terça-feira, 9 de setembro de 2014






O PÁSSARO DE FOGO
(Folclore tcheco, versão poética William Lagos, 8/9/2014.)
(Esta história traz muitos pontos em comum com A Raposinha, folclore português, recolhida no Nordeste do Brasil por Sílvio Romero e transcrita por Monteiro Lobato
em Histórias de Tia Nastácia, já anteriormente versejada por este autor.)

O PÁSSARO DE FOGO I

O Rei da Boêmia possuía magnífico jardim
em Karlovy Vary, no pátio do castelo,
cheio de flores e de árvores preciosas,
a mais notável de todas a sua macieira,
frutificando inverno e verão, sem fim,
a cada dia produzindo um pomo belo,
como são esses dos contos fabulosos...
Era uma única maçã, porém de ouro;
de manhã florescia, de dia ia crescendo
e ao entardecer, era fruto já maduro...
Porém o rei não usufruía o seu tesouro,
porque esse lindo pomo de ouro puro
todas as noites ia desaparecendo,
o talo apenas deixando em sua esteira...

Nenhuma fruta sobrevivia à noite,
sem se entender o que lhe acontecia;
dominados por estranho encantamento,
nada viam os guardas e sentinelas,
a quem o sono dominava, à meia-noite;
o próprio rei, sem querer, adormecia
pela manhã vendo o desaparecimento...
Porém pensando ser problema de velhice
e que seus filhos, sendo mais vigorosos
demonstrariam então o vigor da idade,
chamou o mais velho, Silvko, e lhe disse:
“Meu filho, preciso de um vigia de verdade,
que não sucumba aos encantos perigosos
e impeça o roubo de minhas maçãs tão belas...”

Silvko, de fato, mandrião e gozador,
imaginou como escusar-se da incumbência,
mas sabendo que o próprio pai já ali vigiara,
deu ao desejo paterno assentimento;
sua indumentária colocou de caçador,
pegou seu arco e dispôs-se, com impaciência,
à tarefa de que o rei o encarregara...
Reuniu um grupo forte de soldados
e mais seu escudeiro, com dois pajens:
seria impossível que todos adormecessem!
A maçã d’ouro mostrava brilhos delicados...
Fez com que as sentinelas se mexessem,
de modo tal que não caíssem nas visagens
de feiticeiro com sutil encantamento...

O PÁSSARO DE FOGO II

Porém quando a meia-noite se achegava,
viu-se tomado de um cansaço incompreensível;
foi jogar cartas com os pajens e o escudeiro,
as sentinelas ainda em lerdo movimento...
Mas seus parceiros já o sono dominava...
E as sentinelas, em modorra irresistível,
foram caindo, cada uma num canteiro...
O quanto pôde Silvko ao sono resistiu,
ao escudeiro e aos pajens sacudindo,
sem o menor resultado conseguir,
até que o próprio príncipe dormiu...
Só quando a luz da aurora foi surgir,
suas pálpebras foram lentamente abrindo:
a maçã ausente, em desapontamento!...

Chegou o rei e já encontrou todos em pé,
andando a esmo, meio aparvalhados...
E indagou-lhe: “Capturaste o meu ladrão?”
Silvko negou, de muito mau-humor:
“Passei a noite da macieira no sopé,
meu arco e flechas sempre preparados...
Mas de repente, houve um súbito clarão
e simplesmente a sua maçã desvaneceu...
Eu trouxe os pajens e meu escudeiro;
indagar podeis, que tampouco nada viram!”
Mesmo assentindo, o rei não se convenceu,
mas todos ao redor também mentiram:
não iriam contrariar o príncipe-herdeiro!...
E assim o rei afastou-se, sem rancor...

Na outra noite, convocou o segundo filho,
chamado Ditko, e repetiu-lhe a incumbência.
Como o mais velho, ele era um preguiçoso,
exceto em lutas ou nas artes marciais,
mas aprestou-se a seguir o mesmo trilho:
colocou a armadura e, com potência,
sopesou a lança e o escudo poderoso,
montando em seu cavalo ajaezado,
acompanhado de pajens e escudeiros,
mais uma guarda de vinte sentinelas...
Mas começou a sentir o olhar pesado,
os companheiros já dormindo sobre as selas,
as sentinelas caídas nos canteiros,
até os cavalos em sonos anormais...

O PÁSSARO DE FOGO III

Justo é dizer que Ditko resistiu,
porém não pôde a meia-noite ultrapassar
e também ele adormeceu sobre sua sela,
só acordando quando surgiu a aurora;
e quando o rei seu pai o inquiriu,
não quis mentir, porém tergiversou:
“Meu rei e pai, não vi ninguém a noite inteira,
mas a maçã, quando olhei, não estava lá!”
Era a verdade... Contudo, não contou
que por seis horas estivera adormecido,
até os cavalos imóveis acolá,
embora tivessem em pé permanecido...
Em desaponto o rei nem protestou,
lembrando as vezes em que dormira, outrora!

