão, num instante derribada,
foi-se o jardim, quando o encanto terminou...
Somente os ossos ali encontrou o rei,
quando a dragagem de suas águas ordenou!...

EPÍLOGO

Mas isso foi depois.  O herói chegou
antes da noiva, com suas seis donzelas
e alegremente celebrou-se o casamento,
as seis famílias na maior felicidade
por suas filhas recobrarem, de verdade!
Pouco depois, o Rei Mihajlo faleceu;
Lyubitza e Berislav, em roupas belas,
Coroados sem questão nesse momento;
tempos depois que no trono se assentou,
agiu Berislav conforme Dobenka prometeu...

Com um grande cortejo, foi à aldeia
em que seus pais, já bem velhos, habitavam,
cumpridos onze anos e um dia, exatamente,
depois que o mundo fora correr em excursão.
Já as maçãs eram três ovos de dragão,
que ali eram postos para amadurecer
e ao invés de serem chocados, cozinhavam...
E Berislav se afastava justamente
Para crescer, no casulo de uma teia
Com que Dobenka o estava sempre a proteger...




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