Na outra noite, em derradeira alternativa,
a Vladko, o seu caçula, ele chamou,
que recém dezesseis anos completara
e de idêntica tarefa o incumbiu...
Dispôs-se o jovem a fazer a tentativa,
contudo escolta e sentinelas dispensou:
talvez a mágica de um só guarda descuidara!
Porém vestiu também a sua armadura
e tomou a sua balestra e os seus virotes,
de que os irmãos faziam zombaria,
dizendo ser arma de criança sem bravura,
arco covarde que dispensa a pontaria!
Dando de ombros, mandou apagar os archotes...
Riram os irmãos: “Pronto, esse já dormiu!...”

Porém Vladko tecera túnica de espinhos
com peles de ouriços e a vestiu sob a armadura,
logo por cima de sua camisola...
as cerdas grossas assim o espetavam,
Mas sem furar da camisola os linhos,
nem lhe causar ferida ou pisadura...
Só o incomodavam, dos quadris à gola
e desse modo, enquanto caminhava,
os abrolhos o pinicavam todo o tempo...
E mesmo que de vez em quando se deitasse,
alguma súbita pontada o acordava,
por mais que o encantamento o dominasse,
pelo incômodo daquele contratempo;
e assim seus olhos abertos continuavam...

O PÁSSARO DE FOGO IV

Desse modo, quando chegou a meia-noite,
foi assombrado por um súbito clarão
e viu um pássaro de fogo, que pousava
sobre o galho em que brotara sua maçã...
Aprestou a sua balestra com afoite
e um virote disparou com precisão
que logo a asa do pássaro acertava!...
Porém na armadura de fogo derrapou,
só uma ígnea pena lhe arrancando...
Mas com o golpe, a ave asas bateu
e dessa vez, a maçã não carregou!...
Com os pés, o fogo ele esbateu,
o calor da pena logo se abrandando,
ficando a fruta no pé essa manhã!...

Chegou o rei, ansioso: “Então, pegaste
o meu ladrão...?” – “Não, Majestade,
apenas o feri, pois era um pássaro de fogo;
está aqui a pena que dele arranquei...”
“Mas como o sono forte dominaste?”
“Eu pus espinhos sob a roupa, na verdade,
como um cilício...  E quando ia adormecer,
sentia uma picada e me acordava... (*)
Ou talvez hoje fosse mais fraco o encantamento,
julgando o pássaro não estar sendo vigiado...”
A seus dois irmãos a inveja dominava,
mas o felicitaram, com o maior cuidado...
A pena de fogo iluminava um aposento
como se fosse dia e encantou o rei...
(*) Um cinto com pontas de ferro, que certos monges usavam
por debaixo dos hábitos, como sinal de penitência.

“Quero que façam muitas armadilhas
para pegar a esse pássaro de fogo!”
Porém a ave nunca mais voltou,
embora o tesouro real se incrementasse
com as maçãs de ouro em altas pilhas...
Após um ano, aos filhos fez um rogo:
“A melancolia minha saúde já minou...
Preciso mesmo a esse pássaro obter!...
Quero que partam em sua busca todos três,
só o seu canto minha doença há de curar!...
Aquele de vocês que mo trouxer
metade de meu reino irá ganhar!...
Talvez assim também escolha entre vocês
quem a coroa, após minha morte, herdasse!”

O PÁSSARO DE FOGO V

Sentiu-se Silvko ofendido e acabrunhado,
já que era ele o herdeiro natural...
“Por que, meu pai, me deseja deserdar...?”
“Bem ao contrário, estou a dar-lhe a ocasião
de demonstrar como está bem preparado
para no trono suceder-me, em meu final...
Esta dor no coração vai-me matar!...
Preciso ter diante de mim o pássaro vivo,
pois só seu canto irá curar a minha doença...
Partam portanto, sem falha, à luz da aurora
e não retornem sem o tal pássaro esquivo:
preciso ouvir seu canto sem demora!...”
Assim os príncipes partiram, sem detença,
montando um baio, um zaino e um alazão!...

Em breve acharam-se em uma encruzilhada
de que partiam três caminhos diferentes.
Silvko disse: “Vamos aqui nos separar
e retornar dentro de um ano e um dia!...”
Ditko falou: “Deixaremos cada aleia demarcada
por um galho de árvores valentes...
Se o ramo botar raízes e pegar,
será sinal de que o pássaro foi achado;
mas se virmos somente um galho ressequido,
será sinal de que o irmão não teve sorte...”
Cada um marcou o seu sendeiro designado,
com carvalho, salgueiro e álamo forte
e demandou cada qual rumo escolhido,
nessa esperança que a todos impelia!...

O Príncipe Silvko cavalgou em linha reta,
até chegar a um topo de montanha...
Sentou-se numa pedra e foi comer,
porém surgiu-lhe uma raposa avermelhada,
que lhe falou em entonação correta:
“Belo senhor, minha fome hoje é tamanha
que sou forçada à sua bondade recorrer...
Por favor, reparta comigo a sua comida...”
Silvko agarrou do chão um pedregulho
e o lançou, com pontaria certeira!
Saiu a raposa mancando, malferida...
“Pensas que sou teu pai, interesseira?
Às minhas custas queres encher o teu pandulho?”
Fugiu a raposa, com a pata machucada...

O PÁSSARO DE FOGO VI

O Príncipe Ditko tomou o caminho da direita,
chegando ao centro de uma vasta pradaria;
com uma flecha, abateu uma perdiz
e prontamente a assou em uma fogueira;
começou a devorá-la e, de outra feita,
igual que ao irmão, a raposinha lhe pedia,
atraída pelo faro:  “Caçador que foi feliz,
por favor, me dê um pouco de comida...
Estou faminta e com a pata machucada:
há vários dias que nem posso caçar...”
Porém Ditko, vendo a pobre malferida,
sua linda pele cobiçou para esfolar
e com sua lança deu um golpe na coitada,
que escapou, sangue deixando na sua esteira...

O Príncipe Vladko a senda esquerda percorreu
e foi parar junto à margem de um regato...
Com sua balestra, três trutas alvejou...
Depois de limpas, assou-as na fogueira...
Quando ia comer, a raposinha apareceu
e lhe pediu, meio a medo e com recato:
“Jovem príncipe, compartilha o que pescou...?”
Vladko olhou-a, um tanto surpreendido:
“Bela raposa, como foi ficar com fome?
Aqui há caça e a pesca é abundante...
Não precisa ter medo... Fui bem sucedido
e para a refeição tenho bastante...
Onde come um pescador, a outra come,
pobre animal, está com fome verdadeira!...”

Assim dois peixes deixou para a raposa
e só comeu o terceiro que restara...
“Minha raposinha, quem foi que a machucou?
Está mancando... Caiu de ribanceira...?
Quem judiaria de criatura tão formosa...?”
Mas viu que lança o pelo lhe raspara...
“Alguma pedra alguém no ombro lhe acertou?
Vamos lavar-lhe o sangue das feridas,
trago água bem limpa no cantil...”
Logo depois, com azeite as esfregava...
“Foram todas de raspão, mas só lambidas
não a curariam, se alguma mosca ali pousava...
Pobre raposa, quem lhe deu trato tão vil...?”
Mas o animal só se enroscou junto à ribeira...

O PÁSSARO DE FOGO VII

Já estando tarde, Vladko montou acampamento;
no outro dia, viu que a raposa estava sã;
abriu a mochila e repartiu sua provisão
que vinha poupando para a longa viagem...
Lambeu a raposa seu focinho, num momento.
brilhando o pelo sob o sol dessa manhã...
“Príncipe Vladko, você mostrou-me compaixão;
não se espante que eu já saiba quem é,
e ainda o motivo que o traz neste caminho.
Se escutar tudo o que lhe aconselhar
e em todos os meus conselhos tiver fé,
o pássaro de fogo irá alcançar,
bem facilmente, em troca do carinho
que me mostrou... bastando ter coragem...”

O jovem príncipe prometeu obedecê-la
e a raposa tomou a dianteira, velozmente,
a grossa causa a sacudir como uma escova:
os montes aplainava e as poças se aterravam,
e sobre um rio estendeu passagem bela,
seguindo-a Vladko, bem corajosamente,
embora suspeita o seu coração comova:
Nenhuma raposa capaz disso seria!
Mas não pensou que fosse feiticeira
ou que o atraísse para um mau destino;
continuou quieto, só mais tarde falaria...
Seria uma fada esse animal tão fino...?
Sem perturbar-se, seguiu na sua esteira
até um castelo, cujos muros já se alteavam...

“Esse é o palácio do Imperador da Hungria,”
disse a raposa. “Está aí o pássaro de fogo;
cuide no céu quando o Sol estiver a pino;
ao meio-dia em ponto, amarre o seu cavalo.
Entrando a pé, verás que, por força de magia,
estarão todos adormecidos a meu rogo...
Não fales com ninguém, segue o destino,
não te detenhas, apenas entra com coragem...
No primeiro salão, em gaiolas de ouro,
doze pássaros negros hás de encontrar,
que estão dos sonhos envolvidos na miragem;
em um segundo salão, irás achar
doze pássaros dourados, em jaulas de couro;
também em silêncio deverás atravessá-lo...”

O PÁSSARO DE FOGO VIII

“No terceiro salão, pousado num poleiro,
o pássaro de fogo acharás adormecido;
verás de um lado bela gaiola de ouro
e do ouro simples gaiola de madeira:
coloca nesta o pássaro alcandoreiro;
não o ponhas na de ouro ou arrependido
irás ficar e sofrer grande desdouro!...
À minha palavra presta a máxima atenção
e de imediato alcançarás o objetivo,
podendo então retornar ao teu castelo...
Mas não te deixes cair em tentação
ou mau destino acabarás por tê-lo!...
Parte agora silencioso, mas ativo
e tua missão completarás inteira!...

E la se foi o príncipe, em silêncio,
bem no momento em que soava o meio-dia
no campanário mais alto de uma igreja,
construída entre as muralhas do castelo.
Todos dormiam, tal qual lhe mencio-
nara a raposa... E assim cruzou com harmonia
os três salões... E à sua frente então se enseja
a mais bela visão de toda a vida!...
Antes o pássaro ele só vira de relance,
contudo agora o contemplava totalmente!...
Mas a tentação levou-o de vencida:
Ele tornará a madeira incandescente!
Está o pássaro de fogo a meu alcance,
mas há de escapar e não poderei mais tê-lo!...

O pássaro agarrou com suas luvas de aço
e o enfiou depressa, de ouro na gaiola!
Mas no momento em que a porta lhe fechou,
abriu os olhos, dando um guincho lancinante!
Tentou fugir, com a gaiola no regaço,
mas de cada jaula abriu-se a portinhola
e uma dúzia de pássaros o cercou,
bicando em vão o aço da armadura,
todos piando com gritos estridentes,
de tal forma que quebraram todo o encanto!
Vieram seis guardas de terrível catadura
e o prenderam ali mesmo, no recanto...
Conduziram-no ao Imperador braços potentes
e viu-se Vladko perdido nesse instante!...

O PÁSSARO DE FOGO IX

“Quem és tu?” – gritou o Imperador da Hungria,
“que te atreveste minhas portas a arrombar
e que desacordaste as minhas sentinelas?
Queres roubar-me o pássaro, vil ladrão?”
Vladko respondeu como a coragem o permitia:
“Não, Majestade, foi seu pássaro a assaltar
durante anos, de meu pomar as belas
maçãs de ouro, assim roubadas de meu pai!
Só uma pena tirar-lhe eu consegui
e de tristeza adoeceu meu pai e rei!...
Sem escutar o seu canto, ele não sai
de seu leito e nenhuma outra cura encontrarei!
Por tal motivo é que ingressei aqui:
suplico a Vossa Majestade o seu perdão!...”

“Até acredito ser por causa meritória
e de tal modo, ir em paz o deixarei...”
“Não, Majestade, pelo pássaro suplico,
preciso dele para curar meu pai!...
“Esse pássaro do reino é antiga glória;
de meu pai e meu avô foi que o herdei,
que um ancestral, da vitória no seu pico
o conquistou... Mas por um ano e um dia
eu o emprestarei, sob uma condição:
que me traga o garanhão de crinas de ouro!”
E sem mais outra palavra, à estrada o envia...
Saiu o príncipe, cabisbaixo em seu desdouro,
no cavalo montou, sem saber a direção
e em rumo incerto pelos caminhos vai...

Logo a seguir, deparou com sua raposa...
“Mas por que não seguiste o meu conselho?”
“Pensei que o pássaro queimasse a de madeira,
por isso escolhi a sua gaiola de ouro...”
“Fizeste muito mal, mas sou bondosa...
Desta vez, sê fiel como um espelho
e me obedece até a palavra derradeira!”
O príncipe demonstrou-se arrependido
e prometeu-lhe que instruções obedeceria,
ao pé da letra, sem nada descurar...
E novamente, o caminho foi seguido
que a raposa abria à frente, a lhe mostrar,
por rios e montes, que sua cauda aplanaria,
muito mais forte que só fossem pelo e couro!

O PÁSSARO DE FOGO X

Finalmente, eles chegaram a um castelo
Com as muralhas de cobre ladrilhadas:
“É da România o Palácio Imperial,”
falou a raposa, perfeitamente descansada.
“Ali se encontra o tal cavalo belo,
com longas crinas de ouro bem trançadas;
vou de novo lançar o encanto matinal:
todos aqui irão dormir ao meio-dia...
No primeiro salão, verás doze belos animais:
palafréns negros com rédeas de ouro;
no segundo, doze brancos, no total,
com rédeas negras de marchetado couro;
todos a dormir e as sentinelas ainda mais:
não dês a mínima atenção à cavalhada...”

“No terceiro salão, perante a manjedoura,
está o cavalo que vieste aqui buscar;
embora em pé, dócil e adormecido...
Mas dois jaezes verás ali pendurados,
um cravejado com a brida loura
o outro negro, sem de nada se enfeitar...
Este é o jaez que te serve, meu querido:
guarda-te bem de pegar o mais precioso
ou grandemente te irás arrepender!...”
Vladko entrou, justo ao bater do meio-dia,
viu os garanhões, em seu sono rumoroso,
mas nem sequer a crina lhes tremia...
E no terceiro salão mal pôde crer
no espetáculo ante seus olhos deslumbrados!

Era o cavalo mais formoso que já vira!...
De couro negro pegou os seus arreios
e fácil o albardou, sem resistência...
Porém caiu de novo em tentação!...
Na outra brida um raio de sol gira...
Vou guardá-la no embornal, sem ter receios;
nem vou tocar nesse animal... Toda a potência
será mantida assim do encantamento...
Antes lhe fosse!   No momento em que a pegou,
o cavalo abriu os olhos, num relincho,
e despertou toda a manada num momento!
O estribeiro acordou-se com um guincho
e a guarda inteira a seu redor chegou,
para levá-lo ao Imperador, com má intenção!...

O PÁSSARO DE FOGO XI

Este a Vladko encarou, enfurecido:
“Como te atreves a vir aqui roubar?
Que bruxaria lançaste, feiticeiro,
que a guarda inteira fizeste adormecer?
Por essa armadura com que estás vestido
percebo bem que nasceste em bom lugar...
Diz-me quem és e para que fim traiçoeiro
o meu castelo te arriscaste a profanar!”
Falou-lhe o príncipe, com sinceridade:
“Meu pai é o Rei da Boêmia, mais ao norte...”
E sua história inteira foi a seguir narrar.
“Lamento muito a sua triste sorte
e deste modo, perdoarei a sua maldade:
pode ir embora, sem nada mais temer!...”

“Mas, Majestade,” falou Vladko, embaraçado,
“eu preciso que me dê o seu cavalo,
para trocar pelo pássaro de fogo
e restaurar a saúde de meu rei...”
“Este cavalo é o bem mais afamado
de meu reino e jamais poderei dá-lo,
porém o empresto por um ano e um dia,
desde que cumpra uma certa condição:
que me traga Zlato Vlaska, três vezes bela,
a qual mora em um castelo de ladrilhos
feitos de bronze, da Bulgária na região;
junto ao Mar Negro vês do castelo os brilhos,
porém mais brilha a cabeleira da donzela!
Só assim o meu cavalo emprestarei!...

Saiu Vladko do castelo, de novo acabrunhado...
Montou a cavalo e deparou com sua raposa:
“Eu não te disse no jaez de ouro não tocar?”
“Não pretendia no garanhão o ajaezar,
Só no embornal o traria, bem guardado...”
“És dotado de uma teimosia perniciosa!...
Mas por terceira vez vou te ajudar,
pela comida que me deste e o carinho
com que trataste as minhas duas feridas...
Porém é a última vez.  Se me desobedeceres,
não mais te indicarei qualquer caminho!...
Desta feita, cumpre o que me prometeres
e não mais cedas às tentações garridas,
pois esta culpa certamente hás de pagar!...”

O PÁSSARO DE FOGO XII

Jurou Vladko que aprendera a sua lição
e para o sul a raposa abriu caminho,
cortando bosques, abrindo túneis nas montanhas,
até chegarem do Mar Negro à margem.
“Olha o castelo que reluz, na imensidão
de ladrilhos de bronze, aqui vizinho...
Não existe nele um rei, mas só rainha,
A “Soberana do Mar”, que tem três filhas,
uma loura, uma ruiva e outra morena...
Zlato Vlaska é a mais moça das três...
Diz à rainha que cruzaste longas trilhas
para saudá-la, na sua viuvez
e a mão pedir-lhe da filha mais pequena,
por o mais moço seres de tua linhagem...”

“Provavelmente, ela te consentirá,
desde que a Zlato Vlaska saibas escolher;
As três irmãs são igualmente belas,
totalmente cobertos seus cabelos...
Mas a jovem loura é a que se vestirá
com a maior modéstia, sem querer
sobre si chamar mais atenção...
Faze o que eu digo e obterás sucesso...”
“Mas desta vez não haverá encantamento?”
“Já me cansei de por sono enfeitiçar;
és teimoso demais, em meu apreço;
essa tua noiva deves sozinho conquistar,
por teu valor e teu merecimento;
se obedeceres, obterás os seus desvelos.”

Foi o príncipe montado até o castelo,
para pedir audiência à sua rainha,
mulher belíssima e muito majestosa,
a quem se apresentou com cortesia:
“Majestade, vim trazer-lhe meu apelo
e condolências por ser viúva e estar sozinha...
Se me apresento em sua presença poderosa,
é que desejo pedir-lhe em casamento
Zlato Vlaska, a mais nova de sua filhas...”
“E por que a dela e não de suas irmãs?”
“Sou o mais moço, por meu nascimento,
dos três filhos de meu pai, sendo malsãs
ligações com mulheres mais velhas, falsas trilhas...
Só com a mais moça eu viverei em harmonia...”

O PÁSSARO DE FOGO XIII

“Pois muito bem, minha filha eu lhe darei,
se for capaz de aqui reconhecê-la...”
Levou o príncipe a um grande salão,
em que fiavam belíssimas donzelas,
perante rocas, tal como lhes direi:
Uma vestida de ouro, com uma roca bela,
de que era inteira de ouro a construção;
outra vestida de prata e o instrumento
também era de prata; e a terceira
usava roupas de um branco fulgurante,
mas com os olhos voltados para o chão,
fiando em simples roca de madeira;
as três cabeças sob panejamento,
sem ver-se um fio das cabeleiras belas...

Então Vladko declarou, sem hesitar:
“Eu quero a jovem do branco vestido!”
“Percebo que te informaram de antemão,
mas quero ver se a reconheces de manhã!
Vamos comer e depois te irás deitar...”
Durante a noite, Vladko viu-se surpreendido
pela donzela de quem pedira a mão,
soltos e lindos seus louros cabelos:
“Se amanhã me quiseres escolher,
cuida uma mosca, a revoar em torno a mim!”
E num instante sumiu-se a aparição...
Pensou o príncipe só ter sonhado assim,
mas no outro dia, viu no salão comparecer
completamente idêntica, cada irmã!...

As três usavam toucas reluzentes,
tecidas da mais pura malha de ouro,
brilhando tanto, sob a luz do sol,
que deixaram o pobre Vladko ofuscado...
“Vamos, escolhe!”   Com frases prementes
a mãe o incitou para o desdouro!...
Viu ele então reluzir menor farol:
uma mosquinha adejando junto à touca
que usava, sem mover-se, uma donzela.
“Escolho esta!” Vladko falou, sem hesitar.
“Acertaste...” – disse a rainha, com voz rouca,
“Mas não é tão fácil minha filha assim ganhar;
mediante outra prova obterás minha filha bela
ou serás pelo atrevimento executado!...”

O PÁSSARO DE FOGO XIV

No outro dia, tão logo se acordou,
veio a rainha a entregar-lhe uma peneira.
“Há uma laguna, com salobres águas,
que atrapalha de meu parque o crescimento...
Se até o anoitecer você a esgotou,
sem empregar cano, bomba ou uma torneira,
minha filha lhe darei, com grandes mágoas...
Porém se nesta prova fracassar,
ordenarei que lhe cortem a cabeça
e a pendurem de um gancho na muralha!
Seu corpo será então jogado ao mar
e esta promessa hei de cumprir sem falha;
de minhas filhas casar não tenho pressa,
que a solidão só me trará padecimento!...”

Chegou o príncipe à beira da lagoa...
Meio sem graça, enfiou nela a peneira
e a água toda escorreu, naturalmente...
Ficou imóvel, sem saber o que fazer...
Não desejava perder a vida à toa;
pior ainda, descobriu subitamente
que por Zlato Vlaska já se apaixonara!
E estava ali, agachado, sorumbático,
quando a princesa a seu lado viu surgir,
sem que notasse como se aproximara;
passou-lhe a mão na testa e lhe sorriu,
a indagar-lhe, do jeito mais enfático:
“Vai desistir e pela morte me perder...?”

“A rainha sua mãe exigiu-me algo impossível:
como esvaziar essa laguna com peneira...?
E ainda que de algum modo o conseguisse,
está ligada ao mar e se encheria,
antes que o fundo sequer fosse atingível...
Não vou passar nesta prova derradeira,
sem que a missão de meu pai eu concluísse...
Pior que tudo, vou-lhe confessar:
Minha pena real é que eu a perderei...
E deste modo, conformo-me em morrer!...”
“Ora, tolinho, permita-me ajudar:
vou-lhe mostrar o que aqui deve fazer:
bem no meio da laguna eu a jogarei...”
Vladko pensou que a peneira afundaria...

O PÁSSARO DE FOGO XV

Mas, ao contrário, numa nuvem de vapor,
a laguna esgotou-se, totalmente!...
Surgiu a raposa, então, com seu cavalo:
“Pegue sua noiva e fuja bem depressa!...”
Pôs Vladko na garupa o seu amor
e pela estrada partiu, rapidamente...
Mas na România, deveria trocá-lo
pelo garanhão de ouro!... O que faria?
Puxou as rédeas e montou acampamento,
aparvalhado ante a terrível decisão...
A raposa o acordou, rompendo o dia,
deu uma volta no ar e, em turbilhão,
transformou-se em outra jovem num momento!
“Sua noiva dorme... Vamos partir a toda pressa...”

“Lá no castelo troque a mim pelo cavalo!
Volte bem rápido e retome o seu caminho...”
“Mas e você?...”  “Eu saberei me proteger...”
Então Vladko aceitou e assim o fez...
O Imperador deu-lhe a montada sem abalo:
“Porém recorde ser por um ano e um dia!”
Voltou o príncipe, galopando a bom correr,
despertando a sua donzela adormecida
e retomando outra vez a antiga estrada,
os dois cavalos marchando lado a lado...
Seguia a jovem calada e aborrecida,
Difícil mesmo conversar nesse apressado
caminho, em longa viagem empoeirada,
que a recobria e lhe escurecia a tez...

O Imperador da România ordenou o casamento,
e embriagou-se com os convivas no festim,
mas de repente, sua noiva foi embora,
sem perceberem de imediato o sucedido,
pois em raposa se transformara num momento
e já apagava a estrada feita assim,
como apagara a da Bulgária, em outra hora,
ficando assim exaurida e bem cansada,
mesmo sendo uma fada poderosa
e capaz de projetar tanta ilusão...
Alcançou os viajantes, apressada
e falou: “Você quer conservar o garanhão?
Vou ajudá-lo outra vez, que sou bondosa...”
E fez-se a imagem do cavalo conseguido...

O PÁSSARO DE FOGO XVI 

Vladko o falso corcel então trocou
pelo pássaro de fogo desejado
e retornou a seu novo acampamento,
pegando a noiva e o outro cavalo, bem depressa
e pela estrada velozmente se lançou,
sem estranhar de Zlato o ar calado...
Chegou a raposa atrás e o preveniu:
“Volta depressa ao castelo de teu pai,
não pares nunca ao longo do caminho...
Não te acompanho, nossa trilha vou apagar...”
Muito depressa, Vladko pela estrada vai,
já bem cansado, depois de viajar
por quase um ano, longe de seu ninho,
atingindo a encruzilhada sem mais pressa...

Viu secos os ramos do centro e da direita,
mas o da esquerda era uma árvore frondosa
e acreditou que poderia descansar...
Os cavalos amarrou e foi deitando
no solo com a princesa, desta feita
sob a sombra de sua árvore formosa,
em cujos galhos foi a gaiola pendurar,
em que se achava o seu pássaro de fogo,
que ali gorjeava muito docemente,
enquanto os dois cavalos relinchavam...
Mas a princesa bem depressa silenciou,
numa reserva que Vladko estranhava:
Por que, às vezes, falava alegremente
enquanto em outras totalmente ia calando...?

Ora, ocorreu que terminara o prazo
e Silvko e Ditko lentamente retornavam,
naturalmente sem obter qualquer sucesso...
Mas no momento em que vieram à encruzilhada
viram o grupo, mais por mero acaso;
Vladko e a noiva abraçados ressonavam...
De má intenção lhes sobreveio feio acesso...
Disse Silvko: “Ele é que vai ser o herdeiro
desse trono, que me pertence por direito...”
E falou Ditko: “E vai casar com essa donzela,
que eu gostaria de ter visto primeiro...”
“Vamos amarrá-lo nessa árvore tão bela
e garantir que só nosso foi o feito...?”
“Isso não vai, afinal, servir de nada!...”

O PÁSSARO DE FOGO XVII

“Logo passa por aqui algum viandante
e o desamarra... Então vai nos denunciar
e no final, nosso pai nele acredita...
Vamos jogá-lo daquela ribanceira!...”
Silvko hesitou ante a ideia repugnante,
mas decidiu-se a Ditko acompanhar
e ladeira abaixo Vladko se precipita!...
Os dois irmãos acordaram a donzela
e a ameaçaram, sob pena de morte,
caso contasse a alguém o sucedido!...
Calou-se o canto da ave tão bela,
nem relinchou o cavalo conseguido...
Zlato Vlaska aceitou calada a sorte;
foram ao castelo em procissão ligeira...

Os maus irmãos ali se apresentaram,
trazendo a jaula com o pássaro de fogo,
que encheu de luz o quarto do doente,
porém se recusava até a piar...
O pai indagou de seu irmão e eles falaram
que ele tomara de outra senda o jogo
e nesse errado caminho, certamente,
o rapaz se perdera, já que ainda não voltara...
talvez algures tivesse até morrido...
Deixaram muito aflito o pobre ancião,
enquanto Zlato Vlaska só chorava...
Que algo de estranho havia acontecido
o castelo inteiro agora suspeitava,
mas não falavam em aberto a suspeição,
temendo Silvko, que poderia se vingar...

Jazia Vladko no precipício bem profundo
e a raposa em sua busca retornou;
viu três abutres para ali adejando...
Desceu também, com mau pressentimento,
achando Vladko estendido lá no fundo...
Com um bote, o menor abutre abocanhou
e o abutre velho foi depressa crocitando:
“Por favor, não mate o meu filhinho!...”
“Só o perdoarei em troca de um favor:
Vá do Mar Negro até a margem oriental;
traga depressa, sem derramar pelo caminho,
Água da Vida e Água da Morte, bem e mal,
para que eu possa reanimar o meu senhor...
O seu filhote só libertarei nesse momento...”

O PÁSSARO DE FOGO XVIII

“Muitos filhos eu tive,” o abutre queixou-se,
“mas uns morreram e outros me deixaram;
são esses dois os únicos que ainda tenho:
não sufoque a vida dele, por favor!...”
“O meu senhor aqui acidentou-se
ou foram homens maus que o derrubaram;
com essas águas salvá-lo ainda eu venho,
portanto, as vá buscar, rapidamente,
dependerá disso o seu lindo filhote!...”
Subiu a ave ao céu, numa agonia
e dentro de três dias, exatamente,
trouxe as águas mágicas que a raposa lhe pedia,
em uma bexiga pendurada no congote
a outra nas garras presa com fervor!...

Eram duas bexigas de ovelhas retiradas...
Então a raposa o regou com a Água da Morte,
perdendo logo seu corpo a rigidez...
Depois o banhou com a Água da Vida,
respiração e pulsação recuperadas...
“Como dormi bem!” Vladko bocejou forte...
“Ah, é claro!  E bem terias dormido de uma vez!
Nunca mais acordavas, se não fosse eu!...
Não te falei que não parasses no caminho?
Teus bons irmãos é que quiseram te matar...
Mais uma vez, você me desobedeceu;
se te encontrarem, novamente vão tentar...
Agora segue o meu conselho direitinho,
pois sua maldade só assim será contida...

Então Vladko escondeu a sua armadura
e a raposa lhe deu roupas de aldeão,
indo assim pedir emprego no castelo,
sendo contratado para a estrebaria;
ficou sabendo que sua cavalgadura
nada comia e ia morrer de inanição;
então fingiu que lhe esfregava o pelo
e falou: “Ele só quer palha de ervilha...”
Os estribeiros não o acreditaram,
mas trouxe palha de ervilha do monturo
e o cavalo alimentou-se e, pela trilha,
já sacudia a crina de ouro, a passo duro;
todos os criados muito se espantaram
com o novo empregado e sua magia...

O PÁSSARO DE FOGO XIX

Ora o cavalo, por ouvir-lhe a voz, fora sarar,
mas a notícia logo correu todo o castelo
e foi convocado pelo velho e enfermo rei...
“Das crinas de ouro ouvi curaste o garanhão,
podes fazer este meu pássaro trinar...?
Ah, morrerei, se morrer o pássaro belo
ou de chorar pelo meu filho, eu cegarei...”
Foi o rapaz com o pássaro falar;
(em sua cegueira, o pai não o reconhecera)
Então falou: “Ele só quer grãos de cevada.”
Trouxeram os grãos e ele se pôs a debicar,
para depois cantar, com voz de fada,
logo a seguir, o rei se restabelecera,
menos um peso sobre seu coração...

“Meu caro jovem, que és tão habilidoso,
não poderás também curar essa donzela
que meus filhos trouxeram da viagem...?
Só faz chorar e não se lava, nem penteia...
Vejo melhor que seu rosto é tão formoso!...
“Majestade, permita-me só falar com ela...”
Trouxeram a moça duas aias e um pajem...
Ele falou: “Linda noiva, por que essa tristeza?”
De imediato, ela atirou-se nos seus braços,
muito alegre, a tagarelar contente...
Mas ele, o noivo de uma jovem da nobreza?
Ditko avançou, num ademane prepotente,
Pretendendo interromper os seus abraços:
“A noiva é minha, plebeu, não se arreceia?”

E como o rei ainda o encarasse com espanto,
tirou a touca para seu rosto ser mostrado:
“Meu pai, sou Vladko!  O senhor já me esqueceu?”
De espanto o rei arregalou os olhos...
“Meu filho!” – ele exclamou, vertendo pranto.
“É um impostor!” – gritou Silvko, apavorado,
mas Zlato Vlaska testemunhou, do lado seu
e ambos, com um gesto, imobilizou depois,
contando a história como inteira transcorrera...
Ficou o rei jubiloso e entristecido
e com grande fúria voltou-se para os dois:
“Mas como pôde um mal assim ter ocorrido?”
Ganhando um filho aos outros dois perdera...
“Um fratricídio para obter os meus espólios...?”

O PÁSSARO DE FOGO XX

“Depois, decerto, também me matariam!?...”
Já ia ordenar que fossem decapitados,
porém Vladko pelos irmãos intercedeu:
“Eu os perdoo, que sejam só banidos...”
Eles juraram que nunca voltariam,
porém ficaram uma semana encarcerados,
enquanto era celebrado o casamento
de Vladko com sua lindíssima princesa...
Lá do cárcere foi quase uma tortura
o escutar das mil celebrações...
“Você é fada, também, tenho certeza...”
falou o príncipe, após as manifestações
de amor e de carinho e de ternura,
depois de horas em seus beijos esquecidos...

Ela mostrou-lhe um magnífico sorriso
e então seus olhos se mostraram esverdeados
e avermelhados seus louros cabelos...
“Meu querido, ainda não me conheceu?...”
“Você é a raposa!” – disse o príncipe, num riso.
“Também sou Vlaska, a de cabelos alourados,
aquela outra uma ilusão de seus desvelos...
Não reparou como ficava apatetada
de cada vez que eu precisava me afastar?
Serei sua fada e para sempre a sua princesa...”
“Mas quando a vi, estava maltratada...”
“Minha própria mãe enfeitiçou-me, sem nobreza,
pois minha beleza já via a dela superar...
Mas meus poderes você restabeleceu...”

“Como assim?”  “Ao ser gentil com o animalzinho...”
E muito alegres, novamente se beijaram...
Mas de repente, o rapaz se recordou:
“O pássaro e o cavalo eu prometi
devolveria a cada rei vizinho...
Um ano e um dia já quase passaram...”
No outro dia, aos dois irmãos encarregou
de levar cavalo e ave aos proprietários,
porém Zlato só enviou duas ilusões:
de fato, a Silvko em cavalo transformou
e a Ditko em pássaro, por artifícios vários:
cada um deles a si mesmo se entregou...
Justo castigo de suas más paixões,
sem que tornassem a ser vistos por ali...

EPÍLOGO

Juntos metade da Boêmia governaram,
para reinar após a morte do rei velho,
que da vida se despediu com alegria;
com muitos filhos ficaram os dois contentes...
Silvko e Ditko seus dias terminaram,
um na gaiola e o outro sob o relho...
Somente um fato nos resta esclarecer:
em que língua nesses reinos conversavam...
Húngaro, Romeno e Búlgaro tão diversos
da língua alemã que na Boêmia então falavam...
Talvez latim ou em francês, que se dizia
ser então a língua comum de todas gentes...
Ou então fossem todos os diálogos conversos
Por Zlato Vlaska, mais magia a exercer...

E em muitos contos de fadas aparece
o arquétipo desses três irmãos,
no qual o irmão mais moço sempre vence...
Uma alegoria aqui se nos oferece:
é somente uma criança enquanto cresce
e vai vencendo os seus desejos vãos:
e no final, sua maturidade prevalece...




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